A VITÓRIA DOS PERDEDORES
"They know there's no sucess like failure
And failure's no sucess at all."
parafraseando Dylan em “Love Minus Zero”
Confesso: pouco tempo atrás, eu só teria me sentado para escrever uma resenha sobre o Belle & Sebastian pra meter o pau e tirar um sarro: era uma banda que eu não conseguia respeitar. Mais: que olhava até com um certo desprezo, desde a adolescência. Adorava falar mal. Eu, que chegava a achar o som do Alice in Chains “muito ensolarado”, que chegava a querer que o Nirvana fosse um pouco mais raivoso e que queria que as guitarras do Badmotorfinger fossem mais pesadas, nunca iria respeitar uma bandinha de som tão frouxo e de atitude tão... perdedora. As coisas mudaram.
Por que essa repulsa que eu tinha ao Belle & Sebastian? Talvez porque o lance deles nunca teve nada a ver com o tal do Rock and Roll, esse deus que eu tinha decidido adorar de joelhos. Os caras do Belle & Sebastian pareciam aquele tipo de gente que vai à igreja todo domingo, dorme abraçada com ursinhos de pelúcia e acha guitarras distorcidas uma ofensa aos ouvidos. Vocês acham que, no início da carreira, o B&S enfrentou as espeluncas trash de Glasgow, tocando para um público embriagado com muito do bom uísque escocês? Nada. Vocês sabem: eles preferiam tocar em cafés, livrarias e saraus culturais - esses CDFzinhos... Ensaios ensurdecedores na garagem? Claro que não! Eu imagino os caras presos no quarto, papel de parede coloridinho ao redor, tocando um violão bem baixinho, cantando aos sussurros, todo mundo preocupado em não fazer muita zorra porque senão a mamãe ia dar bronca... Sexo, drogas e rock and roll? Nem sinal. Não é à toa que os adjetivos mais comuns para descrever a banda sempre foram "meigo", "delicado" e "fofo". Além disso, Stuart Murdoch nunca foi o típico líder de uma banda de rock - sempre pareceu mais aquele carinha meio nerd e afeminado que adorava o Morrissey, ficava rabiscando poesia romântica no caderno durante as aulas chatas e sempre chorava nos finais dos filmes.
E vocês sabem: todos nós, seres humanos do sexo masculinho, sofremos - em maior ou menor grau - de uma doença mental, que nasce principalmente na adolescência, e que eu chamaria de Complexo de Machão... Pois bem: eu nunca teria admitido que eu gostava do Belle & Sebastian - o que seria, evidentemente, dar motivo para que duvidassem da minha masculinidade. Não "pegava bem" gostar dessa "banda de minininha". Eu só curtia Belle & Sebastian em segredo, sem contar pra ninguém, botando pra rolar o If You're Feeling Sinister somente com fones de ouvido, pra não ser descoberto no flagra ouvindo essa "música de fracassados".
E eu, com um certo desprezo, achava que essa música só servia mesmo pra indies lotados de espinhas na cara e óculos fundo-de-garrafa, que não suportavam o espelho e sempre desejaram fazer parte de turmas que nunca os aceitaram. Tigermilk, If You're Feeling Sinister, The Boy With The Arab Strap... tudo me soava como música feita por e para fracassados, uns fazendo sua musiquinha e outros se identificando na mediocridade dos outros... E eu, claro, que também tinha minha tendência ao auto-desprezo e minha falta de turminha e minha sensação de ser um fracassado, não resistia à tentação de ouvir o Belle &e Sebastian pra me sentir menos só na minha desgraça. Mas admirá-los não dava. O Belle & Sebastian, com seu sonzinho frouxo e inofensivo, chamava seus fãs para fundar um patético Clubinho dos Rejeitados... e eu realmente não queria fazer parte.
Pois o que era o Belle & Sebastian, antes, senão uma Exclusividade Indie? Os caras fugiam das entrevistas e fotografias, mantinham-se em gravadoras independentes e minúsculas (quem diabos já ouviu falar na Jeepster?), gostavam de fazer cópias pra lá de limitadas dos discos (o primeiro disco, Tigermilk, teve somente mil cópias em vinil originalmente editadas) - atitudes que deixam claro que o Belle & Sebastian sempre agiu querendo a atenção somente de um pequeno mas seleto grupo de fiéis.
O Belle & Sebastian nunca quis alcançar o Sucesso (aquele da MTV, da Billboard e do Grammy...): sempre pareceram mais a fim de criar uma espécie de Clubinho dos Indies, tocando e lançando discos para gente como eles - até porque o mainstream nunca poderia entendê-los ou utilizá-los, tão pouco consumíveis eles são como ícones de sucesso ou de beleza... O Belle & Sebastian se dirigiu sempre aos seus iguais: às pessoas que pudessem compreendê-los e se identificar com eles, que não fossem tratá-los com desprezo ou sarcasmo, que se reconhecessem em toda aquela insegurança e meiguice que ficava exposta nos discos. Talvez nunca imaginaram que iriam virar objeto de culto em vários cantos do mundo... inclusive num país famoso pelo samba e pelas coreografias cheias bundas de fora. Quando a Trama resolveu lançar a discografia completa do Belle & Sebastian no Brasil e o Free Jazz os escalou para um show no país em 2001, a criançada indie foi ao delírio. Gostar dessa obscura bandinha escocesa se transformou em algo pra lá de cool. Vai entender... Eu rosnei, xinguei, desprezei. O Belle & Sebastian estava no rol das minhas bandas odiadas.
* * * * *
The Life Pursuit veio para calar a minha boca. Eu nunca imaginei que eu fosse gostar de um disco do Belle & Sebastian - e tanto assim, e com tão pouca vergonha... Hoje coloco o disco pra rolar no talo e não quero nem saber: não é mais uma banda que eu me envergonhe de gostar. Porque o Belle & Sebastian deixou para trás aquele passado meio "ai como sou frágil!" e "ai como sou delicado!", que até hoje acho aporrinhante, e se transformou numa outra banda - e, na minha opinião, uma muito melhor.
Com uma década de vida, o B&S já sofreu algumas mudanças fundamentais de line-up (com a saída dos membros-chave Isobel Campbell, que formou o Gentle Waves, e Stuard David, hoje líder do Looper), o que explica um pouco o fato de que eles não prosseguiram na mesma linha de sempre. The Life Pursuit, sétimo álbum dos escoceses, mostra uma banda capaz de evoluir e arriscar novos caminhos, transformando-se sem perder a identidade, e é uma promessa de dias ainda melhores a vir no futuro. Aquela bandinha tímida que, em seus primeiros trabalhos, só conseguia agradar a fãs de indie-folk sensível e bonitinho, fez mais com The Life Pursuit: transformou-se numa baita duma banda de pop clássico, capaz de cometer pérolas tão perfeitas quanto as melhores coisas do XTC ou dos Kinks, só pra ficar em dois modelos de peso.
No início da carreira, a referência mais óbvia parecia ser mesmo Nick Drake, mestre absoluto em criar sussurradas canções acústicas e envergonhadas. Já hoje, o Belle & Sebastian, liberto quase completamente de qualquer morbidez, acaba soando muito mais como uma banda de power pop, de glam rock ou de soul de branquelo (!). The Life Pursuit, disco pra lá de variado, mas que nunca soa heterogêneo, traz à mente um pouco de T Rex, de Roxy Music, de Bowie, de soul Motown, além dos já citados Kinks e XTC. Antes de mais nada, "The Life Pursuit" mostra uma banda apaixonada pela música pop em várias de suas encarnações, uma banda que finalmente se esforça para soar deliciosa: os solos de guitarra finalmente gritam, a interação vocal entre vários membros da banda está mais bem bolada do que nunca e Stuart Murdoch, o vocalista principal, nunca foi tão seguro, espontâneo e divertido quanto nesse disco. Apesar de algumas reminiscências do passado indie-folk em baladinhas meigas ("Dress Up In You" e "Act Of The Apostole"), a essência de The Life Pursuit é um pop clássico, estiloso, cheio de boa energia e letras engraçadas. "White Collar Boy" e "The Blues Are Still Blues" são irresistíveis.
E irresistível também é esse clima festeiro que domina o disco todo. Quem tinha imaginado que um disco do Belle & Sebastian could be such fun? The Life Pursuit é uma baita duma festança nerd e o ouvinte sente que os músicos estão tendo o maior prazer ao tocar - estão brincando gostosamente de fazer pop; e não é esse o melhor jeito de fazer música? É esse o disco mais relaxado e bem-humorado da carreira do Belle & Sebastian. Ouvi-lo é ter certeza de que, mais do que estar somente na “perseguição à vida”, os caras do Belle & Sebastian já a encontraram: The Life Pursuit é totalmente life-affirming, como dizem os gringos, e em todo momento o ouvinte percebe que, finalmente, os caras estão de bem com a vida e consigo mesmos. E isso contagia.
"To be myself completely I just got to let you down", cantam eles, e existem poucos versos que me parecem definir melhor qual o charme principal do Belle & Sebastian. Esses caras nunca quiseram fazer pose de vencedores, durões ou perfeitinhos só para entrar na mitologia do rock and roll; eram jovens sensíveis, tímidos e inseguros, e não tentaram mascarar suas fraquezas: é exatamente assim que se deixavam aparecer nos discos. A diferença principal é que, antes, faltava uma certa coragem para se auto-assumir.
Hoje em dia, Stuart Murdoch, no comando dessa deliciosa orquestra pop, finalmente se sente livre em sua própria pele, em sua própria voz, em seu próprio papel no mundo. É como se dissessem: “somos quem somos e não pedimos desculpa a ninguém... e mais: estamos contentes com isso”. O Belle & Sebastian nunca foi tão alegre, tão espontâneo, tão cheio de vida e tão divertido. Surpresa! Aquela banda que eu gostava de chamar de Clube dos Perdedores fez um disco feliz – e que vitória importa mais do que essa? E o melhor de tudo: fizeram isso do jeito deles, simplesmente aceitando que são o que são, que ser um "vencedor" não importa muito e que nossas fraquezas e defeitos, sobre as quais costumamos derramar lágrimas, podem também servir para nossa diversão. E isso me parece uma baita duma lição de vida.
Quem foi que disse que os nerds e os losers não podem ser felizes?
|