quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007


Fala o mestre:

"Que a vida seja decepcionante, sempre decepcionante, no fundo é isso que ela nos ensina de mais claro. Não, por certo, que nela não haja alegrias nem prazeres. Mas não os que esperávamos, ou não da mesma forma, ou que não poderiam, quando estão presentes, dar-nos a felicidade que deles esperávamos quando não estavam presentes, quando nos faltavam. "Como eu seria feliz se...", dizemos conosco mesmos. Mas nenhum se é real... E o sucesso é amargo quase tanto quanto a derrota. (...) O amor decepciona. O trabalho decepciona. A arte decepciona. A filosofia decepciona. Pelo menos decepcionam primeiro e por muito tempo - até o dia em que os amamos pelo que são, pelo que são realmente, pelo que são apesar de tudo, e já não pelo que se tinha sonhado ou esperado deles. Trabalho do luto: trabalho da desilusão. Não se trata de acreditar; trata-se de conhecer e de amar. Um escritor que ainda acredita na literatura, que poderá ele ensinar-nos de importante sobre ela ou sobre a vida? E um filósofo, se acredita na filosofia? Um músico, se acredita na música? E como amar verdadeiramente, enquanto se acredita no amor, enquanto se faz dele uma religião, um absoluto, um sonho? Toda esperança é decepcionada sempre, mesmo quando é satisfeita; é no que a satisfação tantas vezes é melosa, como um desejo insosso assim que é saciado... Muitos, constatando que a vida não corresponde às suas esperanças, vão então acusar a vida, censurá-la absurdamente por ser o que ela é (como ela seria outra coisa?), enfim enterrar-se vivos no rancor ou no ressentimento... Prefiro o alegre amargor do amor, do sofrimento, da desilusão, do combate, vitórias e derrotas, da resistência, da lucidez, da vida em ato e em verdade. Prefiro a realidade, e a dureza da realidade. Se a vida não corresponde às nossas esperanças, não é forçosamente a vida que está errada: pode ser que sejam as nossas esperanças que nos enganam, desde o início (desde a nostalgia primeira que as alimenta), e que a vida só possa desde então nos desenganar..."

(ANDRÉ COMTE-SPONVILLE, "Bom Dia, Angústia!", livrinho maravilhoso, como tudo o que o mestre já escreveu...)

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

COFRES E BOLHAS DE SABÃO

Às vezes acho que a única coisa que eu sei fazer bem na vida é sonhar; para todas as outras costumo ser um completo incompetente. A vida inteira às vezes me parece uma sala de espera chatíssima, uma espécie de limbo misterioso que a gente não sabe se é a ante-sala do inferno ou do céu, onde eu fico sentado, a bunda já quase quadrada, a paciência já quase esgotada, aguardando sem fim por algo que parece que nunca vem, que parece sempre fora de alcance, que talvez (e isso é o mais terrível) nem exista... É como se eu tivesse sempre vivido achando que a vida ainda não começou, esperando que comece e com medo de que nunca vá começar...”A verdadeira vida está ausente”, dizia o poeta. Frase que só um sonhador seria capaz de escrever... Mas quem seria poeta sem ser sonhador?

Mal de sonhador: pôr muita fé no futuro. Ainda sofro desse mal: acreditar que meus amanhãs serão mais doces do que são meus hojes e do que foram meus ontens... A pomada que passo em todas as minhas feridas e vazios se chama “um dia...”, e é assim que eu me faço uma canção de ninar para as noites de tormento e de insônia: “calma, amigo, um dia tudo estará bem, um dia você será feliz, um dia será amado, um dia vai entender a vida e o universo, um dia...” Ainda não me curei da doença que é ter esperanças. E me sinto idiota como quem espera um trem que pode ser que nunca vá chegar...

E eu já devia ter aprendido com a experiência. A maré do futuro nunca traz em ondas os meus sonhos, prontos e feitos, depositando tudo aos meus pés, prontos para consumir, como um presente do Destino... Não, eles ficam sempre no horizonte... E meu olhar fica lá, perdido, à espera de um barco que nunca aporta e que está longe demais para que eu aguente alcançá-lo a nado...

Acho que não há nenhuma força, entidade ou criatura no Universo empenhada em me fazer feliz e me dar de mão beijada o que desejo... Em dias assim eu entendo o que é “a terna indiferença do mundo”, que atormentava o Camus, ou o horrível “silêncio dos espaços infinitos” que deixava Pascal com calafrios... Minha felicidade é uma coisa que eu, sozinho, tenho que conquistar. E às vezes desanimo: é difícil demais vencer uma guerra com um exército de um homem só...

Talvez eu esteja perdido, não sei ao certo... estou tão perdido que nem sei dizer se estou perdido ou não. O que Agostinho dizia sobre o tempo eu digo sobre mim: se não me perguntam quem eu sou, eu sei; mas se me perguntam, já não sei mais... “Quem sou eu?” é uma pergunta que só consigo responder sem formular a pergunta. Respondo simplesmente existindo.

Acho que caí numa grande confusão, numa espécie de “crise de identidade”, ao ser “acusado” de não estar sendo eu mesmo, eu que gostava de pensar, talvez iludido, que sempre tinha sido sincero... e, por mil diabos, quem mais eu poderia estar sendo senão eu mesmo? Mas pensei comigo, sim, talvez ela tivesse razão e fosse mesmo verdade: sou uma farsa, um fingidor, um dissimulado, um ator de mil papéis, alguém sempre submisso, sempre tentando agradar os outros, sem vida própria... E hoje acho que entendo, com uma clareza que eu nunca tive antes, o quanto fui ridículo ao tentar ser “eu mesmo” porque (e o problema está nesse porquê...) me tinham pedido, solicitado, sugerido...

Aceitei o desafio: vou tentar me tornar eu mesmo... mas foi pelas razões erradas. Quis me tornar “eu mesmo” porque assim me pediram, porque era esse o desejo de alguém, porque ainda queria ser o que querem que eu seja... Agora percebo como fui tolo. Mais ou menos como o empregado explorado que recebe do patrão a ordem: “vá lá fora e declare liberdade!”, e que vai, obediente, e diz: “conforme solicitado por meu patrão, me proclamo livre!” Mas que diabo de liberdade é essa, José, que não passa do obecedimento de uma ordem recebida? E como eu fui parecido, querendo ser “eu mesmo” para agradar alguém, sem perceber que nós deixamos de ser nós mesmos justamente quando fingimos ser aquilo que pensamos que vai agradar alguém...

Nesse esforço para tentar ser eu mesmo acabei, é claro, sendo completamente falso; porque para ser si mesmo a coisa que mais estraga é justamente o esforço que se faz para ser algo... Se eu já sou o que sou, por que precisaria fazer qualquer esforço? Bastaria relaxar e me deixar ser... se eu pudesse. Mas não pude. Tentei ser natural, sem perceber que tentar ser natural já é ser artificial; me esforcei para ser espontâneo, só para descobrir que se esforçar já é carecer de espontaneidade; quis ser eu mesmo, só para descobrir que continuava seguindo ordens de fora, que o fazia só para agradar alguém, que tinha sido coagido, ainda escravo do meu desejo de ser o que os outros querem que eu seja, ou do que acho que querem, ou do que suponho que pudesse fazer com que me gostassem, ou... Sim, acho que estou perdido.

Óbvio que fui tolo, como sempre fui, como sempre serei... Posso ter lido um ou outro livro, aprendido um outro truque, decorado umas dúzias de palavras bonitas, mas querem a verdade? Não sei muita coisa. Não sei muita coisa sobre nada. E eu, que estou vivendo pela primeira vez, não consigo não aprontar das minhas trapalhadas e acabo machucando um ou outro companheiro de viagem, sem querer, com o meu desengonço... Sinto vontade de pedir perdão. Por quê? Nem sei ao certo. Perdão por existir.

E agora, não sei porque, estou como que vivendo dentro de um pesadelo, mas acordado e sem poder despertar dele.
E nesse pesadelo real, que acontece dentro de mim, eu estou sendo condenado por um crime qualquer, que nem sei direito qual foi, mas que tenho a vaga impressão de ter mesmo cometido... se é que foi mesmo um crime ou um pecado, algo assim tão grave e sério, e não um mero erro, uma falha, um deslize. Não sei onde errei, mas tenho a impressão de ter errado. E tenho ainda a sensação de que nesse tribunal, onde sou julgado tão sem compreensão, onde a ternura parece ter sido banida na entrada, onde o perdão parece impossível, onde todos os vereditos parecem sumários, onde não há possibilidade de apelação, sinto que todos aqueles que têm certezas sobre mim se enganam, e se enganam feio... Assim que escrevem à caneta minha condenação em seus documentos, e assim que chegam à conclusão final sobre quem eu sou de verdade, já me perderam. Assim que piso meu primeiro passo fora do tribunal, já não sou mais a pessoa que eu era e aquilo que eles condenam, no máximo, é alguma pessoa que já fui, às vezes nem isso...

Se nem eu que sou-me sei ao certo quem eu sou, como é que alguém se atreve a ter certezas - e certezas duradouras! - sobre quem eu seria? Eu, que sou movediço feito correnteza, inconstante como o mar, ator de mil personagens e mil máscaras, sou fácil assim de agarrar, de definir, de esgotar? Não sou agora a mesma pessoa que eu era ao começar esse texto; ao terminá-lo, já não serei a mesma pessoa que o escreveu. A cada momento sou um eu diferente. Gosto de pensar nos meus eus como uma sucessão de bolhas de sabão. Quando acabar minha vida, terei sido milhares... E ainda querem que eu saiba quem sou? E ainda há gente que pretenda saber melhor do que eu? Sinto vontade de mandar pro inferno todos que pensam me conhecer.

Prefiro que a pergunta “quem sou eu?” permaneça sempre, para mim e para todos, uma questão em aberto. As pessoas que pensam que sabem quem eu sou me parecem com tontos que querem trancar uma bolha de sabão dentro de um cofre, pensando que a terão para sempre...

Ou então essa: são como aquelas pessoas que tiram uma foto de um rio imaginando que, só porque agora eles têm uma imagem estática dele, ele parou de correr. E, aliás, uma foto de um rio só exibe a superfície: há quilômetros e quilômetros de profundidade que o olho não vê. E as pessoas ficam olhando fotos do rio que sou e pensando que parei de fluir... Ficam olhando a superfície e se esquecem que há todo um universo ali debaixo...

Sinto minha alma cansada, como se tivesse corrido uma maratona olímpica só para descobrir, na linha de chegada, que a corrida tinha sido cancelada e que não há prêmio algum, recompensa alguma, para todo o meu esforço... Um cansaço tão grande que me desespero de dormir, porque sei que dormir não seria o bastante para me descansar... Tão cansado que sinto saudade de não existir. Estou morrendo de vergonha de alguma coisa que nem sei bem o que é, de algum crime que nem sei se cometi, como um homem que se sente nu mesmo estando completamente vestido; estou me sentindo como um criminoso com amnésia, que sente vontade de pedir um perdão imenso por alguma coisa de muito errado que fez mas não se lembra o que foi; meio que afudando na melancolia e querendo me torturar com as palavras mais cruéis: pois é, talvez não haja mesmo cura para esse estrupício inamável que eu tenho a infelicidade de ser...

E eu, sem documentos que me digam quem sou de verdade, preso nessa sala de espera interminável que se chama mundo, condenado nos tribunais a ser registrado como aquilo que eu sinto não ser, vendo meus eus nascendo e morrendo como bolhas de sabão que surgem só para explodir, fico com os olhos fixos num futuro que não cessa de chegar e não pára de decepcionar... Fingindo que isso é viver. E sem nada que me console a não ser esse punhado de frases pretensiosas e má poesia.

Enquanto isso, o vazio por dentro, velho companheiro, me diz, para o meu desespero, que continuo doente. E pior: doente de uma doença que nenhum médico tem remédio para receitar, já que aquilo que eu preciso não se compra, não se acha numa pílula, não se despeja na boca com conta gotas... Ah não! O que eu preciso, meu velho amigo vazio bem o sabe, não vou achar num consultório médico, num divã de analista ou num hospital psiquiátrico... E eu me pergunto, quase gritando, quase chorando, quase rebelde, ah, senhores cientistas de tantas invenções maravilhosas, me digam:

Quando é que o amor vai começar a ser vendido na farmácia?

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007


Fazia tempo que eu não me empolgava tanto com uma revista. Já tive vários affairs de amor tórrido com muitas delas, mas muito antigamente: já comprei Bizz doidamente, por uns três anos seguidos, e sonhava com o dia quando eu poderia fazer parte do staff; tenho uma coleção de Rock Press que bate no teto da prateleira, algumas delas com as páginas mutiladas (porque eu arrancava coisas pra colar na parede do quarto); tive minha fase Caros Amigos e quero-ser-jornalista-militante e só queria saber de quem falasse mal do neoliberalismo, do imperialismo e do famoso “sucateamento do ensino público”; já assinei Carta Capital por um ano, falando mal da Veja pra todo mundo que eu conhecia; ah, e já devorei um bocado de Heróis no tempo em que eu era fã dos Cavaleiros do Zodíaco... Mas fazia tempo que eu não tinha uma fase de curtir pra caramba uma revista de novo. A Rolling Stone nem me empolgou, pra falar a verdade. E o preço das bichinhas, atualmente, desanima. Cê quer comprar uma Bravo e é uns 12 paus... aí cê desencana.

Agora a Piauí... a Piauí é foda. Ando achando que é com certeza a melhor revista do Brasil e que, depois de ler qualquer das edições piauienses, você pega a Veja e sente vontade de amassar folha por folha e jogar no lixo. A Piauí preza por um jornalismo literário que é realmente uma delícia de ler. Sem falar que em vários momentos, tá ali um humor de primeira, às vezes mais escrachado, outras bem sutil. E rola uma mistureba muito boa dos mais variados assuntos, reunindo sob o mesmo tempo teto cultura, política, sociologia, culinária e o escambau...

E o que mais me agrada no jornalismo ao estilo Piauí (que, dizem, é influenciado pelo da The New Yorker) é que isso aqui não envelhece. Uma das coisas que costumava me desencantar de ser um jornalista era pensar que eu ia me matar, diariamente, para escrever uma matéria para um jornal que, um dia depois de publicado, seria jogado no lixo ou servir para embalar cocô de cachorro. Tudo no jornalismo diário é meio volátil. E eu acho que eu nunca gostei muito da idéia de ficar escrevendo noticinhas que, depois de lidas, seriam logo esquecidas. O jornalismo literário da Piauí é muito mais “permanente”. Você pode deixar as Piauís do ano passado na prateleira e depois de muito tempo pegá-las pra ler e descobrir que elas NÃO ENVELHECERAM de jeito nenhum. As matérias contiuam interessantes; o texto continua delicioso de ler; o assunto continua relevante, curioso e/ou empolgante... pra mim, elas ficam na prateleira mais como livros do que como revistas, e eu ando achando que a Piauí cai mais pro lado da literatura do que do jornalismo. O que eu acho ótimo.

Eu sei que muita gente se sente desencorajado frente ao tamanho dos troços lá publicados. Eu mesmo, muitas vezes, já me peguei tendo altos ataques de preguiça ao dar uma olhada no tamanho de algumas das matérias. Me disse, por exemplo, quando vi aquela mega-reportagem sobre os malucos que se metem na selva para estudar línguas indígenas ameaçadas de extinção: “mas por que diabos eu iria querer saber sobre uns linguistas aí que ficam na selva aprendendo idiomas bizonhos?! Pra quê vou perder meu tempo com isso?!” Mas essa matéria foi absurdamente excitante pra mim pelo efeito que causou. Comecei como quem não quer nada, pensando em parar logo nos primeiros parágrafos, mas aí a coisa foi lentamente me prendendo, começando a cativar, e quando eu vi eu tava empolgadérrimo, descobrindo um monte de coisa interessante, pensando as coisas mais bizarras sobre a vida e a loucura humana... por exemplo: o que leva um ser a perder 25 anos de sua vida no meio de uma ilha no meio da Amazônia, aprendendo um idioma falado por uma centena de índios, só para fabricar uma Bíblia naquela língua minúscula? E como eu dei risada da teoria teológica que os caras tem: segundo eles, da primeira vez que Deus mandou o messias para a Terra, plantou-o num “povinho de merda”, os judeus, e que quando ele voltar é bem possível que caia, de novo, no meio de outro povinho de merda, tipo alguma tribo indígena no meio da Amazônia. Aí, os missionários linguistas acham muito útil fabricar Bíblias em todos os idiomas possíveis, para que o Messias, onde quer que nasça, possa ser devidamente catequisado e continuar o legado de seu antecessor... Ah, a loucura humana!...

Enfim, tô achando a Piauí muito foda. Escrever lá virou meu sonho, apesar de eu ainda achar que eu tenho muito o que aprender até estar no nível daquilo lá. Mas eu não tô só LENDO a Piauí: tô ESTUDANDO a Piauí. E sentindo que tô aprendendo mais com ela do que em 4 anos de faculdade de jornalismo...


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/// GREATEST HITS \\\

(uma pequena seleção com trechos de algumas das matérias que eu mais curti ler nessas Piauís dos últimos meses... várias curiosidades interessantes...)



O CHEIRO DA POBREZA: “...o objeto que representa a civilização e o progresso não é o livro, o telefone, a Internet ou a bomba atômica, e sim a privada. Onde os seres humanos esvaziam a bexiga e os intestinos é determinante para saber se ainda estão mergulhados na barbárie do subdesenvolvimento, ou se já começaram a progredir. (...) No mínimo um terço da população do planeta – uns 2,6 bilhões de pessoas – não sabe o que é um sanitário, uma latrina, uma fossa séptica, e faz suas necessidades como os animais, no mato, à beira de córregos e manaciais, ou em sacolas e latas que são jogados no meio da rua. E mais ou menos 1 bilhão utiliza águas contaminadas por fezes humanas e animais para beber, cozinhar, lavar a roupa e fazer a higiene pessoal. Isso faz com que pelo menos 1,8 milhão de crianças morram, a cada ano, vítimas de diarréia. E que doenças infecciosas como cólera, tifo e parasitoses, causadas pelo que o relatório chama eufemisticamente de “falta de acesso ao saneamento”, provoquem enormes devastações na África, na Ásia e na América Latina, constituindo a segunda causa de mortalidade infantil no mundo. (...) Não resisto a citar essa estatítisca do relatório: “Quando um europeu puxa uma descarga, ou quando um americano toma banho, utiliza mais água do que a disponível para centenas de milhões de indivíduos que vivem em bairros degradados ou zonas áridas do mundo em desenvolvimento”. E também a estimativa de que, com a água poupada caso os “civilizados” fechássemos a torneira enquanto escovamos os dentes, um continente inteiro de “bárbaros” poderia tomar banho.(...)O relatório radiografa com dramática precisão o extraordinário privilégio de que os outros dois terços desfrutamos toda vez que, quase sem perceber, abrimos uma torneira para lavar as mãos ou o chuveiro para receber esse jato de água fresca que nos limpa e revigora. (...) Como é infinitamente diversa a experiência desses bilhões de seres humanos que nascem, vivem e morrem literalmente sufocados pela própria imundície, sem conseguir arrancá-la de suas vidas, pois, visível ou invisível, a sujeira fecal que expulsam volta para eles como uma maldição divina, na comida que comem, na água em que se lavam e até no ar que respiram, causando-lhes doenças e mantendo-os no limite da subsistência...(...)Um calafrio deveria subir por nossas costas como uma cobra de gelo ao pensarmos que um terço de nossos contemporâneos nunca acaba de sair da imundície em que veio a este vale de lágrimas.” - - - O CHEIRO DA POBREZA (de Mario Vargas Llosa, pg. 34-35 da piaui de fevereiro de 2007).


CADÁVERES PARA AS ESCOLAS DE MEDICINA: “...[a doação de cadáver para uma escola de medicina é um gesto útil para] mudar uma cultura na qual se glorifica a doação de órgãos, mas se resiste à idéia de entregar um cadáver, material de primeira necessidade para quem estuda medicina. (...) O ideal é que se tenha um cadáver inteiro – também chamado de ‘fresco’ ou ‘novo’, isto é, não trabalhado por turmas anteriores – para cada grupo de seis alunos. (...) O ensino médico nacional tem uma demanda anual de pelo menos 2.000 cadáveres. (...) O uso de cadáveres em estudo e a dificuldade em obtê-los remontam a períodos medievais quando pesquisadores roubavam corpos de cemitérios. No Brasil, até os anos 60, os hospitais psiquiátricos eram os grandes fornecedores de corpos para pesquisa. (...) Em 1992, a lei 8.501 veio para disciplinar o uso do cadáver para ensino, muitas vezes abusivo e irresponsável. Desde então, só podem ser utilizados pelas escolas corpos identificados, vítimas de morte natural e que não são reclamados num prazo de trinta dias. (...) [O professor Aparecido Liberti, do ICB da USP]: ‘Nosso departamento recebe 50 mil reais por ano para todas as despesas, temos que dividir os gastos dos cadáveres com material de limpeza, xerox, cafezinho. Estamos lutando para que o cadáver seja um material didático, como multimídia, datashows, giz...’ (...) [Professores] cultivam a esperança de que no Brasil se cultue a cultura de doação de cadáveres. (...) Ao contrário do que se costuma imaginar, alunos e professores de anatomia conservam uma reverência especial ao corpo de um morto. (...) ‘Os alunos vão sair daqui e se defrontar com o cotidiano de um pronto-socorro, daí ser preciso elaborar esse contato com o sofrimento.’ - - - AULA DE ANATOMIA, pg. 24-25, novembro/2006

AUMENTO PENIANO: “...numa pesquisa feita nos EUA, 99% dos homens disseram que aumentariam o pênis, caso houvesse uma forma mágica – sem riscos, constrangimento, esforço ou custo – de fazê-lo. (...) Para desilusão dos pacientes, [o presidente da Associação Brasileira de Urologia] explica que ainda não foi desenvolvido nenhum tratamento eficiente e seguro. (...) A técnica mais comum consiste em cortar um ligamento que prende o pênis ao osso pélvico e puxá-lo de um a dois centímetros para fora (cerca de um terço do pênis fica dentro do corpo). (...) Por enquanto, a única forma de aumentar o pênis é mesmo a proposta pelo poeta: morrer e nascer de novo. (...) [No Google, em português] ‘aumento de pênis’ tem 187 mil ocorrências, contra 87 mil de ‘Paz na Terra’ e 18.800 de ‘Como ficar rico’. (...) A palavra ‘mulher’ mal aparece na boca desses pacientes, eclipsada sob a enorme sombra de ‘vestiário’. (...) Se o tamanho do pênis fosse determinante no sucesso do indivíduo, teríamos uma elite de negros, uma classe média de caucasianos e a Ásia abandonada à sua própria sorte. (...) De todos os primatas, o homem é não só o de maior cérebro, mas também o de maior pênis. (...) ...muitos destes inconsoláveis que, por mais que ouvissem explicações, não se conformavam com a idéia de que ‘mais vale um pequenino brincalhão do que um grande bobalhão’ ou ‘não importa o tamanho da vara de condão, mas a mágica de que ela é capaz’. (...) [Fernanda Lima]: ‘Acho que, na real, o que importa nessa história de pau é a segurança que ele traz a seu dono.’. - - - ENLARGE YOUR PENIS! (de Antonio Prata), pg. 18-19, dezembro de 2006

O LIMBO FOI ABOLIDO!: “Anunciou-se que o limbo deixara de existir oficialmente numa sexta-feira, 4 de Outubro de 2006, data em que o Santo Padre decretaria seu fim. [Bento XVI]: ‘Pessoalmente, eu aboliria o limbo, visto que ele foi sempre uma simples hipótese teológica’. Na sexta-feita em causa, muita gente suspendeu a respiração na expectativa de saber o destino das criancinhas não batizadas, condôminas por excelência do limbo.(...) [Para o teólogo Carneiro de Andrade] o limbo é assunto tão ultrapassado quanto o debate sobre o número de anjos que cabem na cabeça de um alfinete.(...) [Segundo a teóloga Clara Bingemer] o limbo foi uma saída honrosa para lidar com as crianças mortas prematuramente. Antes de Agostinho, os pais da Igreja enfrentavam a situação dando piruetas teológicas. Para não condenar bebês ao fogo do inferno, inventaram zonas intermediárias entre a bem-aventurança e o horror. O limbo seria como uma sala de espera chatíssima. (...) Com o tempo, a noção de zonas intermediárias foi sendo recuperada – seria embaraçoso demais condenar crianças ao fogo eterno.” - - - O LIMBO NÃO PASSA DE UM TEOLOGÚMENO, pg. 48-89, novembro/2006

LAGOS, na Nigéria: “Em 1950, menos de 300 mil pessoas viviam em Lagos. Na 2a metade do século 20, a cidade cresceu a uma taxa de mais de 6% ao ano. Ela é atualmente a sexta maior cidade do mundo, e continua a crescer mais rapidamente que qualquer uma das outras megacidades. (...) Estima-se que em 2015 Lagos terá 21 milhões de habitantes e será a terceira megacidade, depois de Tóquio e Mumbai (antiga Bombaim). (...) A vibração dos favelados em Lagos é a atividade furiosa de pessoas que vivem numa economia globalizada e não têm nem rede de proteção nem esperança de ascender socialmente. (...) Cerca de 1 bilhão de pessoas – quase metade da população urbana dos países em desenvolvimento – vive em favelas. (...) Para alguns intelectuais ocidentais, Lagos se tornou o arquétipo da megacidade – talvez porque seu crescimento tenha sido tão explosivo, ou porque sua paisagem urbana tenha se tornado tão apocalíptica. (...) A megacidade não estimula a responsabilidade social e a ação coletiva voltadas para a melhoria da vida em sociedade. Sua própria escala favorece a pulverização. A ausência de serviços públicos na maioria dos bairros raramente provoca protestos. Em vez disso, ela obriga os moradores das favelas a se tornarem auto-suficientes por meio de atividades ilegais. Eles fazem ligações elétricas clandestinas, provocando apagões e incêndios. Pagam as gangues locais para prover segurança, o que significa que a justiça nas favelas é sumária. (...) A visão de 23 milhões de pessoas espremidas, tentando sobreviver como cobaias de uma experiência fracassada de um demógrafo louco, enche Gbadebo-Smith de maus pressentimentos. (...) ‘Estamos sentados num barril de pólvora’, disse. ‘Se não cuidarmos do crescimento econômico, e com muito vigor, não tenho dúvida sobre o que vai acontecer aqui no futuro: a cidade ferverá e transbordará.’ E acrescentou: ‘Sabe o que mais? Se tudo falhar, o mundo vai sentir o peso do fracasso de Lagos.’Existe uma possibilidade ainda mais desanimadora: que o mundo não sinta o peso do fracasso de Lagos. O fato mais perturbador sobre os catadores e camelôs de Lagos é que a vida deles não tem praticamente nada a ver com a nossa. Eles vivem de restos. Eles são, na linguagem áspera da globalização, supérfluos.” A MEGACIDADE (de George Packer) (pg 20-25) – fev 2007


TOM WAITS: “...transformou a música americana na canção de homens e mulheres comuns, surpreendidos naquelo beco turvo e malcheiroso que fica entre a retórica pueril do ‘sonho americano’ e a impiedosa realidade da vida contemporânea. (...) Outros compositores competentes – Dylan, Leonard Cohen – também extraíram ênfase dramática das suas laringes danificadas, adequadas ao gume cortante das suas letras. Na direção oposta, o vagido em falsete de Neil Young ficou mais e mais doloroso à medida que adquiria uma urgência desesperada. Mas nenhum deles cogitou em transformar sua voz num retrato sonoro de um país, de maneira tão inteligente – e bem-sucedida – como Waits. (...) Existe algo de shakespeariano na vastidão da sua abordagem da vida americana moderna, na sua espantosa capacidade de penetrar nas cabeças e nos pulmões de, entre outros, bêbados de bar, putas, viciados, locutores de circo, veteranos de guerra com braços e pernas salpicados de fragmentos de metal e reduzidos a vender suas medalhas na calçada, pregadores pentecostais trovejando sobre o fim do mundo, ex-craques arruinados do beisebol devastados pela bebida, malucos de pavio curto... (...) Quando se mergulha no mundo de Waits, não se embarca numa viagem de sonhos à terra da melodia alegre e do acalanto musical. (...) Embora seja vinagre nas feridas abertas do sentimentalismo otimista americano mais piegas, também existe paixão e ternura fervilhando nas suas canções... as letras de amor de Tom Waits ardem de um salgado desencanto. (...) Ouvir essas canções é como mascar arame farpado.” (SIMON SCHAMA, Coração Aos Pedaços, pg. 55 da Piauí de fev 2006)


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APAULíNEO E JOHNISÍACO!: “A força propulsora desse mecanismo era (eis a minha tese central) a interação dialética de Lennon & McCartney. Uso a palavra sem pedantismo, em seu sentido mais amplo. Dialética é diálogo, embate, discussão. Mas também o jogo permanente e sem descanso. Adição e contradição; unidade e multiplicidade; identidade e diferença. Movimento e síntese. Dois compositores igualmente geniais, mas com inclinações distintas, por vezes opostas. Dois líderes cheios de idéias e talento. Um levando o outro a permanentemente se superar. Ambos avançando: ora juntos, ora separados. Nenhum permitindo ao outro se acomodar. Nenhuma aceitando ser deixado para trás.

(...)Lennon era um purista musical, apegado a suas raízes, calcadas no rock n’ roll, rhythm’n’blues e country & western. Quem embarcou de cabeça na vanguarda musical dos anos 60, quem verdadeiramente viajou na explosão lisérgica foi Paul McCartney, um perfeccionista dado a experimentos, colagens, finais falsos, mudanças tonais e delírios orquestrais.

(...)Nietzsche atribui o caráter dionisíaco aos nossos impulsos rebeldes, subjetivos, irracionais, apaixonados, lunares; forças do transe e da intoxicação, que questionam e subvertem a ordem vigente. Em contrapartida, designa como apolíneas as nossas tendências ordenadoras, objetivas, racionais, serenas, solares; forças do sonho e da profecia, que promovem e aprimoram o mundo. Ao se unirem, tais forças teriam criado, a seu ver, a mais nobre forma de arte que jamais existiu.

Como criadores, tanto o metódico Paul McCartney quanto o irrequieto John Lennon expressavam à perfeição a dualidade proposta por Nieztsche, que ouso traduzir pelos termos Apaulíneo e Johnisíaco. Lennon punha o mundo abaixo; McCartney construía novos monumentos. Lennon abria mentes; McCartney aquecia corações. Lennon trazia vigor e energia; McCartney impunha senso estético e coesão. Não raro, os papéis se alternavam, se complementavam, se fundiam.” (Marcelo O Dantas), pg 62-63, dezembro de 2006.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

los hermanos + piauí

A Fiona Apple tem um verso que é a minha cara: "I try to talk sense to myself but I just won't listen". Eu tento dar conselho pra mim mesmo, mas eu simplesmente não ouço. Por exemplo, pra ficar só nos conselhos amenos: me mando largar mão de ser prolixo e escrever uns textos menorzinhos, já que é cada vez mais óbvio que quase ninguém tem saco pra ficar lendo numa tela de computador essas enormidades que eu cometo ... Mas aí eu me sento pra escrever sobre alguma coisa muito importante pra mim e meio que... decolo. Quero fazer jus à banda, ao filme, ao livro, e quando vejo tô chegando na décima págima de Word e ainda tô longe de dizer tudo o que eu queria.

Tudo isso pra dizer que já faz uns 15 dias que eu tô rascunhando doidamente um texto sobre os Los Hermanos que tá virando quase um livro. Só sobre "O Velho e O Moço" tenho vontade de escrever um ensaio de interpretação poética de 2 folhas - fazendo analogia com De Volta Pro Futuro e tudo! :P Não sei se é pura megalomania, mas às vezes eu me perco em sonhos meio exagerados mas que, nos meus dias de otimismo, até me parecem verossímeis... por exemplo: se eu tivesse menos vergonha na cara e mais confiança em mim mesmo, tentava arranjar umas entrevistas com Camelo, Amarante e companhia e me candidatava pra escrever a primeira biografia oficial dos caras... Eu ia achar a coisa mais massa que já aconteceu na minha vida.

Logo mais, portanto, postarei aqui imensos blocos de texto sobre os Hermanos, que pouco a pouco se tornaram, sem dúvida alguma, minha banda nacional predileta de todos os tempos.

Tenho também a ambição de quem sabe um dia ainda lançar um livrinho, talvez um pocketzinho como aqueles que a Conrad soltou com Lester Bangs, Greil Marcus e companhia, reunindo meus melhores textos sobre música. Acho que já tenho um material prumas boas 100 páginas, se eu juntar Nirvana, Ramones, Jeff Buckley, Wilco, John Frusciante, Fiona Apple, Fugazi, John Lennon, e, agora, Los Hermanos. Sei bem que eu sou um completo zé-ninguém, sem renome nenhum, sem nada pra colocar no currículo, sem bulhufas de experiência profissional e mero dono de um bloguizinho obscuro conhecido por meia dúzia de gatos pingados. Mas paixão pela música, e gosto por escrever sobre isso, eu acho que eu tenho de sobra. E por que não botar fé, uma vez na vida, pra largar de ser o tonto que sempre perde no W.O.?

Além da bíblia hermânica, tô também gastando meus miolos à beça para bolar meu texto pro GRANDE CONCURSO LITERÁRIO DA PIAUÍ. Tão sabendo? A revista abriu uma nova seção que vai publicar mensalmente o melhor conto que chegar à redação, que terá a honra suprema de ser impresso em 50.000 exemplares daquela que é, provavelmente, uma das melhores revistas do jornalismo brasileiro atual. As regras são simples: todo mês eles vão fornecer uma frase meio maluca, sem pé nem cabeça, que você tem que meter dentro do seu conto. Esse mês a frase é: "Mas Alice, eu já disse que não sou mitômano!" Máximo de 3.200 caracteres. Os textos devem ser enviados até o dia 20 de cada mês, e ficarão "expostos à impiedade do juízo público" no site oficial da Piauí. A concorrência, obviamente, é imensa... mas mesmo assim...

Mesmo assim me empolguei com esse negócio e tô muito afim de suar minha alma até não poder mais para escrever um texto foda (pena que tenho só mais 4 dias pela frente...). Já rascunhei o conto uns dias atrás, e agora tô, dia após dia, quebrando a cabeça para aperfeiçoar. Meu velho problema é a maldita prolixidade: meu primeiro rascunho estourou os 4.300 caracteres. Também por isso eu acho que essa vai ser uma experiência muito válida: eu vou ser obrigado a enxugar o meu texto ao máximo, retirando tudo o que for supérfluo e excessivo, pra ver se aprendo a ter um pouco mais de concisão e concentrar mais sentido em poucas palavras. Fiquei fazendo altos malabarismos de imaginação para fabricar na minha cabeça a personagem Alice, para dar a ela um passado, uma personalidade, um problema existencial, um relacionamento amoroso em crise, e agora tô enrolado e não sei como pintar o retrato dela em 3.000 míseros caracteres. Acho bem provável que meu texto vá ser recusado por não ter muito a "cara piauí", mas eu não quis ficar fazendo gracinhas e metendo piadinhas só para ficar mais adequado ao que se supõe que eles desejam. Quero escrever algo com a minha cara, mesmo que acabe saindo algo melancólico e sério. Se num der pé, tudo bem: mês que vem eu tento de novo, e em abril, em maio, em junho... Espero que esse concurso seja pra sempre e dure pelos 50 anos que eu gostaria que a Piauí vivesse, pra que um dia eu ainda possa ter o imenso prazer de estar lá impresso...

p.s.: aí em baixo, o 1o vídeo do YouTube que posto por aqui... vejam se está funfando direito aê. Estive tentando faz tempo dar um "post video" por lá, e sempre tava treta... agora parece que foi.

Los Hermanos - Condicional

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

one, two, three little indians...


da série: POSTS CONSTRANGEDORES.

John Wayne would piss his pants.

(andei fuçando nos álbuns de família, respirando um pouco de mofo e espirrando umas alergias, e acabei dando de cara com preciosidades como essa aí em cima... provavelmente era Dia do Índio e os adultos, sacanas que só eles, me fantasiaram assim só pra tirar um sarro e me fazer pagar um mico... Fica aí, como curiosidade, essa imagem bizonha de mim há uns 20 anos atrás... Andei scaneando bastante coisa, mas não vou criar fotolog não; posto por aqui mesmo, eventualmente, um screenshot do filme da minha vida... a verdade é que eu costumo ter muita vergonha de fotografia e sempre saio emburrado, com cara de quem quer matar o puto que fica apontando aquela câmera chata pra mim e me infernizando a vida... as únicas fotinhas que eu acho suportáveis de ver são essas bem velhas - que eu vou começar a compartilhar aqui com os 4 ou 5 leitores desse blogue, que merecem um pouco de diversão... :) Já me disseram que mulher é que gosta dessas coisas, fotinhas de criança... saem por aí dizendo aquelas coisas de mulher, ai que fofinho, ah que gracinha, bilu bilu tetéia... Decidi tentar essa tática, já que eu ando interessado em convencer uma certa pessoa de que um dia, no passado muito distante, eu já fui uma criaturinha adorável, apesar de depois ter me tornado um trambolho humano e uma bagunça que ninguém quer arrumar.)

sábado, 10 de fevereiro de 2007


Pra mim, uma das melhores coisas que já saiu da boca de um personagem de cinema (ainda mais quando sai com aquele sotaquinho francês delicioso da Julie Delpy, so lovely...):


"I always feel this pressure of being a strong and independent icon of womanhood and not making it look like my whole life is revolving around some guy. But loving someone, and being loved, means so much to me... i always make fun of it and stuff, but isn't everything we do in life a way to be loved? (...) You know, i believe that if there's any kind of god, it wouldn't be in any of us - not you, not me... - but just in this little space between... If there's any kind of magic in this world, it must be in the attempt of understanding someone, sharing something... I know it's almost impossible to suceed, but who cares, really? The answer must be in the attempt..."
* * * *

--- tradução rápida ---
(não sei como a coisa foi traduzida oficialmente no DVD - só tenho o DIVx, mas pra mim soa assim:)

"Eu sempre sinto a pressão para ser forte e independente, um ícone da maturidade feminina, e não dar a impressão de que a minha vida inteira orbita ao redor de um cara... Mas amar alguém, e ser amada por alguém, significa tanto pra mim... eu sempre tiro sarro disso e tal, mas será que tudo que a gente faz na vida não é um jeito para sermos amados? (...) Tipo, eu acredito que se existe algum tipo de deus, ele não está em você ou em mim, mas nesse pequeno espaço entre nós... Se existe algum tipo de magia nesse mundo, tem que estar na tentativa de conhecer alguém, compartilhar algo... Sei... é quase impossível ter sucesso, mas quem se importa, de verdade? A resposta deve estar na tentativa..."

(TEM ESSA CENA NO YOU TUBE. . .)

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

"É assim:
basta eu ter muita certeza. Aí ela vai lá e se joga. As minhas certezas são suicidas."

< do blog da clarah >

As minhas também são assim, mas não só as certezas; também as alegrias, as empolgações, os risos, os sonhos de felicidade e as paixões: tudo um bando de suicidas.

(E hj eu me lembrei do quanto eu já gostei da Clarah... meio paixão platônica, sei lá... mas com que gosto eu lia as velhas colunas "averbuck is on the table" no COL, com que pressa eu ia procurar as bandas que ela recomendava [conheci John Frusciante e Bicycle Thief por causa dela, gratidão eterna... comecei a levar Fiona Apple a sério por causa dela...], que desejo que eu tinha de ser tão cool quanto eu achava que a Clarah era... Ainda não li nenhum dos livros dela, mas tenho muita vontade. Sempre que dou de cara com o "Máquina de Pinball" fico tentado a levar pra casa, mas acabo desistindo, achando que é muita grana pra poucas páginas... De qualquer maneira, o Adious Lounge continua sendo uma dos minhas leituras prediletas na Net. E a Clarah, claro, nem sabe que eu existo. Sou tímido até no mundo virtual... :P)

"Como eu faço para demitir a mim mesma do cargo de tomar conta da minha pessoa? Não estou fazendo um bom trabalho."


Eu também queria saber. Também acho que num tô fazendo um bom trabalho...

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Adicionei uma resenha/filosofagem sobre o Decálogo I lá embaixo.

sábado, 3 de fevereiro de 2007

da série: OS DISCOS DA MINHA VIDA


R A M O N E S


Ramones (1976), Leave Home (1977),
Rocket To Russia (1977) e Road To Ruin (1978)



Em 2001, em homenagem à morte de Joey Ramone, o jornalista e fã André Barcinski escreveu um antológico texto, que comparava os Ramones a super-heróis, contendo pérolas como essa: "Os Ramones pareciam habitar um tempo só deles. Eles tinham vocação para a eternidade. Eram como aquelas árvores gigantescas que você olha e pensa: essa coisa já estava aqui quando eu cheguei, e vai estar aqui séculos depois de eu ir embora." Eu não saberia dizer melhor.

Depois, num arroubo de empolgação, soltou os exageros típicos de um fã confesso que, por um momento, deixa de lado a objetividade jornalística e descamba para a pagação de pau mais deslavada: "Vamos deixar uma coisa bem clara: os Ramones foram a banda mais importante da história do rock, a mais transgressora, a que rompeu mais espetacularmente com a geração anterior, a que definiu novos padrões." Talvez seja exagero. Mas para os fãs de Ramones, mais numerosos no Brasil e na Argentina do que em qualquer outro canto do mundo, que exibem milhares de camisetas por aí, uniformizados como um exército, essa é a mais indiscutível verdade - e os Beatles? Os Beatles são fichinha...

Para um fã de Ramones, acho que é sempre meio difícil de enxergar esses caras como pessoas de verdade, de carne e osso, que iam ao banheiro, tinham insônia e acabaram por morrer. Não é que eles sejam de mentira - artificiais, posers, farsantes ou qualquer coisa do gênero: é que esses troços sempre pareceram personagens de histórias em quadrinho, ou uns monstrinhos adoráveis saídos de algum conto de terror, ou criaturas desenhadas para programas trash da TV. Os Ramones sempre pareceram aqueles seres mitológicos que parecem ter uma vida eterna e que ficam guardados, com o maior carinho desse mundo, no nosso baú pop cultural, aquele lotado de coisas trash e constrangedoras. No meu coração, os Ramones estão na mesma salinha da memória que o Chaves e o Chapolim, o Jiraya e o Jaspion, o Popeye e os Simpsons, o Zé do Caixão e o E.T... ótima companhia! :)

Tudo bem que eu fui conhecer os Ramones já adolescente e que talvez soe estranho eu colocá-los na companhia de ídolos de infância. Mas o negócio é que ouvir Ramones sempre me deu um prazer tão infantil que eles entraram direto na minha saudade como se tivessem sido companheiros de ginásio. Até hoje, ouço Joey cantar e não é um homem adulto o que eu ouço: é como se estivesse ali o menininho Joey, na pré-adolescência, preso dentro do quarto com seus vinis, cantando junto com os Beatles, as Ronettes ou as coletas da Motown... Joey nunca deixou de ser uma criança - provando que o punk, muito mais do que a encarnação sônica da rebeldia adolescente, podia representar uma viagem para um passado mais distante e mais feliz. E os Ramones nunca pararam de ter, para mim, o delicioso sabor de uma infância reencontrada.


Os Ramones, para nós fãs, são mais que músicos: são nossos super-heróis; são mais que algo que marcou a história do punk ou do rock: marcaram nossas malditas vidas; são mais que uns toscos que só sabiam tocar três acordes: foram os Beethovens do nosso tempo (pra citar a clássica frase do filme Rock And Roll High School - pérola da 7a arte!).

Eu nunca consegui considerar os Ramones punk no sentido Sex Pistols de ser punk. Porque virou senso-comum, muito por causa de Sid Vicious e Johnny Rotten, associar o movimento punk com selvageria e vandalismo - as pessoas de bem estão acostumadas a ouvir falar da tal da música punk e pensar em barulhos caóticos, destruições de instrumentos, ruídos ensurdecedores e garotos-problema cometendo imoralidades e nojeiras... Só que o som dos Ramones, apesar de barulhento e encardido, é o tipo de coisa que não me parece ser feita para pegar o ouvinte pelo colarinho e espancá-lo até a morte ou a destruição completa dos tímpanos. Comparado com os chiliques de Johnny Rotten e Iggy Pop, o vocal de Joey Ramone é de uma DOÇURA e de uma DELICADEZA adorável - e não vejo porque seria uma ofensa ou demérito dar adjetivos desses para um vocalista de punk. E a música dos Ramones, quando despida daquela parede de ruídos, aparece como música pop, deliciosamente grudenta e melodiosa, tão boa quanto tinha sido na fase áurea nos anos 50 e 60... e muitas vezes com umas letrinhas românticas tão ingênuas ("I Wanna Be Your Boyfriend" é o maior exemplo) que de punk mesmo não tinham nada...

Dee Dee Ramone, sim, era um cara durão: junkie com p.h.D. em heroína, michê de esquina em Nova York, encrenqueiro profissional - um punk do primeiro escalão. Só ver a letra de "53rd and 3rd", toda autobiográfica, segundo alguns, que faz referência à esquina onde Dee Dee vendia a carne (dava o rabo, pois não) para comprar junk - segundo Mate-me Por Favor!. O Johnny Ramone, também, que sempre ficava com aquela carranca na cara, com jeito de quem estava eternamente bravo com algo (provavelmente o mundo e todas as pessoas dentro dele), também tinha um jeitão de outsider e de anti-social que o tornava indubitavelmente um punk. Mas o Joey...

Joey Ramone foi um dos rock-stars mais peculiares, bizarros e excêntricos que já existiu. Ele tinha tudo para dar errado nessa "profissão": era um patinho-feio completo, de uma magreza tão extrema que beirava a anorexia, com umas perninhas finas feito palito de dente, uns cabelos compridos horríveis e uns óculos de tremendo mau-gosto - sem falar que sua personalidade tinha como principal ingrediente uma timidez enorme... Quem ousaria supor que aquela estranhíssima criatura, que mais parecia a versão masculina de Olivia Palito colocada pra atuar num filme de terror B, poderia se dar bem chefiando uma banda de punk-rock? Quem iria botar fé que aquilo lá ficaria bem em cima dum palco, frente a um monte de adolescentes rebeldes e bêbados? Mas deu certo. E como!

Pra mim Joey é o menino sensível do punk: sabia cantar bonitinho e melodioso, com uma voz propositalmente infantil, quase como se não quisesse ferir os ouvidos de ninguém. Joey tinha crescido ouvindo o rock clássico dos anos 50 e 60, tinha se apaixonado pelas melodias vocais ultra marshmallow das Ronettes e não tinha nenhum desejo de posar como um diabinho anticristo como Johnny, o Podre, ou como um lunático suicida feito Iggy Pop.

Eu acho assim: os Sex Pistols eram uma banda punk do mal de verdade, daquela perfeita para que você conseguisse infernizar seus pais e vizinhos a ponto de fazê-los chamar a polícia, já que eles ficavam sinceramente preocupados com os gostos desviantes da prole. Talvez, ouvindo "Anarchy In The Uk" ou "God Save The Queen" saindo dos alto-falantes de dentro do teu quarto, morressem de preocupação pensando que você estava indo pro mau caminho, abraçando o niilismo do no future, o vandalismo urbano ou alguma seita satânica...

Já os Ramones, por uma razão ou outra, nunca me pareceram realmente ofensivos e perigosos - nem musicalmente nem em atitude. E os caras tiravam da manga melodias tão deliciosamente grudentas, uns refrões tão enganchantes, que você corria o risco de botar aquilo pra rolar, pensando, muito ingênuo, que ia infernizar a vida dos teus pais, tias e avós, todos fãs de Bee Gees e Roberto Carlos, e depois podia se surpreender, na hora do jantar, ao vê-los cantarolando alegremente o refrão de "Rockaway Beach"...

Joey Ramone, sem mudar um á no seu jeito bizonho de ser (e é exatamente por isso que nós o amamos), conquistou nossos corações e se tornou, para muitos, a figura mais idolatrada e simbólica de toda a história do punk. Ele é o nosso Jesus Cristo, o nosso Buda, o nosso Marx. Com aquele jeito dele, todo desencanado e espontâneo, com aquela feiúra tão linda, com aquele desengonço tão adorável, Joey virou nada mais nada menos que um Mito Moderno - pena que Joseph Campbell não pôde incluí-lo no seu livro!...

Eu nem cheguei perto de chorar ou de me entristecer quando chegou a notícia de que o cara tinha morrido. E é porque eu sabia - e me perdoem o clichê... - que nossos ídolos não morrem de verdade: nós os carregamos em nossos corações e mentes, vida afora, sempre conosco, e eles ressuscitam de seus túmulos a cada play, a cada vez que um verso volta à cabeça, a cada clipe que surge na MTV, a cada conversa com amigos quando trocamos nossas preferências musicais, a cada olhadela que dirigimos aos nossos CDs na estante - permanecem entre nós, povoando nossos dias como se estivessem aqui. Mas é também porque Joey Ramone, pra mim, é algo que a morte não pode atingir: um daqueles personagens da cultura pop que nem parecem ser de carne e osso...

* * * * *

Vocês sabem: a capa do primeiro disco dos Ramones (aquela foto em que eles parecem uma gangue urbana de vândalos que a polícia provavelmente sempre parava nas blitz) mudou o mundo e criou tendências como poucas outras capas da história. Milhares de jovens, vendo aquilo, imediatamente foram atrás de jaquetas de couro meio esfarrapadas e correram atrás de tesouras para rasgarem suas calças jeans nos joelhos. E se engana redondamente quem pensa que os caras da banda tinham qualquer intenção de inaugurar uma nova moda: naquela capa eles estavam totalmente ao natural. Se as roupas estavam rasgadas e eles pareciam vira-latas que não tomavam banho há uma semana, era simplesmente porque eles eram MESMO uns vira-latas que não tomavam banho a uma semana e não tinham MESMO roupas para vestir a não ser as rasgadas e puídas...

Mas não só a capa, claro, causou estrago. Aqueles primeiros discos, saindo em 76/77, mudaram tudo, instalaram uma revolução sonora que atravessou o continente e deu frutos na Inglaterra, e daí espalhou-se para o mundo e para a história. Os Ramones fizeram primeiro e os Ramones fizeram melhor. Esses quatro primeiros álbuns, pelo menos pra mim, são os clássicos supremos da carreira da banda. Tem muita coisa boa nos discos dos anos 90 (Adios Amigos, Mondo Bizarro, Brain Drain...), uma dúzia de canções passáveis que se salvam dos anos 80, um punhado de grandes discos ao vivo... Mas nada se compara a essa sequência matadora de álbuns, revolucionários na história do rock and roll, por mais toscos e primatas que parecessem: Ramones, Leave Home, Rocket To Russia e Road To Ruin, vindo na sequência, é uma façanha de que poucas outras bandas podem se orgulhar. A influência desses discos é tão imensamente vasta que é até ridículo tentar fazer uma lista com as bandas que depois viriam a tentar emular o som consagrado pelos Ramones nesses primeiros discos. Acabaríamos com um compêndio imenso. Sim, não haveria Green Day, Offspring, Blink 182 e Simple Plan sem isso, o que até seria uma boa coisa; mas também não haveria Rancid, Sleater-Kinney, Dead Kennedys, Rezillos, Ratos de Porão e tantos outros (e o quanto a gente perderia...).

Por 4 discos, pelo menos, os Ramones foram a melhor banda de rock and roll do Universo: a mais excitante, a mais enérgica, a mais revolucionária, a mais empolgante, a que cravou mais hits no inconsciente coletivo, a que mais gerou efeitos sociológicos e comportamentais (uia só). Esqueçam esse papo de que os Ramones foram só uma banda importante para a história do movimento punk - eles foram muito mais. Eles foram os principais responsáveis por ressuscitarem, ao fim dos anos 70, toda a visceralidade, simplicidade e delícia melódica do velho rock dos anos 50 e 60 e do soul e r&b à la Motown, coisas ameaças de extinção pela ascensão do prog e do heavy metal. Os Pistols e o Clash com certeza fizeram sua parte, e o cirquinho armado por Malcolm McLaren na Inglaterra até chamou mais a atenção e marcou mais a história do que os Ramones nos EUA, mas o fato é que os Pistols foram uma banda-farsa de um disco só... os Ramones sobreviveriam até a metade dos anos 90 (depois de 4 bateiristas, 2 baixistas, 14 discos de estúdio, 5 ao vivo, 2.262 shows, 1 filme e um bilhão de camisetas...), se tornando A grande banda punk da história. Ponto final.

Depois de Road To Ruin, a coisa meio que desandou, como até o fã mais maníaco irá admitir. A tentativa de prestar homenagem ao pop dos anos 60 no End Of Century, disco produzido pelo mestre Phil Spector, soou um tanto estranha e pouco inspirada. Depois os Ramones passariam grande parte dos anos 80 produzindo discos muito parecidos uns com os outros e que, apesar de não serem ruins, eram de uma mediocridade desanimadora. Era uma extrema falta de ousadia e uma repetição eterna da mesma fórmula. Os Ramones tinham se tornado repetidores de si mesmos. Os discos desssa década (Pleasant Dreams, Halfway To Insanity, Too Tough To Die, Animal Boy...), bonzinhos como são, estão longe de serem tão vivificantes e excitantes quanto os quatro primeiros. Os detratores dos Ramones, até com certa razão, iriam começar a depredar a banda, daí em diante, por ter gravado o mesmo disco umas dez vezes - coisa que muitos também dizem do Motörhead e do AC/DC...

O fato é que os Ramones marcaram a história e se tornaram uma das histórias mais fantásticas de DEVOÇÃO fã-banda de que se têm notícia. Todo mundo sabe que os fãs de Ramones são os melhores fãs do mundo: os mais empolgados, os mais fiéis, os mais loucamente devotos, os que mais compram camisetas e adesivos e os que mais acumulam em suas mentes informações inúteis sobre a banda.

E eu acho que foi esse o grande lance dos Ramones: provar que qualquer garoto, mesmo que fosse feio, burro e tosco, poderia mudar o mundo. Você não precisava estudar em um conservatório musical por dez anos, aprendendo teoria musical erudita e sendo castigado por maestros com palmatórias ao errar um compasso ou modular fora do tempo. Não precisava compor músicas de 20 minutos de duração, com vários andamentos distintos e instrumentos excêntricos, que versavam sobre alguma comunidade viking ou sobre cavaleiros medievais. Você podia simplesmente pegar uma guitarra surrada de segunda mão, aprender dois ou três acordes básicos, criar músicas simplonas, muitas delas de um verso só, e sair fazendo barulho com garra e com emoção. O que importa é ser você mesmo, falando do que quer falar, gritando para o mundo um berro de libertação...

Essa parecia ser a mensagem dos Ramones, emergindo de Nova York em 1976, afundando em lama todo o lixo exibicionista dos progressivos e encravando-se no coração de milhares de jovens ao redor do mundo com uma explosão de rock and roll tosco, sujo e divertido como nunca antes havia sido. Esses foram os caras que vieram para nos lembrar, mais uma vez, que a porra do rock and roll devia ser engraçado, grudento, explosivo e deliciosamente infantil. E foi assim que uma das melhores bandas da história do rock nos ensinou, uma vez mais, como a vida pode ser maravilhosamente simples.

* * * * *

---- RAMONES PARA LEIGOS ----

Ingredientes para fazer um CD-R com 30 músicas compretamente cráááássicas pra se cair apaixonado instantaneamente pelos Ramones:

01. rockaway beach
02. sheena is a punk rocker
03. 53rd and 3rd
04. gimme gimme shock treatment
05. i wanna be sedated
06. pinhead
07. teenage lobotomy
08. blitzkrieg bop
09. cretin hop
10. today your love, tomorrow the world
11. do you wanna dance?
12. i just wanna have something to do
13. we're a happy family
14. ramona
15. carbona not glue
16. suzy is a headbanger
17. listen to my heart
18. do you remember rock and roll radio?
19. the kkk took my baby away
20. too tough to die
21. we waint the airwaves
22. chinese rock
23. rock and roll high school
24. surfin' bird
25. strenght to endure
26. i believe in miracles
27. i don't wanna grow up
28. merry christmas (i don't wanna fight tonight)
29. pet cemetery
30. poison heart

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007


da série: QUERIDO DIÁRIO

Murphy não falha jamais! E é sempre fiel em suas perseguições: nunca muda de vítima; vai lançando as maldições às dúzias pra cima dos seus “eleitos”, coitados. Sei porque sou um. ;)

Então.

Agora tá confirmado: vou ser obrigado a frequentar BAURU semanalmente durante esse semestre (sou o retardatário-mor da minha turma... mais um pouco e sou JUBILADO! :-O), servindo como Cristo para a campanha moralizadora de um certo prof. Baccillo. A história da minha treta milenar com esse velho maldito é longa e chata, mas aí vai um resumo: tempos atrás, o tio Zarça, apesar de ter me aprovado com nota 9,0, me deu a ótima surpresa, no último dia de aula, de me dizer que tinha registrados na sua lista de chamada TRÊS MESES DE FALTAS, na sequência, o que causou minha reprova imediata. Reclamei, xiei, garanti que ele tinha errado, que era impossível, que eu não tinha de jeito nenhum faltado tanto assim, que tinha frequentado as aulas - enfim, elegantemente tentei dizer a ele que ele tinha feito alguma merda. Aliás, eu seria besta de, no meu último ano de Unesp, prestes a me formar, faltar tanto assim numa matéria? Era óbvio pra todo mundo da minha sala que o velho tinha feito cagada na lista de chamada, como já é tradição...

Não conseguindo convencer o teimoso do velho de que ele tinha errado, já que ele se acha um ser humano perfeito e infalível, pedi para a minha classe inteira assinar um abaixo-assinado testemunhando que eu estive presente a pelo menos 95% das aulas. Quarenta nomes de colegas e nada adiantou pra mudar a cabeça do velho - nem abaixo-assinado, nem mil argumentos racionais, nem protesto junto ao Conselho de Curso, nem ajuda do Ângelo... nada. Pro Zarcilo, que nem me conhece direito, eu era, sem dúvida, um péssimo aluno, vagabundo, canalha e mau-caráter, que tinha faltado às aulas e que agora estava tentando enrolá-lo. E, ainda mais, eu era o “rebeldinho” juvenil que estava chamando toda a minha classe para ficar contra ele, o pobre professor inocente... Cansei de ser tratado como lixo pelo cara. Mas não teve jeito: tive que engolir sapo e aceitar uma bomba completamente ridícula e injusta, como também tive que suportar todas as coisas ridículas que o Nicola e a Dalva me falaram pra reprovar meu TCC e me deixar sentindo pior que um cocô de barata. Tenho ímpetos de virar terrorista e mandar pro espaço toda a Unesp de Bauru quando eu lembro dessas coisas...

Fiz matrícula em Edição de novo e depois fui tentar fazer algo pra não ser obrigado a frequentar de novo a disciplina inteira... Fui lá e conversei com o profi, dizendo que estava morando em Sampa e que era quase impossível para mim frequentar as aulas dele toda semana, e ele concordou – num acordo verbal com testemunhas oculares!!! – que eu faria um trabalho escrito e que estava dispensado de frequentar as aulas. Tudo bem. Fiz o trabalho, entreguei, ele foi corrigido e aprovado, e aí, na hora de passar a nota, deu mais um chilique e mais um fogo no rabo do velho e ele, sem muita razão, resolveu porque resolveu que não ia passar a nota. Jogou nosso acordo no lixo, cuspiu em cima da promessa que tinha feito e começou a dizer que eu vou ter que frequentar as aulas sim, que a universidade está com uma “atitude mais moralizadora”, que acabou esse papo do curso ser difícil de entrar e fácil de sair, todo aquele lenga-lenga pra disfarçar as verdadeiras razões que ele tem para fazer o que fez. E, ainda por cima, estou sendo acusado de ter “ofendido” o nosso nobre professor. Como cerca de 95% dos alunos que ele já teve comentam pelos corredores da faculdade que o velho, além de autoritário, grosseiro e incompetente, está surdo e gagá faz tempo, e não sabe nem fazer uma chamada direito, ele deve certamente ter pensado que eu estava entre esses 95% que o ofendem no dia-a-dia. Apesar de em nunca ter dito um á pra ele que pudesse ser considerado uma ofensa, apesar de achar que ele bem que merece.

O negócio é que todo mundo sabe que o Zarcilo é um professor de merda, uma espécie de dinossauro que já devia ter entrado em extinção, o tipo de cara que não tem o mínimo prazer em dar aulas e transmitir conhecimento, que não tem um pingo de empatia pelos alunos, que dá aula olhando para o teto, para as paredes e para a lousa, que é insuportavelmente arrogante e com pose de superior - um dos homens mais nojentos e desprezíveis que eu já tive o desprazer de conhecer. Nunca conheci nenhuma pessoa que gostasse dele. E todo mundo sabe que ele é todo ressentido com aluno – ele nos trata como se a gente fosse, todo mundo, um bando de vagabundos festeiros, que só querem matar aula, só fazem os trabalhinhos a contragosto – e mal-feitos, e que precisam ser “moralizados”. Ele escolhe a dedo, todo semestre, um ou outro aluno pra ferrar, de propósito, servindo como “punição exemplar” para o resto da faculdade. O cara é um cafajeste completo. E eu vou ter que pagar o pato, agora... pela terceira vez, tô matriculado na maldita matéria chatésima de Edição – todas as quartas de manhã, vou estar lá suportando o insuportável... D’oh!!!!

Tô tentando ver pelo lado bom da coisa... Bauru, cidade querida, revisitada semana a semana, vai pelo menos dar alimento para altas nostalgias... Pelo menos vou matar saudades dos poucos ótimos amigos e amigas que sobraram por lá; vou curtir mais umas partidas de sinuquinha na república, em disputas pau-a-pau com caras que manjam do negócio; vou jogar umas Suecas, em nome dos velhos tempos, quando a gente só parava no primeiro coma alcóolico; vou comer uns churros Hilda Furacão na praça da Paz, mesmo que aquela desgraça sempre me dê diarréia; vou almoçar só X-Egg do Tio Guerreiro (será que a tia ainda associa o meu rosto com o meu lanche predileto, que era comido pontualmente todas as semanas?); vou tirar umas sonecas lá no Forte Apache, junto das formigas simpáticas que nunca me mordiam, pra lembrar dos bons tempos quando eu almoçava no Jota Á e depois ia digerir o rango debaixo das árvores, olhando pras nuvens a passear no céu (ui); vou ver se pego umas festinhas de república, que tenho saudade daquele clima de juventude, daquelas bandas horríveis e ensurdecedoras e sempre iguais (não, Punky Brewsters nãããão! Já vi umas 15 vezes!!!), daquela muvuca, daquilo de voltar pra casa às 5 da manhã, fedendo à cigarro e às vezes (só às vezes) sendo amparado pelos amigos pra não despencar de bêbado; e vou ver se aproveito pra ir lá conhecer os charmosos novos cinemas, que parece que são mó hi-tech, que me contaram que foram inaugurados em Bauruland...

Também vai ser legal viajar de carro toda semana. Não me importo não. Pegar a Castelo, cento e vinte por hora, com o som no talo, os vidros baixados, a mão esquerda ao vento, cantarolando canções prediletas (boa pedida: “Driving With One Hand On The Whell”, da AImee Mann) e berrando sem medo de assustar os transeuntes, como acontece na cidade grande. Eu curto pegar estrada com música alta e prados verdejantes ao redor (ui). Chega uma hora que você entra meio que no piloto automático e a cabeça começa a divagar... um carro numa estrada tranqüila é ótimo espaço pra meditação e reflexão – inclusive, a cada pedágio, sobre os descalabros da exploração capitalista... :P

Quanto às aulas insuportáveis do Zarcillo, vou ficar na moita, de boa, pra não prolongar a guerra, mas vou aproveitá-las pra reunir material para a minha vingança. Ainda não tenho intenções assassinas, apesar de ter certeza de que, se eu fosse um serial killer (eu tenho o “perfil”!), a raça de vítimas que eu iria escolher seria com certeza professores da Unesp de Bauru. Acho que eu estaria prestando um ótimo serviço à humanidade livrando-nos de alguns desses sujeitos. (Mas como eu tô cruel hoje...). Por enquanto, meu plano é menos sangrento e não envolve morticínios. Tô pretendendo escrever um conto maquiavélico, sarcástico e destruidor sobre um professor gagá, surdo, incompetente, grosseiro e filho-da-puta que judiou de um pobre aluno inocente. No final da história, o professor vai sofrer uma morte lenta e dolorosa - e ninguém irá ao funeral. Vai ser a coisa mais diabolicamente maldosa que eu já escrevi. Hitler vai ficar parecendo um anjinho... =)


OBS: na foto: azulejos da nossa cozinha de república. Como se vê, vivemos numa casa de artistas, poetas e intelectuais que transformam os espaços públicos em obras-de-arte. Depois do impressionismo, do cubismo e do surrealismo, vem aí a nova vanguarda artística: o buçalouquismo. :P