domingo, 31 de agosto de 2008

:: abortos poéticos ::


NOVIDADE!

consultei todos:
manuais de medicina,
compêndios de anatomia,
teses de cardiologia
mil e uma poesias.
Achava que por ali
disso se entendia.
Que dicas e remédios
Ali encontraria.

Mas jamais achei rastro
do que hoje me acomete
e causa tanto estrago:
óh desgraça! Óh sina maldita!
Estou – pasmem! - com o coração realista...

não é uma barbaridade?!?
é com certeza uma grande novidade...

Meu coração alado, incendiado,
depois de tanto ter tombado,
apossou-se das tesouras
e têm suas próprias asinhas cortado...

Não se dá mais nem a permissão
De sonhar sua própria redenção.
Entrou para o partido da contenção.
Obriga-se a manter os pés no chão.

Doença! Loucura! Barbaridade!
Chamem os médicos, soem os alarmes!
Meu coração, ai de mim, anda sensato...

(31/08)

* * * * *

FARENHEIT 451

ou A HIGIENE PELO FOGO


a alma deserta de lirismo,
a garganda muda de canção.
talvez ali, debaixo das pedras,
o óasis de um grão?

por dentro, nem sinal de incêndio.
fios grisalhos despontando no coração.

("a carne é triste
e eu já li todos os livros.")


ah! a sensaboria de ser
quando ser não dói.

ah!
chamem pra mim os bombeiros de farenheit 451!
que subam ao meu peito munidos de lança-chamas!
que cheguem chutando portas e estraçalhando vidraças!
que venha sem misericórdia o esquadrão anti-mofo!
alugo meu coração como salão de festas! venham todos!
pintem arco-íris nas paredes!
ou mesmo frases obscenas...
decorem com bexigas e bandeirolas!
façam zona e barulheira!
explodam fogos no meu céu!
e que todo dia seja Reveillon!

tragam abaixo, sem dó,
meus medos e muros e mortes,
as traças, velhices e bolores,
mágoas, lágrimas e dores.
ah!

e minhas bibliotecas interiores,
nem me importo que exterminem.
prefiro que tudo crepite e arda,
ao invés desta atual palhaçada:
sopa de letrinhas amontoadas
numa Sibéria bem-letrada.

prefiro um relâmpago de um segundo
a uma eternidade de trevas.
e uma festa de arromba, que morre,
a uma masmorra eterna.

(27/08)

* * * * *


A MISTAKE

"i'm gonna make a mistake
gonna do it on purpose
unpave my path."

(fiona apple)


erros? hei de cometê-los todos!
e com muito gosto.
teria vergonha se dissessem de mim, defunto:
"este na vida errou pouco".

errar pouco é um erro imenso.

(05/08)

* * * * *

SÍNDROME DE PIDÃO

Talvez no restaurante da vida
eu esteja pedindo um prato
que nem está no cardápio...
Os chefs não sabem prepará-lo.
Os ingredientes não há no mercado.

E depois culpo as garçonetes,
dando um escândalo danado,
quando, aguardando um banquete,
me trazem na bandeija um nabo.

* * * * *

POESIA CONCRETA

Dentre tantos e tantos
Meu estilo predileto de tango
É o do tipo orango.
Bailo adoidado
Sem perder o rebolado
Com um bom orango-tango.

(cagando no scrapbook dos outros...)

* * * * *

"que coisas maravilhosas escreveríamos
se não tivéssemos 'bom-gosto'!"


(mário quintana)


* * * * *

ai, caralho, agora que sarei, um problemaço:
"QUE FAREI COM MEUS PULMÕES NORMAIS?!?!"

domingo, 24 de agosto de 2008

:: Dossiê Maiakóvski - versão sem cortes ::

UM CORAÇÃO INCENDIADO

- Vida e obra de um dos mais importantes poetas do século 20, Vladimir Maiakóvski, recebe nova luz com o lançamento da biografia O Poeta da Revolução, de Mikhailov

Uma tempestade de lirismo. Um coração em chamas. Um iconoclasta selvagem. Um rebelde trágico. Um coquetel molotov humano. São essas apenas algumas imagens que vêm à mente para descrever Vladimir Maiakovski (1893-1930), poeta que só precisou de 37 anos de vida para transformar-se num dos mais importantes renovadores da arte poética no século 20.

Poucas vozes soaram com mais beleza, mais poder e mais repercussão do que a dele nos primeiros anos da Revolução Russa, que ele abraçou com ardor e louvou em versos imortais. O leitor brasileiro tem agora a chance de mergulhar fundo na vida e na obra desse gigante da poesia com o lançamento da biografia O Poeta da Revolução, de Aleksandr Mikhailov, lançado pela Editora Record (560 páginas, R$ 68) e traduzido por Zoia Prestes (filha de Luis Carlos Prestes).

Maiakovski foi uma personalidade controversa, provocativa, extremada. Testemunhas oculares chegaram a descrever seu surgimento assim: “como se um hipopótamo chegasse numa loja de louças e aprontasse excessos messiânicos...” (como disse Kniazev). Roberto Goldkrin, no prefácio de Como Fazer Versos, o descreve como "um ser contraditório e fascinante, que ao mesmo tempo que destronou a poesia e o poeta do alto de um Olimpo elitista e classicizante, elevou-se a dimensões aquém dos formulários e especificações do fabricante”. Já Boris Schaiderman, professor de língua russa na USP e autor de A Poética de Maiakovski, descreve-o como uma criatura “vibrante e polêmica, toda agressividade e ímpeto”. E o próprio poeta descrevia-se como alguém em quem a anatomia enlouqueceu:

nos demais - eu sei,
qualquer um o sabe –
o coração tem domicílio
no peito.
comigo
a anatomia ficou louca.
sou todo coração –
em todas as partes palpita.


Seja à frente da vanguarda futurista, trabalhando em revistas de esquerda, fazendo propaganda para o Estado ou se derramando em efusões líricas, Maiakovski se entregava a tudo com extrema intensidade. “Na força e na fraqueza, ele surgiu como um homem que se entregava a tudo de corpo e alma. A nenhuma idéia, a nenhum trabalho ele se dava pela metade”, diz Alexei Bueno.

* * * **

NUMA ENCRUZILHADA HISTÓRICA

Maiakovski foi “um daqueles artistas aparecidos em momentos dramáticos, em encruzilhadas decisivas da história humana”, como comenta Alexei Bueno no prefácio do livro. Uma certa má fama o acompanha ainda hoje, apesar de ter sido canonizado postumamente pelo regime soviético e reconhecido como um dos mais cruciais inovadores artísticos do século passado. Isso porque uma fatia significativa da obra de Maiakovski foi feita com fins propagandísticos e panfletários: cartazes, slogans e poemas escritos sob encomenda e destinados ao louvor do comunismo soviético e seus líderes (especialmente Lênin, glorificado em versos que desenham sobre ele uma “auréola de santidade”).

“A vida de Maiakovski se desenvolveu num período de entusiasmo irrefreável, de crença plena no futuro, herança da ideologia do progresso cultivada durante todo o século 19, de sofrimento e de decepção trágica”, comenta Alexei Bueno. Um tempo em que as utopias ainda pareciam concretizáveis. Os amanhãs cantavam, sorridentes, no horizonte. A era dourada do comunismo estava chegando, acreditava-se...

E Maiakósvki é a encarnação perfeita desse estado de espírito. Como um adolescente, ele era todo “impaciência para se livrar o mais rápido possível dos obstáculos – grandes e pequenos – no caminho rumo ao futuro maravilhoso”, comenta Mikhailov. Maiakóvski é este poeta revoltado, agressivo, inflamado, que segura a caneta como se fosse uma metralhadora. Seus inimigos? Muitos: a exploração da classe operária, a arte desengajada, os hábitos pequeno-burgueses, os últimos estertores do czarismo e a alvorada sombria da burocracia totalitária.

“Maiakovski transfere toda a força de negação para a sociedade burguesa. Nela vê o mal que degrada a moral e a própria idéia da arte”, comenta Mikhailov.
“O ‘abaixo!’ de Maiakovski era um gesto característico do russo rebelde, estivesse ele pegando em machado, em tocha ardente de incendiário, ou em bomba caseira – e expressava sua prontidão de ir para a batalha e morrer.”

O plantio generoso de sementes revolucionárias, tão em voga na Rússia do começo do século 20, encontrou terreno fértil na mente de Maiakovski. Como diz Alexei Bueno, “o poeta incita à rebelião e está pronto para marchar na primeira fileira dos rebeldes”. O próprio Maia se reconhecia como um perigo à ordem constituída: “O nariz capitalista farejava em nós a dinamite”, escreveu. E em vários poemas conclamou um levante, vendo na revolução a “musa de todas as musas”:

Retirem as mãos vagabundas das calças
Peguem a pedra, a faca ou a bomba,
E aquele que não possui mãos –
Venha e lute com a testa!


Poeta das massas, abandonou a torre de marfim para descer ao meio das turbulências sociais. “É necessário partir em mil pedaços a fábula da arte apolítica!”, reclamava. Maiakóvski escrevia sempre centrando fogo na transformação concreta da vida das multidões. Para ele, a poesia não é menos bela por ser útil.

Quando os bolcheviques concretizam sua “grande heresia” e tomam o poder, Maiakovski aplaude com entusiasmo e se entrega ao posto de poeta da revolução, engajadíssimo em fazê-la perseverar e vencer. “Ao encontro de Outubro de 1917, Maiakovski caminhou de peito aberto”, comenta Mikhailov, “pois não assumira, como significativa parte da intelectualidade russa, compromisso com as tradições e outras ligações com a velha cultura. Por isso, quando aconteceu a Revolução, pôde com toda sinceridade dizer: ‘A minha revolução’.”

* * * * * *

ESCÂNDALOS FUTURISTAS

Maiakovski confiava na “inevitável derrocada das velharias” e estava engajado na tarefa de varrer o quadro cotidiano das ruínas do passado, dando passagem ao novo. O grupo dos futuristas russos, que reunia poetas, escritores e artistas plásticos, chegava para bagunçar o coreto russo: “Somos pessoas da nova e moderna humanidade, somos os mensageiros da verdade, os pombos da arca do futuro!”, dizia Burliuk, um dos líderes da vanguarda, ao lado de Maiakovski. “Somos obrigados a abrir uma nova vida à faca no ventre do burguês!”, concluía.

Não é surpresa que o futurismo tenha sido apedrejado e difamado sem dó pelos detratores, tamanha a radicalidade de suas posições. Eram acusados de ter uma relação niilista com a cultura clássica, de não possuírem uma base teórica sólida ou de serem meros arruaceiros ou polemistas. O manifesto futurista, chamado “Bofetão no bom gosto literário”, era mesmo extremista. Mandava, por exemplo, “atirar fora Puchkin, Dostoievski e Tolstoi do Navio da Modernidade!”

O escândalo foi grande. Como seria se, imaginem, algum jovem grupo de artistas brasileiros conclamasse a jogar no lixo as obras de Machado de Assis, Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Burliuk se justificava:
“Não desejamos virar para trás nossas cabeças, quebrar nossas vértebras cervicais para olhar a poesia com naftalina dos perversos!”

Em mil palestras e eventos através da Rússia, quase sempre causando ruidosas polêmicas e chamando a atenção da brigada de polícia, os futuristas colocaram em ebulição a cultura russa. Maiakovski, vestido com sua clássica blusa amarela e sua cartola, às vezes com colheres de pau e outros apetrechos bizarros na lapela, atacava tudo o que fosse “bonitinho”, comportado e mofado.
Se a vida sócio-política já estava conturbada, só ficou ainda mais transtornada com o levante futurista no ramo das artes. “No momento em que eram destruídas mansões, queimadas bibliotecas, derrubados outros monumentos da cultura, o poema de Maiakovski que conclamava a atacar os clássicos e a transformar o Palácio de Inverno numa fábrica de macarrão jogou lenha na fogueira da tempestade em curso”, narra Mikhailov.

Mas “a ênfase na negação, dada pelos futuristas, não deveria interferir na percepção da tendência para a renovação”, lembra Mikhailov. Apesar das idéias destrutivas em relação à herança cultural, Maiakovski era um grande conhecedor da literatura clássica: declamava de cabeça poemas de Puchkin, tinha gabarito para discutir Tchekov e admirava figuras literárias de peso como Pasternak, Gorki e Blok.

De fato, não se tratava de uma relação niilista ou bárbara com os grandes autores do passado: “ele ouvia a voz viva dos clássicos, mas negava as imposições dos seus cânones para a arte do seu tempo”, sugere Mikhailov. Ou, como o próprio Maia dizia, “Eu vos amos, mas vivos, não como múmias.” Além disso, como comenta Boris Schanaiderman,
“é impressionante a aparente contradição entre o futurista iconoclasta, que se voltava com furor contra os clássicos, que pregava a destruição de museus e pinacotecas, e o respeito que votava à tradição popular, à arte russa mais antiga...”

A paixão pela modernização também marcou o futurismo. Maiakovski, que tinha passado a infância nos ermos da Geórgia, estava deslumbrado com a vida urbano-industrial de Moscou e via com empolgação a perspectiva da total urbanização (sem prever as catástrofes ecológicas que isso poderia causar). Ficou refletida na estética futurista essa paixão pela tecnologia e por todos os signos do mundo do amanhã: “Telefones, aeroplanos, expressos, elevadores, máquinas rotativas, chaminés de fábricas, os arranha-céus de concreto, a fuligem e a fumaça – eis os elementos da beleza na nova natureza urbana. Vemos mais freqüentemente a lâmpada elétrica do que a romântica lua”, comentou o poeta. E ele complementa: “O que é a beleza? A nosso ver é a vida viva da massa urbana, são as ruas pelas quais correm os bondes, são os automóveis, os caminhões refletindo nas janelas espelhadas e nos grandes anúncios das lojas. A beleza não é a lembrança de velhinhas e velhinhos, é uma cidade-mestre moderna, que cresce para os céus, que fuma com as chaminés das fábricas, que entra pelos elevadores.”

Maiakósvki, além da vinculação óbvia com o futurismo russo, possuía várias semelhanças com o teatro político de Piscator, com a abordagem cubista das artes plásticas, com certos elementos do surrealismo de Breton, com concepções estéticas Brechtianas (“um apelo constante a um teatro de massas, épico, anti-psicológico, satírico quando necessário”, como diz Schanaiderman) e com o próprio futurismo italiano de Marinetti. Foi um artista-múltiplo e um escritor versátil, que deu palestras, escreveu peças de teatro e participou de filmes (num momento notável da cultura russa, que via nascer ainda o cinema de Einsenstein e Dziga-Vertov).

* * * * *

NAUFRÁGIO DE UM IDEAL


Mas esse poeta de coração ardente e impaciente não poderia mesmo durar muito tempo e virar uma das “velharias” que tanta energia pôs em combater. “Não tenho nenhum fio grisalho em minha alma!”, escreveu ele numa poesia. Quando deu um tiro no próprio peito, em 1930, aos 37 anos de idade, pôs um sangrento ponto final em um destino trágico e belo. 150 mil pessoas passaram na frente de seu caixão nos 3 dias em que ele ficou exposto. A União Soviética chorava a morte precoce de um de seus maiores poetas. Seu ato, até hoje, permanece misterioso. Mas extremamente emblemático deste que foi um dos mais importantes acontecimentos históricos do século 20: a Revolução Russa.

Nos seus últimos anos de vida, Maiakovski parece ter chegado a uma cruel encruzilhada – ele que sempre que as enfrentou de peito aberto e palavras em punho. Mikhailov, em sua biografia, arrisca uma especulação magistral a respeito das frustrações de Maiakovski:

“Em tudo o que ele escreveu durantes estes anos, de um lado, estava a glória à Revolução, e do outro, a sátira sobre a sua continuação. O mundo realmente, como afirma Heine, partiu-se em duas metades e a rachadura atravessou o coração do poeta. (...) Sobre a mesa do escritório, bastava levantar a cabeça, estava a fotografia de Lênin, que continuava a personificar para Maiakovski o ideal de líder e de ser humano, a sua crença. Já nos corredores do poder encontra pessoas bajuladoras, burocratas, corruptas e pomposas. (...) É muito significativo que associe o seu ideal somente àqueles que já estão mortos e a nenhum dos vivos.” Já em 1926, quatro anos antes de seu suicídio, “Maiakovski percebe que o nepotismo, a corrupção, a mesquinhez, a burocracia perpassam a nova sociedade de cima para baixo. (...) Percebe que estavam sendo traídos os ideais de Outubro. (...) No coração precipita-se a amargura que minava a crença na justiça social, na vida...”

Aí talvez esteja uma das chaves para entender o porquê de sua escolha final pela morte: ele havia chegado a uma trágica bifurcação. De um lado, uma vida inteira dedicada à Revolução, à glória de Lênin e ao engajamento na construção do socialismo; de outro, o surgimento do espectro do stalinismo, que trazia a ditadura, a burocracia e o eclipse da Utopia. “Nessa fenda, nessa ‘rachadura’ entre a crença e a decepção podia ter surgido a crise espiritual como premissa da tragédia”, conclui Mikhailov.

O poeta, que oscila entre a poesia de exaltação à revolução e os versos líricos de amor e dor, volta-se também para a sátira e o ataque como forma de “negação das anomalias do novo poder, as deturpações dos ideais da Revolução.” Mas o processo de corrosão da utopia parece ter sido mais forte do que o ímpeto que ele e tantos milhares tinham de conservá-la viva. “
Maiakovski ainda guardava no coração os ideais da Revolução. Vivenciou seu triunfo, celebrou seu líder e seu povo. Um povo que sofreu grandes perdas em nome de um novo sonho, um sonho mais justo e uma vida mais bela”. Mas Mikhailov é peremptório em seu diagnóstico: “Maiakovski, porém, não viu sua real implementação. Tudo se revelou frustrante, contrariando as expectativas... a tragédia de perda do ideal”.

*****

O AMOR É O CORAÇÃO DE TUDO

Além do naufrágio da utopia frente ao crescimento da burocracia e do totalitarismo stalinista, mais um peso descomunal pressionava sobre os ombros do jovem poeta. Tanto que, na nota de suicídio, tornou-se inesquecível uma frase lapidar: “O barco do amor espatifou-se contra o cotidiano”. As paixões de Maiakovski, principalmente Lília Brik e Tatiana Ivanovna, nunca conseguiram saciar seu coração faminto. Ele, que escreveu algumas das mais pungentes poesias de amor que conhecemos, provando que é possível cantar em louvor à amada e à revolução com a mesma garganta, acabou entrando em desespero por não conseguir, neste mundo, abocanhar sua fatia de amor

“Será que Maiakovski, esse grande rebelde e guerreiro quase de nascença, que desafiou o próprio Deus, era uma pessoa tão fraca que por ciúme estava pronto para dar um tiro na cabeça, ingerir veneno ou arrebentar a cabeça nos paralepípedos da avenida Nevski?”, pergunta, provocativo, o biógrafo Mikhailov. Ah, mas não devemos subestimar o poder devastador que a rejeição da mulher amada pode causar no coração de um homem! O próprio Mikhailov, descrevendo como Maiakovski tentava lidar com o sofrimento do amor não correspondido por Lília Brik, diz: “todas as tentativas de reanimação assemelham-se à tentativa de colar uma louça de porcelana quebrada em mil pedaços”.

Em uma das inúmeras cartas a Lília, diz o poeta: “O amor é vida. Isso é o mais importante. Dele se originam os poemas, o trabalho e todo o resto. O amor é o coração de tudo. Se ele interromper o seu trabalho, todo o resto morre, faz-se excessivo, desnecessário. (...) Sem você (não é o sem você ‘em viagem’, mas interiormente sem você) não há vida.”

Quando Iessiênin, um dos maiores poetas russos, suicidou-se em 1926, com sérias repercussões sociais, Maiakovski se debruçou sobre esse ato extremo tentando criar uma poesia que neutralizasse o efeito mórbido que isso gerou no cenário cultural. “Para que aumentar o rol de suicidas?”, perguntava-se ele. Mas, poucos anos depois, esmagado sob o peso da utopia que se esfarelava e do amor que não chegava, buscou no sono eterno o descanso para um percurso terrestre que foi, de fato, cansativo. Por ter sido intenso, extremo, inflamado, contraditório - e apaixonante. Maiakovski, esse verdadeiro esbanjador de palavras preciosas, que sempre teve uma bandeira de luta hasteada no solo de seu coração incendiado, saiu com estrondo do mundo para entrar, também estrondosamente, na História. Como o mais legítimo poeta da revolução.


OBS: n'O Grito!, fiz um resumo desta Ópera Maiakóvski... Confiram!

sábado, 23 de agosto de 2008

:: o coração não se moderniza ::


THE BROKEN HEART
by John Donne

He is stark mad, whoever says,
That he hath been in love an hour,
Yet not that love so soon decays,
But that it can ten in less space devour ;
Who will believe me, if I swear
That I have had the plague a year?
Who would not laugh at me, if I should say
I saw a flask of powder burn a day?

Ah, what a trifle is a heart,
If once into love's hands it come !
All other griefs allow a part
To other griefs, and ask themselves but some ;
They come to us, but us love draws ;
He swallows us and never chaws ;
By him, as by chain'd shot, whole ranks do die ;
He is the tyrant pike, our hearts the fry.

If 'twere not so, what did become
Of my heart when I first saw thee?
I brought a heart into the room,
But from the room I carried none with me.
If it had gone to thee, I know
Mine would have taught thine heart to show
More pity unto me ; but Love, alas !
At one first blow did shiver it as glass.

Yet nothing can to nothing fall,
Nor any place be empty quite ;
Therefore I think my breast hath all
Those pieces still, though they be not unite ;
And now, as broken glasses show
A hundred lesser faces, so
My rags of heart can like, wish, and adore,
But after one such love, can love no more.

* * * * *

É doido varrido quem alguma vez disser
Que esteve apaixonado por uma hora;
Não que o amor tão cedo se deteriore,
Mas porque pode devorar dez em menos tempo.
Quem me acreditará se eu jurar
Que sofri dessa praga por um ano?
Quem não se riria se eu dissesse que vi
Um cantil de pólvora arder durante um dia?

Ah, que ninharia é um coração
Se alguma vez cai nas mãos do amor!
Todas as outras dores cedem lugar
A outras dores, e pouco ocupam por si próprias.
Elas chegam até nós, mas o Amor absorve-nos.
Engole-nos, e nunca mastiga:
Como fogo de metralha, mata fileiras inteiras,
Ele é a lança tirana, nossos corações a ralé.

Se assim não fosse, o que aconteceu
A meu coração da primeira vez que te vi?
Trazia um coração quando entrei na sala,
Mas da sala parti sem levar nenhum:
Se tivesse fugido para ti, sei
Que teria ensinado o teu coração a mostrar
Mais clemência para comigo: mas, infeliz!
Ao primeiro toque o Amor estilhaçou-o como vidro.

Porém, nada em nada se pode converter,
Nem qualquer lugar ficar de todo vazio,
Por isso penso que no meu peito estão ainda
Todas essas partes, embora desunidas;
E agora, como os espelhos partidos que mostram
Uma centena de faces menores, assim os cacos
Do meu coração podem gostar, desejar e adorar,
Mas, depois de tal amor, não mais podem amar.

(in: Poemas Eróticos de John Donne)

Um poema duns 500 anos de idade. Que poderia ter sido escrito ontem. Isso se hoje em dia ainda existisse um poeta tão espetacular quanto John Donne - o único cara que, em língua inglesa, me deixa achando que Shakespeare tem rivais à altura.

Darwin que me perdoe, mas acho que a lei da evolução só age em certas fatias do organismo do homo sapiens. Para dentro do tórax ela não estende seu império! O mesmo músculo estúpido cai sempre nas mesmas ciladas e nos mesmos despenhadeiros, através dos séculos, nunca aprendendo nada que preste. Como diz a Lya Luft: "o coração não se moderniza...".

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

:: relatório médico - meus pulmões na UTI ::


"oh, the way i feel tonight...
i could die that i wouldn't mind."

JESUS AND MARY CHAIN

querido diário, guentaê que hoje teu ouvido fica vermelho de ouvir meus reclamos.

eu pensei que tava curado, que a gripinha tinha sido exterminada, que não faria mal algum tomar uns gorós em comemoração às minhas duas dúzias de verões, completadas no último domingão. dia simpático de rolê na bienal, show do crésh cover, obras-de-arte moderna com batatas-fritas, presentes singelos, pessoas queridas e... álcool guela abaixo em hora indevida.

isso, bestalhão, bebe mesmo. enche a cara de breja gelada no níver, se achando o super punk. vira o resto de pinga mesmo. fontes confiáveis já me tinham dito que conhaque faz um bem danado pra tosse - e por que outras bebidas similares não fariam? álcool é benéfica assepsia na garganta, pensei eu, espertalhão.

isso, otário, fica dando uma de alcóolatra pra você ver o que é bom pra tosse. agora nem coquetel de drogas - resfenol, apracur, benegripe, xarope benalet, pastilinha vik vaporub e aspirina c (cuidado com a overdose!) - resolve o estrago. como manda a lei de murphy, numa recaída você sempre cai mais embaixo do que estava antes da mera caída. e como é que fica agora, para cantar a serenata do amor platônico para a pequena rockabilly dos cachos azuis, hein? versão bob-dylan, toda fanhosa? vai ter que ser. e esse cof cof cof ad aeternum, agora vai dar onde: só restará cantar um tango argentino?

o maior porre de água da minha vida. expandindo os excessos na beberagem a domínios antes inimagináveis. tentando lavar todo o catarro de dentro de mim. ontem eu tava tão congestionado que o treco começou a sair até pelos zóio. ficou tão vermelhão que acharam que eu tava com conjuntivite. acordei praticamente vomitando uma gosma amarelada-amarronzada que entraria fácil no filme do zé do caixão. queria que houvesse uma aspirador de pó que você metia na boca e que faria na hora uma faxina das vias respiratórias. o que eu mais quero no mundo nesse exato momento é simplesmente voltar a respirar.

a gente só lembra que tá de sapato quando ele tá apertado ou com pedregulho. e eu só me lembro do quanto eu adoro a saúde quando estou doente. e o que mais me revolta, desde a infância, é que ela, a doença, vem quase sempre imerecida. acho que eu quase nunca consegui acreditar, em nenhuma doença que já tive que suportar, que ela era o merecido castigo por algum pecado meu que as autoridades universais tratavam de punir com tais extremismos disciplinatórios. além do mais, no universo acho que nem existe um presidente, um gerente, um bã-bã-bã. o universo é mais caótico que a gotham city do chris nolan. prova disso são as doenças: sempre me pareceu que elas não passam de agressões gratuitas contra um pobre inocente. quem acredita em Deus é só porque nunca foi visitar a sessão infantil de uma U.T.I. ou nunca viveu numa cidade atacada pela peste. ou fecha os olhos para o fato de que existiram campos de extermínio em massa, de judeus e de muitas outras pessoas, e o Senhor Papai do Céu, Cheio de Autoridade, não mexeu um dedinho de sua mão impotente para impedir. me revolta tanto.

um doente em vão se pergunta: "que fiz eu para merecer esse meu estado lastimável? agredi alguém com palavras ou atos? fiz alguma diabólica maldade de que não me lembro? na minha fantasia, terei desejado alguma nojeira, pensado em fazer alguma crueldade, cometido algum impensável crime do pensamento?" inútil perguntar pelo sentido. seria superstição demais achar que é preciso que haja uma culpa prévia que a doença pune. por que a Natureza não seria de uma violência sem nexo?

o único "sentido" da doença é: você respirou ou comeu o micróbio ou bactería errados, e seu corpo não soube matar o invasor a tempo. Agora, no seu interior, os exércitos marcham para o combate: os anticorpos e os forasteiros imperialistas se digladiando. Uma batalha épica apesar de microscópica. Se não me engano, o catarro é um imenso rio de cadáveres de bichinhos degolados pelos nossos vigilantes e fiéis escudeiros do sistema imunológico. e a gente vai sepultando os mortos em massa na cova branca do papel higiênico.

claro que há doenças imputáveis à insensatez e falta de prudência do indivíduo, que saiu mau-agasalhado na friagem, bebeu gelado quando não devia, trepou sem proteção, regalou-se com dietas excessivas ou não se preocupou muito com cuidar do seu corpitcho como fazem os fúteis, os bombadões e as nutricionistas. mas muita doença não passa de uma amarga prova do quanto a natureza pode ser incrivelmente filha-da-puta. a cadeia alimentar. um monte de bichinhos que ficam se entredevorando. oceanos de sangue. guerra civil entre organismos. um horror. a natureza é mais capeta que o coringa.

no meu atual caso, porém, reconheço minha culpa no cartório. pela primeira vez na vida estou me sentindo justamente punido por atos de imprudência alcóolica. mas, como diz um sábio provérbio russo, "o vinho é inocente; a culpada é a bebedeira...".

mas concorco com maiakóvski:

"MELHOR MORRER DE VODKA QUE DE TÉDIO."

cof! cof! cof!

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

:: indetenível ::

"Podrán cortar todas las flores,
pero no podrán detener la primavera."

(Neruda)

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

:: repleto de versos levanto meu crânio ::


A FLAUTA VÉRTEBRA
do Maiakóvski


A todos vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.

Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balaço.
Em todo caso
eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.

Memória!
Convoca aos salões do cérebro
um renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,
veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.

(tradução: Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman)

('Tou devorando o Maiakóvski: Poeta da Revolução, bacanuda biografia de 600 páginas deste poeta tão querido do meu coração. Logo mais compartilho impressões e devaneios sobre o livro num textão a sair lá n'o Grito! )

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

:: meus 10 álbuns dos anos 60 ::


Deu um trampo danado e necessitou um dispêndio de tempo enorme, mas finalmente está concluído o meu especialzão sobre os 10 MELHORES DISCOS dos anos 1960 que fiz especialmente pro Depredando o Orelhão. Foi uma ótima maneira de me "forçar" a escrever sobre trabalhos clássicos e treinar minha veia de crítico musical (a coisa que, profissionalmente falando, é o que eu mais curtiria fazer nessa vida... gosto tanto que trampo nisso de graça e super feliz). A listinha, afinal de contas, ficou assim, vê aí se 'cês curtem:

01. BOB DYLAN, Highway 61 Revisited - TXT - DOWNLOAD
02. BEATLES, Revolver - TXT - DOWNLOAD
03. BEACH BOYS, Pet Sounds - TXT - DOWNLOAD
04. MUTANTES, Mutantes (1968) - TXT - DOWNLOAD
05. VAN MORRISON, Astral Weeks - TXT - DOWNLOAD
06. JIMI HENDRIX, Electric Ladyland - TXT - DOWNLOAD
07. THE BAND, Music From the Big Pink - TXT - DOWNLOAD
08. LEONARD COHEN, Songs... - TXT - DOWNLOAD
09. FRANK ZAPPA, Hot Rats - TXT - DOWNLOAD
10. ROLLING STONES, Let It Bleed - TXT - DOWNLOAD

Faltou Who, Velvet Underground, Kinks, Zombies, Blue Cheer, Led Zeppelin e mais uma pá de coisa fina, mas...

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

:: mais um grito!::

Continuando meu tour cinematográfico pela Europa (sô cult pra mais de metro!), depois de visitar a França (com "O Segredo do Grão") e a Espanha (com "Caótica Ana"), fui dar um pulo na Itália e escrevi sobre "Meu Irmão é Filho Único" para a 51a edição da trimmassíssima Revista O Grito!. Filminho firmeza, atualmente em vários cinemas de Sampa Town. A belezura feminil abaixo é um dos maiores charmes do filme - a italianinha deliciosa Diane Fleri, candidata a sex symbol. Ela interpreta uma comunista tão maravilhosa e fatalmente sexy que faria o próprio Hitler fingir que é o nobre defensor do proletariado, mesmo que fosse só para levá-la para a cama (o que obviamente ele não conseguiria se não raspasse antes aquele desabonador bigodinho...). Baba:

sábado, 2 de agosto de 2008

:: os filmes de julho ::



128. ALIEN III [versão estendida] (de David Fincher [dvd]) - 8.5
129. BIG TROUBLE (de John Cassavetes, EUA, 1986 [divx]) - 8.9
000 TOP 5 - CASSAVETES
01. amantes (love streams)
02. uma mulher sob a influência
03. opening night
04. a child is waiting
05. big trouble

130. WALL-E (de Andrew Stanton/Pixar, 2008 [Bristol]) - 9.0
131. DEADWOOD [3a temporada completa - dvd]) - 9.5
132. CAMA DE GATO (de Alexandre Stockler, Brasil, 2007 [dvd]) - 4.5
133. SEXO ENTRE AMIGOS (Elephant Juice, de Sam Miller [dvd]) - 6.0
134. O SEGREDO DO GRÃO (de Abdel Kochiche, França, 2008 [Esp. Unibanco]) - 9.0
135. O ESCAFANDRO E A BORBOLETA [2a vez] (de Julian Schnabel [Reserva]) - 9.5
136. O SENHOR DAS MOSCAS (Lord Of The Flies, de Harry Hook [dvd]) - 4.5
137. VINGANÇA FINAL (I'll Sleep When I'm Dead, de Mike Hodges [dvd]) - 6.8
138. PROCURANDO NEMO (FIndind Nemo, de Andrew Stanton [divx]) - 7.0
139. MUSICALMENTE (TOm, Vinicius, Toquinho e Miucha na Itália [dvd]) - 9.2
140. UMA GAROTA CORTADA EM DOIS (de C Chabrol, FRA, 2008 [Reserva]) - 7.5
141. O CAVALEIRO DAS TREVAS (de Christopher Nolan, 2008 [Eldorado]) - 9.6
000 TOP 5 - CHRIS NOLAN
01. amnésia (memento)
02. o cavaleiro das trevas
03. o grande truque
04. following
05. batman begins

142. PRINCESS (de Anders Morgenthal, Dinamarca, 2006 [AnimaMundi]) - 6.0
143. CAÓTICA ANA (de Julio Medem, Espanha, 2007 [HSBC]) - 6.5

ouro: O CAVALEIRO DAS TREVAS
prata: O ESCAFANDRO E A BORBOLETA
bronze: WALL-E

menção honrosa: O SEGREDO DO GRÃO e BIG TROUBLE

e DEADWOOD é FODA PRA CARAI.

Uma das 5 melhores séries da história da TV americana, fácil!