quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

Blog de férias até janeiro. Tô indo viajar - primeiro pra Ubatuba, com a família, e depois já emendo e pego o busão pra Angra, pruma temporada longe da civilização (vai ser um lance meio Lost... ;) com uns sociólogos USPianos aê... Não respondo mais e-mail nem scrap até o ano que vem. Boas festas a todos! Bebam com imoderação! E até 2007!

quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

::: MEU 2006 :::

[Um troço parecido com uma retrospectiva umbigolítica.]

Fim de ano tem seu charme: é um bom momento pra parar tudo, olhar pra trás e meio que fechar pra balanço – ver se o ano deu lucro ou prejuízo, se foi da safra boa ou da podre, se entra na lembrança na sala das felicidades ou das desgraças... Quem sabe, se der, aprender umas lições com as experiências, quem sabe fazer uns planos de melhoras, quem sabe só curtir a viagem nostálgica pelos trilhos da memória, com o prazer de reconstruir tudo, escrevendo... Castelos de palavras erguidos pra cristalizar os momentos efêmeros...

Tá bom: eu já me conheço bem o bastante pra não poder confiar muito nas minhas “firmes resoluções” de fim de ano e naquelas promessas que me faço e nunca cumpro. Eu costumava fazer, todo fim de ano, uma lista mental com tudo o que eu teria que fazer melhor no ano que entrava. Mas a coisa só ficava de pé por muito pouco tempo... Entrava janeiro e os planos iam meio que ficando pra trás, e a vida meio que seguia de onde tinha parado...

Hoje, muda o ano, e pra mim é só isso: parece que nada mudou além de um dígito no calendário, e nada mais. E eu, como não sou supersticioso, num acredito mais que uma mudança de ano faça qualquer milagre, nem nunca senti como se um ano rompesse bruscamente a continuidade com o que acabou de acabar. Não penso na vida como se ela fosse uma centopéia, toda cortadinha em segmentos iguais, do mesmo tamanho, enfileiradas em fila indiana, tudo geométrico, certinho e bem dividido. Pra mim a imagem da vida é muito mais um louco continuum caótico, tipo uma montanha russa que anda sempre pra frente, em direção a novas curvas, novos abismos e novos loopings, sempre imprevisíveis. E eu acho meio bobo pensar que tudo vai melhorar, assim de repente, só porque no dia 31 a gente faz umas figuinhas, solta uns rojões, pula umas sete ondinhas e se convence de que vai ser mais feliz...

Então deixa o futuro pra depois. Acho que vale mais a pena recordar o passado, contar como é que foi, fazer o balanço...

* * * *

2006 foi um ano cheio de coisas novas. Depois de 4 anos morando em Bauru, sempre morando em república, sempre odiando o curso de jornalismo, eu estava de volta à cidade grande – e não sabia se ia gostar. Foi meu primeiro ano como verdadeiro paulistano – a primeira Mostra de Cinema que acompanhei de perto, os primeiros rolês por uma pá de “points” paulistas, a primeira visita à lendária Galeria do Rock (camisetas do Clash e do Ramones compradas com muito gosto!), minhas primeiras experiências com o Teatro Oficina... Sampa tem uma vida cultural e baladeira fervilhante, que eu só estou começando a descobrir, e que basta pra me fazer achar legal morar aqui, com mesmo com trânsito, poluição e PCC.

2006 começou muito mal, é verdade. Principalmente porque meu 2005 tinha acabado de modo trágico: eu tava no fundo do poço depois que meu TCC foi reprovado e todos meus planos pareciam ter ido por água abaixo... Todos os meus colegas estavam se formando, alegres e saltitantes, partindo para novas fases na vida e novas aventuras, e eu meio que fiquei pra trás, comendo poeira – e me sentindo pisado, humilhado, um pedacinho de lixo. Acho que nunca tive uma crise de auto-estima tão brutal quanto naquele tempo. E acho que nunca antes tinha sentido uma raiva tão mortal daquela faculdade maldita e de quase todos os professores. Entrei em 2006 de cabeça baixa, com o pé esquerdo, amaldiçoando a vida e quase fazendo planos de suicídio. Demorei pra me reerguer. E a cicatriz na alma vai ficar pra sempre.

Eu me lembro: passei boa parte do fim de 2005 meio angustiado, atormentado com o futuro, pensando que eu nunca mais iria viver anos tão bons quanto tinham sido aqueles em Bauru... de 2006 em diante começaria uma vida um pouco mais chata e um pouco mais dura: eu ‘taria de volta à cidade grande, na batalha por um emprego, longe dos amigos (uns que ficavam pelo interior, outros que se dispersavam por aí...), e tava com medo de que as coisas pudessem não se ajeitar tão bem. E eu meio que tomei a decisão, lá pelo meio do meu quarto ano como aluno de jornalismo na Unesp: quero continuar sendo um universitário! Meus 4 primeiros anos como universitário, morando no interior, longe dos pais, foram sim trimmassa, talvez os melhores da minha vida, ricos em experiências e lições - mas acho que me deixaram com gostinho de quero mais... E eu não achava que eu tinha aproveitado aqueles meus anos tão bem quanto deveria – então por que não mais quatro?

As coisas que eu mais tinha desejado pro meu 2006 eu consegui conquistar: passei em Filosofia na FUVEST e consegui me matricular na USP, mesmo estando ainda com pendências na UNESP; consegui sobreviver ao primeiro ano, apesar das crises, e até rolou fácil me adaptar bem à Sampa, e fazer alguns bons amigos, e achar um lugarzinho bacana pra morar, me livrando de ter que voltar a morar em família – uma das coisas que eu menos queria. Consegui pra mim mais ou menos a vida que eu queria. Falta muito, claro – pra começar: um trampinho, um pouco mais de independência financeira - mas a coisa não está má...

Continuo funcionário da VASP (Vagabundos Autônomos Sustentados pelos Pais) e vivendo somente dos empréstimos pedidos ao FMP (Fundo Monetário Parental) - uma das maiores dívidas externas que um filho já contraiu! Mas o bom de ser vagabundo e ainda viver de mesada é que não perco tempo com trampo e acabo tendo toneladas de tempo livre pr’eu fazer o que eu quero fazer – e em 2006 vi mais filmes e ouvi mais música do que em qualquer outro ano da minha vida.

2006 foi o ano em que eu mais vezes vi o dia amanhecer. Na maioria das vezes, estava chapado o bastante para, ao erguer do Sol, abrir um sorriso, abrir os braços e entrar no coro de bebuns: “milááááágre!”

Vi mais shows em 2006 do que em qualquer outro ano da minha vida – e cada vez mais acho que shows são uma das melhores coisas da vida, disparado. Mesmo quando eu estava meio deprê, meio down, com a mente pesada, tudo meio que desaparecia quando aquele som estupidamente alto despencava sobre mim, e a multidão começava a pular, e eu junto com ela, naquele amasso delicioso, naquele calor de derreter, no meio daquela grande suruba coletiva de lavar a alma... Ah, “o poder trans-humano da multidão”, como diz um dos slogan do Oficina! Pulei como um imbecil no Franz Ferdinand e no Hot Hot Heat. E me empolguei feito criança quando o Supergrass começou a tocar ROCK de verdade no Campari. E dancei feito clubber no Soulwax (já tri-bêbado e sendo sustentado pelo cara atrás de mim, algumas vezes, pra num despencar no chão!). E estive frente a frente com bandas fodíssimas das antigas – o Echo and the Bunnymen, o New Order, o Gang Of Four. E vi mais dois shows dos Los Hermanos, apaixonei de vez...

Quanto à nova república / pensão, o esquema é bem diferente de como era na inesquecível Buçalouca, em Bauru, onde eu morei todos os meus quatro anos de unespiano – primeiro numa casa da Benjamin Constant, depois ali na Duque. Em Sampa não rola muito aquele esquema foda: 6 ou 7 caras dividindo um casarão e pagando uns 100 paus de aluguel cada um, podendo fazer o que bem entender com a casa, inclusive transformá-la às vezes num chiqueiro, num puteiro ou numa boate. Em Bauru eu morava numa república estudantil de verdade, caótica, anárquica e bagunçada como tem que ser. Grande parte dos azulejos da cozinha e do banheiro estavam pixados – e vocês imaginam o nível do material... Os tradicionais gritos primais ecoavam pela casa, junto com as risadas, o barulho da TV e os tacos batendo nas bolas de sicuna... a louça acumulava na pia, e a sujeira pela casa sem faxineira, e os rangos eram sempre ultra-toscos, e a maconha ficava ali, dando às vistas de qualquer um, de vez em quando guardada no freezer, ao lado dos hamburgeres e dos steaks de frango...

Em 2006, perdi a vida em república, uma das coisas que mais me dá saudade de Bauru, mas pelo menos me esforcei pra conseguir algo minimamente parecido. Minha nova casa é mais “seriona”, mais “profissional”, a ponto de ser chamada de “pensão” ao invés de república. É um sobradão com 12 quartos individuais, todos apertados feito cela de prisão ou lata de sardinha. Eu tenho o privilégio de ter um dos únicos QUARTOS TRIANGULARES existentes no planeta Terra. Nessa pensão a maioria dos moradores é de USPianos, mas tem muita gente que nem dá muito as caras na casa – chegam à noite pra dormir, saem de manhã cedinho, e a gente nem vê direito. São o que a gente chama de “coadjuvantes”. A rotatividade também é grande: muita gente chega, fica umas semanas e vaza – tipo hotel.

Mas deu pra fazer amizades muito boas com umas 2 ou 3 pessoas da casa, que hoje são muito queridas: um certo japonês sociólogo que toca numa banda de pós-folk, curte Sergio Leone, bebe mais do que deveria e fica discutindo Nietzsche na cozinha com esse que vos fala, enquanto o macarrão não fica pronto; uma certa estudante de música, pianista de primeira, com Ouvido Absoluto e tudo, super gente boa, mas que acha um lixo todas as bandas que eu ouço :P; um certo cozinheiro (ok, ok: gastrônomo!) de Ourinhos que tá tentando virar estrela de tevê em programas culinários, e mais um povo aí...

(Detalhe bizarro: nossa casa fica no quarteirão dum buffet infantil chamado Fábrica da Alegria e em dia de festa nossa casa inteira, sem que um único cômodo seja poupado, fica inundada com a trilha sonora que embala as festividades... E vocês imaginam que a gente já tá ficando louco de tanto ouvir, às onze e meia da noite, belezuras como “lua de cristal, que me faz sonhar...” ou “Parabéns! Parabéns! Hoje é o seu dia, que dia mais feliz!”, dentre outros sucessos xuxianos. A Fábrica da Alegria fabrica tanto ódio em nós moradores da pobre pensão da Dona Juju que estamos vendo de, ano que vem, fazer um atentado a dinamite. Alguém aí promete que me visita na cadeia?)

Em 2006, comecei o curso de filosofia da USP. E querem saber? A verdade pura e simples é que eu tô achando o curso um porre. Dá pra aguentar, dá pra levar, mas sim, é um porre. Mas, graças a deus, 4 anos de Unesp já me deixaram preparado para enfrentar aulas chatas e professores escrotos... A Unesp já tinha matado em mim qualquer esperança de que uma universidade podia me ensinar “coisas importantes” - então aconteceu o esperado. Tô no mesmo esquema que eu tava no curso de jornalismo, quando consegui a proeza de ser, sem dúvida alguma, o pior aluno da minha sala (e talvez só me forme em 2007!). Na USP, continuo levando tudo nas coxas, totalmente desencanado, faltando como adoidado e não prestando atenção em quase nada. Curiosidade: uns 90% desse blog é escrito durante as aulas! :P

Muitas vezes, vou pra aula mais pra assinar a lista no começo da aula, bater papo com os colegas e depois me mandar. Ser aluno do noturno piora ainda mais as coisas: eu não tenho muito saco pra ficar até as 11horas na faculdade. Eu contei: em todo o semestre lá das “Regras Para a Direção do Espírito” do Descartes (um porre), eu cheguei ao final de UMA aula; o mesmo vale para o semestre da “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” do Kant – UMA aula aguentada até o fim, também; mas o meu recorde mesmo foi com o Montesquieu – não cheguei ao final de NENHUMA aula! Tenho mó orgulho disso. E tenho duas desculpas muito boas: a primeira, claro, é que Monstesquieu é um mala e todas as pessoas que faziam seminários sobre Montesquieu não conseguiam fazer com que ele não fosse um mala; e a segunda é que a aula era de quinta-feira, dia da cervejada semanal no porão da Sociais e da festinha semanal na ECA. Cês acham que a gente ficaria na aula?

Depois que instalaram a mesa de pingue-pongue e de sinuca ali no porão do nosso prédio, aí que fodeu de vez! Eu e o Diogo fugíamos de QUASE TODAS as aulas pra tirar uns duelos sangrentos e ultra-disputados ali no salão de jogos, muitas vezes com a companhia duns malucos aí de Sociais, cuja única contribuição ao jogo era fazer uma névoa de maconha ficar flutuando no ambiente... Ê FFLCH, mon amour! :)

A única coisa que valeu a pena, de verdade, nisso de ter entrado na USP, foi ter conhecido certas pessoas e ter feito certas amizades muito foda. Curto de verdade a turminha da sala com quem eu me dei bem - Didi, Diogo, Cauê, Rodrigo, Débora, Eduardo, monte de gente... um povo muito firmeza, que topa até subir ladeiras de marcha ré, de madrugada, quase fundindo o motor do carro, papear sobre cinema trash e clássicos do terror, ficar a carona inteira pro ABC filosofando sobre qualquer coisa ou falando sobre rock, xingando os filósofos chatões que temos que ler, botando apelido, chamando de nojentos... :P

Em 2006 tentei começar uma banda com uns amigos e colegas de classe – mas éramos três guitarristas, o que é demais pra quem não quer fazer Iron Maiden cover. Eu e o Didi até levamos o lance longe – criamos uma setlist bem legal, com Arcade Fire e tudo, e fizemos uma sonzeira por vários fins-de-semana. O povo aqui em Santo André teve que aguentar a barulheira, mas nem reclamaram. Távamos bem ensaiadinhos, até. Agitamos uns lances aí no Orkut, ensaiamos com uns moleques aí, de 17 anos, mas a banda meio que se dissolveu... Ele, Didi, teve que se mandar pros EUA, pra ficar lá no maior no bem-bom, e os outros caras meio que desencanaram – já tinham outras bandas rolando ao mesmo tempo e tinham que estudar pro vestibular, não podendo “perder tempo” com essa coisa boba que é ter banda. Bah! Não tinham o espírito rock and roll. Em 2007 eu vou tentar agitar outra. Vamos ver no que dá...

Em 2006 eu me apaixonei. Tinha tudo pra dar errado. E, é claro que, como é da minha vida que estamos falando, eu que nunca fui assim muito de ganhar, o mais provável é que fosse mesmo dar errado. E o que eu posso dizer é que, como esperado, não deu muito certo. Ela já tinha namorado, e morava longe de mim, e a gente só se via de vez em quando: um cineminha aqui, um showzinho acolá... rápidos encontros seguidos de longas separações, com os contatos feitos mais por scraps, e-mails e papos de MSN. Mas esses rápidos encontros sempre me deixavam o gostinho de quero mais... A gente se encontrava, e era sempre a mesma história: aquilo colocava lenha na minha fogueira e botava pra funcionar minha máquina de sonhos...

Uma amiga minha me disse esses dias uma frase genial: “Suspeito de um grau de parentesco próximo entreMurphy e o Cupido. Ou ao menos algum tipo de sociedade escusa...”. Casquei o bico, mas a piada não era só piada - tinha um fundo de verdade, como todos nós, perdedores, sabemos. Pois é... Talvez o próprio Murphy, essa divindade de vários rostos, tenha vários empregos, inclusive o de Cupido – e é ele, Murphy, que sai por aí disparando suas setas e semeando amores impossíveis, que sempre vão acabar dando em heartbreak...

Mas é tolice culpar tudo no Murphy. Por que a culpa não é minha por ter escolhido fazer o mais difícil? Por que é que eu fui me meter a me apaixonar por quem já tinha namorado? Era pedir pra me machucar... Era me meter em enrascada, na certa. Mas ia fazer o quê? Dessas coisas a gente não tem controle. Seria bom se coração tivesse interruptor – um toque de dedos e ele desligava, assim que começasse a sentir algo “inadequado”... Seria bom se coração fosse feito boca de fogão: daria pra regular a intensidade da chama, extingui-la ou exaltá-la com um mero girar de botão... Mas não. Coração é bicho selvagem.

Então lá fui eu, vítima de mim mesmo e do meu coração imbecil, e me meti a me apaixonar por uma menina comprometida, e ainda mais arriscando estragar umas das minhas melhores amizades. Porque ela era uma amiga, muito querida, das mais especiais que eu já fiz, mesmo que ela nunca tenha me considerado tão importante na vida dela quanto eu considerava na minha...

Por que aconteceu? Sei lá eu! Tem explicação? Talvez tenha acontecido simplesmente porque eu tava meio carente, sem energia, fraquejando, querendo pegar um pouco de força emprestada. Ou talvez eu seja meio como o Joel, do Brilho Eterno, que se perguntava: “mas por que diabos eu sempre me apaixonado por qualquer garota que me dá o mínimo de atenção?” Talvez foi a nossa troca de confidências, nossas longas cartas, lotadas de confissões, o que me deu a sensação de ter encontrado alguém que me conhecia, alguém me entendia de verdade, alguém que seria capaz de gostar de mim, do jeito que eu sou, sem tirar nem pôr – o que talvez tenha sido uma grande ilusão. Talvez fosse natural que a nossa amizade fosse se tornando algo mais – pelo menos em mim, acho que foi crescendo a idéia de como seria maravilhoso poder namorar minha melhor amiga... Talvez foi porque eu acreditei que ela ia me fazer imensamente feliz, e injetar litros de alegria na minha vida, direto na veia, e tudo voltaria a ser divertido, leve, gostoso - a vida teria de novo aquele saboroso sabor de infância... Ou talvez tenha sido tudo culpa daqueles olhinhos azuis que eu tinha até medo de encarar, pra não ficar enfeitiçado...

Talvez não exista porquê. Talvez não importe. Aconteceu porque aconteceu. Porque era ela, porque era eu...

Em 2006 sonhei até ficar bêbado de tanta fantasia. Me lembrei de como eu sou bestalhão com meu romantismo totalmente fora-de-moda e meu sentimentalismo totalmente piegas. Eu sou um romanticuzão de dar dó.

Vivi todos os transes... vivi aqueles dias em que ela parecia não sair da minha cabeça um único segundo. E aqueles dias tristes, quando eu ensopava o meu travesseiro pensando que ela nunca iria me querer, que a gente nunca ficaria junto, e que eu estava sendo ridículo de supor que era sequer possível... E aqueles dias bons, quando eu sonhava finais felizes e um grande caso de amor correspondido, e depois ficava pensando nos jeitos disso virar verdade... E aqueles dias de indecisão cruel que eu perdia perguntando: e aí, me declaro ou não? Conto pra ela tudo que eu tô sentindo ou continuo fingindo que somos só amiguinhos?

Em 2006 escrevi minhas primeiras cartas de amor: enormes, piegas, sentimentalóides, dramáticas, exageradas, com frases de novela mexicana e tudo... É incrível como uma paixão nos torna completamente ridículos. Brinquei sobre a sinceridade e arrisquei dizer tudo quanto fosse natural... Acho que eu tô tão pouco acostumado a falar sobre mim pras pessoas, a realmente desabafar tudo que eu tô sentindo, que quando a coisa acontece sai uma enxurrada... Sabe aquela pessoa que fica guardando tudo pra si, por anos e anos, até que chega uma hora que explode a rolha e sai um jorro de sentimentos lá do fundo da alma? Acho que foi mais ou menos esse o caso aqui – eu transbordei pra cima dela... e deve ter sido algo meio desagradável.

Foi uma chuva de confissões pra cima da pobrezinha. Um temporal. Com granizo, neve e ventania. E eu acho que devo ter exagerado na dose. Acho que nunca abri meu coração tanto assim com uma pessoa. Nunca tinha deixado alguém me conhecer desse jeito... E hoje não sei responder se valeu a pena. Talvez tenha sido ridículo da minha parte falar pra ela um monte de coisa que ela nem estava interessada em ouvir. Talvez seja bobagem minha isso de ficar me preocupando em ser sempre verdadeiro, até o fim. Talvez eu devesse ter me contido mais, me escondido mais, me calado mais, feito mais mistério. Talvez eu devesse ter aprendido a fazer propaganda de mim mesmo: esconder meus defeitos, a varrer pra baixo do tapete tudo o que tenho de ruim, pra depois vestir uma máscara atraente e sedutora, pra depois tentar convencê-la de que sou um baita dum cara... Mas não sei fazer isso. Não manjo nada de sedução. Não sei convencer ninguém de que eu sou um baita dum cara e que eu valho a pena. Nem a mim mesmo eu consegui convencer dessas coisas. Acho que a única coisa que eu sabia fazer era o que fiz: simplesmente dizer o que tava rolando. Tudo. Preferi abrir as comportas do coração e deixar tudo sair: fel e mel, paixão e medo, amor e mágoa... Em nome da sinceridade. Preferi contar pra ela tudo, absolutamente tudo o que estava rolando dentro de mim, ao invés de fazer joguinhos de mistério e de esconde-esconde... Não sei se fiz certo.

Acabei 2006 sozinho, claro. Ganhei pra minha enorme coleção mais um caso de amor não correspondido. Provavelmente perdi uma amiga, e uma das mais preciosas. Ficou só uma ferida, e um monte de sonhos que nunca se concretizaram, e esse desejo impotente, que agora eu tenho que arranjar um jeito de abandonar... Ficou também um pouco de mágoa, um monte de dúvidas melancólicas... Será que eu sou uma daquelas pessoas que é simplesmente impossível de amar? Que diabos eu preciso fazer pra conseguir me tornar especial pra alguém? Como é que pode eu ser tão pouco na vida de uma pessoa que, na minha vida, foi enorme, quase tudo? Quando eu digo “eu te amo” pra alguém, é isso que acontece: ela me vira as costas e sai correndo?

Oh well...

Sei que, ainda hoje, não consigo ouvir coisas como “Oh Well” da Fiona Apple nem “Pois É”, do Los Hermanos, sem que meus olhos fiquem molhados...

Em 2006 devo ter chorado mais do que em qualquer outro ano da minha vida. E isso não quer dizer que ele tenha sido o ano mais triste. Acho até que foi um dos mais felizes. Não vejo nenhum absurdo em dizer isso. Eu não acho que seja incompatível ser feliz e ser chorão, ser feliz e ser um romantico perdedor nesse meu estilo... Gosto de ser uma pessoa capaz de chorar. Existe alguma coisa mais horrível do que uma pessoa tão morta por dentro que nunca é capaz de derramar uma só lágrima? Lágrima é vida. É um testemunho de uma vida que pulsa, sensível, receptiva, reativa, aberta à experiência do mundo...

2006 acaba e eu ainda não sei responder à velha questão: “quem sou eu?” Pelo menos sei o que eu não sou e o que eu não quero ser – e isso já é alguma coisa.

2006 acaba e ainda não descobri qual o sentido da vida. Mas nem sei se é tão importante assim saber – se é que há algo pra saber. Pode ser que a doidinha não tenha mesmo sentido algum, mas mesmo assim ando achando que, apesar dos pesares, vale a pena ser vivida. E, aliás, nem temos muita escolha. Nascemos. Estamos aqui. Fazer o quê, né?! Vamos viver...

E 2007? Vai ser como? Entro nele otimista ou pessimista? Sei lá... Só sei que não quero grandes esperanças, que só vão me trazer grandes decepções... Não quero ficar imaginando que o futuro distante virá me trazer tudo o que eu desejo, o que é sempre ilusão. Ando preferindo viver dia a dia, sempre com os pés plantados num hoje, e sempre num novo hoje, que chega a cada amanhã, nunca faltando ao encontro... Ando preferindo viver um dia depois do outro, fazendo o melhor que dá pra fazer com esse dia, e meio que deixando o amanhã pra amanhã, e ir assim construindo o futuro, ao invés de aguardar que ele se faça sozinho...

Em 2007 vou ver se vivo os hojes conforme eles vêm. E a luta continua...

segunda-feira, 18 de dezembro de 2006


Foi isso aê que eu me comprei como um auto-presente de Natal. :D

Tem tudo pra ser um livro meio tosco, meio bizarro, cheio de forçações de barra e interpretações mirabolantes. Mas deve ser interessante ver uns filósofos aí - nenhum de renome... - tentando ser mais bem-humorados e menos carruncudos do que é costume e botando os miolos pra funcionar pra refletir sobre os nossos queridos Simps. Pela minha olhadela rápida pelos capítulos, o livro tenta provar que Bart Simpson é um "pensador heideggeriano" (cuma???), analisa o "caráter ético" de Homer usando Aristóteles, usa o Mister Burns pra provar que o materialismo capitalista levado ao extremo não conduz à felicidade, faz semiótica com os gestos e mímicas da pequena Maggie, entre outras coisas semelhantes... Pode ser que seja um lixo. Mas quando eu vi esse trocinho lá no sebo, dando bobeira, por vinte e poucos paus, não resisti. Vou levar pra ler na praia, junto com as Piauís, que tô devorando com muito gosto, cascando o bico (que revista foda!).

Por falar em Simpsons, um troço que eu só me toquei faz pouco tempo: na abertura do desenho, o Bart está sempre escrevendo uma frase diferente na lousa como punição por suas traquinagens. Gosto de ficar imaginando que tipo de capetices o nosso caro Bartholomeu J. Simpson, eterno palhaço da turma, rebelde juvenil e preguiçoso inveterado, faz na escola pra ser punido pelo Skinner com a obrigação de escrever frases tais como...

- I will not draw naked ladies in class
- I will not yell "Fire" in a crowded classroom
- I will not encourage others to fly
- I will not Xerox my butt
- I will not hide behind the Fifth Amendment
- I will not sleep through my education
- I am not a dentist (relacionado com Loose teeth don't need my help)
- Spitwads are not free speech
- High explosives and school don't mix
-I will not spin the turtle
- I will not charge admission to the bathroom
- My butt does not deserve a website
- I am not the new Dalai Lama
- "The President did it" is not an excuse
- I did not win the Nobel Fart Prize
- I will not sell my kidney on eBay
- I cannot hire a substitute student
- I will only provide a urine sample when asked
- I am not Charlie Brown on acid
- We are not all naked under our clothes
- I will not lie in front of the school bus with ketchup on my face


:DDD

domingo, 17 de dezembro de 2006

da série: 2006 em TOPS

(Achei que só fazer uma lista com os melhores filmes de 2006 era pouco - não faz jus a uma dúzia de filmes fodaços que vi esse ano, de várias épocas, estilos e nacionalidades... Então vai aí, agora, o...

:::: MELHORES FILMES VISTOS PELA 1a VEZ EM 2006 :::
(INDENPENDENTE DO ANO DE LANÇAMENTO...)





01. ADMIRAÇÃO MÚTUA (de Andrew Bujalski, EUA, 2006)
02. MEU AMOR DE VERÃO (de Pawel Pawlikowski, UK, 2004)
[RT]
03. OS AMANTES DE PONT NEUF (de Leos Carax, França, 91) [RT]
04. NORMA RAE (de Martin Ritt, EUA, 1979)
[RT]
05. FUNNY HA HA (de Andrew Bujalski, EUA, 2005) [RT]
06. VER-TE-EI NO INFERNO (de Martin Ritt, EUA)
07. O RAIO VERDE (de Eric Rohmer, França, 1986)
[RT]
08. VÍCIO FRENÉTICO (de Abel Ferrara, EUA)
09. AMANTES - LOVE STREAMS (de John Cassavetes, 1984) [RT]
10. DECÁLOGO 6 (de Krzystoff Kieslowski, Polônia, 1988)
11. LUZ DE INVERNO (de Ingmar Bergman, 1962) [RT]
12. A MORTE DO CAIXEIRO VIAJANTE (de Volker Schlöndorff)
13. MARIDOS E ESPOSAS (de Woody Allen)
14. OPENING NIGHT (de John Cassavetes, EUA)
15. PECADOS DE GUERRA (de Brian de Palma)
16. DECÁLOGO 5 (de Krzystoff Kieslowski, Polônia, 1988)
17. FRANKIE & JOHNNY (de Gary Marshall)
18. THE WAR ZONE (de Tim Roth, Inglaterra, 1995)
[RT]
19. O GRANDE TRUQUE (de Christopher Nolan)
20. DECÁLOGO 1 (de Krzystoff Kieslowski, Polônia, 1988)

sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

da série: 2006 em TOPS

::: MEUS DISCOS PREDILETOS DE 2006 :::





Foi foda decidir, mas acabei ficando assim:

01. BELLE AND SEBASTIAN, "The Life Pursuit"
02. DAMIEN RICE, "9"
03. AUDIOSLAVE, "Revelations"
04. RAY LAMONTAGNE, "Till The Sun Turns Black"
05. GOMEZ, "How We Operate"
06. MARS VOLTA, "Amputechture"
07. BEN HARPER, "Both Sides Of The Gun" (CD 02)
08. THE EXPLODING HEARTS, "Shattered"
09. LISA GERMANO, "In The Maybe World"
10. BETH ORTON, "Comfort Of Strangers"
11. JOHNNY CASH, "American V"
12. JOANNA NEWSON, "Ys"
13. CARINA ROUND, "Slow Motion Addict"
14. GUILLEMOTS, "Through The Window Pane"
15. REGINA SPEKTOR, "Begin To Hope"
16. TV ON THE RADIO, "Return To Cookie Mountain"
17. WE ARE SCIENTISTS, "With Love and Squalor"
18. BLACK REBEL MOTORCYCLE CLUB, "Howl Sessions EP"
19. BUILT TO SPILL, "You In Reverse"
20. M WARD, "Post War"


GUILTY PLEASURE DO ANO: Lily Allen e Pipettes.

Entrariam no TOP 20, mas são coletas, discos ao vivo ou remixes, então num vale:
- PJ HARVEY, "Peel Sessions"
- BRUCE SPRINGSTEEN, "Hammership Odeon, London 1975"
- BEATLES, "Love"

* * * * *

meus campeões dos anos passados, recapitulando:

2005: FIONA APPLE, "Extraordinary Machine" (versão Pirata)
2004: ARCADE FIRE, "Funeral"
2003: LOS HERMANOS, "Ventura"
2002: SLEATER-KINNEY, "One Beat"
2001: STROKES, "Is This It?"
2000: QUEENS OF THE STONE AGE, "Rated R"
1999: WILCO, "Summerteeth"
1998: NEUTRAL MILK HOTEL, "In An Airplane Over The Sea"
1997: RADIOHEAD, "Ok Computer"
1996: FIONA APPLE, "Tidal"
1995: RANCID, "And Out Come The Wolves..."
1994: JEFF BUCKLEY, "Grace"
1993: NIRVANA, "In Utero"
1992: SCREAMING TREES, "Sweet Oblivion"
1991: NIRVANA, "Nevermind"
1990: ALICE IN CHAINS, "Facelift"
1989: PIXIES, "Doolittle"

...etc e tal...

quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

da série: 2006 em TOPS

::: MELHORES MÚSICAS DE 2006 ::


(Me arrisquei a bolar uma coleta com as minhas músicas prediletas desse ano... Como o bom Rob Flemming já ensinava, se bem que falando sobre a arte esquecida de gravar fitinhas K7, há todo um processo complexo, regrado e minucioso de seleção q é preciso seguir pra acabar com uma coleta supimpa - mas isso, claro, é coisa de nerd musical. E claro que eu sou um baita dum nerd musical! :) Nesse caso, me impus certas restrições: não podia repetir a mesma banda no mesmo CD; tinha que pensar na transição de faixa a faixa, pra não estragar a coisa com contrastes muito brutais; e, para o bem da homogeneidade, foi melhor dividir a coleta em dois CDs, o primeiro mais róquenrol e barulhento, o segundo mais sossegado e melancólico... Aí vão, pois, algumas das minhas canções prediletas desse 2006, coletadas em dois discos:)

:: CD RÓQUE ::

01) BELLE & SEBASTIAN, "White Collar Boy"
02) EXPLODING HEARTS, "I'm a Pretender"
03) WE ARE SCIENTISTS, "Inaction"
04) PRIMAL SCREAM, "Nitty Gritty"
05) CARINA ROUND, "Take The Money"
06) STROKES, "Juicebox"
07) YEAH YEAH YEAHS, "Gold Lion"
08) AUDIOSLAVE, "Original Fire"
09) BEN HARPER, "Black Rain"
10) TWILIGHT SINGERS, "Underneath The Waves"
11) BLACK HEART PROCESSION, "The Spell"
12) FILM SCHOOL, "Pitfalls"
13) TRAIL OF DEAD, "So Divided"
14) SONIC YOUTH, "Incinerate"
15) TV ON THE RADIO, "Dirty Little Whirlwind"
16) MARS VOLTA, "Vermicide"

running time: 1h 02min 16s


:: CD SUSSA ::

01) CAT POWER, "Love And Communication"
02) GOMEZ, "Notice"
03) RAY LAMONTAGNE, "3 More Days"
04) BELLE AND SEBASTIAN, "Song For Sunshine"
05) JACK JOHNSON, "Upside Down"
06) DAMIEN RICE, "The Rat Within The Grain"
07) REGINA SPEKTOR, "On The Radio"
08) BETH ORTON, "Comfort Of Strangers
09) BEN HARPER, "Morning Yearning"
10) LOOSE FUR, "The Ruling Class"
11) RODDY FRAME, "The Coast"
12) JOHNNY CASH, "A Legend In My Time"
13) LISA GERMANO, "Red Thread"
14) BLACK REBEL MOTORCYCLE CLUB, "Feel It Now"
15) MADELEINE PEYROUX, "Smile"

runnning time: 54min 33s

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

da série: 2006 em TOPS

::: MEUS 15 LIVROS PREDILETOS,
dentre os lidos pela 1a vez em 2006 :::



1) STEFAN ZWEIG, "24 Horas na Vida de Uma Mulher e Outras Novelas"
2) HERMAN HESSE, "Narciso e Goldmund"
3) STEFAN ZWEIG, "Momentos Decisivos da Humanidade"
4) VLADIMIR JANKÉLÉVITCH, "La Mort"
5) FLÁVIO GIKOVATE, "Uma Nova Visão Do Amor"
6) ANTERO DE QUENTAL, "Sonetos"
7) PAUL EUGENE CHARBONNEAU, "Crônica Da Solidão"
8) STEFAN ZWEIG, "Medo e Outras Novelas"
9) ERNEST BECKER, "The Birth Of Death And Meaning"
10) WALT WHITMAN, "Folhas de Relva"
11) MIGUEL DE UNAMUNO, "Do Sentimento Trágico da Vida"
12) ALAIN, "Propos Sur le Bonheur"
13) DAVID GOODIS, "A Garota de Cassidy"
14) LESTER BANGS, "Reações Psicóticas"
15) IAN MCEWAN, "Enduring Love" (Amor Para Sempre)




(Zweig foi a minha descoberta literária do ano. Absolutamente todas as novelas que li, traduzidas com o maior primor pela Lya Luft, são uma delícia de ler... É ao mesmo tempo poético e arrebatado, sereno e sábio, cativante e envolvente. O tipo de autor que não consegue escrever uma única frase onde não transpire talento e beleza... Grande, grande mestre! Além das obras literárias do cara, recomendo muito o "Momentos Decisivos da Humanidade", de longe um dos livros mais interessantes que eu já li. Era pra ser só um livro de História - ou de "grandes reportagens históricas" - retratando brevemente alguns dos momentos mais importantes da jornada humana (a queda de Constantinopla, a derrota de Napoleão em Waterloo, Lênin voltando do exílio para liderar a Revolução Russa, a primeira palavra transmitida através do oceano, a conquista do Pólo Sul...), além de alguns momentos notáveis de artistas de primeira grandeza (Dostoiévski às beiras de ser fuzilado, Goethe velhinho se apaixonando por uma moçoila, Tolstói prestando contas à juventude rebelde russa, Handel compondo suas obras mais notáveis...). Mas o Zweig, que não é um historiador frio e calculista e tem alma de poeta, romanceia, re-imagina e reconstrói tudo o que conta, acabando com uma baita dum livro que é excelente como livro de história, como "jornalismo literário" de ponta e como literatura baseada em fatos reais . Fascinante. Altamente recomendado!)

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

da série: 2006 em TOPS

:::: MELHORES FILMES
QUE EU VI, DOS LANÇADOS EM 2006 :::



01. ADMIRAÇÃO MÚTUA (de Andrew Bujalski, EUA) [RT]
02. O GRANDE TRUQUE (de Christopher Nolan, EUA) [RT]
03. THE PROPOSITION (de John Hillcoat, EUA) [RT]
04. OLHE PARA OS DOIS LADOS (de Sarah Watt, Austrália) [RT]
05. CANDY (de Neil Armfield, Austrália)
[RT]
06. O HOMEM URSO (de Werner Herzog, Alemanha)
[RT]
07. EU, VOCÊ E TODOS NÓS (de Miranda July)
[RT]
08. OS INFILTRADOS (de Martin Scorcese, EUA)
09. CACHÉ (de Michael Haneke, França/Áustria)
10. MARY (de Abel Ferrara)
11. MATCH POINT (de Woody Allen)
12. MUNIQUE (de Steven Spielberg, EUA)
13. VÔO 93 (de Paul Greengrass)
14. O NOVO MUNDO (de Terence Mallick)
15. THE WIND THAT SHAKES THE BARLEY (de Ken Loach, Irlanda)
16. A CRIANÇA (dos irmãos Dardenne, Bélgica)
17. O TEMPO QUE RESTA (de François Ozon, França)
18. CAPOTE (de Bennett Miller, EUA)
19. O CHEIRO DO RALO (de Heitor Dhalia, Brasil)

ainda não vi:
Volver, Fonte da Vida, Síndromes e um Século, O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias, Babel, O Caminho Pra Casa, Dália Negra, A Dama na Água, O Céu de Suely, O Crocodilo, Pequena Miss Sunshine...

domingo, 10 de dezembro de 2006

da série: 2006 em TOPS
Ano chegando ao final e desceu a vontade de fazer uma "retrospectiva cultural" com o que de melhor eu vivi nesse 2006 em termos de música, cinema e literatura. Um post por dia, nos próximos cinco ou seis dias, só com listinhas de MELHORES DO ANO. Pra começar:


:::::: MELHORES SHOWS DESTE 2006 :::::



01. FRANZ FERDINAND no Motomix
02. HOT HOT HEAT no NokiaTrends
03. LOS HERMANOS no Circo
04. SOULWAX no NokiaTrends
05. GANG OF FOUR no Campari III
06. ECHO AND THE BUNNYMEN no Citibank Hall
07. SUPERGRASS no Campari II (Atibaia)
08. LOS HERMANOS e CIDADÃO INSTIGADO no DirecTv Hall
09. MISSION OF BURMA no Campari II (Atibaia)
10. WE ARE SCIENTISTS no NokiaTrends
11. NEW ORDER no Via Funchal
12. RADIO 4 no Motomix
13. WALVERDES no Campari II (Atibaia)
14. THE BRAVERY no NokiaTrends
15. BIDÊ OU BALDE no SESC Santo André
16. ART BRUT no Motomix
17. LOS PIRATA no StudioSP
18. HURTMOLD no Circo
19. CARDIGANS no Campari III
20. MERCENÁRIAS no SESC Santo André
21. ANNIE no Motomix
22. SPACE INVADERS no Milo
23. LUDOVIC no Campari II (Atibaia)

...perdi: Daft Punk, Yeah Yeah Yeahs, TV On The Radio, Ladytron, Devendra Banhart, Patti Smith, Beastie Boys, Slayer, Deep Purple, entre outros...

...e quarta-feira inda tem JENS LEKMAN e HEEL ON WHEELS no StudioSP...

quinta-feira, 7 de dezembro de 2006


ELOGIO DA SEM-VERGONHICE
ou
minha primeira vez no Teatro Oficina
ou
inventário das minhas vergonhas





(uma egotrip.)


Só é livre quem não tem medo do ridículo.”
LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO



Preciso urgentemente me tornar um sem-vergonha. Pode parecer um desejo estranho, quase como dizer “quero me tornar malvado!”, já que é tão comum que a gente use o tal do “sem-vergonha” pra se referir a uma pessoa “desprovida de caráter” – um canalha, crápula, cafajeste ou mesmo filho-da-puta... “Sem-vergonha” sempre foi adjetivo pra fazer juízo moral negativo: “Cê num tem vergonha na cara não, menino?”, diz a mãe quando se irrita com as sapequices e traquinagens do filho e sua falta de “virtudes éticas”... “Esse cara é sem- vergonha!”, cospem as “pessoas de bem” contra os políticos corruptos com milhões de dólares em bancos na Suíça... Ser sem-vergonha, pra quase todo mundo, não é boa coisa. Mas dá pra ver a coisa por outro lado e fazer da sem-vergonhice uma virtude, quase um ideal... Acabou de se tornar um tesouro que eu quero conquistar. Me explico.

Dia desses fui até o
Teatro Oficina pela primeira vez, instigado pela recomendação de amigos de bom gosto e querendo deixar de ser o ignorantão que eu sou em matéria de teatro. Acho que é trauma de infância essa minha birra contra teatro: nas excursões da escola, a gente costumava ser levado pra ver troços tipo o Auto da Barca do Inferno, do Gil Vicente, e ficava lá, boiando feito prancha e não entendendo bulhufas do que os caras no palco tavam falando. E doidos pra que aquilo acabasse logo – porque a única coisa legal de excursão, óbvio, além de perder aula, era zoar no busão. Eu e meus amigos num curtíamos não aqueles atores falando daquele jeito todo falso, todo afetado, todo cheio de frescuras – Cavaleiros do Zodíaco era tão mais legal! E pelo menos a gente entendia as falas... Por que essa negada de teatro falava difícil assim? E pra quê todo esse drama? Sei que cismei que teatro era coisa chata e “elitista”: um monte de gente intelectualzona declamando textos complicados de um jeito todo espalhafatoso e artificial, e nada mais... Virou preconceito arraigado.

E o Teatro Oficina – bendito seja! - serviu como uma baita duma experiência pra meio destruir esses meus preconceitos contra teatro. Nem fui tão confiante assim que fosse ser tão legal – também tinha minhas suspeitas preconceituosas contra Os Sertões, do Euclides da Cunha, livro que eu acho “chato” sem nunca ter lido (apesar de ser ultra-recomendado pra qualquer jornalista...). Mas aquilo ali é um caldeirão de cultura brasileira, de folclore brasileiro; um lance caótico, mistura de orgia, farra, epopéia, sátira, tragédia e ensaio de antropologia; um lance dionisíaco, incoerente, excessivo, barulhento, perturbador; em uma palavra: trimmassa.

Tá, ainda tenho objeções ao lance do texto ser ainda bem contaminado com aquele intelectualismo todo (e aquilo lá com certeza não é teatro “popular”: é teatro pra elite cultural!); mas eu, sinceramente, nem fiquei encanado com o texto – tinha muita coisa mais legal pra observar e curtir: coisas pegando fogo, um monte de gente pelada, umas guerras estrondosas, uns batuques tribais fuderosos, sem falar na formidável Vagina Falante... enfim, um monte de coisas bizarras, intensas e fascinantes desfilando sem parar frente aos meus olhos arregalados, naquele palco-pista em forma de ladeira...

A interação com o público torna tudo excitante e “perigoso”. No Oficina você num pode ficar quietinho no seu canto, não querendo ser incomodado, porque a qualquer momento pode ser solicitado a ir pro palco e improvisar de coadjuvante. E os atores não são lá muito “respeitosos” com o público, não. Um dos atores lá, uma hora, chegou na maior cara-dura e simplesmente lascou um beijo na boca duma moça toda bonitinha que estava bem na minha frente. Achei falta de respeito, mas ela não pareceu se incomodar. Na hora do “ócio-cio-cio-cio...”, os atores puxaram uma boa galera pro palco, deitaram o povo em lençolzinhos e ficaram ali, em carícias altamente íntimas – alguns atores, bem sacanas, se “aproveitaram” das meninas dum jeito que achei até meio “abusivo”, mas deve ser meu moralismo pequeno-burguês falando. A própria integridade física do público nem é garantida. Eu, por exemplo, na hora em que começou uma luta de espadas, com umas faíscas voando pra todo lado, tomei uma bela duma FAISCADA NA CARA, na bochecha direita, não muito longe do meu olho... Na hora quase me revoltei, pensando: “Porra, que falta de respeito! Eu podia ter ficado cego numa dessas...” Mas logo comecei a achar aquela ATMOSFERA DE PERIGO ali dentro como algo ultra-excitante: dentro do Oficina, você não sabe se vai sair inteiro ou com pedaço faltando. A qualquer momento, um ator pode vir e te dar um beijo, sentar no teu colo, te puxar pra farra ou abaixar suas calças e marcar seu bumbum como se você fosse um boi.

Mas o que mais me impressionou, de longe, e é aqui que eu queria chegar, foi a sem-vergonhice dos atores, ou seja, aquela completa falta de pudor... Muitos dos atores ficam completamente pelados durante grande parte da peça e não parecem nem minimamente constrangidos com o fato de que um público enorme pode ficar completamente à vontade pra olhar para seus pipis, bunbuns e xoxotas. E eu fico admirado, pasmo e até meio que “invejoso” ao presenciar pessoas capazes de se deixarem ver desse jeito – porque eu, com certeza, seria completamente incapaz de fazer algo do tipo. Ficar pelado em cima dum palco, tendo que cantar e dançar e correr pra cima e pra baixo, debaixo do olhar de um monte de desconhecidos? Eu hein! Tô fora...

Mas aquilo mexeu comigo, me deixou matutando, me deu até uns “complexos de inferioridade”. Aqueles atores do Teatro Oficina me deixaram me sentindo meio insatisfeito comigo mesmo, querendo me transformar, me auto-revolucionar, me libertar, me tornar uma pessoa mais louca, mais genuína, mais solta, mais desreprimida, mais viva – em uma palavra: mais LIVRE. Do quê? Da vergonha. Do pudor. Do medo do ridículo. Das proteções todas que tenho pra escapar à revelação ao olhar do outro.

Porque eu tive a certeza absoluta, olhando aquilo, que eles eram pessoas mais livres do que eu. Tinham descoberto algum segredo ou truque que eu não conheço e que os deixava muito melhor equipados pra viver a Vida Fodona do que eu... Por quê? Porque eles são sem-vergonha! No bom sentido de ser sem-vergonha! Porque eles sabem se dar ao olhar, e curtir o lance de serem olhados. E nem se trata de gente que, digamos... tem genitálias imponentes (caspiche?) ou corpo sarado... Tem uns caras ali com pipizinho de criança e minas ali que são tábua de passar roupa. E mesmo assim eles estão ali, nuzinhos em pêlo, e porque querem. E isso só me faz admirar ainda mais a coragem deles... é muito mais compreensível que as loironas peitudas dos filmes pornô não vejam muito problema em se exibirem ao olhar com seus corpões, mas aqui é diferente: são pessoas normais, com corpos que não são necessariamente bonitos... e de onde tiram um despudor tão grande? E por que é que eu sinto tanta admiração por eles, pela liberdade deles?

Eu sempre fui muito envergonhado. De tudo. Tenho mil e uma histórias pra contar das coisas antipáticas que eu faço pra fugir de foto, de filmagem e de todo tipo de apresentações públicas. Nunca curti apresentar seminário, fazer pergunta pro professor, fazer discurso em assembléia ou ser o centro de atenções frente ao bolo de aniversário. Pra dizer numa frase: não gosto de aparecer. Ou será que gostaria de gostar, mas não consigo?Aí vão algumas confissões no...


PEQUENO INVENTÁRIO DAS MINHAS VERGONHAS



[1] – FOTO. Nunca gostei muito de ser fotografado. Tenho umas fotos de infância legais, mas da adolescência pra frente eu comecei a odiar sempre que alguém me queria fotografar. Fugia. Me escondia. Teimava que não dava. Tinha certeza que eu ia sair feio, horrível, repugnante. Tinha certeza que ia me sentir sem-graça ao ver o troço revelado. E, rebeldinho que só eu, não queria dizer “cheeeeeese” na hora do click - porque “era muita falsidade” e eu não gostava de”pose”. Achava ridículas as pessoas vestindo sorrisos falsos na cara só pra aparecerem bonitos na foto, fingindo que estavam muito mais alegres do que estavam de verdade. Eu, como protesto, ficava emburradinho e com cara de bravo. E aí, claro, saía ridículo na foto e queimava o filme. Até hoje, não sei como fazer um sorriso falso. Mas de vez em quando, em momentos especiais, quando estou me sentindo muito bem junto a certas pessoas e quero levar comigo uma lembrança, até peço pra que me tirem foto. Mas sempre fico sem graça e inseguro, com medo de sair feio. Saio sempre com cara de bocó. E quando eu peço que me enviem as fotos tiradas, as pessoas, com a maior piedade, pra me pouparem do espetáculo horrível de me mostrarem a mim mesmo, nem me mandam! (Essa foi pra você, senhorita M.! Saí tão feio assim na foto do Campari que cê nunca me quis mostrar, né!? :()

[2] – FILMAGENS. Se de câmera fotográfica eu já fujo como os zumbis fogem da luz do Sol, imaginem de câmeras de vídeo... O-d-e-i-o ser filmado. Lembro da minha época em Bauru, quando tive que passar pelo tormento diabólico de dois semestres obrigatórios de Jornalismo Televisado, sendo quase obrigado a aparecer na telinha segurando o microfone e fazendo reportagem. A Profa. Maria Helena, não sei porquê, meio que se engraçou comigo e tava sempre tentando me convencer a abandonar a timidez. Eu que ficaria tão bonitão ali na tela... Eu que tinha uma voz POSSANTE para ser apresentador... Mas num teve jeito de me convencer e, claro, foram as pessoas mais saidinhas e extrovertidas e “aparecidas” da sala que viraram os apresentadores (se eu me lembro bem, a Giovana, o Edison, o Turolllo, o Joel...). Eu fugia das aulas. E quando ia às aulas eu fugia das câmeras. E quando a professorinha vinha tentar me seduzir, fugia da professora... Cara mais antipático! Se era pra ter um cargo no telejornal, eu queria ser produção! Atrás das câmeras, por favor! Eu trampo de carregador de cabo, de faxineiro de estúdio, de abanador de apresentador em dia de calor, qualquer coisa! Mas não me filmem! :)

[3] – COISAS DA ESCOLINHA. Fui o tipo de criança que tinha quase que uns ATAQUES DE PÂNICO, no 1o grau ou no ginásio, quando alguma professora maldita tinha a crueldade de fazer uma chamada oral, escolher alguém pra ler um texto em voz alta ou fazer um exercício de matemática na lousa. Meu medo era tão grande que me aconteciam todas aquelas bizarras e repentinas transformações físicas comuns aos tímidos e acanhados: começava a tremer como se estivesse de sunga no Pólo Norte; as mãos viravam cataratas de suor; minhas orelhas começavam a arder feito pimenta; o coração parecia que ia explodir, tamanha a taquicardia... Nunca tive problemas de avermelhamento facial, como têm todas as moçoilas recatadas nos romances clássicos que a gente lê, que sempre coram e ruborizam quando são olhadas pelos rapazes galantes... Mas é a única coisa que me foi poupada: me coloquem pra ser olhado por um público qualquer, e eu, apesar de não ficar com a cara vermelha, tenho tremedeira, suarão, orelha vermelha, taquicardia, sem-gracice, gaguejação e tiques nervosos... o pacote inteiro!

[4] – BANHOS EM LUGARES PÚBLICOS. Morro de vergonha de ficar pelado em lugares públicos. Tenho pesadelos recorrentes nos quais a pior coisa que acontece não é um ataque de um assassino ou de um bicho-papão, mas o fato de que eu me descubro nuzinho em pêlo numa piscina de hotel ou numa praia. É terrível. Eu lembro da época que eu fazia natação na TEM Esportes de São Bernardo no Campo, um pouco por necessidade de curar meus problemas de coluna (escoliose braba...), um pouco por gosto mesmo. Na hora do banho eu tinha vários pudores exagerados. Num queria nem morto que me vissem pelado, até porque na época eu era um pré-adolescente (ou nem isso...) que provavelmente ainda nem tinha pêlos púbicos e cujo pipizinho de criança ainda não tinha realizado os devidos aumentamentos, se é que me entendem... :P Eu entrava no chuveiro de sunga, saí do chuveiro todo enrolado na toalha, e na hora de me vestir fazia todo o esforço do mundo pra não deixar ninguém ver nada. Claro que ninguém estava olhando e tentando ver. Mas eu mesmo assim escondia. Era mó alívio voltar a estar com roupas.

[5] – ABORDAGEM LASCIVA DE ESTRANHAS. Eu nunca vou conseguir ser nada parecido com um garanhão, um Don Juan, um “pegador”. Porque eu simplesmente não sei como é que se faz pra abordar meninas interessantes, charmosas, lindas e tesudas que encontro por aí. Eu simplesmente não tenho a cara-de-pau. Normalmente não consigo achar nenhum bom pretexto pra começar uma conversa – os que penso em usar me parecem todos ridículos e sacanas. Tenho medo que me achem um canalha, um tarado ou um mulherengo. Normalmente não sei direito como puxar papo com desconhecidas, especialmente se é uma garota deslumbrante – fico sempre meio acanhado.

Enfim, eu sou um desastre completo. Minha personalidade é uma mistura nojenta de timidez, covardia, medo da rejeição, falta de auto-confiança, complexo de inferioridade, repressão sexual e melancolia crônica por carência afetiva.

Mas chega de confissões, por hora, que eu já tô com vergonha.

* * * * * *

Voltando ao fascínio do Oficina...

Sendo assim do jeito que eu sou, eu sempre invejei um pouco essas pessoas exibicionistas que conseguim curtir e se deliciar com o fato de que estão sendo olhadas – como aqueles atores do Oficina, tão seguros e confiantes em cima do palco, que simplesmente amam ser o centro das atenções... Por que é que eu não consigo? Eu tenho certeza: eu me sentiria terrivelmente desajeitado e sem graça se fosse chamado a subir num palco e ficar ali, debaixo do olhar de dúzias de olhos: pra mim nunca seria uma experiência agradável. Eu estaria rezando pr’aquilo acabar logo, pra que eu pudesse voltar pras sombras... as sombras: minha casa, meu lar, meu lugar...

E isso me faz matutar: o que é que incomoda tanto no olhar do outro a ponto de eu fugir dele desse jeito tão medroso? E claro que a resposta quase certa é: devem ser as nóias com a auto-estima, claro... É sempre com uma certa incerteza e insegurança que eu “enfrento” uma pessoa por nunca poder ter certeza do que é que eu represento pra ela. Os psicólogos lacanianos diriam coisas como: “a principal fonte de ansiedade para o sujeito é o modo como ele aparece no Desejo do Outro” ou algo parecido. E é bem isso. Acho que o ser humano, em geral, nóia (that’s the verb to noiar, folks!) muito com esse lance da Opinião Alheia e tá sempre a encanar: o que será que os outros vêem quando olham pra mim? O que será que sentem por mim? O que desejam de mim? O que é que eu sou dentro dessa pessoa X, da pessoa Y? Que tipo de imagem eles têm de mim?

Olhem o que diz um dos meus filósofos prediletos sobre esse assunto:

"Em tudo o que fazemos ou deixamos de fazer, quase sempre levamos em conta, antes de qualquer coisa, a opinião alheia e, após um exame apurado, iremos notar que dessa preocupação surge quase a metade de todas as aflições e angústias que já sentimos; pois ela está no fundo de todo o nosso amor-próprio...O único meio de nos livrarmos dessa insensatez universal seria reconhecê-la distintamente como tal e, para esse fim, esclarecer para nós mesmos que a maioria das opiniões costuma ser totalmente falsa, invertida, errônea e absurda na cabeça dos homens. Sendo assim, por si só, elas não são dignas de consideração."
SCHOPENHAUER, Aforismos Para A Sabedoria de Vida

Pois bem... quase todos nós vivemos nessa “insensatez universal” que é a preocupação com a opinião alheia, fonte de “quase metade de todas as aflições e angústias que já sentimos”. Todo mundo sabe o que é, e todo mundo já sentiu, aquele medo maldito de que a pessoa não vá gostar de você, não vá gostar da tua cara, não vá te achar bonito ou agradável ou simpático... O medo lazarento de que ali, dentro do outro, surja uma imagem de nós que não é a que queremos ver...

É como se cada outro fosse como um espelho onde vemos refletida nossa imagem – mas cada outro é um espelho diferente, que nos fornece uma imagem diferente, às vezes distorcida, às vezes desagradável, às vezes indiferente, às vezes adorável... Acho até que as pessoas de quem gostamos, no fundo, são as pessoas que, como espelhos de nós mesmos, nos refletem uma imagem de nós como nós queremos ser... Você gosta de uma pessoa quando gosta de como você aparece na consciência dela. Você gosta de quem tem uma imagem de você que coincide com a imagem que você deseja ver...

* * * * *

Em certos momentos, pelo menos no teatro com intenções mais “provocativas” e que se preocupa pouco em “respeitar” o público, os atores costumam fazer aquele “joguinho” de fixar o olhar nos olhos de uma certa pessoa. Sabem como é? No Oficina acontece de vez em quando: o ator pára frente a frente com a pessoa e fica encarando, impassível, imperturbável. Nessa hora ocorre aquela inversão de papéis: quem olhava agora é olhado; o espectador é meio que obrigado a sentir na pele o que o ator está sentindo o tempo todo – a sensação de ser olhado, devassado, perfurado pelo olhar... E é quase uma regra geral: as pessoas no público se sentem meio constrangidas e sem graça quando são “escolhidas” pra serem “encaradas” assim (eu também não curto muito não!)... A tentação de desviar o olhar é enorme. O desejo de que o ator pare com aquilo também é grande. E quando a “brincadeira” termina é quase um alívio... E isso não dá o que pensar?

Por que eles fazem isso? Qual o sentido? Que efeito eles querem atingir com essa “brincadeira”? Querem só nos deixar incomodados e sem graça? Querem só esfregar na nossa cara que eles são muito melhores e mais seguros de si por conseguirem suportar o olhar alheio, e tirarem o maior prazer exibicionista disso, enquanto que nós não temos esse talento nem esse prazer? Talvez eles queiram nos convidar a sermos mais fortes, mais livres, mais genuínos, vivendo sem a trava paralisante do “o que os outros vão pensar?”

Porque com certeza há uma espécie de “exibicionismo” que é saudável e recomendável, um exibicionismo que não é só vaidade, que não se baseia só em falsidade, mas que é algo diferente: essa linda capacidade que alguns tem de se revelarem nus – nus de corpo, nus de alma... – ao olhar do outro. O meu psicólogo predileto, Ernest Becker, costumava dizer que a “hipersensibilidade à opinião alheia” é algo quase patológico, que a auto-estima é fundamental para que a pessoa possa agir alegre e livremente no palco do mundo e que é essencial ter a “habilidade para exibir um ego que os outros possam valorizar” (“put forth an ego that others can value...”). Leiam The Birth And Death Of Meaning, é um baita dum livro.

Por isso toda essa Experiência Oficina soou pra mim quase como um convite à libertação... Do quê? Dessa vergonha maldita. Dessa insegurança. Desse medo da exposição ao olhar do outro, à mente do outro... Eles dizem: você não precisa ser bonitão, sarado, ter o corpo mais lindo desse mundo; pode sim senhor ficar pelado e não ter vergonha de ter o corpo que tem! Não tenha vergonha de quem você é, e de assumir quem você é, e de se deixar ver como você é! Essa deliciosa liberdade de não ter medo do ridículo. Essa deliciosa liberdade de poder dizer: “foda-se o que os outros vão pensar! Foda-se se eu vou parecer ridículo aos olhos deles! Foda-se essa escravidão da timidez, da covardia, do medo! Quero ser eu e me deixar ser eu! Quero viver e me divertir e dançar e rolar no chão e berrar my guts out e fazer coisas loucas, e foda-se se não gostarem!”

Pois então: eu preciso urgentemente me tornar um sem-vergonha!

Abaixo o pudor!

Avante, Oficina!

Viva a sem-vergonhice!

:D

sábado, 2 de dezembro de 2006

I'll never get out of this blues alive.