quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

:: no more blue tomorrows! ::



-- BRAINSTORMING EM ARTERÍSTICOS PÓS-INLAND EMPIRE --


* Depois de ser bombardeado por 3 horas com essa procissão de doidices que o David Lynch amontoou em Inland Empire - Império dos Sonhos, não sei quê diagnóstico fazer: 1) Tio Lynch não passa d'um doido varrido e sem cura que precisa ser urgentemente posto no manicômio? 2) Ou é um dos gênios mais subversivos e peculiares da sétima arte, se apropriando e levando pra telona as maiores conquistas do surrealismo e do dadaísmo, ao mesmo tempo que imprime uma marca extremamente pessoal e inimitável a tudo o que faz? 3) Ou talvez ele seja só um tiozão que têm tomado alguns drogas perigosamente amalucantes?!? 4) Talvez tudo isso ao mesmo tempo?

* Eu morro de medo do David Lynch. E olha que, sem querer me gabar, eu não tenho medo de muita coisa neste mundo, muito menos das coisas comprovadamente de mentirinha que vemos projetadas numa tela de cinema - assisto O Exorcista, O Iluminado, qualquer Brinquedo Assassino ou Hora do Pesadelo, sem o mínimo calafrio de temor e sem me deixar assustar pelos truquezinhos fáceis dos sacanas do "búúúú!". Mas o David Lynch, confesso, send shivers down my spine. O David Lynch, numas horas, me faz quase chorar pela mamãe. Que filmes apavorantes, meu! Pra mim Eraserhead, Estrada Perdida, Cidade dos Sonhos e Inland Empire são verdadeiros filmes de terror, com Titio Lynch servindo como um tenebroso demônio-guia que nos lidera por uma caminhada pelos recessos mais sombrios da psique humana. Inland Empire, por exemplo, mais parece um longo exercício estilístico na arte de criar um PESADELO FILMADO. Ninguém nunca tinha feito antes um Pesadelo Hollywoodiano tão infernal. Esse filme parece uma mistura d'uma armadilha kafkiana, em que o personagem principal é a vítima indefesa de um carrosel de acontecimentos incompreensíveis que vão rolando ao seu redor, com o que eu suponho que deve ser uma bad trip de ácido tida por uma mente esquizofrênica num manicômio dos infernos. Ao som de Syd Barrett. Na Polônia. No inverno polar. Sentiram o peso? Eu não recomendo a ninguém a não ser para os suicidas mentais que assistam esse filme chapados de qualquer droga mais séria que o álcool - pode ser muito perigoso. Sem brincadeira.

* Se Mullholand Drive já era um filme esquisitíssimo e quase intragável, até mesmo para os padrões lynchianos, Inland Empire chega mostrando que Lynch meio que chutou o balde de vez e fez a obra-de-arte mais radical e difícil de sua carreira. Radical na duração, que é capaz de fritar os cérebros mais bem preparados com essas 3 horas ininterruptas de insanidades bárbaras ("tô ficando preocupado com esse pessoal do 'excessivamente'!"); radical na quantidade de sequências desconexas, oníricas e que parecem completamente sem-pé-nem-cabeça; e radical também na incompreensibilidade extrema do enredo. É o tipo de filme que te deixa se sentindo um estúpido por sair do cinema tendo que confessar que não entendeu porra nenhuma.

* (Confesso que um tempo atrás eu pensei em fazer uma listinha dos "Filmes Mais Não-Entendi-Porra-Nenhuma Da Minha Vida", onde estariam presentes, claro: "O Espelho" do Tarkovski, o "A Eternidade e um Dia" do Theo Angelopoulous e, evidentemente, o "Sweet Movie", aquele adorável montão de imagens sem o mínimo nexo. "Inland Empire" merece lugar de honra nessa lista. É abundante a quantidade de momentos twin-peakescos em que a gente, de queixo caído, se pergunta: "MAS QUE PORRA É ISSO, TIO LYNCH?!" Às vezes com espanto e maravilhamento, outras vezes quase com raiva. Aqueles seres vestidos de coelhos (referência a Lewis Carroll e toda a simbologia hoje clássica do down the rabbit hole?), presos num quarto esquisito, com aqueles estouros de risada de sitcom - "MAS QUE PORRA É ISSO, TIO LYNCH?!" Aquelas prostitutas que, do nada, começam a rebolar "Locomotion" como se fossem as Spice Girls - "MAS QUE PORRA É ISSO, TIO LYNCH?!" Aquele monte de causos tenebrosos e sangrentos sobre estupros e gente sem perna que a moça conta para aquela espécie de Psicólogo do Mau naquele Consultório Tenebroso - "MAS QUE PORRA É ISSO, TIO LYNCH?!" E aquela menina que não faz nada no filme além de ser filmada em close, com os olhos inundados d'água... adivinha? "MAS QUE PORRA É ISSO, TIO LYNCH?!")


* E a princípio o filme parecia QUASE NORMAL... A saga de uma atriz hollywoodiana que se envolve demais com a sua personagem, e se identifica demais com o enredo (provavelmente "amaldiçoado") que está interpretando, e acaba tendo problemas de identidade e de confusão psicológica. Talvez seja essa mesmo a melhor descrição racional para esse filme - que aliás é impossível de descrever em termos racionais. No Cidade dos Sonhos, sua obra-prima anterior, Lynch já havia pintado o retrato de uma mocinha que se deslumbrava em sonhos com o estrelato Hollywoodiano (e a loiraça Naomi Watts soube viver muito bem a wannabe ébria de sonhos de sucesso...), mas que depois acaba caindo num vórtex de loucura, amnésia e perda de identidade. Inland Empire pode até ser considerado uma continuação informal de Mullholand Drive, com Lynch novamente erguendo sobre o cultuado solo da cidade de Hollywood um verdadeiro pesadelo de dissolução de identidade e tilt psicológico dos mais sérios. Se Hollywood é como Lynch a retrata nesses filmes, essa cidade não é uma fábrica de sonhos, como dizem seus entusiastas, mas uma verdadeira fábrica de loucuras.

* (Tô me sentindo um péssimo crítico de cinema! Muito subjetivo! Vamos tentar com mais seriedade - um parágrafo "direitinho", ó:)

Lynch fez um experimento vanguardista extremo que vai muito mais longe do que o Oito E Meio do Fellini na exploração da idéia de um "filme dentro do filme"; que vai muito mais fundo que o Crepúsculo dos Deuses do Billy Wilder no retrato da loucura e da confusão que se apossa de uma estrela de cinema; e que vai até mais longe do que o Persona do Bergman na close-up que dá na desconstrução completa da noção de identidade da personagem principal (Laura Dern, em interpretação chocantemente heterogênea e poderosa). Enfim, Lynch radicalizou filmes que já eram radicais e acabou fazendo uma obra-de-arte que poucos vão conseguir digerir, uma viagem a que poucos irão se abandonar, mas que tem tudo para virar mais um item altamente cultuado na filmografia dessa peculiar criatura fazedora de filmes.

* Assistir David Lynch só reforça uma convicção sentimental:

Cara, como eu adoro gente louca! :)