quarta-feira, 5 de julho de 2006


Oh Captain! Oh Captain!
um pouco de boa poesia:


Ó MEU EU! Ó VIDA!

Ó meu eu! Ó vida! Das questões que sobre essas são recorrentes,
Dos trens infinitos dos que não têm fé, das cidades cheias de tolos,
Ó eu mesmo para sempre censurando a mim mesmo
(pois quem é mais tolo do que eu e quem é mais sem fé?)
De olhos que em vão suplicam pela luz,
do meio dos objetos,
das lutas sempre renovadas,
Dos pobres resultados de tudo,
das laboriosas e sórdidas multidões que vejo em minha volta,
Dos vazios e inúteis anos dos demais,
sendo que também faço parte dos demais,
A questão, ó meu eu, tão triste, recorrente -
O que há de bom em meio a tudo isso?
Ó meu eu, ó vida?

Resposta

Que estás aqui - que a vida existe e a identidade,
Que a poderosa peça continua e tu podes contribuir com um verso.


* * * * * *

SENTO-ME E OBSERVO

Sento-me e observo todas as tristezas do mundo
e toda a opressão e a vergonha,
Ouço soluços convulsivos e secretos de
jovens homens angustiados consigo mesmos,
cheios de remorsos após certos feitos perpetrados,
Vejo na vida inferior a mãe abusada por seus filhos,
morrendo, negligenciada, desolada, desesperada,
Vejo a esposa abusada por seu marido,
vejo o sedutor desleal de jovens mulheres,
Registro as irritações do ciúme e
do amor não recompensado que se procura esconder,
eu vejo essas visões na Terra,
Vejo as obras das batalhas, da pestilência, da tirania,
vejo mártires e prisioneiros,
Observo a fome no mar, observo os marinheiros tirando a sorte
para ver quem será morto para preservar a vida dos demais,
Observo o desprezo e a degradação lançados por pessoas arrogantes
sobre os operários, sobre os pobres e os negros,
e outros que sofrem preconceito;
Tudo isso - todas as maneiras e agonias sem fim,
eu, sentado, observo,
Vejo, ouço e estou calado.


* * * *


Vem, amável e consoladora morte,
Ondula em torno da terra, serenamente chegando, chegando,
Durante o dia, durante a noite, para todos, para cada um,
Mais cedo ou mais tarde, delicada morte.

Louvado seja o universo insondável,
Pela vida e pela alegria, e pelos objetos
e pela curiosidade do conhecimento,
E pelo amor, o doce amor - mas louvado seja!
Louvado seja! Louvado seja!
Pelo abraço certo da morte fria e envolvente.

Mãe escura sempre planando por perto, com pés suaves,
Ninguém cantou para ti um canto de inteiras boas-vindas?
Então eu canto por ti, glorifico-te acima de tudo,
Trago-te um cântico para que, quando tu vieres de fato,
venhas sem cometer erro algum.

Aproxima-te, poderosa libertadora,
Quando foi, quando foi que os tomaste?
Pois com ciúme canto os que morreram,
Perdidos no amoroso e flutuante oceano de ti,
Amados na enchente de teu êxtase, ó morte.

De mim para ti, alegres serenatas,
Danças para ti, eu proponho, saudando-te,
adornos e festas para ti!
E a visão das paisagens abertas e o céu espalhado no alto se ajusta,
E a vida e os campos, e a imensa noite repleta de pensamentos,
A noite em silêncio sob as muitas estrelas,
O litoral oceânico e a onda robusta e sussurrante cuja voz eu conheço,
E a alma se voltando para ti, ó vasta e bem velada morte,
E o corpo agradecidamente aninhando-se próximo de ti.

Sobre o topo das árvores, espalho por ti um cântico,
Sobre as ondas que surgem e submergem,
sobre miríades de campos e as amplas pradarias,
Sobre todas as cidades densamente populosas
e os produtivos ancoradouros e as estradas,
Espalho esse cântico com alegria, com alegria para ti, ó morte.

* * * * *

Vós, condenados em julgamentos nas cortes,
Vós, condenados em celas de prisão,
Vós, assassinos sentenciados,
acorrentados e algemados com ferro,
Quem sou eu também para não estar em julgamento ou na prisão?
Eu, desumano e diabólico como qualquer um, como pode ser que
meus pulsos não estejam acorrentados com ferro
e meus tornozelos não estejam presos com ferro?

Vós, prostitutas ostensivas nas ruas ou obscenas em vossos quartos,
Quem sou eu que deveria chamar-vos de mais obscenas que eu?

Ó sou culpável! reconheço - revelo-me!
(Ó admiradores, não me louveis - não vos congratuleis comigo
- ou me sentirei constrangido,
Vejo aquilo que não podeis ver - sei o que não sabeis.)

Dentro dos ossos do meu peito, jazo sufocado e engasgado,
Debaixo desta face que parece tão impassível,
marés do inferno correm continuamente,
Lascívia e maldade são aceitáveis para mim,
Ando com delinquentes, amando-os apaixonadamente,
Sinto que sou deles - eu mesmo pertenço
àqueles condenados e às prostitutas,
E de agora em diante não os negarei -
pois como posso negar a mim mesmo?

* * * * *

"...a vida é uma perpétua emergência..."


(WALT WHITMAN, Folhas de Relva).