terça-feira, 29 de novembro de 2005

essa é a cara da prova de física da fuvest:




Foi um semi-desastre minha tentativa de enfrentar o monstro mítico chamado FUVEST depois de quatro anos sem estudar nada de física, biologia, química e matemática. Os dois meses que eu "dediquei" pra tentar dar uma refrescada na memória num serviram pra muito - até porque eu muitas vezes lançava os livros contra a parede e ia fazer algo de mais legal. Aconteceu o que eu suspeitava: fui massacrado em quase todas as provas de Exatas. Chutei a torto e a direito, endoidecidamente, bem no estilão aleatório, entrega-a-deus-e-vê-no-que-dá. Acho que umas 22 ou 23 questões de exatas foram todas no chute - a maioria tudo pra fora. Essas provas de Química e Física da Fuvest sempre me deixam com a sensação de que eu sou um completo idiota. Na maioria das questões, num sei nem por onde começar. Tava com todas as formuletas decoradas, mas é claro que isso num adianta nada. É ilusão pensar que os putos vão te dar o V, o Vo, o tempo e pedir a Aceleração. Ou imaginar que vão te dar um gerador, uma ddp, uma força eletromotriz, uma resistência e pedir uma corrente. Ou achar que saber a diferença entre uma ligação iônica (que é caridade) e uma covalente (que é comunismo) vai servir pra algo. Essas coisas basiconas que eu sabia foram completamente inúteis. Fui achando que fazer metade das questões de cada uma delas já tava de bom tamanho. Nem isso eu consegui. Só 4 de física, 4 de Química e 4 de Biologia. Matemática consegui ir melhor (6 das 12), mas com uma perda de tempo absurda - o fim da prova chegou antes que eu conseguisse sequer LER umas cinco ou seis questões de Química. E, além do mais, num sei como é que esses caras pensam que é possível ficar fazendo uma prova desse tipo durante 5 horas - num tem jeito. Num tem cabeça que aguente. Entrando na quarta hora de prova, minha mente já tava num cansaço tão ferrado, e meu raciocínio tava tão lesado, que eu ficava uns quinze segundos tentando descobrir quanto é 7 vezes 8. "Será que é 63? Ou será que é 72?"... ;-)

No saldo total, fiz um magrinho 53 pontos (de 100 possíveis), o que seria insuficiente pra praticamente todos os cursos - e eu nem tenho ENEM pra dar um empurrãozinho. Mas pra Filosofia a pedreira é menor. Ano passado a nota de corte foi 52, o que ainda me permite um fiapo de esperança. Se bem que vivemos num mundo regido por Murphy...

Algumas dos Constatações Sagradas da Tábua das Verdades Universais de Murphy, página 19.032.023 do Guia dos Mochileiros da Galáxia, verbete Vestibular:

- Se sua performance na Fuvest foi de X pontos, a nota de corte será sempre de X + 1.

- Se você chegar à segunda fase, vai ter um ataque de diarréia no dia da prova e não poderá comparecer. Ou então vai passar duas horas da prova sentado na privada.

- Quando você passa em primeiro lugar na Fuvest, você morre atropelado no dia em que vai se matricular. E o desgraçado que te matou foge. E na semana seguinte ganha na Sena. E vive até os 110 anos. Em Paris.

- Se você consegue entrar na USP e fazer o curso inteiro, morre atropelado no dia da formatura.

- Se você consegue entrar na USP, fazer o curso, se formar, arranjar emprego, ficar rico, constituir família, ter filhos, comprar casa no litoral e atingir a felicidade - enfim, fazer todas essas coisas que a maioria das pessoas deseja fazer com suas vidas -, um dia acontece isso: seu corpo dá tilt, pára de funcionar, começa a apodrecer e, finalmente, você é enfiado numa caixa de madeira e posto debaixo da terra, e dentro de poucos anos é completamente esquecido por todas as criaturas do planeta.

Sei, sei, já me disseram: sou um cara "muito pessimista"... Mas é minha culpa? Fui eu que criei a vida desse jeito?

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Tem coisas novas no armazém do DLMSONGS, um dos maiores QGs de Comunismo Musical do Brasil (www.gmail.com - dlmsongs - queromp3). Duas coletâneas, inencontráveis em qualquer loja de discos dessa galáxia, tão disponíveis: A REVOLTA DAS CALCINHAS, uma coleta que eu fiz com algumas das melhores músicas de r&r e punk com vocais femininos (Bikini Kill, Le Tigre, Sleater-Kinney, Elastica, Bellrays, Detroit Cobras, entre outros), e o 31 SONGS, que contêm todas as músicas que o Nick Hornby, autor de "Alta Fidelidade", considera como suas prediletas - o livro 31 Canções, aliás, já foi lançado no Brasil, mas vem sem CD. Ainda tem o "Yoko" do Beulah, um dos meus discos prediletos dos últimos anos, já resenhado um tempo atrás por aqui, e já tá chegando o disco de estréia do Distillers, outra banda do coração, responsável por algum do melhor punk rock gravado nessa década - e em qualquer outra. O Gúgou não contava com essa: acho q eles nunca imaginariam que alguém iria utilizar nem 10% do espaço do Gmail. Eu já tô chegando no primeiro giga. E o segundo tá a caminho.

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Num tem jeito: o cara num erra a mão. Pago um pau descarado: pra mim Lars Von Trier é Gênio. Comecei a escrever algo sobre o "Manderlay", um puta dum filme (apesar do impacto ter sido, pra mim, um pouco menor em comparação com "Dogville" ou "Dançando no Escuro") - mas tô meio perdido no meio de tanta coisa que eu quero dizer. Porque pra falar sobre "Manderlay" é preciso falar também sobre "Dogville", filme que eu devia ter resenhado antes mas não fiz - por preguiça, por insegurança, por desânimo frente ao tamanho imenso da tarefa. Pra falar sobre o estilão minimalista, despojado, teatro-filmado dos dois, também é bom falar sobre o Dogma 95, sua estética e intenções, o que são outros quinhentos. E pra tratar da Grace, personagem ultra-complexa e uma dos mais instigantes da história do cinema, é interessante compará-la com as outras mulheres protagonistas dos filmes anteriores do Von Trier, o que me leva a ter que tecer considerações alongadas sobre "Ondas do Destino" e "Dançando no Escuro". Então o que era pra ser uma resenha sobre "Manderlay" tá virando quase que um livro sobre a obra de Von Trier e minhas filosofagens em cima dela. Então 'tejam preparados que em algumas semanas vou começar a lotar esse blog com dezenas de kbytes dedicados a esse grande gênio da sétima arte, Lars Von Trier, o Terrível.

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últimos filmes:

REBECCA (do Hitchcock, 1940) - 8.5
FEBRE DO LOCO (de Andrès Woods, Chile, 2001) - 3.0
O QUE FAZER EM CASO DE INCÊNDIO? (Alemanha, 2002) - 4.0
O CLOSET (Le Placard, de Francis Veber, França, 2001) - 7.8
A FESTA DE BABETTE (de Gabriel Axel, 1987) - 4.6
AMOR À FLOR DA PELE (de Wong Kar Wai, 2000) - 8.6
BALZAC E A COSTUREIRINHA CHINESA (de Dai Sijie, China, 2004) - 4.5
NICOTINA (de Hugo Rodriguez, México, 2005) - 5.0
O HOMEM ELEFANTE (de David Lynch, 1980) - 8.0
O PÂNTANO (de Lucrecia Martel, Argentina, 2000) - 5.9
A MARCA DA MALDADE (Touch of Evil, de Orson Welles, 1958) - 7.9
O ESPELHO (Zerkalo, de Andrei Tarkovski, 1974) - ?realmente não sei.?
21 GRAMAS [2a] (de Alejandro González Iñarritu) - 9.1
O GUIA DOS MOCHILEIROS DA GALÁXIA (de Garth Jennings, 2005) - 7.2
TUDO ACONTECE EM ELIZABETHTOWN (de Cameron Crowe, 2005) - 4.5
RAINHA MARGOT (de Patrice Chéreau, França, 1994) - 8.4
MARCAS DA VIOLÊNCIA (do D Cronenberg, 2005) - 9.0
OS CAÇADORES DA ARCA PERDIDA [4a?] (do Spielberg, 1981) - 7.5
PATTON (de Franklin J. Schaffner, EUA, 1971) - 7.8
O INDOMADO (Hud, de Martin Ritt, EUA, 1963) - 8.6
CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS (de Marcelo Gomes, Brasil, 2005) - 4.1
A ILHA (The Island, de Michael Bay, EUA, 2005) - 6.0
GOSTO DE SANGUE (Blood Simple, dos Irmãos Cohen, EUA, 1984) - 6.5
A VIDA MARINHA COM STEVE ZISSOU (de Wes Anderson, 2005) - 3.5
MANDERLAY (de Lars Von Trier, 2005) - 8.8

( ) no 1 - juro que eu não entendo o que as pessoas enxergam nesse Wes Anderson. Acho os filmes dele tão meia-boca, tão artificiais, tão cheios de piadinhas fracassadas, tão sem sentimento... O Tennenbauns e o Steve Zissou em nem aguentei até o final, de tão chato que tavam.

( ) no 2 - o Guia dos Mochiileiros ficou com cara de Monthy Phyton.

( ) no 3 - o 21 Gramas é um dos melhores e mais devastadores FILMES DE DOR do mundo: pra ver e sofrer junto, berrando de agonia, com as lágrimas caindo em cachoeiras. E que elenco foda, meu. Naomi Watts, Sean Penn e Benicio Del Toro juntos, todos inspirados, sob o comando de um dos melhores diretores surgidos nos últimos anos. Esse Iñarritu é bão mesmo...

( ) no 4 - Agora o México também tem o cara que xeroca Tarantino: esse Hugo Rodriguez, do "Nicotina". Como se não bastasse o Guy Ritchie...

( ) no 5 - A Ilha é meu GUILTY PLEASURE do ano. Nem achei tão ruim quanto andam dizendo.

sábado, 26 de novembro de 2005

ALGUNS FAVORITOS.

INSCRIÇÃO PARA UMA LAREIRA

A vida é um incêndio: nela
dançamos, salamandras mágicas.
Que importa restarem cinzas
se a chama foi bela e alta?
Em meio aos toros que desabam,
cantemos a canção das chamas!

Cantemos a canção da vida,
na própria luz consumida...

(MÁRIO QUINTANA)

* * * * *

"Ever tried? Ever failed? No matter.
Try again. Fail again. Fail better."
(SAMUEL BECKETT)


"There's a time when
the 'maybe later' becomes 'too late'..."
(do filme DREAM FOR AN INSOMNIAC)


“Life, as it is called, is for most of us
one long postponement.”
(HENRY MILLER)

segunda-feira, 21 de novembro de 2005

MARCAS DA VIOLÊNCIA
(A History Of Violence, de David Cronenberg, 2005)

"We may be through with the past,
but the past ain't through with us."

de MAGNOLIA, de P.T. Anderson

"People you've been before
You don't want around anymore."

de ELLIOTT SMITH, em "Between Bars"


"Marcas da Violência", novo filme do cada-vez-melhor David Cronenberg (de "Spider", "A Mosca", "Crash - Estranhos Prazeres", "Gêmeos - Mórbida Semelhança", entre outros), não é um espécime do típico gênero americano de filmes sanguinolentos e brutais que glamourizam a violência e idealizam a brutalidade. As cenas fortes e sangrentas estão lá, mas nunca são diversão ou estilização (não estamos frente a um irmão de "Kill Bill" ou "Sin City"); a violência aqui é terror, não entretenimento. Algumas sinopses escritas para tentar atrair multidões para os cinemas vão dizer que se trata de um suspense a respeito de bandidões que passam a perseguir uma pobre família que, antes vivendo dentro do Sonho Americano, tem sua vida transtornada pela explosão da violência. Vão dizer que é um thriller sangrento sobre a vingança que os Caras do Mau vão tentar perpetrar contra o Cara do Bem pelos erros deste último no passado distante. Vão dizer que é uma reflexão sobre a violência na América. Vejo nele algo de diferente.

Prefiro ver o filme de Cronenberg, adaptado de uma novela gráfica de John Wagner e Vince Locke, como uma cuidadosa análise psicológica de um personagem em conflito com os demônios interiores - que ele pensou ter subjugado, mas que voltam a bater à sua porta. Mais ou menos à maneira do "Clube da Luta" e do "Psicopata Americano", "Marcas da Violência" faz um estudo cuidadoso de uma personalidade rachada. Dentro do mesmo homem, nos três casos, convivem duas personas: uma delas, reprimida e empurrada para o inconsciente, representa o lado violento, brutal, sedento por destruição; e a outra, que se exibe publicamente, pretende se adequar à normalidade e à moral social estabelecida. É claro que a repressão não funciona com perfeição e, vez ou outra, surge das profundezas desses homens aparentemente pacatos, ordeiros e sociáveis (Tom Stall, Patrick Bateman e o narrador do Clube...) um monstro de ódio e violência. Eles não são assim tão diferentes de todos nós, digamos a verdade. Quem de nós não sente se erguer das profundezas de nossos corações, vez ou outra, alguma fantasia sanguinária, algum desejo de destruição, algum ódio mortal contra alguém? E quem não se esforça por reprimir essas iras e manter-se sob controle? Confesso que eu, pessoalmente, muitas vezes não consegui resistir à tentação de decapitar, esfaquear e arracar fora as tripas de muito professor - mentalmente, é claro. Num curto muito a raça... ;-)

O personagem Tom Spall (interpretado por um ótimo Viggo Morttensen), atormentado por remorsos a respeito de seu obscuro passado, é um homem que, como tantos, veste uma máscara para fingir ser absolutamente pacífico e imune à crueldade. Quer dizer, talvez dizer "fingimento" ou "hipocrisia" seja exagerar: até daria para falar em uma "obstinada tentativa de auto-transformação". O fato é que ele se esforça para reprimir sua personalidade violenta por tantos anos seguidos, com um esforço tão constante, que a máscara da normalidade acaba por se colar ao rosto. Joey Cusack, sua versão particular de Tyler Durden ou do Psicopata Americano, parece estar definitivamente morto. E ninguém, nem sua esposa, nem seus filhos, nem seus colegas de trabalho, chega a suspeitar que, por trás da aparência amável e pacífica, pode haver nas profundezas daquele homem alguma besta adormecida. E é essa besta que será despertada na ocasião do assalto de que ele é vítima e que vai transtornar toda a vida de Tom, sua esposa e seus filhos.

Por isso é que prefiro ver o filme não tanto como um "thriller" ou um "policial", mas muito mais como um drama familiar centrado num problema muito comum: o mútuo desconhecimento enfim tornado evidente. Penso assim: não importa que as pessoas compartilhem a mesma casa, a mesma mesa, a mesma cama, por anos e anos a fio; elas ainda assim parecem não conseguir ler umas às outras como livros abertos. A surpresa com que a esposa (Maria Bello) recebe a verdade sobre o passado de seu marido é um bom indicativo de quão superficialmente aqueles dois se conheciam. Atormentados pela morte de suas ilusões, a esposa e o filho modificam de modo radical o modo com que tratam o papai, antes considerado como "o melhor homem do mundo", agora enfiado na imagem de um serial killer. Cronenberg sublinha o contraste com força: no inicío do filme, o tom excessivamente adocicado e idealista da descrição feita da família nos indica que há algo de errado ali; as coisas funcionam tão bem que não dá pra evitar pensar: "é bom demais pra ser verdade". A gente sabe que algo vai vir pra fazer a terra tremer debaixo dos pés desse casal tão impossivelmente perfeitinho.

Pouco a pouco Cronenberg vai nos conduzindo em direção aos mistérios de Tom Stall e cada vez se evidencia mais que seu passado está recheado de atos sanguinários que ele desejou esquecer e apagar. Os mafiosos chefiados por Fogarty (Ed Harris, sempre competente), e que vêm para atormentar a vida de Tom, aparentemente o confundindo com um certo Joey Cusack, são o fator que vai fazer com que a família, pela primeira vez, se choque com o dilema: será que nós realmente nos conhecemos? Estamos realmente conscientes de quem é o nosso papai em suas profundezas mais insondáveis?

O mistério sobre a vida pregressa do personagem principal vai lentamente começando a instigar o espectador, num processo que me lembrou um pouco aquele de "Paris, Texas", de Win Wenders, que só com muita lentidão nos explica as causas do silêncio pesado e da tristeza desolada do protagonista. Tom Stall, em "Marcas da Violência", é um mistério parecido. Tanto que, o principal suspense que Cronenberg cria por aqui nem é tanto um "será que eles vão conseguir se safar?", mas um "quem diabos é esse cara, na verdade?" A certo ponto, todos ao redor de Tom - o policial, a esposa, o filho, seu irmão, seus perseguidores - pedem que ele embarque numa "viagem no trilho da memória" e retorne ao passado - para concertá-lo, para revelá-lo, ou mesmo para redimi-lo, pagando por seus crimes. Uma viagem na qual ele não deseja embarcar, é claro, já que esteve, por tantos anos, engajado na tarefa de se auto-modificar. Ele está querendo deixar o passado para trás, mas o passado não vai deixar-se cair inerte na passividade. A pessoa que ele foi no passado, e que não quer mais ser, será novamente chamada a erguer-se por esses espectros do passado.

"Marcas da Violência", talvez o mais maduro e profundo dos filmes da carreira de Cronenberg, acaba por ser uma fábula de redenção que fotografa a obstinada tentativa de transformação e auto-superação de um homem que, cansado de seus vícios e de seu ódio, parte num combate contra si mesmo. Um processo de auto-pacificação, auto-controle, auto-domesticação. Envergonhado por seu passado pouco elogiável, esconde de todas as pessoas ao seu redor seu lado mais sombrio e suas escorregadas mais graves, até que um dia o esconderijo é quebrado e as verdades obscuras saem à luz do dia. Um filme sobre como escondemos uns dos outros nossos sentimentos menos nobres, por medo de que não gostem de nós se souberem que os sentimos, e sobre como, mais cedo ou mais tarde, os demônios interiores acham um meio de se manifestarem no mundo exterior. Que nos resta? A compreensão, a admissão, o auto e o mútuo conhecimento.

Na belíssima cena final, inteirinha silenciosa, o diretor não dá nenhuma pista mais explícita sobre qual será o futuro dessa família após ser chaqualhada por essa onda de derramamento de sangue. Mas eu fico com a impressão de que, afinal de contas, o que está em jogo ali é o reacolhimento do papai, uma espécie de reconciliação feita toda através de pequenos atos e olhares, um certo perdão terno e compreensivo. Admitido de volta, aceito no ninho mesmo com seu passado sombrio e seus abundantes erros cometidos, Tom, enfim desmascarado, é recebido de braços abertos. A família, após fazer o sepultamento das ilusões que tinha sobre aquele homem, novamente o aceita, o acolhe, o admite. As lágrimas são inevitáveis, como também o é o clima melancólico, que contrasta de forma radical com o ambiente American Dream do inicío da história. É que todos estão de luto após o funeral das ilusões. E agora poderão reiniciar a batalha de cara limpa: dessa vez, as máscaras estão todas largadas pelo chão.

quinta-feira, 17 de novembro de 2005



# and the wheel keeps on turning....

Minha Lei de Murphy predileta, dentre tantas que eu admiro (são expressões da mais pura sabedoria de vida!), ainda continua a ser aquela: "Se você está se sentindo bem, não se preocupe: isso passa." É uma frase tão irretocável, tão perfeita, tão infalível, que eu poderia tatuá-la no meu peito sem medo de que algum dia ela viesse a se tornar mentirosa. Tudo muda a não ser a mudança... O velho George Harrison já cantava: "All things must pass" ("Isn't it a pity? Isn't it a shame?"...). E o velho Huxley já comentava: "Vai passar", a única expressão que vale para toda e qualquer situação humana, boa ou má. E ainda o grande Montaigne: Todo contentamento dos mortais é mortal. Mas não sou tão pessimista quanto pode parecer. Sei que a roda, se gira, não é sempre para nos fazer mergulhar no abismo: às vezes nos leva pra cima. Sim, é claro que teremos que cair de novo, mas por que não? Que prazer na ascensão sem a memória da queda?

"Tudo flui", uma das mais lapidares das constatações filosóficas em todos os tempos, não é necessariamente nem uma boa nem uma má coisa. Que nada seja permanente é ao mesmo tempo terrível e maravilhoso. "E a vida, nossa única benção e nossa única maldição...". Tudo flui, e é terrível: pois o fogo da paixão nunca se sustenta, pois a chama da vida nunca queima por muito tempo, pois nunca se pode enjaular o pássaro fujão da alegria... ele sempre escapole! Tudo flui, e é maravilhoso, também: pois nenhum tormento é capaz de durar eternamente, pois todo o sofrimento tem um fim, pois, estando todos nós prometidos ao nada, não há nenhum Inferno Permanente, somente os infernos provisórios que todos conhecemos e que são menos infernais pelo fato de que acabarão. Sim, Montaigne estava certo ao dizer o que dizia, e é uma das frases que eu mais adoro dentre todas que conheço, mas gosto de dizer o contrário também: "Todo descontentamento dos mortais é mortal...". Tudo muda, tudo passa, tudo escoa! Que terror! Mas que alívio!

domingo, 13 de novembro de 2005


3 razões pra ler a TRILOGIA mais engraçada (e esperta)
da história da ficção científica,
o HiTChHiKeR's GuIdE To THe GaLaXy de Douglas Adams.


#1. eu acho que já aconteceu.

“Há uma teoria que diz que se um dia alguém descobrir exatamente
qual é o propósito do Universo e por que ele está aqui,
ele desaparecerá instantaneamente e será substituído
por algo ainda mais bizarro e inexplicável.

Há uma outra teoria que diz que isso já aconteceu.”

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#2. o VóRtIcE da PeRsPecTivA toTal.


Ford Prefect, um dos mochileiros da galáxia que parte pelo Universo pegando carona em discos voadores, tem uma teoria sobre os seres humanos (ele não é um deles), aquelas estranhas criaturas que foram praticamente extintas – a não ser por Arthur Dent e Trillian - quando da demolição do planeta Terra para a construção de uma avenida interestelar. Primeiro ele achava que eles, os homens, haviam sido construídos de modo que, se não utilizassem sua boca o tempo todo, sem interrupção, seus lábios corriam o risco de colarem. Depois ele descobriu que a verdade: "se parassem de falar, seus cérebros começariam a funcionar". É por isso que sempre comentavam sobre o tempo que estava fazendo lá fora, sobre a atual situação nos campeonatos futebolísticos e sobre todas as pequenas ninharias do cotidiano: pois o perigo de ter um cérebro funcionando é enorme. Já pensou o terror e o sofrimento inenarrável que se instala dentro de alguém que, devido a seu cérebro que funciona, adquire um correto senso de proporção?

Aliás, já que estamos falando nisso, sabe-se que no planeta Astrossapo B foi instalado pelas autoridades da galáxia o Vórtice de Perspectiva Total, “a mais selvagem das torturas psíquicas a que se pode submeter um ser consciente” (pg. 64 do Restaurante), para onde foi levado o nosso pobre capitão Zaphod Beeblebrox para ser punido pelo roubo da Nave Movida à Impossibilidade Infinita. “O Universo, como já foi observado anteriormente, é um lugar desconcertantemente grande, fato este que pelo bem de uma vida tranquila a maioria das pessoas tende a ignorar” (74). Já o Vórtice de Perspectiva Total é um quarto de tortura que consiste em fazer com que “você tenha um vislumbre momentâneo de toda a inimaginável infinidade da criação, e em algum lugar, um marcador minúsculo, um ponto microscópico sobre um ponto microscópico, diz ‘você está aqui.’” (75) Os cientistas anciões que arquitetaram tal instrumento de tortura chegaram a conclusão de que ele torrava instaneamente a mente de qualquer criatura exposta a ele, pois a sensação de insignificância era muito maior do que era possível suportar. “Tinha-se provado conclusivamente que se a vida há de existir num Universo deste tamanho, uma coisa que ela não pode ter é senso de proporção.” (81)
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#3.

O Cara Que Rege O Universo, obviamente, acaba por ser um completo idiota, única coisa que poderia explicar porque as coisas são como são.

O Restaurante no Fim Do Universo, um lugar de luxo onde as criaturas da galáxia, através de uma viagem no tempo, podem ir assistir de camarote ao Apocalipse, para depois voltarem para seus tempos e continuarem a trabalhar, criar filhos e lutar pela perpetuidade de suas espécies, contêm um mistério que é um mistério humano: por que fazer qualquer coisa quando se sabe que, afinal de contas, tudo se acabará?

O sentido da vida, aquilo que capitão Zaphod Beeblebrox estava tão a fim de descobrir (porque ia faturar uma baita grana vendendo a resposta para todas as criaturas da galáxia, já que nenhuma delas entende que diabos está fazendo no Universo), acaba por continuar um mistério.

A resposta é 42, mas qual é mesmo a pergunta?

últimos filmes:

PARIS, TEXAS (de Win Wenders, 1984) - 8.0
COM AMOR, LIZA (Love, Liza, de Todd Louiso, EUA, 2002) - 3.5
STOP MAKING SENSE (de Jonathan Demme / Talking Heads) - 8.9
TOPSY-TURVY (de Mike Leigh, U.K., 1999) - 6.5
OS MISERÁVEIS (de Bille August) - 7.5
CARRIE, A ESTRANHA (de Brian De Palma) - 7.9
O JARDINEIRO FIEL (de Fernando Meirelles, 2005) - 8.2
A NOIVA-CADÁVER (de Tim Burton e Mike Johnson) - 8.0
HISTÓRIAS PROIBIDAS (Storytelling, de Todd Solondz) - 5.5
O EVANGELHO SEGUNDO MATEUS (do Pasolini, Itália, 1964) - 5.8
RAMONES - END OF THE CENTURY (de MikeGramaglia/Jim Fields) - 7.0
O SENHOR DAS ARMAS (Lord Of War, de Andrew Niccol, EUA, 2005) - 6.4
OLDBOY (de Chanwook Park, 2005) - 8.5
EUROPA (a.k.a. Zentropa, de Lars Von Trier, 1991) - 8.4
SOB O DOMÍNIO DO MAL (The Manchurian Candidate) - 6.0
O SOL É PARA TODOS (To Kill a Mockingbird, de R.Mulligan) - 8.8
A HISTÓRIA OFICIAL (de Luis Puenzo, Argentina, 85) - 7.5
STRANGER THAN PARADISE (de Jim Jarmursch, 1984) - 4.5
MACHUCA (de Andrés Woods, Chile, 2004) - 7.6
MEU ADORÁVEL VAGABUNDO (Meet John Doe, de Frank Capra) - 8.5
MARIA CHEIA DE GRAÇA (de Joshua Marston, EUA / Colômbia) - 8.0
PERSONA [2a] (de Ingmar Bergman, Suécia, 1966) - 10.0
UM FILME FALADO (de Manoel de Oliveira, Portugal, 2003) - 5.0

quarta-feira, 9 de novembro de 2005



MARIA CHEIA DE GRAÇA
(Maria Full Of Grace, escrito e dirigido por Joshua Marston,
Colômbia / EUA, 2004)


Primeiro uma confissão do meu preconceito: já tinha visto esse filme repousando nas locadoras uma pá de vezes, mas sempre passava reto, cheio de desprezo, achando que certamente era algum filme de propaganda cristã igual a muitos que viraram moda ultimamente, desde aquele horroroso circo dos horrores do Mel Gibson até aquelas porcarias que a Globo produziu para o nosso padre-pop Marcelo Rossi protagonizar – e é claro que não assisti às empreitadas globais no cinema cristão, nem acho que seja preciso ter assistido pra falar mal; eis um caso de "não assisti, não gostei, e ainda por cima estou convencido de que estou certo por não ter gostado". A verdade é que eu sou um ateu muito fanático. E um filme chamado “Maria Cheia de Graça” só podia mesmo ser um nojento produto ideológico feito para “catequisar as criancinhas” ou “deter o avanço das seitas evangélicas”, né?

Quando finalmente tive coragem para ler uma sinopse sobre o filme num jornal, mais pra dar risada do que pra qualquer outra coisa, percebi que eu tinha sido um escrotão por ter desdenhado um filme só por causa de seu título. De fato, “Maria Cheia de Graça” é um filme que não tem absolutamente nada a ver com religião, nem mesmo uma relação “satírica”. A única imagem que faz um link com a simbologia cristã é aquela que está estampada no cartaz e na capa do filme: Maria, com a face erguida para cima e a boca entreaberta, parece receber uma hóstia. Quem viu sabe que é uma ilusão: o que está prestes a entrar no organismo de Maria não é o corpo do Cristo, mas sim um pacotinho de cocaína a ser provisoriamente estocado no estômago dela para uma viagem até a América.

O primeiro filme do diretor e roteirista americano Joshua Marston, com um realismo cru que o deixa com um jeitão quase documentário, é uma história que ilustra bem a situação sócio-política extremamente conturbada lá na Colômbia, um país, como tantos, aparentemente abandonado por Deus. Numa nação onde o narcotráfico é super-poderoso, não devem ser poucos os trabalhadores que se sentem tentados a arranjar um emprego como ajudantes no esquemão das drogas. Afinal, pra quê trabalhar como um condenado num trampo “honesto” que paga uma miséria quando se pode faturar o dobro, o triplo, o quádruplo, entrando para o mundo do tráfico? Maria é uma dessas garotas colombianas que, frente a dificuldades financeiras, aceitam se transformar em “mulas”, levando através das fronteiras, na barriga superlotada, a droga que será vendida nos Estados Unidos. "Baseado em 1.000 histórias reais", diz o cartaz do filme, e provavelmente não é mentira.

O filme nem perde tempo nos apresentando ao significado da gíria “mula”, por exemplo, o que o Pablo Vilaça soube interpretar bem: “o diretor-roteirista estreante Joshua Marston demonstra inteligência ao compreender que, no universo da moça, todos sabem o que uma 'mula' faz”. De fato, é algo já encorporado ao dia-a-dia daquelas pessoas, cercadas por todos os lados pela presença de drug-dealers e seus dialetos próprios. Dá também pra notar, no mesmo caminho, que Maria nunca chega a realmente SE SURPREENDER ao saber que tal processo de transporte de narcóticos existia, o que também sugere que os colombianos estão em contato tão cotidiano com o tráfico que não deve vir como uma surpresa, para nenhum deles, o fato de que existe algo como mandar um sedex cheio de cocaína usando como pacote uma série de estômagos humanos. No resto do mundo, principalmente nos países ricos, a audiência vai certamente se pasmar ao saber dessa astúcia diabólica dos traficantes.

Para Maria, a coisa nem chega a constituir um dilema moral. Ela não tem tempo para ficar decidindo se “é certo ou errado” fazer o que fará: suas necessidades são urgentes demais, e sua família passa um aperto ferrado demais, para que lhe reste espaço para escrúpulos. Abandonando seu emprego como retiradora de espinhos de flores (ocupação monótona e absolutamente não gratificante, tanto no sentido financeiro como no “humano” mesmo), ela embarca, junto com duas amigas, nessa perigosa jornada até Nova Yorke. As pedras no caminho são muitas: não só a polícia americana já está fechando o cerco nos aeroportos, como qualquer rompimento de um dos papelotes dentro do ventre da garota causará certamente sua morte por overdose.

Decerto que “Maria Cheia de Graça” não tem muito a ver com as táticas dos thrillers americanos comerciais, mas o suspense está lá presente, em vários momentos, de uma maneira muito mais sutil, mas que não deixa de ser cativante: na tensa cena dentro do avião, por exemplo, ou durante o interrogatório a que é submetida Maria assim que pisa nos EUA, ficamos presos na cadeira, só torcendo - pelo menos foi o que ocorreu comigo - para que a droga não seja descoberta. O que não deixa de dar o que pensar. Porque parece mais natural que a gente deseje que o bandido-traficante se ferre, não? Me explico melhor: se a gente fica sabendo, ao ler num jornal, que uma garota colombiana foi presa tentando atravessar uma certa fronteira com drogas escondidas no corpo, é até normal que a gente pense: “ora, bem feito! Essa traficante safada tem mais é que se ferrar mesmo!” Mas o filme nos coloca frente a uma personagem que fatalmente acaba por nos parecer simpática, e seus atos totalmente desculpáveis, fazendo-nos até mesmo torcer para que ela engane a polícia e não se dê mal – mesmo sabendo que ela está fazendo algo em prol do narco-tráfico organizado... Não é algo de tão incomum assim que o cinema consiga fazer erguer em nós uma simpatia por um personagem que está cometendo certos “atos moralmente reprováveis”, o que sempre nos ajuda a aprender a tolerância e a compreensão. Vejam “Ônibus 174”, por exemplo.

E muito desse efeito de empatia para com o personagem é certamente causado pela belíssima e talentosa atriz colombiana Catalina Sandino Moreno, indicada ao Oscar por esse papel (foi a primeira vez que a Colômbia teve um ator nomeado para o prêmio). A moça é de uma lindeza magnética que sempre chama os olhos em sua direção. Eu fiquei tão apaixonado que acho que ela podia ser indicada, não só para o Oscar, como também para o Miss Universo. Com altas chances de vencer. Através de uma performance contida e realista, Catalina dá um show não de beleza e de atuação. “Maria Cheia de Graça” é um daqueles filmes que, se não tivessem encontrado uma atriz esplêndida para o papel principal, poderiam ter se tornado algo um tanto medíocre, a exemplo de “Monster” (de Patty Jenkins) e “Meninos Não Choram” (de Kimberly Pierce), outros projetos que, no meu ver, poderiam não ter engrenado se não tivessem contado com performances inspiradas de Charlize Theron e Hilary Swank.

Tudo bem que o filme não aprofunda de modo algum na discussão geo-política: as FARCs nem são citadas e as políticas do governo americano em relação à Questão Colômbia são completamente omitidas. Dá até pra sentir um certo gosto – um tanto desagradável, para alguns – de “idealização da América”. Sem entregar o final do filme, digo somente que, por fim, a gente fica com a impressão de que o diretor-roteirista, aliás um americano, tenta passar a idéia de que emigrar da Colômbia, esse país terrível, e ir em direção à terra muito mais próspera e perfeitinha de Tio Sam, é algo de inteligente a fazer. Falsa solução, pois todos sabem quão mal vivem os imigrantes latinos nos EUA, por vezes caindo num estado até mais miserável do que aquele que tinham no país de origem. Descontando esses defeitos, “Maria Cheia de Graça”, além de nos apresentar a um diretor promissor e a uma atriz esplendorosa (em todos os sentidos), não deixa de ser um belo painel de como o narco-tráfico se insere nas vidas cotidianas dos colombianos, servindo às vezes como maldição, às vezes como salvação.

segunda-feira, 7 de novembro de 2005

acordei poético.

-- AMPULHETA--

Estou a descer na cachoeira selvagem do mundo
como um glóbulo vermelho que nada
através de um oceano de sangue.
Perdido em devaneios,
em-mim-mesmado,
só acompanhado
por mim,
vou.

eu
só comigo
caindo na enxurrada

levo minha solidão pra passear
mas as multidões estão todas muito ocupadas
cuidando para que os barcos não se rachem nas rochas
para acharem tempo de notar que existimos e valemos, eu e ela.
então perambulo através das veias desse mundo com minha cadelinha
e nela nem coloco coleira, sabendo como sei que ela não vai querer se afastar.

* * * * * *

-- CAN'T GET MY MIND OFF YOU... --

"SOMETHING... FILLED UP... MY HEART... WITH NOTHING!"
arcade fire. "wake up".

"RIA, E TODOS VÃO RIR COM VOCÊ.
CHORE, E CHORARÁ SOZINHO."
oldboy.

"EU NÃO ME ASSOCIARIA A NENHUM CLUBE
QUE ME ACEITASSE COMO SÓCIO."
woody allen

ENTREVISTADOR: "David, why did you call your concert 'STOP MAKING SENSE?'
DAVID BYRNE: "Because it's good advice."

sexta-feira, 4 de novembro de 2005

três brainstormings rapidinhos sobre três filmes. escrevendo ao vivo.




A NOIVA CADÁVER, de Tim Burton / Mike Johnson
(The Corpse Bride, EUA, 2005)

Tim Burton é um cara que tem uma IMAGINAÇÃO DE CRIANÇA, selvagem e indomável, e não tem nenhuma vergonha disso. O conjunto da sua obra o faz ser, de longe, um dos cineastas MENOS REALISTAS da história do cinema, o que não é necessariamente uma má coisa. Seu território sempre foi a fantasia. E talvez seja isso o que tanto nos atrai nele: frente aos filmes do cara, podemos mergulhar nos delírios de uma imaginação alheia e nos banhar em mundos inacessíveis na Terra (pois são "mundos mentais"...). Cada vez mais Tim Burton se transforma num MAGO DAS IMAGENS que usa como matéria-prima a Imaginação e que acaba produzindo filmes que são puro EYECANDY. Coloridos, psicodélicos e de-alta-definição, os filhos de Burton me parecem ser muito mais CINEMA PARA OS OLHOS do que para a cabeça. Me explico. Achei foda NÃO gostar da refilmagem burtoniana de A Fantástica Fábrica de Chocolate, mesmo sabendo que tudo se reduz basicamente ao esplendor do VISÚ. Analisando aquilo racionalmente, chego à conclusão de que é um filme nojentamente moralista e simplório: mais que uma fábrica de doces, aquilo lá é um CAMPO PENAL onde Willy Wonka e seus sádicos Oompa Loompas tratam de CASTIGAR criancinhas estereotipadas por seus vícios... Poucos filmes tem personagens mais simplistas e unilaterais: notem que as crianças a serem punidas, todas, são somente personificações de um certo “defeito”, nada mais. E aquela moral da história, que se reduz a nos dizer que a Família é algo de muito importante e que devemos permanecer fiéis a ela, é tão, mas tããão clichê... Mas não tem jeito; o filme é um deleite para as retinas, como são quase todos os filmes de Burton, por mais bobinha que seja a história.

A NOIVA CADÁVER, animação em stop-motion que Burton co-diirigiu junto com Mike Johnson, é outro desses filmes que são um colírio para os olhos. Dessa vez, por sorte, a história é mais divertida e o clima é menos kitsch do que no filme anterior: The Corpse Bride é um conto de fadas deliciosamente macabro, todo tingido de azul escuro, bem distante do colorido exagerado d’A Fábrica de Chocolate. A idéia, também, é bem mais legal: nosso protagonista, na véspera de seu casamento, é levado a passear pelo mundo dos mortos após ser sequestrado pela Noiva Cadáver, e precisa arranjar um jeito de retornar ao mundo dos vivos antes que sua Noiva Viva se case com outro. O humor negro que está espalhado por todo lado é uma delícia: eis um filme que nos faz rir até rachar com um monte de esqueletos, vermes e cadáveres decompostos. É ótimo: poucos filmes tratam a morte como um assunto cômico e ridículo, é sempre aquela gravidade toda... Quando, pensando bem, a morte é o fator ridicularizante por excelência; é ela uma das coisas que mais permite e solicita o riso humano; é ela que faz todos os projetos e esforços humanos parecerem um tanto ridículos, afinal de contas, façamos o que façamos, vamos acabar todos num cemitério. Quer coisa mais RISÍVEL? Burton manda bem com a tentativa de nos fazer rir da morte: é quase uma sabedoria de vida. Frente ao inevitável, mais vale cair na gargalhada do que afogar-se em lamúrias. O que muitas vezes não conseguimos fazer. No que o filme pode nos ser muito útil e... digamos... “pedagógico”.

A Noiva Cadáver contêm ainda algumas das melhores cenas musicais que eu me lembro de ter visto; Danny Elfman, que trabalha direto com Burton, fez aqui uma das melhores trilhas sonoras de sua vida, entrosada perfeitamente com as imagens; daria para retirar de “A Noiva Cadáver” uns video-clipes fodidos de bons. O final me decepcionou um pouco por seu convencionalismo e sua falta de ousadia (bem conto-de-fadas mesmo), mas sem dúvida não estraga o gosto geral do filme. As imagens são bonitas demais, a fluência na narrativa perfeita demais, a diversão abundante demais, para que tudo não acabe por ser uma baita duma experiência massa. Tim Burton, mestre do EYECANDY, não deixa nossos olhos fazerem nada a não ser gozarem com esse espetáculo: os globos oculares comem A NOIVA CADÁVER com o mesmo prazer que a boca come um sonho ou uma bomba de chocolate...

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!!! ALERTA: COMPLETAMENTE SPOILER !!!

O SOL É PARA TODOS, de Robert Mulligan
(To Kill a Mockingbird, EUA, 1962)

O mais bacana deste FILME EDIFICANTE sobre um homem virtuoso e digno que faz tudo para defender um negro de injustas acusações é que, ao contrário de um série de outros filmes de temática parecida, este “O Sol É Para Todos” não se abandona ao otimismo e ao final feliz. É muito comum em Hollywood que, quando um réu foi caluniado e está detido sem razão, o herói da película, transpirando coragem e trabalhando duríssimo, acabe por concertar tudo; por fim a Justiça é feita, os maus são punidos, os inocentes inocentados, e tudo fica bem. O negócio de Hollywood, enfim, sempre foi consolar. O que seria de se esperar num filme que se centra numa prisão injusta de um negro acusado de estupro? Eu esperava o clichê: que o advogado conseguisse convencer o júri e o espectador dos erros da acusação e que, por fim, tudo fosse colocado em seu devido lugar: umas bonitas placas invisíveis dizendo “Somos Todos Iguais” e “A Justiça Prevalecerá” estariam estampadas junto ao THE END... Mais parecido com a vida é este filme (e é bom que seja, claro): por mais brilhante que seja a defesa, e por mais óbvia que seja a inocência do negro acusado, por fim o júri permanece aferrado a seus preconceitos. Uma tragédia sem grandiloquência, que não faz barulho mas deixa no ar um clima melancólico, é o que nos aguarda no final. Os bons e os justos, na vida, muitas vezes acabam por perder. No cinema, muito mais raramente, ainda mais na América. O filme de Mulligan ganha pontos por isso - méritos também para o livro de Harper Lee (não li) que inspirou o filme e ganhou um Pulitzer. O personagem de Gregory Peck, aliás, é um exemplo de virtude, dignidade e correção – que não deixa de fazer “o bem” mesmo após tantas derrotas e tapas na cara, servindo como uma espécie de ídolo para as criancinhas do filme. Não vejo nada de mau nisso. Por que a arte não deveria nos colocar frente a exemplos de virtude ao invés de fazer somente condenações do vício? Cuidado com aqueles que só sabem condenar o Mal e nunca jogar luz sobre o Bem! Acho o que achou também um certo crítico, não lembro quem: filmes americanos raramente conseguem ser tão bons quanto este.

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SOB O DOMÍNIO DO MAL, de John Frankenheimer
(The Manchurian Candidate, EUA, 1962.)


Um thriller político competente e agradável de ver, com certeza é (e Jonathan Demme, diretor de “O Silêncio dos Inocentes” e “Filadélfia”, que o refilmou faz pouco tempo, concordaria); mas o problema é que a trama inteira se sustenta sobre uma idéia um tanto absurda e inverossímil – em outras palavras, NÃO SE SUSTENTA. Sei que é sempre um pouco ridículo julgar os filmes americanos pelo nível de “acreditabilidade” deles... a maioria, afinal, têm histórias que nunca poderiam acontecer nisto que chamamos de mundo real, e quase ninguém se importa muito com essa falta de realismo. Mas The Manchurian Candidate exagera na dose. Acaba servindo mais pra ilustrar um momento histórico em que os EUA estavam com tamanha paranóia do que os soviéticos poderiam inventar que chegavam ao ridículo, por exemplo, de crer que as capacidades do behaviorismo russo eram muito mais espantosas do que seria razoável crer. O protagonista Raymond Shaw (Laurence Harvey) passa por um processo de condicionamento – que lembra um pouco aquele por que vai passar o Alex de Laranja Mecânica no filme de Kubrick – e acaba por se transformar num bonequinho de matar a serviço de um complô para botar um certo candidato na presidência dos EUA. E o Frank Sinatra, que até que não é mau ator, é o cara que vai tentar descobrir os segredos que estão por detrás dos estranhos acontecimentos. O complô não é nada de tão inverossímil assim. O problema é acreditar que Shaw, somente pelo fato de ver uma carta de baralho, seja capaz de se transformar subitamente num assassino serial impiedoso. A metamorfose é muito radical para ser acreditável. A idéia, afinal, é ridícula: nenhum condicionamento mental é capaz de fazer com que um certo estímulo (no caso, uma carta de baralho) produza como resposta um TRANSE HIPNÓTICO tão fudido que faça sua vítima ser capaz de matar, por exemplo, as duas mulheres que mais ama. Nem o tio Skinner, acho eu, acreditava tanto assim nos poderes do determinismo de comportamentos... O filme todo cai como um castelo de cartas: querer que eu acredite que uma dama de copas faça de alguém um assassino como que por magia, e depois ainda querer que eu considere esse um filme “clássico”, é querer demais.

quarta-feira, 2 de novembro de 2005

+ DLMSONGS.


JAMIE LIDELL - Multiply (2005)
NEUTRAL MILK HOTEL - In The Airplane Over The Sea (1998)
VON BONDIES - Pawn Shoppe Heart (2004)
MADELEINE PEYROUX - Careless Love (2004)
username: dlmsongs
password: queromp3

vale a pena também checar a MP3MAGAZINE.COM.BR (que tem o disco de estréia dos DEAD ROCKS inteirinho pra baixar) e a página oficial do duo bahiano de "indie-trip-hop" TARA_CODE (com o disco de estréia "Azul e Roxo" disponível na íntegra).

viva o comunismo!