domingo, 30 de julho de 2006

da série: OS DISCOS DA MINHA VIDA.

JEFF BUCKLEY
"Grace"

(1994)



There's no time for the hatred, only questions:
What is love? Where is happiness? What is life? Where is peace?
Where will i find the strength to bring me release?

Tell me where is the love in what your prophet has said!
Man, it sounds to me just like a prison for the walking dead!
Oh, i've got a message for you and your twisted hell!
You better turn around
& blow your kiss goodbye
to life eternal, angel...

JEFF BUCKLEY

”Love is not a victory march,
It’s a cold and it’s a broken hallellujah…”

LEONARD COHEN




Foi uma das mortes mais misteriosas que o rock já conheceu. Conta a lenda que, na noite de 29 de Maio de 1997, Jeff Buckley, 30 anos de idade, bebeu um pouco de vinho, entrou no rio Mississipi completamente vestido, cantando alto um clássico do Led Zeppelin, e depois de alguns minutos nadando de costas desapareceu debaixo d'água - deixando pasmo o amigo que tinha ficado ali, à margem, só observando a extravagância do companheiro... Dias e dias depois, o cadáver foi descoberto boiando nas águas do lendário curso d'água, aquele mesmo que testemunhou o nascimento do blues e que, nesse dia, servia de leito funerário para um pequeno gênio da música americana... E até hoje eu me pergunto, sem achar resposta, ficamos a nos perguntar: o que diabos aconteceu?

As investigações da polícia concluíram por "afogamento incidental", já que nenhum sinal de intoxicação química foi encontrado no corpo de Jeff e a hipótese de suicídio parecia impróvavel - pois há jeitos mais simples de se matar do que se afogar desse jeito, e ainda mais sem amarrar uma rocha aos pés, certo? O fato é que, naquela noite, o mundo perdia um dos mais talentosos cantores que tinham surgido nos anos 90: Jeff Buckley, filho do mito do folk Tim Buckley, deixava atrás de si um pequeno legado - mas um que não pararia de emocionar, conquistar corações e influenciar dúzias de músicos e bandas. As dez músicas de Grace (além das quatro do Sin-é EP) são o único documento musical que Jeff Buckley lançou em vida. Depois, é claro, como é costume, uma avalanche de lançamentos póstumos chegariam às lojas, incluindo o inacabado segundo disco Sketches For My Sweetheart The Drunk, alguns álbuns ao vivo (com destaque para o ótimo Mystery White Boy), coletâneas de Eps (Grace EPS) e relançamentos de projetos antigos (Songs For No One, com Gary Lucas).

A morte trágica de Jeff, que parecia ecoar o fim de seu pai, morto após uma overdose de heroína em 1975, aos 28 anos, foi o que bastou para selar seu destino como um mito de primeira grandeza - e hoje não há dúvida de que ele é um dos maiores ídolos cult dos anos 90 e Grace um dos discos mais peculiares, tocantes e lindos da década. O sucesso comercial nunca veio de verdade (ele era bom demais para o mainstream...), mas Jeff Buckley conquistou uma série de fãs famosos que ajudaram a fazer seu elogio e propagandeá-lo: de Patti Smith (que convidou-o para um dueto em "Beneath The Southern Cross") a Jimmy Page (que o considerava um dos melhores vocalistas surgidos nos últimos 20 anos), de Brad Pitt (que considera a música de Buckley "uma obsessão" e que esteve cotado para encarná-lo na telona) a Chris Cornell (que gravou "Wave Goodbye", linda música de seu único disco solo, em homenagem e tributo à Jeff), de Elizabeth Frazer (a vocalista do Cocteau Twins) a Bono Vox... entre muitos outros.

A história, em resumo, é a seguinte: Jeff Buckley deixou sua Los Angeles natal para tentar a sorte em Nova York no começo dos anos 90 e deu um jeito para se inserir na cena folk e boêmia do Greenwich Village - onde tocou por alguns anos em vários barzinhos, cafés e boates, lentamente construindo uma procissão de fiéis seguidores, até ser descoberto por uma grande gravadora e lançar, em 1994, este Grace. Steve Berkovitz, um dos chefões da Sony Music, revelou em entrevista à BBC (para o documentário Everybody Here Wants You) o tamanho da empolgação que Buckley causou. Era crença geral na gravadora de que ele se inscreveria na história do rock junto a nomes míticos de primeira grandeza: "Acho que a Columbia e a Sony meio que pensaram que a coisa seria: Dylan -> Springsteen -> Buckley". Não somente ele era o filho de um grande mito musical do passado, como também tinha um talento próprio inegável - não é à toa que tinha assinado um contrato de um milhão de dólares (!!) com a Columbia...

E Grace, apesar de não ter virado um sucesso de vendas espantoso (“Last Goodbye” foi a única música a se tornar um semi-hit), foi amplamente elogiado pela crítica e parecia ser apenas a primeira pedra na construção de um edifício que teria tudo para ser monumental. Todo mundo pensava que Jeff Buckley iria lançar uns 30 discos, gravar até fazer 70 anos de idade e consagrar-se como um dos gigantesco deus do rock - sim, na altura de um Dylan, de um Springsteen, de um Van Morrison... Mas a morte, ah!... a morte!...

* * * * *

Convivo com Grace há pelo menos uns 5 anos, o que já basta para dizer que somos amigos de longa data, íntimos, inseparáveis, que não brigam jamais - e é incrível que eu não tenha enjoado nem um pouco de um disco que já escutei na íntegra dezenas e dezenas de vezes. Há alguma coisa aqui que impede que essas músicas envelheçam, algo que não deixa a familiaridade se tornar enjôo, algo aqui permanece sempre novo, sempre fresco, sempre tocante... Eu não acho difícil me imaginar com 60 anos de idade e ainda gostando de Grace tanto quanto sempre gostei. Mais fácil do que ser um velhinho que curte Nirvana, isso é... :)

Jeff Buckley é certamente um dos meus cantores prediletos de todos os tempos: Aquela voz doce e suave, que não deixa de ser poderosa e sexy... aqueles falsetes viajantes (e olha que eu não sou lá mto fã de falsetes...), controlados com uma técnica espantosa... aquela coragem para passar do sussurro que beira o silêncio ao grito mais primal... aquela ousadia para ir até o limite extremo da voz, quando parece que as cordas vocais já estão prestes a se rasgar... É de deixar boquiaberto.

Sempre me deixou pasmo, por exemplo, a maneira como ele conseguia prolongar a voz - dar um "sustain" - por um tempo incrivelmente longo, como no final de "Grace", quando ele tira do fundo da alma um inacreditável grito - que sempre me dá uns calafrios lá no fundo da alma, lá dentro dos ossos. E, como nota muito bem o Gary Marshall, Jeff Buckley nunca se deixou dominar pelo exibicionismo ególatra que contamina muitos vocalistas de talento ("he never let his ego get in the way of the songs and Grace is mercifully free of the vocal histrionics that plague most naturally talented singers", diz Gary). E o melhor: ele parecia ter uma conexão íntima e profunda com as letras e nunca cantava palavras que não tivessem uma ressonância sentimental. "I need to inhabit every bit of a lyric", disse ele em outra entrevista, "or else I can't bring the song to you - or else it's just words..."

Sim, Grace está longe de ser um disco "homogêneo". O mesmo garoto que cantava aos sussurros a melancólia balada "Hallellujah" entrava num transe cobainiano e berrava como um endemoniado sobre um fundo quase speed-metal em "Eternal Life"... o mesmo cara que cantava com voz afeminada e operística "Corpus Christi Carol" soltava a voz como um bom rock star no refrão explosivo de "Mojo Pin"... O que levou alguns a acharem Buckley um cara incoerente e que não soube dar unidade ou continuidade ao álbum. Não concordo. Pra mim a coisa faz todo o sentido e a variedade de estilos em Grace só comprova a variedade dos gostos e habilidades de Buckley, um artista realmente plural e um vocalista ultra-eclético e de voz realmente abençoada. O lance é que ninguém aprende a cantar desse jeito: essa voz é um dom. É graça.

Tim Buckley, o paizão, também era um cara bastante eclético e que usava sua voz com uma radicalidade extrema – mas acho bobagem reduzir a música do Jeff a uma mera continuação da obra do seu velho (que Jeff, aliás, mal conheceu, que o influenciou muito pouco e que morreu quando ele era ainda criança). Apesar da semelhança de voz inegável (a genética explica...), Jeff Buckley foi pescar suas influências em outros lugares: no Led Zeppelin e nos Smiths, em Van Morrison e Janis Joplin, no Big Star e no MC5, na diva francesa Edith Piaf e no paquistanês Nusrat Fateh Ali Khan... Page & Plant, como ele sempre confessou, tiveram para ele uma influência muito mais marcante do que a música e a voz do pai. "A primeira voz pela qual me apaixonei", disse em uma entrevista, "foi aquela do jovem Robert Plant" - e ele completava, engraçadinho: "na época em que ele soava como a Janis." (É um momento hilário: "He was trying to sound like Howlin' Wolf, but he didn't. He sounded like some fucking animal.")

O disco inteiro é excelente e eu nunca tive vontade de pular música nenhuma, mas é claro que tenho minhas prediletas. “Grace”, a música, é um fenomenal exercício de exorcismo da morte e tem um dos clímaxes mais arrepiantes que eu conheço; “Lover, You Should Have Come Over” me lembra as melhores coisas do The Queen Is Dead dos Smiths e é, fácil fácil, uma das minhas 10 músicas prediletas em todos os tempos; o grunge “Eternal Life”, que entra rasgando a tranquilidade do disco com guitarras distorcidas e gritos irados, é um das músicas de rock pesado que eu mais admiro e que mais me emocionam entre todas que já ouvi – e tem outro daqueles clímaxes inacreditáveis...

As 3 covers também foram muito bem escolhidas e, melhor que isso, são muito mais do que meras "cópias" das originais: Jeff transformou cada uma delas em uma coisa absolutamente sua. A lindíssima versão para "Hallellujah", de Leonard Cohen (já gravada também por John Cale), é um daqueles casos de cover que ultrapassa a original de tal maneira que fica em seu lugar como a versão definitiva e incomparável - mais ou menos do jeito que foi com a versão de Hendrix para "All Along The Watchtower", de Bob Dylan. Alguma pessoa em sã consciência acha que a original se compare com a transformação genial que Jimi impôs à música? E alguém consegue preferir a tediosa versão de Cohen à releitura de Buckley? O standard jazz "Lilac Wine" (famoso na voz de Nina Simone) e o exercício vocal quase operístico de "Corpus Christi Carol" (de Benjamin Britten) também ficaram excelentes.

* * * *

Grace é um disco atormentado, sim, cheio de angústia e melancolia, onde a voz é quase sempre o veículo para um lamento todo dolorido - e é claro que eu não gostaria tanto assim dele sem toda essa tristeza, essa solidão, essas sombras, essas músicas todas mergulhadas na penumbra... Tenho uma queda irresistível por arte melancólica. E Jeff Buckley escreveu algumas das músicas de amor mais emocionantes que eu já ouvi - principalmente porque são algumas das poucas que eu consigo reconhecer como verdadeiras e genuínas, que expressam sentimentos que eu já senti e reconheci, que fogem dos clichês batidos e rebatidos na história do pop e que não ficam contando a lorota de que o amor é todo bonitinho, o reino dos arco-íris e das borboletas, aquela porcaria kitsch que contamina 90% das músicas de amor escritas na história da humanidade. A coisa em Grace é diferente, como já mostra o verso de "Hallellujah" que coloquei na epígrafe: "Love is not a victory march..."

Em "Last Goodbye", é a morte do amor ("I hate to feel the love between us has died - but it's over...") e a distância e a dificuldade de vencer as barreiras entre os amantes ("Why can't we overcome this wall? Well, maybe it's just because i didn't know you at all...") o que ele narra; em "Lover...", é a ânsia por um amor impossível de satisfazer ("I'm broken down and hungry for your love, with no way to feed it... Oh, child, where are you tonight? You know how much I need it...") e a falta de experiência e de sabedoria ("Maybe I'm just too young to keep good love from going wrong..."); em "So Real", é simplesmente o medo de amar, confessado com uma simplicidade tocante ("I love you, but i'm afraid to love you... I'm afraid to love you...")... Conheço poucos versos que pareçam mais sinceros, mais humildes e mais verdadeiros.

Não tem jeito: a gente só gosta mesmo daqueles que são parecidos com a gente - e eu, de certo modo, sempre me senti meio irmão de Jeff Buckley, como se a gente compartilha alguns os mesmos sentimentos, mesmas dificuldades, mesmas angústias, mesmas solidões. Lembro das inúmeras noites (e esse é um essencialmente um disco noturno!) em que eu tocava esse disco, no escuro, deitado na cama, perdido em pensamentos e em sonhos, e certos versos do disco pareciam descrever exatamente o que tava acontecendo em mim. "My body turns and yearns for a sleep that will never come...". Ou: "It's never over, she's the tear that hangs inside my soul forever..." Ou: "And as your fantasies are broken in two... Did you really think this bloody road would pave the way for you?"

Ouvir o canto frequentemente lamentoso de Jeff não é algo que me deprima; é algo que me eleva, que me purifica - porque o lirismo e a beleza estão lá para redimir tudo. A morte é também um fantasma presente em vários cantos do álbum, mas nunca a coisa descamba pra morbidez. A mensagem de "Eternal Life" é que devemos aceitar nossa finitude, por mais amargo que isso seja ("You better blow your kiss goodbye to life eternal, angel..."), já que a morte, como canta ele em "Grace", não é assim tão má: "Não tenho medo de ir", canta Jeff, "Ela me lembra de toda a dor que vou deixar pra trás...". E é claro que ele sabe que está condenado a ter seu nome esquecido, como todos nós ("I feel them drown my name..."), mas que importa isso? Pode-se esquecer do esquecimento a que estamos todos destinados - e o que melhor do que isso senão o amor?

And I feel them drown my name
So easy to know and forget with this kiss...

* * * * *

Grace não foi somente um mero princípio promissor de uma carreira que tinha tudo pra ser brilhante. Foi sim um clássico instantâneo e reconhecido como tal antes mesmo do fim trágico de Jeff (não é esse um daqueles casos "vamos falar bem do cara só porque ele morreu"...). Essas 10 canções foram o suficiente para escrever seu nome história da música nos anos 90 - e, se me permitem um pouco de sentimentalismo, mesmo que não houvesse mais gravação alguma disponível (felizmente há bastante material, como provam os vários lançamentos póstumos), só Grace já bastaria para que eu levasse Jeff Buckley e sua música primorosa pra sempre inscritos no coração... (UI.)

Sim, a vida de Jeff, breve como foi, e tão tragicamente interrompida, não deixa com isso de ter sido completa e de ter rendido lindos frutos. Sim. Mas como evitar a imaginação dos futuros que nunca serão? Ah, tudo o que ele poderia ter sido... Nós todos, fãs de Jeff Buckley (mas não só dele: de Kurt Cobain, de Elliott Smith, de Nick Drake, de Schubert... e de tantos outros que morreram ainda na juventude, e com tanto ainda a dizer), não conseguimos evitar essa sensação de termos perdido demais com sua morte - apesar de termos ganhado tanto com sua vida...

Ah, sim, tudo o que ele poderia ter sido, se ao menos não tivesse submergido naquelas águas do Mississipi, tão novo, tão cedo... Mas são coisas da vida - e muito da beleza trágica de Grace está em saber que o cara que deu à luz esta pérola não passou mesmo de uma estrela cadente, que passou pela Terra espalhando pelo céu um brilho efêmero mas memorável, antes que a morte, como sempre faz, tinha rasgado bruscamente um trabalho em andamento. É um destino trágico, sim, que nos sugere que nossas vidas nunca vão passar rascunhos que nunca teremos tempo de passar à limpo... mas que belos rascunhos saem, às vezes!...

E foi só Jeff Buckley que se foi cedo demais? Não somos todos que nos vamos sempre antes da hora? Tenho essa sensação de que, quando chegar a nossa vez de ir embora, não importa quando for, será sempre cedo, sempre cedo demais.. e ainda teríamos muito a fazer, muito a dizer, muitos erros a concertar, muitas coisas a melhorar... Pelo menos, se isso serve de consolo, é bom saber algo ficou dessa vida - e algo de magnífico. E é bom saber que sempre teremos Grace e suas dez músicas nos fornecendo um interminável alimento para a saudade...

* * * * *

[DOWNLOAD DO DISCO:]

- Parte 1 (Mojo Pin, Grace, Last Goodbye, Lilac Wine, So Real.)
- Parte 2 (Hallellujah, Lover..., Corpus Christi, Eternal Life, Dream Brother).

quinta-feira, 27 de julho de 2006

da série: CTRL+C, CTRL+V



Navegando na net, outro dia, dei de cara com o texto da Lydia Lunch que inspirou o nome desse blog ("somos injetados nesse mundo como pequenas múmias sujas... nascidos banhados em sangue, para morrer igual..."). Posto ele aí embaixo, na íntegra, só de nostalgia pelo impacto que ele tinha causado em mim quando li pela primeira vez, anos atrás. A música da mina - tudo: as coisas do Teenage Jesus & The Jerks, as contribuições dela com o Sonic Youth, os vários projetos solos - nunca desceu redondo pra mim. Quase tudo soa mto atonal, sombrio, claustrofóbico - é música suicida demais, não faz bem. Adoro música triste, e mais do que qualquer outro tipo de música (as alegrinhas são sempre uma bosta... fora o Save Ferris!), mas quando a coisa resvala pra completa falta de luz, de soluções e de "energia vital"... num dá. Pode ser que daqui a um tempo eu volte a curtir esse tipo de som, mas no momento tô evitando o Joy Division e todas as coisas mórbidas e cemitéricas parecidas com o Ian Curtis - hoje sou mais o Jack Johnson, tá?! Apesar da música dela não me empolgar, o talento da Lydia Lunch como poeta, como performer e como provocadora profissional é inegável - na história do rock, em termos de minas anti-convencionais, ultra-inteligentes e corajosas, só a Patti Smith se compara. Mas chega de papo... leiam o texto. Adoro esse pessimismo extremo, essa prosa beat revoltada, essa imitação classuda de Henry Miller, Ginsberg e Cioran... Grifei minhas frases prediletas pra quem tiver preguiça de ler tudo.


A SHORT STORY OF DECAY
de LYDIA LUNCH (1996)

We are injected into this world like dirty little mummies... the roads are slippery with blood, but no one seems to notice... born bathed in blood... to die the same... everyone is travelling at their own speed towards the exit sign, down a blind alley at the end of which waits a scaffold. We are all suffering from collective induced fiction, bundles of conditioned reflexes, victims of an ambushed memory, suffering from a historical lobotomy, consumed by junk culture in a third world country. I know that the only minds which seduce are those who have destroyed themselves trying to give their life meaning.

After all there is no one more logical than the lunatic. No one more concerned with cause & effect. Madmen & women are the greatest reasoners of all, attempting to make sense out of a demonic rage which litters the playpen of their demented fantasies, where life is a thief, it steals everything. Creation's but a nightmare spectacle, a trembling accident. We are all just germinating on this hothouse planet which has been soaked with the blood of all of its creatures for hundreds of thousands of years now. Everywhere you turn. Ambulatory schizophrenics trying to diffuse their instinct to die by fantasizing about killing others... all struck wallowing in Orwell's memory hole.

This country like so many others lays testament to a civilization which teeters on the brink of collapse. Disaster lurks behind every shadow. No one can be trusted. Nothing is certain, except the end. No one knows how long we have left. I don't even care. The future is obvious. Obliteration. And besides, only the immediate has any impact left, what with our 20-second sound bite remote controlled imaginations.

And the past... we haven't learned anything from it. The past is just a resurrection of emotions... memory running backwards, toward the vaults of eternity, that red pyramid of death whose accumulated catastrophes just keep billowing on forever & ever toward the edge of the earth. This world being just the stopover point between heaven and hell or another endless limbo where we're all stuck... all stuck in this inquisitorial prison cell, attracted to the novelty of the spectacle, where the roar of a beast whose throat has been slit breaks the silence...
all invalids of duration, crucified by our own desires, clutching of bibles of disillusion... fearful souls, doomed to corrupted forms of wisdom, always unable to say no to that imaginary demon... who just might seduce.

LEIA MAIS:
Entrevista com a Lydia Lunch

"What do you do if you're one fucking person? Just a small individual whose message has never and will never be popular? We should try to speak some universal truth whether it's personal/obsession/frustration/experience or from the larger picture. What can one do? Why don't I just give up and shut up and go smell the fucking flowers before they're all dead? All I can do is try to find various formats to express the things the ills obsess me, hoping that others will either find release in my voice or will acknowledge that there's some truth in this. They can see that this IS as horrible as I make it out to be, that I'm not fucking exaggerating. How can you exaggerate reality? We can't even condense reality. We can't understand what's truly happening because it's too immense. I think that overwhelmingness is what helps turn us back into our cubicles and sit in front of the TV. Ultimately, if one thinks too much, one gets a massive fucking headache and realizes 'where do you begin and what can you ultimately fucking do?' There's a lot of small things that can be done. People are (and this is really the American curse, not the American dream) born and bread to be capitalist consumers. We always want the latest toys and we have to work to pay for all of these modern conveniences that trap our time and waste our energy.

Spinning off into a diatribe, what can the individual do? The individual can refuse to buy Nike which supports slave labor wages (as if everyone in this country isn't somehow effected by slave labor wages). We can be a little bit more frugal in the sense of knowing what we are supporting, knowing that our money is going to these Hollywood companies putting out these 50 million dollar sci-fi pieces of complete shit. It's realizing that if you go to fucking McDonald's what you're doing to the environment and your body. The individual has many small ways to revolt whether it's forced frugality against capitalism or consumerism or small acts of volunteerism or donating things to the VA. There's a million things that the individual can do that might seem small but in the face of it, it all helps.

Where do we begin signing up for this? I'm not ready for fucking politics because I realize what a lie the whole arena is. That's what is ultimately frustrating but that's what ultimately forces me to continue to create, especially because in this age of placation, who are the protesters? What do we have? Me and Jello Biafra? Who's the voice of reason? How did we get so far afield from the ideology of the '60s? In the '70s, I saw activism turn into apathy. Then the greed of the '80s and I don't even know what we should call this fucking decade. The decade of struggle. There is so much to struggle against. There is so much to make you stressed out.

I don't know. I can only continue to fret. (laughs) Write my little speeches and sell them to a handful of people and hope that someone will not buy Levi's or Nike or anything. Start somewhere.

sexta-feira, 21 de julho de 2006



AO VIVO
no SESC Sto André
21 de Julho de 2006


"Infelizmente, aqui no SESC vocês não podem ficar bebendo o tempo todo, nem puxar fumo, mas mesmo assim...", diz ao público o divertido vocalista da Bidê ou Balde, conclamando todos a (mesmo na ausência de estimulantes químicos...) dar vazão histérica à alegria prum bom show de róque no comportado teatro do SESC Santo André - com bebida e cigarro proibidos (?!?). E a indie band gaúcha, que vem subindo como um rojão (também por causa do trampolim que foi o MTV Acústico da gauchada...), prova em cima do palco que tem tudo pra se tornar uma das bandas de rock mais populares do Brasil. Um sonzinho cada vez radiável, uns refrões cada vez mais colantes, umas guitarrinhas cada vez mais supersônicas e strokes-mais-feliz, uma atitude cada vez mais pop-star, uma pirotecnia cada vez mais de banda grande...

"Bidê ou Balde tem o álibi indefensável por ter sempre escancarado seu objetivo: queriam o topo do showbusiness, o cúmulo do hi-fi, mainstream direitoso, Las Vegas", diz o Matias em ótima resenha do Outubro ou Nada!. Não sei se isso é mesmo um "álibi indefensável", mas ninguém pode acusar os caras de terem traído a "causa independente" - porque "vendidos" eles foram desde o começo (haha). Tá certo: essa banda nunca foi mesmo "indie de verdade", daquelas "pelo underground", e sempre quis mesmo estar lá no topo. E parecem estar conseguindo. O público, nessa ocasião pelo menos, estava lotado de menininhas de uns 15/16 anos de idade (colegiais, escola particular, todas bem produzidas...), indício de que não é assim tão impossível imaginar uma baldemania nos moldes da beatlemania (essa foi terrível...) .

A tecladista e backing vocal Vivi, única mina da Bidê, tem tudo pra se tornar uma das maiores sex-symbols que o rock nacional já conheceu (se bem que a concorrência é bem pequena...). Ela é simplesmente irresistível com aquele sorrisinho estampado na cara full-time e aquela sainha quadriculada que fica voando pra cima e pra baixo (ahhhhh... ahhhh!) quando ela saltita pelo palco. E o vocalista Carlinhos, quase um Tim Maia Jr., terninho à la Hives e cabelo de quem meteu o dedo na tomada, é um legítimo rock-star - e poser até dar nojo (o que tem seu lado divertido). Exagerado e cheio de maneirismos, ele esperneia, se esgoela, se joga no chão, sua como uma catarata, se arrasta usando a roupa como pano de chão... Não dá pra entender como ele não perde peso fazendo tanto exercício físico nos shows. :P

Tudo bem que às vezes a coisa parece teatral demais, uma empolgação forçada de tão entusiasmada... mas ninguém pode dizer que os caras não dão a impressão de que estão curtindo absurdos o som que estão fazendo. Duas covers matadoras (de Replicantes e Weezer) e um desfile de gomas deliciosas de new-wave, e a Bidê ou Balde convence com uma performance pra lá de confiante e cheia de energia. Essa é a Jovem Guarda do século 21, a primeira onda da new wave brasileira, o começo da era do rock hedonista...

Ver shows da Bidê ou Balde, do Cachorro Grande ou do Forgotten Boys hoje em dia é perceber que finalmente está surgindo no Brasil uma cultura de bandas de rock and roll simples e sem firulas que só querem mandar ver uma sonzêra e fazer o público se divertir. A ambição está fora de moda. O que tem seu lado bom, mas que também causa algumas catástrofes... como por exemplo as letras, que no rock brasileiro em geral continuam sendo lastimáveis e constrangedoras, e que são realmente o ponto mais fraco de quase todas as bandas nacionais atualmente na ativa (o que só faz com que o Los Hermanos se destaque ainda mais como a Grande Banda Brasileira...). Mas num quero ser reclamão. O show da Bidê ou Balde é foda - e recomendo pra todo mundo que puder ver. Eles são realmente uma banda de róque barulhenta e que faz o pessoal sair dos shows com as orelhas apitando, apesar de, em termos de som, de imagem e de atitude, serem poppy e bubblegum até não poder mais. São o nosso Weezer - e cada país tem o Weezer que merece...


DISCOGRAFIA

Se Sexo É o Que Importa, só o Rock é Sobre Amor (2001)
Outubro ou Nada! (2002)
MTV Acústico - Bandas Gaúchas (2005)
É Preciso Dar Vazão aos Sentimentos (2006)

LEIA MAIS

ALEXANDRE MATIAS
UMA ENTREVISTA
SCREAM AND YELL
OUTRA ENTREVISTA
BACANA

sábado, 15 de julho de 2006

In Hollywood where all lights are low
And truth's as rare as the winter snow
She wanted a place as arid as her soul
Where her only job was never to grow old

When the lights are shining, will you see my skin?
Or just the shell that I'm packaged in?
I've held my tongue and I've hid my sores
If I'm less of myself, will you love me more?



Tô de luto.

Cabou a melhor banda de minas da História do Rock e certamente umas das minhas bandas prediletas de todos os tempos. Descanse em paz, SLEATER-KINNEY. Te levo comigo no meu coraçãozinho até meu último suspiro. E sustento até o fim que o One Beat é quinze vezes melhor que o Sgp. Pepper's, o Pet Sounds e o Dark Side Of The Moon - juntos.



Ó, escrevi sobre 3 filmes:

- VIOLÊNCIA GRATUITA, de Michael Haneke (Funny Games, 1997)
- QUERIDA WENDY, de Thomas Vinterberg (Dear Wendy, 2005)
- O HOMEM-URSO, de Werner Herzog (Grizzly Man, 2006)

* * * * *

E, finalmente, SCREENING LOG 2006 atualizado depois de meses.

domingo, 9 de julho de 2006



A VITÓRIA DOS PERDEDORES


"They know there's no sucess like failure
And failure's no sucess at all."

parafraseando Dylan em “Love Minus Zero”



Confesso: pouco tempo atrás, eu só teria me sentado para escrever uma resenha sobre o Belle & Sebastian pra meter o pau e tirar um sarro: era uma banda que eu não conseguia respeitar. Mais: que olhava até com um certo desprezo, desde a adolescência. Adorava falar mal. Eu, que chegava a achar o som do Alice in Chains “muito ensolarado”, que chegava a querer que o Nirvana fosse um pouco mais raivoso e que queria que as guitarras do Badmotorfinger fossem mais pesadas, nunca iria respeitar uma bandinha de som tão frouxo e de atitude tão... perdedora. As coisas mudaram.

Por que essa repulsa que eu tinha ao Belle & Sebastian? Talvez porque o lance deles nunca teve nada a ver com o tal do Rock and Roll, esse deus que eu tinha decidido adorar de joelhos. Os caras do Belle & Sebastian pareciam aquele tipo de gente que vai à igreja todo domingo, dorme abraçada com ursinhos de pelúcia e acha guitarras distorcidas uma ofensa aos ouvidos. Vocês acham que, no início da carreira, o B&S enfrentou as espeluncas trash de Glasgow, tocando para um público embriagado com muito do bom uísque escocês? Nada. Vocês sabem: eles preferiam tocar em cafés, livrarias e saraus culturais - esses CDFzinhos... Ensaios ensurdecedores na garagem? Claro que não! Eu imagino os caras presos no quarto, papel de parede coloridinho ao redor, tocando um violão bem baixinho, cantando aos sussurros, todo mundo preocupado em não fazer muita zorra porque senão a mamãe ia dar bronca... Sexo, drogas e rock and roll? Nem sinal. Não é à toa que os adjetivos mais comuns para descrever a banda sempre foram "meigo", "delicado" e "fofo". Além disso, Stuart Murdoch nunca foi o típico líder de uma banda de rock - sempre pareceu mais aquele carinha meio nerd e afeminado que adorava o Morrissey, ficava rabiscando poesia romântica no caderno durante as aulas chatas e sempre chorava nos finais dos filmes.

E vocês sabem: todos nós, seres humanos do sexo masculinho, sofremos - em maior ou menor grau - de uma doença mental, que nasce principalmente na adolescência, e que eu chamaria de Complexo de Machão... Pois bem: eu nunca teria admitido que eu gostava do Belle & Sebastian - o que seria, evidentemente, dar motivo para que duvidassem da minha masculinidade. Não "pegava bem" gostar dessa "banda de minininha". Eu só curtia Belle & Sebastian em segredo, sem contar pra ninguém, botando pra rolar o If You're Feeling Sinister somente com fones de ouvido, pra não ser descoberto no flagra ouvindo essa "música de fracassados".

E eu, com um certo desprezo, achava que essa música só servia mesmo pra indies lotados de espinhas na cara e óculos fundo-de-garrafa, que não suportavam o espelho e sempre desejaram fazer parte de turmas que nunca os aceitaram. Tigermilk, If You're Feeling Sinister, The Boy With The Arab Strap... tudo me soava como música feita por e para fracassados, uns fazendo sua musiquinha e outros se identificando na mediocridade dos outros... E eu, claro, que também tinha minha tendência ao auto-desprezo e minha falta de turminha e minha sensação de ser um fracassado, não resistia à tentação de ouvir o Belle &e Sebastian pra me sentir menos só na minha desgraça. Mas admirá-los não dava. O Belle & Sebastian, com seu sonzinho frouxo e inofensivo, chamava seus fãs para fundar um patético Clubinho dos Rejeitados... e eu realmente não queria fazer parte.

Pois o que era o Belle & Sebastian, antes, senão uma Exclusividade Indie? Os caras fugiam das entrevistas e fotografias, mantinham-se em gravadoras independentes e minúsculas (quem diabos já ouviu falar na Jeepster?), gostavam de fazer cópias pra lá de limitadas dos discos (o primeiro disco, Tigermilk, teve somente mil cópias em vinil originalmente editadas) - atitudes que deixam claro que o Belle & Sebastian sempre agiu querendo a atenção somente de um pequeno mas seleto grupo de fiéis.

O Belle & Sebastian nunca quis alcançar o Sucesso (aquele da MTV, da Billboard e do Grammy...): sempre pareceram mais a fim de criar uma espécie de Clubinho dos Indies, tocando e lançando discos para gente como eles - até porque o mainstream nunca poderia entendê-los ou utilizá-los, tão pouco consumíveis eles são como ícones de sucesso ou de beleza... O Belle & Sebastian se dirigiu sempre aos seus iguais: às pessoas que pudessem compreendê-los e se identificar com eles, que não fossem tratá-los com desprezo ou sarcasmo, que se reconhecessem em toda aquela insegurança e meiguice que ficava exposta nos discos. Talvez nunca imaginaram que iriam virar objeto de culto em vários cantos do mundo... inclusive num país famoso pelo samba e pelas coreografias cheias bundas de fora. Quando a Trama resolveu lançar a discografia completa do Belle & Sebastian no Brasil e o Free Jazz os escalou para um show no país em 2001, a criançada indie foi ao delírio. Gostar dessa obscura bandinha escocesa se transformou em algo pra lá de cool. Vai entender... Eu rosnei, xinguei, desprezei. O Belle & Sebastian estava no rol das minhas bandas odiadas.

* * * * *

The Life Pursuit veio para calar a minha boca. Eu nunca imaginei que eu fosse gostar de um disco do Belle & Sebastian - e tanto assim, e com tão pouca vergonha... Hoje coloco o disco pra rolar no talo e não quero nem saber: não é mais uma banda que eu me envergonhe de gostar. Porque o Belle & Sebastian deixou para trás aquele passado meio "ai como sou frágil!" e "ai como sou delicado!", que até hoje acho aporrinhante, e se transformou numa outra banda - e, na minha opinião, uma muito melhor.

Com uma década de vida, o B&S já sofreu algumas mudanças fundamentais de line-up (com a saída dos membros-chave Isobel Campbell, que formou o Gentle Waves, e Stuard David, hoje líder do Looper), o que explica um pouco o fato de que eles não prosseguiram na mesma linha de sempre. The Life Pursuit, sétimo álbum dos escoceses, mostra uma banda capaz de evoluir e arriscar novos caminhos, transformando-se sem perder a identidade, e é uma promessa de dias ainda melhores a vir no futuro. Aquela bandinha tímida que, em seus primeiros trabalhos, só conseguia agradar a fãs de indie-folk sensível e bonitinho, fez mais com The Life Pursuit: transformou-se numa baita duma banda de pop clássico, capaz de cometer pérolas tão perfeitas quanto as melhores coisas do XTC ou dos Kinks, só pra ficar em dois modelos de peso.

No início da carreira, a referência mais óbvia parecia ser mesmo Nick Drake, mestre absoluto em criar sussurradas canções acústicas e envergonhadas. Já hoje, o Belle & Sebastian, liberto quase completamente de qualquer morbidez, acaba soando muito mais como uma banda de power pop, de glam rock ou de soul de branquelo (!). The Life Pursuit, disco pra lá de variado, mas que nunca soa heterogêneo, traz à mente um pouco de T Rex, de Roxy Music, de Bowie, de soul Motown, além dos já citados Kinks e XTC. Antes de mais nada, "The Life Pursuit" mostra uma banda apaixonada pela música pop em várias de suas encarnações, uma banda que finalmente se esforça para soar deliciosa: os solos de guitarra finalmente gritam, a interação vocal entre vários membros da banda está mais bem bolada do que nunca e Stuart Murdoch, o vocalista principal, nunca foi tão seguro, espontâneo e divertido quanto nesse disco. Apesar de algumas reminiscências do passado indie-folk em baladinhas meigas ("Dress Up In You" e "Act Of The Apostole"), a essência de The Life Pursuit é um pop clássico, estiloso, cheio de boa energia e letras engraçadas. "White Collar Boy" e "The Blues Are Still Blues" são irresistíveis.

E irresistível também é esse clima festeiro que domina o disco todo. Quem tinha imaginado que um disco do Belle & Sebastian could be such fun? The Life Pursuit é uma baita duma festança nerd e o ouvinte sente que os músicos estão tendo o maior prazer ao tocar - estão brincando gostosamente de fazer pop; e não é esse o melhor jeito de fazer música? É esse o disco mais relaxado e bem-humorado da carreira do Belle & Sebastian. Ouvi-lo é ter certeza de que, mais do que estar somente na “perseguição à vida”, os caras do Belle & Sebastian já a encontraram: The Life Pursuit é totalmente life-affirming, como dizem os gringos, e em todo momento o ouvinte percebe que, finalmente, os caras estão de bem com a vida e consigo mesmos. E isso contagia.

"To be myself completely I just got to let you down", cantam eles, e existem poucos versos que me parecem definir melhor qual o charme principal do Belle & Sebastian. Esses caras nunca quiseram fazer pose de vencedores, durões ou perfeitinhos só para entrar na mitologia do rock and roll; eram jovens sensíveis, tímidos e inseguros, e não tentaram mascarar suas fraquezas: é exatamente assim que se deixavam aparecer nos discos. A diferença principal é que, antes, faltava uma certa coragem para se auto-assumir.

Hoje em dia, Stuart Murdoch, no comando dessa deliciosa orquestra pop, finalmente se sente livre em sua própria pele, em sua própria voz, em seu próprio papel no mundo. É como se dissessem: “somos quem somos e não pedimos desculpa a ninguém... e mais: estamos contentes com isso”. O Belle & Sebastian nunca foi tão alegre, tão espontâneo, tão cheio de vida e tão divertido. Surpresa! Aquela banda que eu gostava de chamar de Clube dos Perdedores fez um disco feliz – e que vitória importa mais do que essa? E o melhor de tudo: fizeram isso do jeito deles, simplesmente aceitando que são o que são, que ser um "vencedor" não importa muito e que nossas fraquezas e defeitos, sobre as quais costumamos derramar lágrimas, podem também servir para nossa diversão. E isso me parece uma baita duma lição de vida.

Quem foi que disse que os nerds e os losers não podem ser felizes?

quarta-feira, 5 de julho de 2006


Oh Captain! Oh Captain!
um pouco de boa poesia:


Ó MEU EU! Ó VIDA!

Ó meu eu! Ó vida! Das questões que sobre essas são recorrentes,
Dos trens infinitos dos que não têm fé, das cidades cheias de tolos,
Ó eu mesmo para sempre censurando a mim mesmo
(pois quem é mais tolo do que eu e quem é mais sem fé?)
De olhos que em vão suplicam pela luz,
do meio dos objetos,
das lutas sempre renovadas,
Dos pobres resultados de tudo,
das laboriosas e sórdidas multidões que vejo em minha volta,
Dos vazios e inúteis anos dos demais,
sendo que também faço parte dos demais,
A questão, ó meu eu, tão triste, recorrente -
O que há de bom em meio a tudo isso?
Ó meu eu, ó vida?

Resposta

Que estás aqui - que a vida existe e a identidade,
Que a poderosa peça continua e tu podes contribuir com um verso.


* * * * * *

SENTO-ME E OBSERVO

Sento-me e observo todas as tristezas do mundo
e toda a opressão e a vergonha,
Ouço soluços convulsivos e secretos de
jovens homens angustiados consigo mesmos,
cheios de remorsos após certos feitos perpetrados,
Vejo na vida inferior a mãe abusada por seus filhos,
morrendo, negligenciada, desolada, desesperada,
Vejo a esposa abusada por seu marido,
vejo o sedutor desleal de jovens mulheres,
Registro as irritações do ciúme e
do amor não recompensado que se procura esconder,
eu vejo essas visões na Terra,
Vejo as obras das batalhas, da pestilência, da tirania,
vejo mártires e prisioneiros,
Observo a fome no mar, observo os marinheiros tirando a sorte
para ver quem será morto para preservar a vida dos demais,
Observo o desprezo e a degradação lançados por pessoas arrogantes
sobre os operários, sobre os pobres e os negros,
e outros que sofrem preconceito;
Tudo isso - todas as maneiras e agonias sem fim,
eu, sentado, observo,
Vejo, ouço e estou calado.


* * * *


Vem, amável e consoladora morte,
Ondula em torno da terra, serenamente chegando, chegando,
Durante o dia, durante a noite, para todos, para cada um,
Mais cedo ou mais tarde, delicada morte.

Louvado seja o universo insondável,
Pela vida e pela alegria, e pelos objetos
e pela curiosidade do conhecimento,
E pelo amor, o doce amor - mas louvado seja!
Louvado seja! Louvado seja!
Pelo abraço certo da morte fria e envolvente.

Mãe escura sempre planando por perto, com pés suaves,
Ninguém cantou para ti um canto de inteiras boas-vindas?
Então eu canto por ti, glorifico-te acima de tudo,
Trago-te um cântico para que, quando tu vieres de fato,
venhas sem cometer erro algum.

Aproxima-te, poderosa libertadora,
Quando foi, quando foi que os tomaste?
Pois com ciúme canto os que morreram,
Perdidos no amoroso e flutuante oceano de ti,
Amados na enchente de teu êxtase, ó morte.

De mim para ti, alegres serenatas,
Danças para ti, eu proponho, saudando-te,
adornos e festas para ti!
E a visão das paisagens abertas e o céu espalhado no alto se ajusta,
E a vida e os campos, e a imensa noite repleta de pensamentos,
A noite em silêncio sob as muitas estrelas,
O litoral oceânico e a onda robusta e sussurrante cuja voz eu conheço,
E a alma se voltando para ti, ó vasta e bem velada morte,
E o corpo agradecidamente aninhando-se próximo de ti.

Sobre o topo das árvores, espalho por ti um cântico,
Sobre as ondas que surgem e submergem,
sobre miríades de campos e as amplas pradarias,
Sobre todas as cidades densamente populosas
e os produtivos ancoradouros e as estradas,
Espalho esse cântico com alegria, com alegria para ti, ó morte.

* * * * *

Vós, condenados em julgamentos nas cortes,
Vós, condenados em celas de prisão,
Vós, assassinos sentenciados,
acorrentados e algemados com ferro,
Quem sou eu também para não estar em julgamento ou na prisão?
Eu, desumano e diabólico como qualquer um, como pode ser que
meus pulsos não estejam acorrentados com ferro
e meus tornozelos não estejam presos com ferro?

Vós, prostitutas ostensivas nas ruas ou obscenas em vossos quartos,
Quem sou eu que deveria chamar-vos de mais obscenas que eu?

Ó sou culpável! reconheço - revelo-me!
(Ó admiradores, não me louveis - não vos congratuleis comigo
- ou me sentirei constrangido,
Vejo aquilo que não podeis ver - sei o que não sabeis.)

Dentro dos ossos do meu peito, jazo sufocado e engasgado,
Debaixo desta face que parece tão impassível,
marés do inferno correm continuamente,
Lascívia e maldade são aceitáveis para mim,
Ando com delinquentes, amando-os apaixonadamente,
Sinto que sou deles - eu mesmo pertenço
àqueles condenados e às prostitutas,
E de agora em diante não os negarei -
pois como posso negar a mim mesmo?

* * * * *

"...a vida é uma perpétua emergência..."


(WALT WHITMAN, Folhas de Relva).

domingo, 2 de julho de 2006

FUTEBOL = CUSPE À DISTÂNCIA.

Eu nem ia me meter a fazer qualquer comentário futebolístico por aqui, mas não resisti à tentação de vir aqui dar vazão a um pouco da minha rabugice depois do joguinho meia-boca de ontem e tudo relacionado a ele... Tô longe de ser um “entendido” no assunto, mas isso não impede ninguém de meter o bedelho e dar opinião - até mesmo aquelas velhas gagás, que nem sabem direito o que é impedimento e acham que o bandeirinha é tipo um chefe dos gandulas (que levanta o pano quando a bola sai pra avisar que é hora de ir atrás da redonda...), pensam que sabem mais de futebol do que o Parreira e que sabem escalar melhor o time do que ninguém. Então eu posso falar também, certo?

De uns anos pra cá, tenho só idéias de mariquinha sobre futebol: “Futebol? Bah! É só um bando de trouxas correndo num retângulo de grama, chutando como idiotas uma bola pra cima e pra baixo, tentando metê-la num certo lugar, enquanto um bando de otários ficam torcendo, gritando e se esgoelando para que saia um gol... um negócio que, no fundo, não serve pra nada... Pra que serve um gol? Pra ganhar uma partida de futebol. Mas pra que serve ganhar uma partida de futebol? Pra ganhar um campeonato. E isso, pra que serve? No fundo, tudo se resume a isso: inventamos um joguinho em que uns tentam provar que são melhores que os outros fazendo um negócio X, e esse negócio X, no caso fazer uma bola entrar num certo lugar, não serve pra nada. Pra mim, futebol não é nada muito diferente do que um jogo de cuspe à distância ou de tiro de pedrinhas ao poste. Se eu consigo cuspir mais longe que você ou acertar mais pedrinhas no poste, que é que isso prova? E se faço mais gols que você, que isso prova sobre meu valor humano? Futebol não é nada além de um entretenimento babaca ("os homens não se divertem para ser felizes, mas para esquecerem que não são....", dizia Pascal), além de ser algo que só serve para inflar o ego dos vencedores - e dos que torcem pelos vencedores... Tudo vaidade; vaidade das gentes e vaidade das nações.

Mas não pensem que eu tenha sido sempre chato desse jeito. Minha chatice não é inata - é adquirida... :). Já tive minha fase de corinthiano roxo, quando era bem mais moleque, mas o transe passou, graças a deus... Quando eu tinha lá meus 14 anos de idade, lá na fase áurea do Coringão bi-campeão brasileiro em 98/99, eu vibrava e ia ao delírio a cada gol de falta do Marcelinho Carioca, curtia cada desarme sem falta e sem cavalice do Gamarra e adorava os piques do Mirandinha, o centro-avante mais grosso dessa galáxia (mas que o cara sabia correr, isso sabia – mas, diziam os palmeirenses, sempre maldosos, que ele tinha adquirido tamanho vigor físico em sua juventude, “trabalhando” como trombadinha... Calúnias!!)... Eu tinha um monte de álbuns de figurinha do Brasileirão, a camiseta falseta número dez (do grande Neto!) com o símbolo da Kalunga, e ficava feliz vendo a Gaviões ser campeã do Carnaval, mesmo achando Carnaval uma viadice e não entendendo porque a torcida organizada, que devia ser durona e criminosa, se metia a fazer isso... Cheguei até mesmo a comprar o CD original do Ronaldo e Os Impedidos! Um discaço num era, mas melhor que qualquer um do Engenheiros do Havaí, isso era (mas o que não é?).

Ah, e eu adorava Elifoot. Num era do caralho?

Por sorte um tempo depois virei niilista e comecei a tentar dar importância somente para as coisas importantes, que são muito poucas – e o futebol certamente não estava entre elas.

Mas, quanto ao jogo de ontem, me surpreendeu que tanta gente tenha se mostrado surpresa com o resultado. Pô, o que é que vocês esperavam? O Brasilzim num jogou nada nem contra a Croácia, nem contra a Austrália, nem contra Gana (apesar da goleada) – ganhou burocraticamente, sem dar show, sem empolgar, sem dar nem sinais daquele velho Futebol Moleque que, dizem por aí, é nossa “característica ímpar”. Não sei de onde a nação tirou tanta decepção - já que não havia razão para ter grandes esperanças. Eu não tava botando fé, e então o que aconteceu foi algo pra lá de previsível. No big deal.

E quer saber? Até gosto que tenha sido assim. Se uma seleção dessas tivesse ganhado a Copa do Mundo isso seria um dos maiores anti-clímaxes da história do futebol. Porque eles não mereciam. Foram apáticos, sem energia, sem paixão - uns burocratas. Time de playboyzinhos e estrelinhas dá nisso. O Brasil nessa Copa jogou um futebol tão sem graça que nem deu vontade de torcer – nem de comemorar os gols. E ao fim do jogo contra a França, eu num senti nem um pingo de tristeza, nem uma sombra de decepção. Se eles tivessem jogado bola, se houvesse um átomo de injustiça no resultado, se o juiz tivesse roubado pro Azul, tudo bem, eu teria até ficado magoadinho... Mas os caras não jogaram - e tinham mais é que se fuder mesmo. I couldn’t care less.

Acho todo fanatismo algo digno de lástima – inclusive o patriótico. Por que eu deveria amar o Brasil? Há por aí muitas razões para admirar esse país? Não pedi pra nascer aqui (claro que eu não seria tão idiota assim a ponto de escolher justamente esse buraco no fim do mundo pra nascer, se eu tivesse podido escolher... Mas país é destino.). E é em época de Copa do Mundo que esses fervores patrióticos realmente entram em ebulição e se percebe bem o tamanho do transe que se apossa das pessoas. É uma força tão irracional, tão idiota, tão destruidora, que a gente vê bem que um líder de massas mal intencionado poderia muito bem utilizar isso e causar catástrofes. O grande Erich Fromm, um dos meus psicólogos prediletos, não se cansou de chamar a atenção para esses perigos (leiam urgentemente “O Medo À Liberdade”, ótimo livro). É sempre bom se precaver contra o patriotismo exagerado: lembrem-se que o nazismo nunca poderia ter acontecido sem isso. O Brasil em época de Copa fica tão endoidecido com um patriotismo ridículo que é de dar dó. Às vezes fico com a impressão de que, se surgisse um Hitler brasileiro, 80% dessa nação iria estar a favor de que construíssemos campos de extermínio de argentinos – com câmaras de gás e fornos crematórios.

Eu não tenho nada contra os argentinos. Nunca conheci um argentino. Nenhum argentino jamais me fez mal algum. A Argentina é um país que eu gostaria muito de conhecer.

E daí, se o Brasil tivesse ganho? Que é que isso adiantaria? Iríamos estourar nossos rojões, beber nossas brejas, comemorar nosso “sucesso”, e depois o entusiasmo iria acabar e a vida iria recomeçar. Todo carnaval tem seu fim. E a felicidade não teria acontecido.

E daí, se o Brasil tivesse ganho? De que serviria? Somente teríamos a oportunidade de ver de novo esse espetáculo patético e ridículo que é um país, com seus 50 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, seu I.D.H. ruinzinho, seus políticos canalhas, suas guerras civis disfarçadas, sua programação televisiva grotesca e horrenda e ETC. (um imenso ETC...) ousando se auto-proclamar, ao colocar a mão na taça, uma Nação Vencedora. Ora, Brasil, não me faça rir. Damos tanta importância ao futebol pois sabemos que ele é uma das únicas coisas de que esse país pode se orgulhar – ou ao menos podia...

Me pergunto: queremos tanto uma Copa do Mundo pra quê? Pra conseguirmos nos esquecer do tamanho do nosso fracasso? Para podermos acreditar, ao menos por um dia, que essa é uma nação decente, humana e igualitária? Para que, cegados pelo agitar das bandeiras verde-amarelas e pelo barulho das cornetas, esqueçamos por alguns instantes o ronco de milhões de estômagos que passam fome?

Então chora mesmo, Brasil. Chora e cai na real.