sexta-feira, 29 de abril de 2005

< DLMSONGS atualizado! >

DLMSONGS é o projeto MÚSICO-COMUNITÁRIO da PEQUENA MúMIA SUJA, que pretende ser um ESPAÇO CIBERNÉTICO que DISPONIBILIZA aos amantes da MÚSICA POP alguns DOWNLOADS GRATUITOS de ÁLBUNS COMPLETOS aprovados pelo ISO 666. Todos os arquivos estão em WMA 64/44, ou seja, QUALIDADE DE CD, e têm a grande vantagem de possuírem METADE DO TAMANHO DUMA MP3. Para acessar: deve-se visitar....

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NOVIDADES:


DAMIEN RICE - "O" (2003) - Disco de estréia desse cantor/compositor irlandês que faz um indie-folk sensível e sentimental cantado aos sussurros e retocado com umas orquestrações prá lá de tocantes. Quem assistiu ao "Closer - Perto Demais", filme de Mike Nichols, não deve ter deixado passar desapercebida a cantoria envergonhada e terna de Damien Rice na principal canção do longa, "The Blowers Daughter". "O", considerado um dos melhores lançamentos de 2003, tem abundantes pepitas musicais cheias de beleza, melancolia e calor humano...
PRA QUEM GOSTA de: Jeff Buckey, Nick Drake, Belle and Sebastian, Radiohead, Ryan Adams, Bright Eyes, Sigur Rós. AMG.
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NEIL YOUNG AND CRAZY HORSE - "Ragged Glory" (1991) - A carreira do mestre canadense Neil Young pode ser dividida em duas facetas básicas: a metade barulhenta, proto-grunge, cheia das guitarrices fuderosas do Crazy Horse; e a metade folk, violãozinho e sossego, cheia de cantorias serenas e caipirices aprazíveis. Dentre os discos elétricos de Neil Young, "Ragged Glory", lançado pouco antes da ascendência do foguete grunge, é um dos mais poderosos (ali ali com "Everybody Knows This is Nowhere", "Zuma" e "Rust Never Sleeps"). Longas jams de guitarra (duas canções passam dos dez minutos) e o vocal sempre cálido de Neil constroem um puta disco épico do papai do grunge. Contêm a clássica "Fuckin' Up".
PRA QUEM GOSTA de: Led Zeppelin, Pearl Jam, Creedence Clearwater Revival, Soundgarden, Rolling Stones, Black Crowes... AMG.
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FLAMING LIPS - "Clouds Taste Metallic" (1995) - Uma das mais malucas, inspiradas e bem-humoradas das bandas americanas atualmente na ativa, os Flaming Lips tem uma discografia vasta e variada construída nesses mais de 20 anos de carreira. Antes de cometerem o clássico Soft Bulletin, em 1999, e depois de cravarem seu grande hit "She Doesn't Use Jelly" nas paradas com o disco de 1993, eles lançaram essa pérola de guitar rock chapado e alucinógeno que se chama Clouds Taste Metallic. Um dos mais divertidos, alucinados e doidões dos discos da banda, é quase que uma pílula de LSD travestida de música pop. Quem nunca ouviu os Lips, aqui é o melhor lugar para se começar. E cantem junto: "If God hears all my questions, how come is there never an answer?"...
PRA QUEM GOSTA de: psicodelia anos 60, Butthole Surfers, rock com LSD, Jimi Hendrix, Pink Floyd, Syd Barrett, Brainticket, Sonic Youth, Super Furry Animals, Built to Spill. AMG.
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PJ Harvey - "To Bring You My Love" (1995) - Após ter emergido com dois discos mais roquenrou de garagem ("Dry" e "Rid of Me") no começo dos anos 90, a celebrada cantora / compositora inglesa Polly Jean Harvey pariu seu álbum mais variado e ambicioso com esse "To Bring You My Love". Muito mais preocupada em manter a tensão e o clima sombrio do que deixar a coisa descambar para a porradaria, P.J. "escreveu um repertório de canções que são liricamente semelhantes às de Nick Cave ou ToM Waits - ou seja, excursões literárias para dentro da terra gótica do coração da América", diz a AMG. Considerado o terceiro melhor disco lançado nos anos 90 pela revista SPIN, esse é certamente um dos pontos altos na carreira de Polly Jean e um dos mais fortes lançamentos de uma compositora mulher na década.
PRA QUEM GOSTA de: Fiona Apple, Patti Smith, Nick Cave, Carina Round, The Kills, Cat Power, Tori Amos, Jon Spencer Blues Explosion. AMG.

terça-feira, 26 de abril de 2005


LOUIS-FERDINAND CÉLINE
"Viagem ao Fim da Noite" e "Morte a Crédito"

Não posso deixar passar a ocasião sem dizer algumas palavras sobre Céline, agora que ainda tô intoxicado deliciosamente com a ingestão desses dois livros profundamente marcantes... 1.000 páginas de Céline engolidas na sequência, que perigo! Certamente essa não é uma dieta que qualquer psicólogo recomendaria para a manutenção da sanidade psíquica de qualquer cérebro que seja, mas quem disse que quero ser mentalmente são!?... Céline, Céline... o que dizer sobre esse homem? É ele, com certeza, uma das figuras mais polêmicas e controversas da história da literatura, um autor capaz de evocar uma onda de violenta revolta e repulsa nos seus detratores, mas que ao mesmo tempo é tido como um mestre, um modelo, um grande inspirador para uma série de grandes escritores contemporãneos... Não só Henry Miller, tido como seu mais fiel discípulo, mas também William Burroughs, Philip Roth, Milan Kundera e Kurt Vonnegut, só pra citar alguns, se manifestaram como continuadores ou admiradores da obra célineana.

Mas a gente ouve uns horrores tão grandes sobre Céline, umas injúrias tão numerosas, uns ódios tão grotescos... Não são poucos que se levantam para acusá-lo de ser um homem terrível, responsável por algumas das páginas literárias mais repletas duma misantropia das mais radicais que já se viu, capaz de cobrir o mundo inteiro com a lava de um ódio do mais feroz... Muitos o acusam de ser um niilista do pior tipo, que só sabe reclamar, blasfemar e destacar tudo o que a existência humana tem de feio, de sujo, de idiota, de trágico, de absurdo, de irracional, de sem-sentido, sem nunca conseguir ver "o lado positivo das coisas"... E, claro, sempre tacam pedras sobre o homem porque ele deu inúmeras provas de "falta de caráter" e de imoralismo ao publicar panfletos anti-semitas e ao contribuir com governos fascistas... Enfim, Céline é o protótipo do escritor maldito que "nasce para escandalizar" e que divide radicalmente as opiniões. O problema é que tanto de horrível se diz sobre ele que muita gente resolve condenar sua obra antes de lê-la só por causa dessa extrema má reputação de que goza Céline... É uma pena. Tudo bem que o gênio literário não desculpa nenhum crime, mas digo a vocês que decidir-se a ignorar uma obra tão vigorosa, tão intensa, tão brilhante como a de Céline só por que DIZEM certas coisas de mal sobre ele, é perder uma oportunidade de entrar em contato com alguns dos livros mais fortes e mais tocantes que a literatura já produziu, até onde eu posso julgar... Da mesma maneira, não acho que seria uma boa idéia se decidir a não ler uma linha sequer de Knut Hamsun ou de Heidegger só porque eles tinham fama de direitistas e nazistóides.

Henry Miller, conta o prefácio de "Viagem ao Fim da Noite", chegou mesmo a dizer que "o mundo podia muito bem fechar os olhos para os 'erros' de certos homens que tanto contribuíram para nossa cultura". Não acho que devemos chegar a tanto: fechar os olhos não! Melhor sim abri-los por inteiro, pra ver melhor o homem completo: o Céline repugnante, nazista, raivoso até a doença, certamente não deve ser ignorado nem muito menos louvado, mas que também possa aparecer o Céline grande autor, revolucionário do estilo, voz libertária, emblema de coragem na arte da expressão... QUERO LER TUDO!

terça-feira, 19 de abril de 2005



Simpaticíssimo esse Terra Papagalli, “narração para preguiçosos leitores da luxuriosa, irada, soberba, invejável, cobiçada e gulosa história do Primeiro Rei do Brasil”. Livrinho muito bem escrito, de fluência líquida, divertido e anárquico, cheio de filosofagens irônicas e espertinhas. O livro dos jornalistas José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta narra a história de sete portugas que são enfiados numa das 13 naus de Pedro Álvares Cabral e partem em direção às Índias, acabando por trombar com uma terra estranha lá pro fim de abril de 1.500. A nêgada é largada no que se supunha ser uma pequena ilha no caminho pras Índias e tratam de se entender com os selvagens daquela terra e seus costumes muito estranhos às tradições cristãs lusitanas. Se habituam rapidamente aos costumes dos nativos: andar pelado, comer carne humana, ter dezenas de esposas. Não demora pra começar a rolar as tretas entre os portugas pelo domínio das terras, além das tretas entre diferentes tribos nativas, e logo começa o comércio dos prisioneiros de guerra como escravos para as naus das nações estrangeiras. O resumex é esse, mas tem muito mais coisa boa no recheio. O certo é que se os professores do futuro souberem utilizar Terra Papagalli como um instrumento pedagógico, o martírio dos alunos de História do Brasil será sensivelmente diminuído.

TRECHOS DE T E R R A P A P A G A L L I :

“...pouco pode o homem contra o apetite de sua cobiça, pois, se nada tem, dá graças a Deus por umas migalhas de pão; porém, se tem as migalhas, passa a desejar também uma sardinha frita; então, se ganha a sardinha, isto já não lhe basta e ele quer agora um belo bacalhau cozido e, se Deus é servido de lhe dar o bacalhau, passa a achar isso pouco e sua barriga não se contentará com menos do que uma baleia temperada com o melhor dos azeites.” (9)

“Ia dizer eu alguma coisa, mas assustei-me com um verme esbranquiçado andando no meu biscoito. Antes que o jogasse ao mar, porém, Lopo de Pina de pronto o pegou e comeu. Em seguida, ainda de boca cheia, falou que todo o mistério do homem é que ele precisa comer, pois, se não come, morre, e morrendo, é ele quem vira comida. Então perguntei: ‘Queres dizer que é melhor estar com vermes na barriga do que estar na barriga dos vermes?” E ele respondeu: ‘Isso é o mundo, meu Bacharel: quem não come é comido.” (37)

“Como os gentios e os castelhanos queriam continuar com aquele comércio, o único empecilho era minha consciência, que dizia ser a venda de escravos contrária à religião, mas até as consciências rendem-se aos argumentos bem armados e, naqueles dias, dois deles alistaram-se em minha cabeça, um fazendo as vezes de escudo, o outro, de espada. O primeiro foi que então nem mesmo o Papa sabia dizer se os gentios eram gente como nós ou animais feito os papagaios e, como não há mal em vender papagaios, dei-me por absolvido. O segundo foi que, vendendo os prisioneiros, dava-lhes a chance de conhecer a Europa e a fé cristã, destino melhor que a barriga de seus inimigos.” (103)

“...desde pequeno reparei que as idéias se parecem com os animais. Disso segue que, além das idéias-mosquito, há as idéias-boi, que ficam ruminando em nossa cabeça, apenas engordando lentamente; as idéias-cobra, que nos enlaçam e não nos libertam jamais; as idéias-borboleta, que vêm suavemente sem que percebamos e vão sem que notemos; as idéias-piolho, que são pequenas mas estão sempre em nossa cabeça; as idéias-mula, que empacam e não conseguimos fazer que andem para a frente, e finalmente as idéias-tigre, que nos mordem e nos rasgam até ficarem saciadas de sangue.” (165)

“...o homem é um ser tão cheio de si que seus instantes mais felizes são justamente aqueles em que expele algo, e, além do vomitar, são estes momentos o cagar, o mijar, o ejacular, o peidar e o arrotar, e tanto isto é verdade que não há quem, depois de um destes momentos, não sinta uma grande placidez e uma profunda serenidade.” (172)

LEIA MAIS:
Terra Papagalli faz o Brasil entender o caótico Brasil
A vida e as figurações do cânone literário nacional
Como refletir sobre O Anacronismo da Terra Papagalli
Entrevista com Torero 1
Entrevista com Torero 2
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segunda-feira, 18 de abril de 2005

< a filosofia de woody >

"Há um mês cheguei realmente ao fundo do poço. Sabe, eu pensei, não quero mais continuar vivendo num universo sem Deus. Então peguei meu rifle, carreguei-o de munição e coloquei-o em minha testa. E eu pensei: vou me matar. Mas... e se eu estiver errado? E se houver mesmo um Deus? Quer dizer, apesar de tudo, ninguém sabe realmente a verdade. Não, não. 'Talvez' é insuficiente, eu quero a certeza ou nada. E eu lembro claramente de ouvir os tiquetaques do meu relógio, e eu estava lá, congelado, com a arma em minha testa, pensando se deveria dispará-la ou não. De repente, a arma disparou. Eu estava tão tenso que meu dedo acabou por apertar o gatilho inadvertidamente. Mas, como eu estava transpirando demais, o suor fez com que a arma escorregasse da minha testa - a bala não me acertou e deve ter ido parar em uma parede. Vizinhos bateram à minha porta querendo saber o que havia acontecido, e a casa se transformou num pandemônio. Eu não sabia o que dizer a eles, eu estava embaraçado e confuso, mil coisas passavam pela minha mente naquele momento, e eu só pensava em sair daquela casa, eu tinha que tomar ar fresco e esvaziar minha cabeça. E eu lembro muito claramente de ter andado pelas ruas a esmo, e eu andei, e andei, e andei. Eu não sabia direito o que ia pela minha cabeça, tudo soava violento e surreal para mim.

Caminhei por muito tempo pela Upper West Side. Horas se passaram, meus pés doíam e minha cabeça estava latejando. Eu tinha que descansar um pouco, então fui até um cinema. Nem vi o que estava sendo exibido, eu simplesmente precisava de uma hora para organizar meus pensamentos e voltar a encarar o mundo com uma perspectiva racional. Então fui até a platéia e sentei numa poltrona. E o filme em cartaz era um que eu já havia visto muitas vezes na vida, desde quando era pequeno. E eu sempre o amei. E então vi aquelas pessoas todas na tela, e comecei a mergulhar na história do filme.

Rá! Como fui pensar em me matar? Mas que idiotice! Olhe para todas essas pessoas na tela, como elas são engraçadas. E se o pior for verdade mesmo? E se Deus não existir? E se a gente viver uma vez só e ponto? Oras, você não quer fazer parte da experiência? Você sabe, ora diabos, nem tudo é uma droga. Eu tenho que parar de atormentar minha existência procurando respostas que não vou conseguir, e aproveitar a vida enquanto ela está aí. Depois... quem sabe? Talvez exista realmente algo, ninguém sabe realmente. Sim, eu sei que o 'talvez' é uma corda frágil para que a gente se agarre nela com unhas e dentes, mas é a melhor que nós temos, não? E então voltei à minha poltrona, e comecei a valorizar minha própria vida."
WOODY ALLEN, em Hannah e suas Irmãs.

outra clássica é aquela:
"Não há nada de errado com a vida eterna, desde que você esteja convenientemente vestido para ela."

< eu tô ali na esquina... >

Agora eu também tô lá na Dying Days - The Grunge Years, saite trimmassa de crítica e enciclopedismo pop-musical, publicando algumas das minhas resenholas musicais (essas que vocês podem acessar pelo menu aí de cima). Já tá no ar a do "A Ghost Is Born" do Wilco e logo entram mais algumas. Também vou contribuir com biografias de certas bandas (a princípio, com uma do Fugazi), que devo mandar pra eles já na semana que vem. O site tá bacanérrimo, com muita informação e indo muito além da Cena Grunge que, originalmente, era o OBJETO DE ESTUDO da Dying. Olhem lá.

quinta-feira, 14 de abril de 2005

< vai música aê? >

DLMSONGS atualizado:




discos completos:
FUGAZI - "Red Medicine". 1995. AMG.
...TRAIL OF DEAD - "Worlds Apart". 2005. AMG.
CARINA ROUND - "The First Blood Mystery".
QUEENS OF THE STONE AGE - "Lullabies to Paralyse". 2005. AMG.

onde?
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segunda-feira, 11 de abril de 2005

< eu recomendo... >



...a coluna da Naomi Klein no Guardian. Eu já tava meio de saco cheio do jornalismo esquerdista militante à la Caros Amigos, que às vezes chega a ser mais tendencioso e distorcente do que o jornalismão, mas os artigos da Naomi me conquistaram: são muito bem escritos, cheios de deliciosas ironias e sempre mandando ver umas pancadas na cara do Bush, do McDonald's e das nobres missões humanitárias estadunidenses que vão "instalar democracias" no terceiro mundo à base de bombardeios e civis mortos e mutilados... Os livros da moça tb tem uma boa fama, mas ainda não conheço mais a fundo. Leiam lá. Exemplinho:

"Last Tuesday, George Bush delivered a major address on his plan to fight terrorism with democracy in the Arab world. On the same day, McDonald's launched a massive advertising campaign urging Americans to fight obesity by eating healthily and exercising. Any similarities between McDonald's "Go Active! American Challenge" and Bush's "Go Democratic! Arabian Challenge" are purely coincidental.

Sure, there is a certain irony in being urged to get off the couch by the company that popularised the "drive-thru", helpfully allowing customers to consume a bagged heart attack without having to get out of the car and walk to the counter. And there is a similar irony to Bush urging the people of the Middle East to remove "the mask of fear" because "fear is the foundation of every dictatorial regime", when that fear is the direct result of US decisions to install and arm the regimes that have systematically terrorised for decades. But since both campaigns are exercises in rebranding, that means facts are besides the point. "

(Pô, "bagged heart attack" é ótimo...)

quarta-feira, 6 de abril de 2005

< contito >

(O que se segue é um continho escrito para a edição comemorativa do zine KAOS. A recomendação do chefe Giacomo era: máximo de 2500 caracteres e tema central "aniversário". Não sou tão fã desse texto - acho que comparar a morte com o apagamento de uma vela ou de uma chama é algo pra lá de batido e, no fundo, um lugar-comum poético que seria preferível ter evitado -, mas não acho q esteja tão mal assim pra que eu o mantenha escondido ou que o lance às chamas... É mais um daqueles textos meus (ah, são tantos...) com uma alta dose de melancolia, que se explica um pouco por ter escrito na época em que a minha avó tava ali no corredor da morte, quase caindo no buraco... Mas aqui e acolá, dentro do texto, fiz algumas tentativas (não sei se felizes ou não...) de contrabalançar a gravidade do assunto com um tantinho de humor... Sei lá se isso presta ou se é uma grande bobagem, mas, enfim, tá aí... Ah, e qualquer coincidência entre o nome da velhinha protagonista e o célebre apelido desse escriba que vos fala NÃO é mera coincidência. É tipo auto-ironia... sacaram?)

SOBRE VELINHAS E VELHINHAS


“Mas que velha mais chata!”, cuspia com raiva o pai, enojado com a lembrança de sua sogra. Dentro do carro que se afastava da casa da avó, onde a família havia se reunido para a celebração do 80º aniversário de Dona Lúcia, era unânime a aderência de todos à opinião paterna. A velha havia sido mesmo muito desagradável durante todo o dia, recebendo os presentes com indiferença, se recusando a dar amostras de alegria, permanecendo com o semblante carrancudo na hora das fotografias. E na hora de apagar as velinhas, então? Que atitude mais reprovável e pouco simpática havia sido aquela de se negar a seguir um cerimonial consagrado pela tradição há séculos! Como pode haver um verdadeiro aniversário sem o glorioso assopro, a esperançosa fézinha nos desejos secretos? Mas não houve mesmo maneira para convencer a velha a extinguir os mini-fogos. Ela foi logo se esquivando, sob o pretexto de ir ao banheiro, e enterrou-se no sanitário por longos dez minutos, deixando os fogos brilhando sobre o bolo sem presentear a platéia com o espetáculo de sua extinção. Ninguém a compreendeu. O tio, muito bem humorado, tentou tornar o ambiente mais leve ao lembrar a todos, em tom brincalhão, que as moléstias intestinais atacam os humanos nos momentos mais inesperados, e que não se devia reprovar a avó por ser solicitada fora de hora por suas necessidades fisiológicas. A explicação pareceu agradar a todos, que enfim se tranqüilizaram ao descobrir as verdadeiras razões para o comportamento extravagante de Dona Lúcia. Mas os olhos marejados da avó ao sair de seu refúgio, angustiando a vista de todos com sua vermelhidão, tornaram os presentes novamente perplexos. Será possível que alguém ouse chorar em seu aniversário? O tio, que pensou na possibilidade de prosseguir aferrado à sua teoria, explicando o fenômeno lacrimal a partir dos sofrimentos da diarréia, logo notou o quanto isso seria ridículo. Os adultos, resolvidos a deixar a velha em paz com suas esquisitices, trataram de continuar seus papos alegres sobre seus trabalhos, suas famílias, suas incríveis realizações, seus sonhos radiantes; vez ou outra, passando os olhos por Dona Lúcia, sentada sozinha num canto da sala, melancólica, comentavam baixinho: “A véia pirou de vez!”. Alheia a tudo, a avó se recolhia em si mesma, protegida em um casulo, e olhava com horror tudo que se desenrolava no palco do mundo instantes antes de ser convidada a se retirar. Pesavam sobre ela os olhares de incompreensão e ela preferia nada explicar, temendo que suas palavras seriam como estiletes rasgando a carne de um dia feliz. Como explicar a todas aquelas pessoas, grávidas de futuro, que ela não via muita coisa à sua frente a não ser uma escuridão? Sentia que cada ano completado, de agora em diante, era como um empurrão brutal que a obrigava a dar um passo irrevogável em direção ao buraco. O que pedir às velas quando não se tem mais tempo de se esperar pelas benfeitorias cósmicas? Que grandes desejos irrealizados consagrar ao trabalho das forças invisíveis, se o desejo fundamental de não se desintegrar, de não apodrecer, não poderia nunca ser satisfeito? E, somando mais tristeza ao que já era melancolia pesada, a avó notava claramente quão inútil havia sido sua recusa em apagar as chamas. Ao lado do bolo já devorado repousavam as velas apagadas, naturalmente consumidas após seu curto período de incêndio. (Agosto/2004)

segunda-feira, 4 de abril de 2005

< tirinhas deliciosamente maldosas: >


Então... quem é o gênio agora, Senhor nós-não-vamos-ter-tempo-pra-jogos-de-tabuleiro-no espaço?

* * * * *

- Cara, o Will não é mais o mesmo desde que ele começou a sair com a Stacy.
- Eu sei o que você quer dizer. Ele parece sempre meio... louco.

* * * * *

- Querido, eu te amo.
- Eu sei, eu sei. Só sinto que eu não te satisfaço sexualmente.
- Gosto de você do jeito que você é. Agora vai logo e coloca seu capacetinho!

* * * * *


Senhor! Parece haver um objeto grande no caminho da nossa...

* * * * *


- É impossível! Nunca vamos sair desse buraco!
- Com amor, qualquer coisa é possível!

* * * * *


- Barb! É você?!
- Rudy! Eu desejava que nós nos encontrássemos de novo, mas não desse jeito!
- Barbara...
- Foi mal, Rudy...
- - - - - - - - - - -
O nome do figura é NICOLAS GUREWITCH <http://www.cheston.com/pbf/bio.html> e o nome da série de tirinhas é THE PERRY BIBLE FELLOWSHIP <http://www.cheston.com/pbf/archive.html>.

domingo, 3 de abril de 2005

< umas sonzêras de graça >

pra que num venham dizer que essa bosta desse bloguizito xexelento tá cheio de textículos miseráveis sobre bandas infectas que nenhum puto conhece e que ninguém nunca vai ouvir, dei um jeito de colocar na rede algumas dessas maledêtas musiquinhas indie procês baixarem... assim pelo menos vocês podem se certificar de que essas bandas sobre as quais eu falo existem mesmo e não foram invenção da minha mente... assim vocês podem conhecer aquilo sobre o que eu estou escrevendo, o que torna o negócio todo um pouquinho menos inútil... já que num tenho mais espaço em servidor, então agora o esquema é abusar dos gigabaites grátis do google mail, louvado seja.

é assim: vocês entram lá no www.gmail.com e logam-in com o meu nome e o meu password. lá dentro vão ter os e-mailzinhos (que eu mandei pra mim mesmo) com as músicas dentro, atachadas, prontas pra serem baixadas. o username é "dlmsongs" e o password é "queromp3". certo? só num baguncem com as coisas lá dentro, hein putos.

já mandei umas musiquinhas de bandas de minininhas: uns SAVES THE DAY, DETROIT COBRAS, BELLRAYS, KILLS... vê lá se cês curtem. Vô ver se vou colocando lá os discos que eu vô resenhando cá.

sábado, 2 de abril de 2005

< um rilke de primêra >

(enquanto não encontro nada de bom a dizer, vou atolando esse blog com alguns textos que eu curto e que certamente são melhores do que qualquer coisa que eu poderia falar... que falem esses gigantes, eu vô ficar aqui só repassando e retransmitindo... hoje tem um rilkezinho muito bão, nevoento, misterioso, meio místico... antes eu só tinha lido as "Cartas a um Jovem Poeta", livrinho desencanado, informalzão, que nem foi escrito pra ser publicado... são só conselhos despretensiosos e lições de vida dados a um poeta iniciante... agradou um tantinho, mas nada de embasbacar... foi só agora com as "Elegias de Duíno" que a poesia do Rilke bateu forte...)



PRIMEIRA ELEGIA DE DUÍNO

Quem, se eu gritasse, entre as legiões dos Anjos
me ouviria? E mesmo que um deles me tomasse
inesperadamente em seu coração, aniquilar-me-ia
sua existência demasiado forte. Pois o que é o Belo
senão o grau do Terrível que ainda suportamos
e que admiramos porque, impassível, desdenha
destruir-nos? Todo Anjo é terrível.
E eu contenho, pois, e reprimo o apelo
do meu soluço obscuro. Ai, que nos poderia
valer? Nem Anjos, nem homens
e o intuitivo animal logo adverte
que para nós não há amparo
neste mundo definido. Resta-nos, quem sabe,
a árvore de alguma colina, que podemos rever
cada dia; resta-nos a rua de ontem
e o apego cotidiano de algum hábito
que se afeiçoou a nós e permaneceu.
E a noite, a noite, quando o vento pleno dos espaços
do mundo desgasta-nos a face - a quem se furtaria ela,
a desejada, ternamente enganosa, sobressalto para o
coração solitário? Será mais leve para os que se amam?
Ai, apenas ocultam eles, um ao outro, seu destino.
Não o sabias? Arroja o vácuo aprisionado em teus braços
para os espaços que respiramos - talvez os pássaros
sentirão o ar mais dilatado, num vôo mais comovido.

Sim, as primaveras precisavam de ti.
Muitas estrelas queriam ser percebidas.
Do passado profundo afluía uma vaga, ou
quando passavas sob uma janela aberta,
uma viola d'amore se abandonava. Tudo isto era missão.
Acaso a cumpriste? Não estavas sempre
distraído, à espera, como se tudo
anunciasse a amada? (Onde queres abrigá-la,
se grandes e estranhos pensamentos vão e vêm
dentro de ti e, muitas vezes, se demoram nas noites?)
Se a nostalgia vier, porém, canta às amantes;
ainda não é bastante imortal sua celebrada ternura.
Tu quase as invejas - essas abandonadas
que te pareceram tão mais ardentes que as
apaziguadas. Retoma indefinidamente o inesgotável
louvor. Lembra-te: o herói permanece, sua queda
mesma foi um pretexto para ser - nascimento supremo.
Mas às amantes, retoma-as a natureza no seio
esgotado, como se as forças lhe faltassem
para realizar duas vezes a mesma obra.
Com que fervor lembraste Gaspara Stampa,
cujo exemplo sublime faça enfim pensar uma jovem
qualquer, abandonada pelo amante: por que não sou
como ela? Frutificarão afinal esses longínquos
sofrimentos? Não é tempo daqueles que amam libertar-se
do objeto amado e superá-lo, frementes?
Assim a flecha ultrapassa a corda, para ser no vôo
mais do que ela mesma. Pois em parte alguma se detêm.

Vozes, vozes. Ouve, meu coração, como outrora apenas
os santos ouviam, quando o imenso chamado
os erguia do chão; eles porém permaneciam ajoelhados,
os prodigiosos, e nada percebiam,
tão absortos ouviam. Não que possas suportar
a voz de Deus, longe disso. Mas ouve essa aragem,
a incessante mensagem que gera o silêncio.
Ergue-se agora, para que ouças, o rumor
dos jovens mortos. Onde quer que fôsses,
nas igrejas de Roma e Nápoles, não ouvias a voz
de seu destino tranquilo? Ou inscrições não se ofereciam,
sublimes? A estela funerária em Santa Maria Formosa...
O que pede essa voz? A ansiada libertação
da aparência de injustiça que às vezes perturba
a agilidade pura de suas almas.

É estranho, sem dúvida, não habitar mais a terra,
abandonar os hábitos apenas aprendidos,
às rosas e a outras coisas singularmente promissoras
não atribuir mais o sentido do vir-a-ser humano;
o que se era, entre mãos trêmulas, medrosas,
não mais o ser; abandonar até mesmo o próprio nome
como se abandona um brinquedo partido.
Estranho, não desejar mais nossos desejos. Estranho,
ver no espaço tudo quanto se encadeava, esvoaçar,
desligado. E o estar-morto é penoso
e quantas tentativas até encontrar em seu seio
um vestígio de eternidade. - Os vivos cometem
o grande erro de distinguir demasiado
bem. Os Anjos (dizem) muitas vezes não sabem
se caminham entre vivos ou mortos.
Através das duas esferas, todas as idades a corrente
eterna arrasta. E a ambas domina com seu rumor.

Os mortos precoces não precisam de nós, eles
que se desabituam do terrestre, docemente,
como de suave seio maternal. Mas nós,
ávidos de grandes mistérios, nós que tantas vezes
só através da dor atingimos a feliz transformação, sem eles
poderíamos ser? Inutilmente foi que outrora, a primeira
música para lamentar Linos violentou a rigidez da
matéria inerte? No espaço que ele abandonava, jovem,
quase deus, pela primeira vez o vácuo estremeceu
em vibrações - que hoje nos trazem êxtase, consolo e amparo.

(rainer maria rilke)