quinta-feira, 30 de outubro de 2008

:: lição de sabedoria, criançada ::

"Fique perto do que você ama.
E leve um taco de baseball para todo o resto."


TONY PARSONS

:: filmes da mostra, pt. 1 ::


:: O ESTRANHO EM MIM ::
(DAS FREMDE IN MIR), de Emily Atef, Alemanha, 2008, 99 min.

A ilusão que temos, depois de tantos comerciais de fraldas, de leite Ninho ou de margarina, é que uma mãe sempre entra em estado de êxtase com o nascimento de seu primogênito. Diz a ideologia oficial que todas as mães, invariável e universalmente, sentem por seus bebês nada além de amor incondicional; a eles se dedicam com devoção integral; derramam sobre eles avalanches de carinhos e mimos hiperbólicos...

Sim: já vimos essa cena mil vezes em contos-de-fada, novelas globais ou comédias bobânticas americanas - o quarto do bebê arrumado com todo esmero, decorado com papel de parede fofo, contendo um berço imperial e brinquedos mil, tudo para receber de modo hospitaleiro o novo príncipe. Quando ele vem, explodem no céu os fogos de artifício, abrem-se sorrisos de orelha à orelha, e não há como conter a explosão das alegrias e das excitações no coração da mãe, levada ao paroxismo da felicidade... É, dizem-nos eles, o momento de maior glória dessa instituição social que nos dizem existir, apesar da maioria de nós nunca tê-la conhecido: a Família Feliz.

“Nós todos crescemos com esta noção de que uma mãe irá amar o recém-nascido instintivamente e incondicionalmente. Há algo quase sagrado nesta imagem idealizada da mãe”, comenta Emily Atef, cineasta alemã que dirige O Estranho em Mim. É esta visão distorcida e marqueteira do que significa ter um filho que seu filme chega para pôr em xeque e problematizar. Com uma coragem e realismo ímpares, remetendo ao cinema dos irmãos Dardenne ou de Mike Leigh, Atef comete um brilhante retrato psicológico de uma mulher passando por uma severa crise após dar à luz a seu primeiro filho.

Presente no Brasil para a 32ª Mostra de Cinema de São Paulo, a jovem diretora, antes da sessão, comentou que em quase todos os países em que esteve seu filme foi tratado como se metesse a ferida num assunto tabu: a depressão pós-natal. A protagonista Rebecca, interpretada brilhantemente por Susanne Wolff, é o extremo oposto da mamãe feliz-da-vida com a chegada de seu filhote.

As dores do parto são excruciantes. A criança, quando vem ao mundo, chega suja, banhada em sangue e líquido amniótico, berrando como se estivesse sob tortura, e feia, horrorosa, como uma pequena múmia. Certas cenas do filme de Emily Atef parecem ilustrações do que disse Lydia Lunch em um conto sombrio: “we’re injected into this world like dirty little mummies”. Para completar o trauma da experiência, outros fatos desagradáveis ferem a mãe: nos primeiros meses de vida, o bebê recusa-se a beber o leite do seio, fazendo Rebecca se sentir rejeitada e mau-amada. A criança chora incontrolavelmente por razões obscuras, sem que se conceba meio de fazê-la se calar. Inexperiente e desengonçada, essa marinheira-de-primeira viagem no mar revolto da maternidade sofre para se entender com a pequena criatura que trouxe ao mundo. Dominada por um surto asfixiante de angústia e estranhamento frente à criança que saiu de seu útero, Rebecca acabava vivendo uma crise matrimonial e existencial que O Estranho Em Mim retrata com vigor, pungência e melancolia.

Não se trata somente de uma obra retratando uma rara patologia psíquica, ou um mero relato de uma mulher passando por alguma disfunção hormonal passageira. Trata-se de um problema social mais vasto, recoberto pelo silêncio do tabu. “Somente na Alemanha, 80 mil casos de depressão pós-parto são reportados todos os anos”, comenta a diretora. “Ainda assim, sabemos pouquíssimo sobre essa condição, da qual raramente se fala.”

Apesar de deprêzão e perturbador na maior parte do tempo, como deve ser uma obra que procura narrar uma psique em estado de escombros, o filme vai lentamente desvelando um lado mais meigo e aliviante. Enquanto esta mãe, com muita dificuldade, vai buscando superar sua vertigem com a ajuda de psicólogos e outros profissionais, desenha-se no cenário uma possibilidade de redenção. Lentamente, ela vai aprendendo a gostar do filho que antes odiou – e odiou intensamente, ao ponto de tentar sacrificá-lo, feito uma Medéia pós-moderna. Já seu casamento, quase estraçalhado pela crise pós-parto, também renasce das cinzas, aparentemente mais repleto de compreensão e intimidade do que jamais fora.

Numa das cenas mais doces e tocantes dos últimos anos, o filme termina arrancando lágrimas até dos mais insensíveis com uma irresistível “volta por cima”. Mais do que o retrato de uma mãe passando pela complexa aventura de se tornar mãe, O Estranho Em Mim é um tocante relato de como um coração congelado descobre o caminho de volta para casa e reaprende a amar.

NOTA: 9.5

terça-feira, 28 de outubro de 2008

:: mééééstre ::



O Terence McKenna é sensacional! Pago mó pau. Além de ser um dos mais geniais "gurus" da Experiência Psicodélica, junto com Timothy Leary e Ken Kesey, o cara é um revoltado, incisivo, hilário e empolgante crítico cultural, profeta de uma nova era, demolidor de caretices e preconceitos e um xamã comedor-de-cogumelos muito do genial. Pelo menos dois livros do cara são leituras obrigatórias (fuckin' MINDBLOWING): The Food Of The Gods e True Hallucinations. Absolutamente sensacional! Qualquer dia faço um texto enorme sobre isso. Por hora, fiquem com os videozins' (e a ZONA das minhas ANOTA-ções)!




---- something writ in the language of the flesh... ---

"you are not naked when you take off your clothes. you still wear your religious beliefs, your prejudices, your fears, your illusions, your delusions. when you shed the culture operating system, then you stand naked before the inspection of your own psyche."

THE CULTURE IS A OPERATING SYSTEM THAT CAN BE WIPED OUT! (What's wrong with the operating system that we have?! Capitalist-consumer system? Well, it's DUMB! It has BUGS on IT! THIS IS A CULTURE WITH A BUG IN ITS OPERATING SYSTEM! THAT'S MAKING IT PRODUCE IRRATIONAL, DISFUNCTIONAL, MALFUNCTIONAL BEHAVIOUR! CLEAN YOUR DISK! TIME TO CALL THE TECH!

...

says the book: "the schizophrenic lives in a world of twilight imagining... marginal to his society... incapable of holding a regular job... these people live on the fringes... content to drift in their own self-created value-system..." THAT'S IT! THAT'S IT!

he have no tradition of xamanism. he have no tradition of journeying into these mental worlds. we are terrified of madness. we fear it because the western mind is a house of cards.

a briiliant statement: LSD is a psychedelic substance which ocassionally cause PSYCHOTIC BEHAVIOUR in PEOPLE WHO HAVE NOT TAKEN IT. ---- =D ---- And i will bet you that more people have exibhited psychotic behaviour from not taking LSD, but just thinking about it. there's a great FOBIA about the Mind.

we have gone very very sick.

the 20th century is a enormous effort of self-healing. fenomema as diverse as surrealism, body-piercing, psychedelic drug-use, sexual permissiveness, jazz, experimental dance, rave culture, tatooing - the list is endless... - what all these things have in common? they represent various styles of rejection of linear values. (...) so when i see people manifesting sexual ambuiguity, showing a lot of flesh, dancing to sincopated music, or getting loaded, or violating ordinary canons of sexual behavior, i APPLAUDE! it's an impulse to return to what is felt by the body, what it's AUTHENTIC... the return to a world of MAGICAL EMPOWEREMENT OF FEELING.

that's what the world is: A LIVING MYSTERY.

the hour is late. the clock is ticking.

TURN YOUR BACK ON A CULTURE THAT HAS GONE STERILE AND DEAD!

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

:: andré comte-sponville ::

(vai aí um pedacinho da minha pesquisa de iniciação científica...)

MESMO QUE O CÉU NÃO EXISTA
- A existência de Deus e a problemática da fé na obra de Sponville -


A obra toda de André Comte-Sponville está permeada por um esforço para pensar uma solução para a questão: “como viver após a morte de Deus e mesmo que o Céu não exista?” Trata-se de descobrir um meio de conviver, se possível de modo harmonioso e feliz, com essa “formidável ausência, em toda parte presente”, para usar uma expressão de Alain. Ao mesmo tempo em que ele sempre se confessou um ateu convicto, foi sempre um crítico ferrenho do niilismo e da destruição, por um lado, e do abandono das preocupações espirituais, por outro. “Tenho horror ao obscurantismo, ao fanatismo, à superstição”, comenta em O Espírito do Ateísmo. “Também não gosto do niilismo nem da apatia. A espiritualidade é importante demais para que a abandonemos aos fundamentalistas.”

Sponville nunca temeu dar testemunhos pessoais e auto-biográficos em sua obra, deixando claro que foi “criado no cristianismo” e acreditou em Deus (“com uma fé bem viva, permeada embora de dúvidas”) até “por volta dos dezoito anos” . Talvez esteja aí a chave para entender o porquê do seu respeito e sua fidelidade a suas raízes cristãs, que subsistem como um “resíduo” do passado. Longe de ser um “ateu de nascença”, Sponville é o que se poderia chamar de um apóstata. E ter tido fé talvez nos ajude a entendê-la, quando a perdemos, muito mais do que seria possível se nunca a tívessemos conhecido. Entendemos melhor, talvez, o que leva as pessoas a sentirem necessidade de crer, se já sentimos em nós mesmos a mesma necessidade, o mesmo anseio, a mesma tendência. Em seu testemunho pessoal, Sponville garante que perder a fé representou para ele uma “libertação”, um “rito de passagem” extremamente positivo, mas ele se abstêm de julgar que tal experiência possa valer universalmente.

“Era como se eu saísse da infância, dos seus sonhos e medos, dos seus suores, dos seus langores, como se eu entrasse enfim no mundo real, o dos adultos, o da ação, o da verdade sem perdão e sem Providência. Que liberdade! Que responsabilidade! Que júbilo! Sim, tenho a sensação de viver melhor – mais lucidamente, mais livremente, mais intensamente – desde que sou ateu. Mas isso não poderia valer como lei geral.”

Não há em Sponville um desprezo irado ou um combate feroz à religião. Ele expõe os argumentos e testemunhos que julga pertinentes em defesa do ateísmo, mas nunca com uma intenção expressa de “converter” os crentes à descrença, destruir cruelmente a fé, fazer tábula rasa dos valores religiosos. Ele reconhece o valor de muitos artistas e pensadores irremediavelmente ligados ao universo religioso (e o gênio de um Pascal, de um Santo Agostinho, de tantos outros, já é razão para que se evite uma condenação radical das doutrinas). E sabe também que “há mais santos entre os crentes do que entre os ateus; isso não prova nada quanto à existência de Deus, mas proíbe que se despreze a religião” (19).

* * * * *

RAZÕES PARA NÃO CRER

1. O EXCESSO DO MAL

Sponville nunca negou que foi influenciado ao extremo pela argumentação de Marcel Conche, de quem foi aluno na Sorbonne de Paris e a quem considerava como um grande “mestre”. Conche encontrava na existência indubitável do Mal no real uma espécie de comprovação da inexistência de uma divindade bondosa e onipotente que teria criado e que estaria gerindo o Cosmos.

Mas de modo algum essa é uma descoberta recente, já que remete à Roma antiga (com Lucrécio) e à Grécia pós-aristotélica (com Epicuro), já que ambos se puseram a questão terrível: “como é que pode um mundo onde existe tanto sofrimento vão, tantas mortes inexplicáveis, tantas injustiças inaceitáveis, e no qual a natureza tantas vezes se manifesta como uma força cega e selvagem, ter sido criado por um ser infinitamente sábio e generoso?”

Epicuro manifestava esse assombro supondo 4 hipóteses sobre Deus, todas igualmente absurdas:

“Ou Deus quer eliminar o mal e não pode; ou pode e não quer; ou não pode nem quer; ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente, o que não corresponde a Deus; se pode e não quer, é mau, o que é estranho a Deus. Se não pode nem quer, é ao mesmo tempo impotente e mau, logo não é Deus. Se quer e pode, o que corresponde somente a Deus, de onde então vem o mal ou por que Deus não o suprime?”


Lucrécio, o maior herdeiro de Epicuro no mundo romano, e que escreveu toda sua obra na intenção de divulgar e enaltecer o epicurismo, também sugeria, como comenta Sponville, que “a natureza mostra bastante bem, com suas imperfeições, 'que não foi criada para nós por uma divindade'. O poeta, sobre esse tema, encontrará um dos seus mais belos e mais trágicos timbres: a vida é difícil demais, a humanidade é fraca demais, o trabalho é extenuante demais, os prazeers vãos ou raros demais, a dor é demasiado frequente ou demasiado atroz, o acaso é demasiado injusto ou demasiado cego para que se possa crer que um mundo tão imperfeito seja de origem divina!”

Todas as soluções teístas para esse problema parecem inaceitáveis para Sponville. É inaceitável o mito do Pecado Original, que procura condenar a humanidade em massa a fim de salvar a pele de Deus (pois se somos todos pecadores, todos os sofrimentos que padecemos são, de certo modo, merecidos...). Pascal, que sustentava que era preciso que o homem nascesse já conspurcado pelo pecado, pois de outro modo Deus é quem seria o culpado por um mal que nos atingiria injustamente, segue demasiado rigorosamente o cristianismo neste ponto e acaba caindo numa certa necessidade de condenação que é uma das marcas mais amargas desta religião. Mas quem teria coragem, frente a uma mãe em luto, que acabou de perder seu filho pequeno para uma doença ou acidente qualquer, dizer que seu bebê merecia morrer por ter nascido com a marca do Pecado Original?

Também é inaceitável a sugestão de que o mal seria “meramente aparente” e que “Deus escreve certo por linhas tortas” - algo como dizer: o mal é só uma etapa, um acontecimento episódico, mas tudo está sendo conduzido em direção a um Bem final que se perpetuará. Teríamos que esperar o fim chegar para checar a verdade dessa asserção, e enquanto isso o sofrimento continuaria a chover em tempestades sobre a humanidade... Sponville fala com um certo desdém das “justificativas indecentes de um Leibniz” (111). Também lhe parece uma fantasia sofisticada mas insustentável a doutrina de Simone Weil, que propõe que a Criação, para Deus, é um ato de esvaziamento, de retirada, de apequenamento de seu ser – Deus teria criado o Universo e Dele se retirado para não nos pesar nas costas com sua envergadura demasiado imensa...

“Há horrores demais neste mundo, sofrimentos demais, injustiças demais – e muito pouca felicidade – para que a idéia de ele ter sido criado por um Deus onipotente e infinitamente bom me pareça aceitável. Claro, muitas vezes os responsáveis por esses sofrimentos e essas injustiças são os homens. Mas quem criou os homens? Os crentes vão me responder que Deus nos criou livres, o que supõe que possamos praticar o mal... Isso nos remete à aporia já evocada: somos então mais livres do que Deus, que só é capaz – perfeição obriga – de praticar o bem? E mesmo deixando de lado essa dificuldade, por que Deus nos criou tão fracos, tão covardes, tão violentos, tão ávidos, tão pretensiosos, tão pesados? Por que tantos canalhas ou medíocres, tão poucos heróis ou santos? Por que tanto egoísmo, inveja, ódio, tão pouca generosidade e amor? Banalidade do mal, raridade do bem!”

A evidência da presença do mal é evidência da ausência de Deus.

“...há todos esses sofrimentos, desde há milênios, pelos quais a humanidade não é responsável. Há todas essas crianças que morrem de doenças, muitas vezes com sofrimentos atrozes. Esses milhões de mulheres que morreram de parto (que às vezes ainda morrem), com a carne e a alma dilaceradas. Há as mães dessas crianças, há as mães dessas mulheres, quando ainda vivas, incapazes de ajudá-las, de aliviá-las, que só podem assistir, impotentes, ao horror... Quem ousaria lhes falar de pecado original? Há um número incontável de cânceres (nem todos se devem ao meio ambiente ou ao modo de vida). Há a peste, a lepra, o impaludismo, a cólera, o mal de Alzheimer, o autismo, a esquizofrenia, a mucoviscidose, a miopatia, a esclerose múltipla, o mal de Charcot, a coréia de Huntington... Há terremotos, maremotos, furacões, secas, inundações, erupções vulcânicas. Há a desgraça dos justos e o sofrimentos das crianças. Ao que o pecado original dá uma explicação ridícula ou obscena. 'Tínhamos de nascer culpados, ou Deus seria injusto', escreve Pascal. Há uma outra possibilidade, mais simples: que Deus não existe.”


2. A MEDIOCRIODADE DO HOMEM

Não se trata de misantropia pura e simples, gratuita, sem nexo, que espalharia uma condenação massiva (é essa, muito mais, a atitude cristã!). Trata-se apenas de reconhecer que o ser humano, como a sua História prova com tão incontáveis exemplos, é frequentemente capaz do pior – e que pode ser, tantas e tantas vezes, irracional, insensato, agressivo, assassino, egoísta, vulgar, vicioso, medíocre.... Como conciliar a idéia de um Deus perfeito e infinitamente sábio criando criaturas tão imperfeitas, tão egoístas, tão auto e mutuamente destrutivas?

“A idéia de que Deus tenha podido consentir em criar tamanha mediocridade – o ser humano – me parece, mais uma vez, de uma plausibilidade baixíssima. 'Deus criou o homem à sua imagem', lemos no Gênesis. Isso nos faz duvidar do original. Parece-me muito mais concebível, muito mais sugestivo, muito mais verossímil que o homem descenda do macaco.” “A miséria do homem, como diz Pascal, me parece muito mais incompatível com sua origem divina do que sua grandeza com sua origem natural! O fato de sermos capazes de amor e de coragem, de inteligência e de compaixão, isso a seleção natural pode bastar para explicar: são vantagens seletivas, que tornam a transmissão dos nossos genes mais provável. Mas que sejamos a tal ponto capazes de ódio, de violência e de mesquinharia, isso (que o darwinismo explica sem dificuldade) me parece exceder os recursos de qualquer teologia. É inútil explicar que não sou exceção. Quanto mais eu me conheço, menos posso crer em nossa origem divina. E, quanto mais conheço os outros, menos a coisa se arranja... Crer em Deus é pecado de orgulho. Seria atribuir a nós mesmos uma causa muito grande para um efeito tão pequeno. O ateísmo, ao contrário, é uma forma de humildade.”

Como criações divinas, os homens são incompreensivelmente diabólicos. Como animais, são muito mais compreensíveis. “O mesmo homo sapiens, que não seria mais que uma imitação grotesca de Deus, é o mais extraordinário, de longe, de todos os animais: ele tem um cérebro espantosamente complexo e eficiente; é capaz de amor, de revolta, de criação; inventou as ciências e as artes, a moral e o direito, a religião e a irreligião, a filosofia e o humor, a gastronomia e o erotismo..”



3. O PERIGO DO FANATISMO

Que todas as religiões têm sangue nas mãos, isso é inegável. Mas isso prova que Deus não existe? Não. Mas é um bom sinal de alerta.

“A Inquisição ou o terrorismo islâmico, para tomar esses dois exemplos, ilustram claramente a periculosidade das religiões, mas não dizem nada sobre a existência de Deus. Toda religião, por definição, é humana. O fato de todas terem sangue nas mãos poderia tornar alguém misantropo, mas não bastaria para justificar o ateísmo – o qual, historicamente, tampouco está isento de recriminações, especialmente no século XX, nem de crimes.

Não é a fé que leva aos massacres. É o fanatismo, seja ele religioso ou político. É a intolerância. É o ódio. Pode ser perigoso crer em Deus. Vejam a noite de São Bartolomeu, as Cruzadas, as guerras de religião, o jihad, os atentados de 11 de Setembro de 2001... Pode ser perigoso não crer. Vejam Stálin, Mao Tsé-Tung ou Pol Pot... Quem vai calcular os mortos, de um lado e de outro, e o que eles poderiam significar? O horror é incalculável, com ou sem Deus. Isso nos ensina mais sobre a humanidade, infelizmente, do que sobre a religião.”



4. A FRAQUEZA DA EXPERIÊNCIA

O argumento que tenta fazer com que a existência de Deus decorra do mero fato de existir a idéia de Deus dentro do homem é rapidamente descartada por Sponville, já que “ é sempre ilegítimo passar do conceito à existência” (pg 80). Além disso, a falta de provas empíricas é gritante. Deus, se existe, brinca de esconde-esconde com a humanidade desde o começo dos tempos – não se deixa ver, não se faz ouvir, não se pode tocar. A imensa maioria dos homens que já viveu, se for sincero com seu testemunho, irá dizer que nunca teve nenhuma experiência sensível direta de Deus. E aqueles que dizem terem-no visto podem ser muito plausivelmente loucos, charlatões ou delirantes..

“O que vocês pensariam de um pai que se escondesse dos seus filhos? 'Não fiz nada para manifestar minha existência, eles nunca me viram, nunca me encontraram', ele contaria a vocês. 'Deixei-os crer que eram órfãos ou filhos de pai desconhecido, para que fossem livres de acreditar ou não em mim...' Vocês achariam que esse pai é um doente, um louco, um monstro. E teriam toda razão. Que Pai seria este para se esconder em Auschwitz, no Gulag, em Ruanda, quando seus filhos são deportados, humilhados, esfaimados, assassinados, torturados? A idéia de um Deus que se esconde é inconciliável com a idéia de um Deus Pai.” (96)


5. DESEJO E ILUSÃO

Seguindo os passos de Freud em seu clássico ensaio O Futuro de Uma Ilusão, Sponville também aponta que a religião está sob suspeita de ter sido inventada pelos homens como um discurso que nos diria exatamente o que desejamos ouvir. O fato dela ser tão conveniente, tão reconfortante, tão consoladora, tão congruente com nossos anseios, é muito mais uma razão para que fiquemos alertas quanto ao seu valor de verdade do que algo que nos garantiria sua veracidade.

"No fundo, o que é crer em Deus? Crer em Deus é crer que o essencial de nossos desejos, de nossos desejos mais fortes, será satisfeito, ou até mesmo já está satisfeito. O que desejamos, no fundo, acima de tudo? Não morrer, reencontrar aqueles que perdemos, ser amados... E o que nos diz a religião? Que não morreremos, ou não verdadeiramente, que vamos resuscitar; que reencontraremos aqueles que amamos e perdemos; enfim, que somos amados para além de toda a esperança. Como gostaria que isso fosse verdade!”

Justamente pelo fato de que gostaríamos que fosse verdade aquilo que a religião nos diz que é verdade, é de se suspeitar que estamos sendo vítimas de uma ilusão.

Em resumo, Sponville sintetiza suas razões para não crer:

“...não creio primeiro porque nenhum argumento prova sua existência; depois, porque nenhuma experiência o atesta; enfim, porque quero permanecer fiel ao mistério, ante o ser; ao horror e a compaixão, ante o mal; à misericórdia ou o humor, ante a mediocridade; enfim à lucidez, ante nossos desejos e nossas ilusões.”

* * * * *


O ATEU FIEL


Nietzsche, quando fez seu diagnóstico sobre a queda brutal da crença religiosa na Europa de seu tempo, fenômeno sintetizado no seu marcante lema “Deus está morto”, sugeria não somente que a fé religiosa estava entrando em descrédito, mas que todo um sistema de valores ligado a ela sucumbia junto. Em Sponville não há necessariamente um vínculo entre os dois fenômenos - o abandono da crença em Deus não exige o abandono de todos os valores que vinham acoplados à religião. Estes podem – e devem! - sobreviver. Trata-se de manter-se fiel ao que há de louvável nesta tradição e não lançá-la inteira no lixo – e aqui a fidelidade é entendida como um apego, um comprometimento, um reconhecimento, um ato de gratidão para com a tradição, a valores que a religião fazia seus, mas que são de todos.

“...a Europa crê cada vez menos. Será uma razão para jogar fora o bebê com a água da banheira? Há que renunciar, ao mesmo tempo que ao Deus socialmente morto (como poderia dizer um sociólogo nietzschiano), a todos esses valores – morais, culturais, espirituais – que foram ditos em seu nome?”

A resposta a essa questão, para Sponville, é obviamente não. Quer se creia em Deus ou não, valores como a caridade, a sinceridade, a coragem, a generosidade, a justiça, o amor, continuam sendo valores dignos de serem louvados e perseguidos. Em sua obra mais conhecida e de maior sucesso popular, O Pequeno Tratado Das Grandes Virtudes, ele deixou bastante claro que uma vida virtuosa era totalmente independente da religião e que as grandes virtudes continuavam tão preciosas e elogiáveis quanto sempre foram, sem que necessitassem de qualquer tipo de fé para fundamentá-las.

“Sinceramente, será que você precisa acreditar em Deus para pensar que a sinceridade é melhor do que a mentira, que a coragem é melhor do que a covardia, que a generosidade é melhor que o egoísmo, que a doçura e a compaixão são melhores do que a violência ou a crueldade, que a justiça é melhor que a injustiça, que o amor é melhor do que o ódio? Claro que não! (...) Os que não têm fé, por que seriam incapazes de perceber a grandeza humana desses valores, sua importância, sua necessidade, sua fragilidade, sua urgência, e respeitá-los por isso?” (30)

Nisso se manifesta uma das principais divergências entre o pensamento de Nietzsche e Sponville - que, aliás, têm um longo artigo publicado na coletânea anti-nietzschiana Por Que Não Somos Nietzschianos?, onde sistematiza todas as objeções e reprovações que tem a fazer contra a obra do filósofo alemão. Para Nietzsche, os valores judaico-cristãos deveriam ser abandonados junto com a crença no Deus Único, e deveríamos proceder a umas “transvalorização de todos os valores”, à criação de um sistema axiológico completamente novo, onde as virtudes cristãs – tais como a esperança, a resignação, o desprezo pelo mundo físico, a repressão dos instintos sexuais e vitais – fossem totalmente abolidas em nome de outras virtudes.

Que Sponville tenha uma certa dívida com essa revolução moral pretendida por Nietzsche, não há dúvida – ele mesmo admite que o “hedonismo” que parecia emanar da doutrina nietzschiana trazia para o ar dos tempos um “vento tonificante e libertador”, já que a moral judaico-cristã era tantas vezes tida como “repressiva, castradora, culpabilizadora” (42). Mas em Sponville, apesar de existir sim uma crítica intransigente da esperança e da resignação, tão elogiadas no cristianismo, não há a sugestão de que se deveria fazer completa tábula-rasa desse passado que nos foi legado pela tradição judaico-cristã.

“Não se trata de 'inverter todos os valores', como queria Nietzsche, nem mesmo, no essencial, de inventar novos. Os valores são conhecidos; a Lei é conhecida. Faz pelo menos vinte séculos, em todas as grandes civilizações existentes na época, que a humanidade 'selecionou', como diria um darwiniano, os valores fundamentais que nos permitem viver juntos. (...) Não se trata, salvo exceção, de inventar novos valores; trata-se de inventar, ou reinventar, uma nova fidelidade aos valores que recebemos e que temos o encargo de transmitir.”

A religião pode cair, mas a moral não necessariamente cai junto. O Ivan Karamazov de Dostoiévski e Nietzche erravam quando sugeriam, quase que se manifestando como aliados de uma mesma doutrina, que “se Deus não existe, tudo é permitido” e que “nada é verdadeiro, tudo é permitido”.

Para Sponville é uma evidência que a perda da fé não conduz o indivíduo, de maneira alguma, a uma anarquia moral completa em que ele se permitiria fazer todos os atos que antes se proibia. Onde já se viu alguém tornar-se ateu e, por causa disso, começar a realizar tudo o que antes se proíbia (como estuprar estranhas na rua, a roubar o pertences legítimos de seus concidadãos, a assassinar seus desafetos)? Chega a ser uma suposição ridícula. É esse niilismo – considerado no sentido mais restrito: de uma atitude que pretende abolir completamente todos os valores – que Sponville vê como um perigo tão grande e que procura combater com tanta força. Para ele, é óbvio que diz uma tolice quem sugere que tudo é permitido se Deus não existe. Existem as leis da sociedade, e os métodos punitivos e preventivos que ela possui, por um lado; e existem as leis morais, e com elas o desejo do indivíduo de se sentir digno de sua própria humanidade. Isso basta.

* * * * *

O ATEÍSMO CONDUZ AO NIILISMO?

Talvez seja esse um dos grandes temores que atormenta a alma daqueles crentes que sentem, por vezes, a fé vacilar e ser posta em xeque, com desconfiança... Se a crença caísse, ela não levaria a pique, junto com ela, num naufrágio completo, todo valor? Que valor pode ter a vida, o mundo, o universo, quando se reconhecesse que Deus não existe? A morte da religião dentro dum espírito não conduziria necessariamente ao niilismo?

André Comte-Sponville e toda sua obra, e toda a sua vida, é uma negação encarnada dessa tese. Seu combate contra o niilismo sempre se manteve firme e forte e ele nunca aceitou que nenhuma gota desse veneno viesse contaminar sua doutrina. “O niilista, na linguagem corrente, é aquele que não acredita em nada, que não respeita nada, que não se impõe nem proíbe nada”, define ele. “Filosofia do tudo se equivale (já que nada vale), do para quê, da inanidade de tudo, da renúncia, do abandono... Paul Bourget, que tomou a palavra emprestada de Nietzsche, definia-a como 'um mortal cansaço de viver, uma sombria percepção da vaidade de qualquer esforço...”.

Que o niilismo seja uma “tentação” ou um “perigo” que ronda os ateus, principalmente aqueles que foram crentes e perderam sua fé, Sponville não o nega. Mas o combate contra essa tendência à apatia ou à anarquia moral sempre foi um de seus principais objetivos. Sobre este tema, ele se expressou brilhantemente em seu artigo O Niilismo e Seu Contrário, presente na coletânea de ensaios Bom Dia, Angústia!, onde sugere, num parágrafo extremamente denso, as razões para o niilismo. Segundo ele, seria um mero efeito da existência prévia de idealismo e religião. Por termos concentrado todo o valor em Deus ou em dimensões extra-terrenas de existência, esvaziamos de valor o mundo como ele é e como nos aparece – o único que de fato existe. O niilismo seria mero efeito do desapontamento.

“Conhece-se o diagnóstico nietzschiano. O niilismo resulta diretamente da morte de Deus, e, portanto, indiretamente, da religião. Depois de ter esvaziado o mundo de todo valor, depois de tê-lo depreciado em proveito dos retromundos metafísicos ou morais (o Ser, o Bem, o Absoluto, etc.), depois de ter concentrado em Deus toda plenitude e todo significado, a humanidade, incapaz de acreditar por mais tempo nesses fantasmas que criou, já não encontra diante de si senão esse mundo desvalorizado, senão esse mundo vazio e vão, sem condições de corresponder a nossas esperanças ou de oferecer um objetivo às nossas ações. Nieztsche se explica em A vontade de poder: 'Que significa o niilismo? Que os valores superiores se depreciam. Faltam os fins. Não há resposta para esta pergunta: 'para quê?' Isso era sem dúvida inevitável. Desde que se ponham os valores morais acima do mundo, o mundo só pode parecer imoral. Desde que se ponham as esperanças pessoais acima do real, o real só pode parecer decepcionante. Como Camus, comentando Nietzche, havia observado: 'o niilista não é quem não acredita em nada, mas quem não acredita naquilo que é'. Melhor: é porque não acredita no que é (idealismo, romantismo, religião, etc.), que acaba por não acreditar em mais nada (niilismo). O mundo é pegar ou largar. Enquanto se prefere alguma coisa ao real, vai-se rumo ao niilismo. Enquanto se prefere alguma coisa ao todo, prefere-se o nada.”

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

:: todo lo que tengo ::


"...o poeta é milionário de estrelas..."
(Victor Hugo)

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

:: nunca houve esta hora ::


Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir – é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida.

Apagar tudo do quadro de um dia para o outro, ser novo com cada nova madrugada, numa revirgindade perpétua da emoção – isto, e só isto, vale a pena ser ou ter, para ser ou ter o que imperfeitamente somos.

Esta madrugada é a primeira do mundo. Nunca esta cor rosa amarelecendo para branco quente pousou assim na face com que a casaria de oeste encara cheia de olhos vidrados o silêncio que vem na luz crescente. Nunca houve esta hora, nem esta luz, nem este meu ser. Amanhã o que for será outra coisa, e o que eu vir será visto por olhos recompostos, cheios de uma nova visão.

(Fernando Pessoa. Livro do Desassossego)

domingo, 19 de outubro de 2008

:: oh, let me dream if I want to... ::




:: sonhinhos ::

um dia eu ainda vou ser um sambista carioca da ralé, criado na favela com muito pão-com-manteiga e pingado, muito pagode na mamadeira, muitos tragos de cachaça barata, virados sem cara-feia em botecos do morro desde tenra idade. o gogó abençoado - de nascença e de tanto Velho Barreiro! Os lençóis sempre sujos de frenéticas paixões com mulatas retintas e desavergonhadas. do tipo que samba desde o berço e que continua feliz, sorridente e bailando quando o Sol se põe na Quarta-Feiras de Cinzas.

um dia ainda vou ser um bluesman do tennessee na década de 1930. vou trabalhar em campos de algodão em jornadas estafantes com a nobreza e a dignidade de um personagem de Steinbeck. a tal da depressão será um talho na minha carne e não uma estatística econômica que os graúdos lêem nos jornais com semblantes preocupados. na plantação cantaremos em coro os mais lindos spirituals e worksongs, enquanto o Sol torna ainda mais torrada nossa pele escura como o breu.

pegarei muita carona clandestina em trens de carga que fedem à gado e alpiste. viajarei rumo ao sonho dourado da califórnia. lavarei meu suor nas águas do mississipi. terei um avô que morreu lutando na guerra civil para defender a abolição da escravatura e algum talismã - anel, carta ou mecha de cabelo - que ele me legou. em uma noite escura qualquer, irei até a encruzilhada para vender minha alma para um demônio poderoso, capaz de me fazer tocar violão como um endemoniado. serei entendido em feitiçarias. tomarei bourbon em saloons empoeirados e mau-iluminados. serei o gatilho mais rápido do Oeste (que só vai virar "Velho" muito depois d'eu morrer - de cirrose hepática, na lama, aos 35, beneath the howlin' moon).

um dia serei um sábio contemplativo budista ou hindu, nem sei a diferença, que atingiu o nirvana e vive numa bowa. terei uma janela ampla e sem grades, que se abre para uma linda paisagem, bucólica ou litorânea, tanto faz. mas fervilhante de vida. e vou me perder, eu que sou moeda de 1 centavo, lá fora. pois o lá fora vale muito mais. no acolhimento do silêncio, vou ficar em meditações e devaneios longos, maconhado, semi-bêbado, nas asas do LSD ou ébrio simplesmente da chapação de estar-vivo.

só sentindo a brisa e a carícia do Sol na face. terei um chão de grama sem formigas saúvas onde vou poder me deitar de costas, a altas horas da madrugada, para ser esmagado pela visão do beautiful cosmos. e abrindo os ouvidos com igual amplidão para o desfile de velhos sambas do Chico... não viverei mais numa cidade cinza e feia, de ar e mentes poluídas, onde todo mundo se fode e ninguém se ama, onde as janelas são todas gradeadas por causa do medo de bandido, onde as portas estão repletas de cadeados e trincos, assim como as almas, assim como os corações, far away from these creatures who lock up their spirits, drew holes in themselves and live for their secrets... e eu vou ficar lá, em lua-de-mel com o universo, de portas abertas a um convidado que, apesar de ser do tamanho de tudo o que existe, cabe muito bem dentro desta minha humilde casa.

qualquer dia vou dar um rolê nos meus tempos de menino. vou ter de novo uma lancheira do jaspion, uma fantasia de batman e toda uma imensa coleção de brinquedinhos do kinder ovo. vou escrever carta pro papai noel e levantar bestificado na manhã do 25 por ter meus quereres atendidos pelo gordão do saco vermelho e das renas, que apesar da falta de chaminé na minha goma pôde vir fazer de suas bondades. na escola, muita bolacha traquinas, bolinho ana maria e leite com nescau no intervalo. futebolzinho na quadra de areia até que a inspetora viesse nos arrastar pelas orelhas de volta para a sala de aula. rindo à toa com o chaves à espera da buzina da perua.

o maior suspense da minha vida voltaria a ser: conseguirão os cavaleiros do zodíaco sobreviver às 12 casas? conseguirei eu descobrir o assassino antes de hercule poirot? e aquela prova de matemática que se aproxima, vou me lascar? me juntaria no banheiro com os outros moleques, louco de excitação, na muvuca frenética ao redor da primeira playboy - ao redor dela, pequenos olhos arregalados de pequenos tarados de cuecas infladas, observando aquilo com mais fascinação do que se vissem uma aurora boreal ou o pouso da grande nave-mãe alienígena. vou de novo rasgar meu joelho caindo da bicicleta, quebrar o braço depois de tomar uma rasteira e andar no fusquinha barulhento da velha Enid. vai ser aquela fase antes de eu estragar, pois acham que estraguei, e meus pais ainda vão estar me amando, como um dia fizeram, eu bem me lembro. em mil noites de interminável revêrie, vou sonhar os mais castos e pios sonhos com a natália - nome do meu primeiro amor, de quem ninguém nunca soube. nem ela.


de volta àquele lindo tempo em que tudo ia dar certo.

("que culpa temos nós dessa planta da infância,
de sua sedução, de seu viço e constância?")

[jorge de lima, infenção de orfeu]

um dia vou ser um daqueles poetas piegas e sentimentalóides do século... sei lá! aquele século lá onde as pessoas ainda acreditavam no amor, como houve eras em que acreditou em bicho papão, saci-pererê, coelho da Páscoa, monstro do Lago Ness, anjos exterminadores, súcubos e íncubus. hoje em dia do amor só existem ateus, agnósticos e crentes perdendo a fé. tá osso! vou viver olhando as estrelas e tropeçando nas pedras do caminho, sem me importar. que importa o chão? e acharei uma mocinha toda feita de doçura, que vá se deixar lamber toda como um brigadeiro, que vá se pôr debaixo da minha chuva de mel, com prazer. que comerá do meu amor como uma esfomeada e me amará como uma freira ama a seu deus. e pra quem escreverei os mais melosos e delicados versos da mais completa adoração. tão idealistas que vão achar que me enamorei de um anjo. serei pródigo em juras de afeto eterno. sem ti não vivo. se você morresse, o sol se apagaria, as marés parariam, as montanhas virariam pó, na garganta dos pássaros o canto iria morrer. as musas vão adorar sussurrar versos aos meus ouvidos. meus poemas serão meus buquês de rosas e caixas de bombons. os olhos dela falarão mais que mil bibliotecas. os lábios dela terão o sabor de dez mil morangos banhados em leite condensado. e eu serei uma pessoa que sabe o que significa ouvir "eu te amo".

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

:: chamando as pessoas pra jesus! ::


Agora vai! Amanhã, 16 de Outubro, é o dia que entrará para os anais do róquenrou como a data da estréia da Liga das Senhoras Católicas em Sampa. Vamos dividir o palco com nossos miguxos do Milhouse para um noise esporrento na Cervejada da ECA, a Quinta e Breja. Os temerários e ousados que colem lá na USP, a partir das 22h30, com brejas em punho e preparados para terem os tímpanos judiados! O setlist do show desta mui bíblica banda punk-gospel que tenho a felicidade de integrar (toco "guitarra misteriosa"...) podem ser vistos no novíssimo blog da LdSC:

É nóóóise!

:: so lovely! (2) ::

(léger)


Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!

* * * *

Eu estava dormindo e me acordaram
E me encontrei, assim, num mundo estranho e louco...
E quando eu começava a compreendê-lo
Um pouco,
Já eram horas de dormir de novo!

* * * *

Esta vida é uma estranha hospedaria,
De onde se parte quase sempre às tontas,
Pois nunca as nossas malas estão prontas,
E a nossa conta nunca está em dia.

* * * *

A nós bastem nossos próprios ais,
Que a ninguém sua cruz é pequenina.
Por pior que seja a situação da China,
Os nossos calos doem muito mais...

* * * *

Todos estes que estão aí
Atravancando o meu caminho
Eles passarão
E eu passarinho...

* * * *

...E que fique muito mal explicado!
Não faço força para ser entendido.
Quem faz sentido é soldado...

* * * * *

No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...

* * * * *

AMOR É SÍNTESE

Por favor, não me analise
Não fique procurando cada ponto fraco meu.
Se ninguém resiste a uma análise profunda,
Quanto mais eu...
Ciumento, exigente, inseguro, carente
Todo cheio de marcas que a vida deixou
Vejo em cada grito de exigência
Um pedido de carência, um pedido de amor.

Amor é síntese
É uma integração de dados
Não há que tirar nem pôr
Não me corte em fatias
Ninguém consegue abraçar um pedaço
Me envolva todo em seus braços
E eu serei o perfeito amor.

* * * *

BORBOLETAS

Com o tempo, você vai percebendo que,
para ser feliz com uma outra pessoa você precisa,
em primeiro lugar,
não precisar dela...
Você aprende a gostar de você,
a cuidar de você, principalmente,
a gostar de quem também gosta de você.
O segredo é não correr atrás das borboletas...
é cuidar do jardim
para que elas venham até você.
No final das contas, você vai achar
não quem você estava procurando...
mas quem estava procurando por você!

** * * *

Se eu amo o meu semelhante? Sim.
Mas onde encontrar o meu semelhante?


(mário quintana)

domingo, 12 de outubro de 2008

:: so lovely! ::

I'm a new soul, I came to this strange world
hoping I could learn a bit
'bout how to give and take

But since I came here
felt the joy and the fear
finding myself making every possible mistake!

la-la-la-la-la-la-la-la...

I'm a young soul
in this very strange world
hoping I could learn a bit
'bout what is true and fake.

But why all this hate?
Try to communicate
finding just that
love is not always easy to make.

la-la-la-la-la-la-la-la...

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

:: a tempestade do ardor irresistível ::

Em celebração ao níver de 50 anos do Teatro Oficina, escrevi um materião pra Revista O Grito! contendo um pouco de senta-que-lá-vem-história e alguns comentários sobre "Os Bandidos", de Schiller, peça que acaba de estrear. Na mesma edição, ainda fiz um panorama geral do que foi o About Us, o bom-escoteiro dentre os grandes festivais de música, que fundiu militantismo ecológico com bom som. Em parceria com a Aninha (a batera pródiga que à casa torna! rs), tem também resenhas dos shows do Ben Harper e Dave Mathews Band. Colem lá! =)