sexta-feira, 4 de novembro de 2005

três brainstormings rapidinhos sobre três filmes. escrevendo ao vivo.




A NOIVA CADÁVER, de Tim Burton / Mike Johnson
(The Corpse Bride, EUA, 2005)

Tim Burton é um cara que tem uma IMAGINAÇÃO DE CRIANÇA, selvagem e indomável, e não tem nenhuma vergonha disso. O conjunto da sua obra o faz ser, de longe, um dos cineastas MENOS REALISTAS da história do cinema, o que não é necessariamente uma má coisa. Seu território sempre foi a fantasia. E talvez seja isso o que tanto nos atrai nele: frente aos filmes do cara, podemos mergulhar nos delírios de uma imaginação alheia e nos banhar em mundos inacessíveis na Terra (pois são "mundos mentais"...). Cada vez mais Tim Burton se transforma num MAGO DAS IMAGENS que usa como matéria-prima a Imaginação e que acaba produzindo filmes que são puro EYECANDY. Coloridos, psicodélicos e de-alta-definição, os filhos de Burton me parecem ser muito mais CINEMA PARA OS OLHOS do que para a cabeça. Me explico. Achei foda NÃO gostar da refilmagem burtoniana de A Fantástica Fábrica de Chocolate, mesmo sabendo que tudo se reduz basicamente ao esplendor do VISÚ. Analisando aquilo racionalmente, chego à conclusão de que é um filme nojentamente moralista e simplório: mais que uma fábrica de doces, aquilo lá é um CAMPO PENAL onde Willy Wonka e seus sádicos Oompa Loompas tratam de CASTIGAR criancinhas estereotipadas por seus vícios... Poucos filmes tem personagens mais simplistas e unilaterais: notem que as crianças a serem punidas, todas, são somente personificações de um certo “defeito”, nada mais. E aquela moral da história, que se reduz a nos dizer que a Família é algo de muito importante e que devemos permanecer fiéis a ela, é tão, mas tããão clichê... Mas não tem jeito; o filme é um deleite para as retinas, como são quase todos os filmes de Burton, por mais bobinha que seja a história.

A NOIVA CADÁVER, animação em stop-motion que Burton co-diirigiu junto com Mike Johnson, é outro desses filmes que são um colírio para os olhos. Dessa vez, por sorte, a história é mais divertida e o clima é menos kitsch do que no filme anterior: The Corpse Bride é um conto de fadas deliciosamente macabro, todo tingido de azul escuro, bem distante do colorido exagerado d’A Fábrica de Chocolate. A idéia, também, é bem mais legal: nosso protagonista, na véspera de seu casamento, é levado a passear pelo mundo dos mortos após ser sequestrado pela Noiva Cadáver, e precisa arranjar um jeito de retornar ao mundo dos vivos antes que sua Noiva Viva se case com outro. O humor negro que está espalhado por todo lado é uma delícia: eis um filme que nos faz rir até rachar com um monte de esqueletos, vermes e cadáveres decompostos. É ótimo: poucos filmes tratam a morte como um assunto cômico e ridículo, é sempre aquela gravidade toda... Quando, pensando bem, a morte é o fator ridicularizante por excelência; é ela uma das coisas que mais permite e solicita o riso humano; é ela que faz todos os projetos e esforços humanos parecerem um tanto ridículos, afinal de contas, façamos o que façamos, vamos acabar todos num cemitério. Quer coisa mais RISÍVEL? Burton manda bem com a tentativa de nos fazer rir da morte: é quase uma sabedoria de vida. Frente ao inevitável, mais vale cair na gargalhada do que afogar-se em lamúrias. O que muitas vezes não conseguimos fazer. No que o filme pode nos ser muito útil e... digamos... “pedagógico”.

A Noiva Cadáver contêm ainda algumas das melhores cenas musicais que eu me lembro de ter visto; Danny Elfman, que trabalha direto com Burton, fez aqui uma das melhores trilhas sonoras de sua vida, entrosada perfeitamente com as imagens; daria para retirar de “A Noiva Cadáver” uns video-clipes fodidos de bons. O final me decepcionou um pouco por seu convencionalismo e sua falta de ousadia (bem conto-de-fadas mesmo), mas sem dúvida não estraga o gosto geral do filme. As imagens são bonitas demais, a fluência na narrativa perfeita demais, a diversão abundante demais, para que tudo não acabe por ser uma baita duma experiência massa. Tim Burton, mestre do EYECANDY, não deixa nossos olhos fazerem nada a não ser gozarem com esse espetáculo: os globos oculares comem A NOIVA CADÁVER com o mesmo prazer que a boca come um sonho ou uma bomba de chocolate...

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!!! ALERTA: COMPLETAMENTE SPOILER !!!

O SOL É PARA TODOS, de Robert Mulligan
(To Kill a Mockingbird, EUA, 1962)

O mais bacana deste FILME EDIFICANTE sobre um homem virtuoso e digno que faz tudo para defender um negro de injustas acusações é que, ao contrário de um série de outros filmes de temática parecida, este “O Sol É Para Todos” não se abandona ao otimismo e ao final feliz. É muito comum em Hollywood que, quando um réu foi caluniado e está detido sem razão, o herói da película, transpirando coragem e trabalhando duríssimo, acabe por concertar tudo; por fim a Justiça é feita, os maus são punidos, os inocentes inocentados, e tudo fica bem. O negócio de Hollywood, enfim, sempre foi consolar. O que seria de se esperar num filme que se centra numa prisão injusta de um negro acusado de estupro? Eu esperava o clichê: que o advogado conseguisse convencer o júri e o espectador dos erros da acusação e que, por fim, tudo fosse colocado em seu devido lugar: umas bonitas placas invisíveis dizendo “Somos Todos Iguais” e “A Justiça Prevalecerá” estariam estampadas junto ao THE END... Mais parecido com a vida é este filme (e é bom que seja, claro): por mais brilhante que seja a defesa, e por mais óbvia que seja a inocência do negro acusado, por fim o júri permanece aferrado a seus preconceitos. Uma tragédia sem grandiloquência, que não faz barulho mas deixa no ar um clima melancólico, é o que nos aguarda no final. Os bons e os justos, na vida, muitas vezes acabam por perder. No cinema, muito mais raramente, ainda mais na América. O filme de Mulligan ganha pontos por isso - méritos também para o livro de Harper Lee (não li) que inspirou o filme e ganhou um Pulitzer. O personagem de Gregory Peck, aliás, é um exemplo de virtude, dignidade e correção – que não deixa de fazer “o bem” mesmo após tantas derrotas e tapas na cara, servindo como uma espécie de ídolo para as criancinhas do filme. Não vejo nada de mau nisso. Por que a arte não deveria nos colocar frente a exemplos de virtude ao invés de fazer somente condenações do vício? Cuidado com aqueles que só sabem condenar o Mal e nunca jogar luz sobre o Bem! Acho o que achou também um certo crítico, não lembro quem: filmes americanos raramente conseguem ser tão bons quanto este.

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SOB O DOMÍNIO DO MAL, de John Frankenheimer
(The Manchurian Candidate, EUA, 1962.)


Um thriller político competente e agradável de ver, com certeza é (e Jonathan Demme, diretor de “O Silêncio dos Inocentes” e “Filadélfia”, que o refilmou faz pouco tempo, concordaria); mas o problema é que a trama inteira se sustenta sobre uma idéia um tanto absurda e inverossímil – em outras palavras, NÃO SE SUSTENTA. Sei que é sempre um pouco ridículo julgar os filmes americanos pelo nível de “acreditabilidade” deles... a maioria, afinal, têm histórias que nunca poderiam acontecer nisto que chamamos de mundo real, e quase ninguém se importa muito com essa falta de realismo. Mas The Manchurian Candidate exagera na dose. Acaba servindo mais pra ilustrar um momento histórico em que os EUA estavam com tamanha paranóia do que os soviéticos poderiam inventar que chegavam ao ridículo, por exemplo, de crer que as capacidades do behaviorismo russo eram muito mais espantosas do que seria razoável crer. O protagonista Raymond Shaw (Laurence Harvey) passa por um processo de condicionamento – que lembra um pouco aquele por que vai passar o Alex de Laranja Mecânica no filme de Kubrick – e acaba por se transformar num bonequinho de matar a serviço de um complô para botar um certo candidato na presidência dos EUA. E o Frank Sinatra, que até que não é mau ator, é o cara que vai tentar descobrir os segredos que estão por detrás dos estranhos acontecimentos. O complô não é nada de tão inverossímil assim. O problema é acreditar que Shaw, somente pelo fato de ver uma carta de baralho, seja capaz de se transformar subitamente num assassino serial impiedoso. A metamorfose é muito radical para ser acreditável. A idéia, afinal, é ridícula: nenhum condicionamento mental é capaz de fazer com que um certo estímulo (no caso, uma carta de baralho) produza como resposta um TRANSE HIPNÓTICO tão fudido que faça sua vítima ser capaz de matar, por exemplo, as duas mulheres que mais ama. Nem o tio Skinner, acho eu, acreditava tanto assim nos poderes do determinismo de comportamentos... O filme todo cai como um castelo de cartas: querer que eu acredite que uma dama de copas faça de alguém um assassino como que por magia, e depois ainda querer que eu considere esse um filme “clássico”, é querer demais.