sábado, 27 de agosto de 2005

Páginas internas atualizadas: a seção filosofagens foi finalmente inaugurada (com textos velhos) e a seção livros foi melhorada. Voltou uma velha resenha dos tempos da Watchtower, aquela sobre o "Evangelho Segundo Jesus Cristo" do Saramago, que eu tinha deixado fora do ar porque achava esse texto longo demais, um tanto maçante e pretensioso, até meio arrogante... Mas eu permaneço fiel às idéias que eu coloquei ali e acho que a resenha, mesmo que não curta ela tanto assim, merece voltar... até porque muita gente ñ parece ter sacado direito qual foi a intenção do projeto (aliás, genial) do Saramagão.... Ainda acho que ninguém vai ter saco pra ler até o fim (culpa minha, claro, que num soube ser um pouco mais conciso...), mas eis aí o trocinho de novo acessível. Leiam pelo menos os textículos da epígrafe: são melhores do que qualquer coisa que eu poderia escrever. São esses:

"Os deuses, acho eu, só existem no cérebro humano, prosperam ou definham dentro do mesmo universo que os inventou, mas o “fator deus”, esse, está presente na vida como se efetivamente fosse o dono e o senhor dela. Não é um Deus, mas o “fator Deus” o que se exibe nas notas de dólar e se mostra nos cartazes que pedem para a América (a dos Estados Unidos, e não a outra...) a bênção divina. E foi no “fator Deus” em que o Deus islâmico se transformou, que atirou contra as torres do World Trade Cencer os aviões da revolta contra os desprezos e da vingança contra as humilhações. Dir-se-á que um Deus andou a semear ventos e que outro Deus responde agora com tempestades. É possível, é mesmo certo. Mas não foram eles, pobres Deuses sem culpa, foi o “fator Deus”, esse que é terrivelmente igual em todos os seres humanos onde quer que estejam e seja qual for a religião que professem, esse que tem intoxicado o pensamento e aberto as portas às intolerâncias mais sórdidas, esse que não respeita senão aquilo em que manda crer, esse que depois de presumir ter feito da besta um homem acabou por fazer do homem uma besta." JOSÉ SARAMAGO, Folha de São Paulo (19/09/2001)

“A angústia religiosa é ao mesmo tempo a expressão de uma angústia real e o protesto contra ela. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, tal como é o espírito de uma situação não espiritual. É o ópio do povo.
“A abolição da religião como a felicidade ilusória do povo é necessária para sua felicidade real. A exigência de abandonar as ilusões sobre sua condição é a exigência de abandonar uma condição que necessita de ilusões. A crítica da religião é, portanto, em embrião, a crítica do vale das dores, cuja auréola é a religião.”

“A crítica arrancou as flores imaginárias que enfeitavam as cadeias, não para que o homem use as cadeias sem qualquer fantasia ou consolação, mas que se liberte das cadeias e apanhe a flor viva. A crítica da religião desaponta o homem com o fito de fazê-lo pensar, agir, criar sua realidade como um homem desapontado que recobrou a razão, a fim de girar em torno de si mesmo e, portanto, de seu verdadeiro sol. A religião é apenas um sol fictício que se desloca em torno do homem enquanto este não se move em torno de si mesmo.” KARL MARX, Crítica da Filosofia do Direito de Hegel

Novos no screening:

AS VIRGENS SUICIDAS (de Sofia Coppola - 2a) - 6.5
29 PALMS (de Bruno Dumont, 2004) - 7.8
DOUTOR FANTÁSTICO (Dr. Strangelove or..., de Stanley Kubrick) - 9.4
ONDAS DO DESTINO (Breaking The Waves, de Lars Von Trier) - 9.2
ACOSSADO (A Bout de Souffle, de Jean Luc Godard, 1960) - 7.0
EM BOA COMPANHIA (de Peter Weiz) - 4.0 (mas 9.5 pra Scarlett Johansson de mini-saia)
A HUMANIDADE (L'Humanité, de Bruno Dumont - 2a) - 8.0
TENTAÇÃO (We Don't Live Here Anymore), de John Curran - 6.8
EDIFÍCIO MASTER, de Eduardo Coutinho - 8.0
SALÒ ou OS 120 DIAS DE GOMORRA, de Pier Paolo Pasolini (1975) - 2.8
LARANJA MECÂNICA, de Stanley Kubrick (2a) - 8.8
EMBRIAGADO DE AMOR (Punch-Drunk Love), de P.T. Anderson - 9.3
DE OLHOS BEM FECHADOS (Eyes Wide Shut), de Stanley Kubrick - 9.0

quinta-feira, 25 de agosto de 2005

quem é mais sentimental que êêê-uuuu?



O QUE MAIS DÓI NA VIDA

O que mais dói na vida não é ver-se
Mal pago um benefício,
Nem ouvir dura voz dos que nos devem
Agradecidos votos,
Nem ter as mãos mordidas pelo ingrato,
Que as devera beijar!

Não! o que mais dói não é do mundo
A sangrenta calúnia
Nem ver como s'infama a ação mais nobre,
Os motivos mais justos,
Nem como se deslustra o melhor feito,
A mais alta façanha!

Não! o que mais dói não é sentir-se
As mãos dum ente amado
Nos espasmos da morte resfriadas,
E os olhos que se turvam,
E os membros que entorpecem pouco a pouco,
E o rosto que descora!

Não! não é o ouvir daqueles lábios,
Doces, tristes, compassivos,
Sobre o funéreo leito soluçadas
As palavras amigas,
Que tanto custa ouvir, que lembram tanto,
Que não s'esquecem nunca!

Não! não são as queixas amargadas
No triunfar da morte;
Que, se só apaga a luz da vida escassa,
Mais viva a luz rutila;
Luz da fé que não morre, luz que espanca
As trevas do sepulcro.

O que dói, mas de dor que não tem cura,
O que aflige, o que mata,
Mas de aflição cruel, de morte amara,
É morrermos em vida
No peito da mulher que idolatramos,
No coração do amigo!

Amizade e amor! - laço de flores,
Que prende um breve instante
O ligeiro batel à curva margem
De terra hospitaleira;
Com tanta amor se enastra, e tão depressa,
E tão fácil se rompe!

À mais ligeira ondulação dos mares,
Ao mais ligeiro sopro
Da viração - destrançam-se as grinaldas;
O baixel se afasta,
Veleja, foge, até que em plaga estranha
Naufragado soçobre!

Talvez permite Deus que tão depressa
Estes laços se rompam,
Por que nos pese o mundo, e os seus enganos
Mais sem custo deixemos:
Sem custo assim a brisa arrasta a planta,
Que jaz solta na terra!

(gonçalves dias) - (manjam "minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá"?)

(OBS: Não sei se é porque eu ando sentimental bragarai, se é porque me atraem demais as personalidades melancólicas, se é porque virei de vez uma bichinha ou se é porque a coisa é mesmo de admirar, mas o lance é que eu tô achando essas poesias melosas e lacrimogênicas que eu antes costumava desprezar uns troços bonitos pacas... Tô até achando que, perto disso, o Bukowski e o Fante num passam duns grosseirões, uns insensíveis, uns caminhoneiros, uns rasos... Ando preferindo caras que saibam confessar suas fraquezas e deixar correr suas lágrimas do que aqueles que insistem em se fingir de fortes, fodões e super-coolzões...).

(OBS 2: esse post tá bem merecendo um giganteso UI. em letras garrafais.)

Ui.

domingo, 21 de agosto de 2005


"pô, meu, por que esse puto de merda foi criar a dor, a cárie, as baratas,
a diarréia, hitler e os bee gees!?"

" - E não me diga que Deus trabalha por caminhos misteriosos - continuou Yossarian, passando por cima das objeções dela. - Não há nada de misterioso. Ele simplesmente não está trabalhando. Está mais é brincando. Ou então esqueceu-se completamente de nós. Esse é o tipo de Deus sobre o qual vocês costumam falar: um caipira, desajeitado, confuso, trapalhão, presunçoso e esquisito. Bom Deus, como é que se pode ter reverência por um ser supremo que acha necessário incluir em seu sistema divino de criação fenômenos como o catarro e a cárie dentária? O que passou pela sua mente deformada, diabólica e escatológica quando roubou aos velhos a capacidade de controlar os movimentos das entranhas? Por que razão tinha que criar a dor?

- A dor - disse a esposa do Tenente Scheisskopf, vitoriosamente, agarrando a oportunidade com unhas e dentes. - A dor é um sintoma da maior utilidade. A dor constitui um aviso dos perigos para o corpo.

- E quem criou esses perigos? - perguntou Yossarian, com uma risadinha cáustica. - Oh, ele estava realmente sendo caridoso conosco quando nos deu a dor! Por que, em vez disso, não poderia ter usado uma campainha de porta para nos avisar? Ou então um dos seus coros celestiais? Ou até mesmo um sistema de tubos de luz neon, vermelha e azul, embutidos no meio da testa de cada pessoa. Qualquer fabricante de vitrolas automáticas poderia fabricar um negócio desses com a maior facilidade. Por que, então, ele não pôde fazê-lo?

- As pessoas certamente pareceriam tolas andando com tubos de luz neon embutidos na testa.

- E por acaso elas parecem bonitas agora, contorcendo-se em agonia ou embrutecidas por uma dose de morfina? Mas que trapalhão colossal e imortal! E quando a gente pensa na oportunidade e no poder que ele tinha de fazer um trabalho e tanto, fica-se ainda mais impressionado com toda essa confusão estúpida e horrível que ele criou. A incompetência dele é impressionante. É evidente que nunca teve que se preocupar com uma folha de pagamento. Nenhum homem de negócios que se preze jamais iria contratá-lo sequer para encarregado da expedição!"

(joseph heller. ardil 22. pg 201.)



JOSEPH HELLER - "ARDIL 22"
[CATCH 22] (1961)

Um "herói de guerra", na lógica do poder que envia os jovens para se assassinarem mutuamente nos campos de batalha, é aquele que se agarra com fervor ao seu patriotismo e à sua "coragem" e, metralhadora em mãos, faz tudo ao seu alcance para meter bala e bomba nos "inimigos"... Mas um verdadeiro herói de guerra não poderia ser algo diferente? Não será a circunstância de guerra tão excepcional que possa fazer com que uma aparente covardia seja verdadeira coragem? Que a recusa em lutar seja mais virtuosa que o obedecimento às sugestões assassinas do poder?

Yossarian, o herói do romance satírico de Joseph Heller sobre a 2a Guerra Mundial, é heróico não porque vai à guerra e volta banhado gloriosamente no sangue dos inimigos mortos, mas simplesmente pois insiste, por todos os meios possíveis, em RECUSAR a batalha. Não quer ganhar a guerra pois sabe que uma guerra não pode ser ganha. Se há guerra, só há perdedores. "Por toda parte onde olhava, a loucura era completa e a sua atitude era a única coisa que um jovem cavalheiro de sensibilidade poderia fazer para manter um senso de perspectiva em meio a tanta insanidade" (24), diz o narrador, que irá nos colocar frente a uma série de atos divertidos e no fundo muito heróicos de seu protagonista. Yossarian, do começo ao fim do livro, vai se pôr a realizar toda uma série dehappenings, de protestos públicos, de travessuras espertinhas, que vão deixar muito claro para seus colegas de exército e seus chefes o quão odiável lhe parece a guerra.

Exemplos: na véspera de um ataque, ele arma um esquema para colocar sabão no purê de batatas que serviria de janta para o esquadrão, causando uma "misteriosa epidemia de diarréia" que causa o cancelamento da missão. Voltando de uma batalha com o uniforme empapado com sangue de um companheiro, vai TOTALMENTE NU receber a MEDALHA DE HONRA que a chefia quer lhe entregar, decidido a nunca mais voltar a vestir um uniforme. Sempre que possível, fabrica uma doença imaginária e a interpreta com os dotes de ator que a circunstância exigiu que desenvolvesse e se manda para o hospital. A situação é tão desgraçante lá fora que estar enfiado num leito hospitalar é imensamente preferível a voltar para a batalha ("fora do hospital ainda não estava acontecendo nada de divertido", confessa a certo ponto). E, claro, o principal item da CAMPANHA DE INSUBORDINAÇÃO de Yossarian é a sua recusa em voar em mais missões de vôo.

Tudo bem que "Ardil 22" não é exatamente uma obra de arte realista que vai procurar fotografar com objetividade científica um certo momento histórico, como também não eram realistas o "M.A.S.H." de Altman ou o "Doutor Fantástico" de Kubrick, obras que se parecem bastante com a de Heller (que, aliás, foi adaptada para o cinema por Mike Nichols em 1970). As descrições dos coronéis e capitães do alto comando do exército americano são sempre extremamente caricatas. Heller despeja sobre esses personagens todo o seu ódio e seu desprezo, criando criaturas totalmente desprezíveis, gananciosas, estúpidas, egoístas, pretensiosas e imorais. Nesses momentos, cai num certo maniqueísmo simplista: o comando do Exército inteiro, salvo talvez o capelão, é como que composto exclusivamente por LIXO HUMANO, e só há gente que presta entre alguns soldados rasos. Ainda que tenha esses defeitos tão comuns na "literatura de protesto", "Ardil 22" acaba por ser um livro satírico muito esperto e frequentemente engraçado que sugere um outro modelo para o "herói de guerra" e que espalha um cáustico veneno contra todo tipo de poder assassino. Trim.

segunda-feira, 15 de agosto de 2005

are you ready to testify?
i'll give you a testimonial!


THE MC5!


Foi foda. Muito melhor do que eu esperava. Talvez o melhor show que eu já vi. Uma aula de rrrrrock, ministrada por caras que são tipo uns p.h.Ds no assunto. Foi raw power. Foi gabba gabba hey. Foi yeah yeah yeah. Foi kick out the jams, motherfuckers. Foi um delicioso banho de eletricidade que me colocou no meio dum tremor de terra de uma hora e meia. Tirou meu esqueleto do lugar. Me fez perder uns 30% da audição em cada orelha. E eu não me importo.

Cês sabem: essas reuniões de clássicas bandas antigonas (já rolaram voltas triunfais ou nem tanto de gente como Doors, Black Sabbath, The Who, Sex Pistols, Pixies...) acabam muitas vezes por ser campanhas mercenárias que os membros aceitam fazer meio a contragosto (já que muitas vezes os membros estão brigados e mal se suportam) e que acabam muitas vezes por soar como uma xerox apagada e triste da coisa real. Alguém poderia chegar o supor que fosse esse o caso do MC5: será que eles também tão afim de viver sugando o passado como vampiros do tempo? O MC5 não fará parte daquele time de bandas já ressecadas e sem vigor que resolve voltar aos palcos para uma vergonhosa turnê caça-níqueis? Será que agora o MC5 não passa de uma banda dinossaura de velhinhos cansados, sem fôlego e sem um miligrama de rock correndo nas veias?

Depois do show fuderoso de bom que fechou o Campari Rock 2005, fiquei com a certeza de que o Motor City Five, entidade histórica, resolveu fazer uma reunião digna de aplausos. Se o MC5 é um dinossauro, é tipo um T Rex enorme e assustador que causa terremotos com seus passos e seus rugidos, um monstro de dimensões épicas que ataca seus inimigos não com garras e dentes mas com violentos jatos de eletricidade bruta e barulho bom...

O MC5 sempre foi uma banda meio OUTSIDER. Quando os Cinco de Motor City penetraram na cena cultural do fim dos anos 60, vinham com uma proposta que divergia bastante daquela de seus contemporâneos. Numa época submersa no hippismo e no paz e amor, com a psicodelia brigando com o R&B da Motown pelas paradas, o MC5 chegou chutando o balde com um rock and roll muito mais barulhento, encardido e explosivo do que era moda naquele tempo. E mais: com a ajuda de John Sinclair, fundaram o movimento White Panthers, transformaram seus shows em exortações à revolução dos costumes e, claro, arranjaram tantos problemas com o poder que foram rapidamente destruídos... John Sinclair foi preso, a banda foi chutada da gravadora Elektra e só duraria três álbuns.

"Eles se denominaram Panteras Brancas porque seus modelos de comportamento musical e político eram músicos e políticos negros e radicais. Era a anarquia à moda do Meio-Oeste. Pôr tudo abaixo, tirar o governo das nossas vidas, fumar um monte de droga, fazer um monte de sexo e fazer um monte de barulho", explica Danny Fields (em: "Mate-me Por Favor"). Já o guitarrista Wayne Kramer explica porque a banda durou tão pouco: "As coisas começaram a desandar pro MC5 por motivos maiores do que simplesmente o lance da gravadora. Sempre que você adota uma atitude política, especialmente quando você começa a lançar uma retórica política violenta, você gera uma reação violenta dos poderes estabelecidos. Houve uma atitude predominante entre pais, professores, policiais e promotores públicos na área de Detroit: 'Quando alguém vai fazer alguma coisa com relação ao MC5? Não podemos permitir que eles digam o que estão dizendo!' Em nossos shows a gente estava dizendo pras pessoas fumarem baseado, queimarem seus sutiãs, treparem nas ruas - não era só uma questão de: 'Bem, eles são um pouco selvagens demais pra indústria do disco', o que nós éramos, mas ia além disso. Paz e amor funcionavam no reino dos negócios da música, mas quando você ia além disso, pra revolução... ficava maus."

Ao mesmo tempo proto-punk, proto-metal e proto-grunge, o MC5 marcou a história do pop mais por sua influência do que por seu sucesso popular - como fizeram também seus contemporâneos do Velvet Underground e dos New York Dolls. Fracassaram na tentativa de vender milhões de discos, mas também nunca tentaram. Queriam mesmo estar correndo por fora. John Sinclair, cabeça do movimento, empresário do grupo no começo da carreira, disse a frase lapidar: "Eu ficaria ofendido se eles dissessem que eu NÃO era uma ameaça para a sociedade deles. Eu estava determinado a sê-lo..." (em: "Mate-me Por Favor"). O MC5 quis revolucionar o rock e o mundo a golpes de porrete. O MC5 quis colidir de frente com toda a crosta de puritanismo de seu tempo. E, claro, o MC5, com seu primeiro disco, cravou na história um dos melhores álbuns ao vivo de todos os tempos.

"Kick Out The Jams", o disco, tem concentrado tanto poder elétrico bruto que convida qualquer um a esperar uma grande performance ao vivo de uma banda que costumava entrosar tão bem com o público e fazer tudo com tamanha garra. E assim foi. A primeira edição do Campari Rock, organizado por André Barcinski e Lúcio Ribeiro, além de gerar um belo panorama do melhor rock que se faz hoje no Brasil (grandes shows deram Forgotten Boys, Autoramas, Mercenárias, Los Piratas, entre outros), presenteou São Paulo com uma apresentação antológica do novo MC5. Da formação original, após a morte de Rob Tyner e Fred Sonic Smith, sobraram Wayne Kramer, Dennis Thompson e Michael Davis, agora complementados por um guitarrista convidado e pelo vocal de Mark Arm.

Desde o começo do show dos Forgotten Boys, eu já comecei a tentar abrir caminho em meio à massa humana pra ver muito de perto a atração principal da noite. Durante o intervalo - aliás aporrinhantemente longo... - entre o Forgotten e o MC5, a Fábrica Lapa bombou de verdade e viramos sardinhas espremidas numa lata minúscula e fervente. A liberdade de movimentos era quase nula. Os filetes de suor rolavam pela minha cara. O longo tempo de espera tornou o povo impaciente ao mesmo tempo que fez com que a energia fosse poupada, aguardando pela explosão. Quando "Ramblin' Rose" saiu dos alto-falantes, começando o show de 2005 da mesma maneira que aquele clássico de 1968 registrado em Kick Out The Jams, a bomba relógio do público bateu no zero e foi pelos ares. Foi um esporro do caralho.

Acho que em nenhum outro show que fui vi uma galera tão alucinada, especialmente nas primeiras músicas: dizer que houve uma grande roda de pogo é dizer pouco; foi muito mais um pogaço coletivo monstruoso, gigantesco, totalmente fora de controle. A gente nadava numa piscina de pessoas, era lançado a metros de distância pela fúria da maré humana... E minhas pernas já cansadas depois de tanto tempo de pé foram ainda mais massacradas... meus dois pés pisoteados tantas vezes que eu suspeitei que voltaria pra casa com vários dedos fraturados. A situação tava tão trash nas primeiras fileiras que eu não estava vendo o show de verdade: só ouvia uma música fodidamente boa me envolvendo e uma louca confusão e pancadaria ao meu redor. Fui me esgueirando mais pra trás em busca da companhia dos mais mansos.

Wayne Kramer tocava sua guitarra cheio de entusiasmo e juventude, parecendo muito mais saudável e inteirão do que seria de se esperar num cara famoso por um certo comportamento auto-destrutivo, abuso no consumo de drogas e alguns anos passados na prisão. Foi a estrela da noite. Cheio de alegria e gratidão, Wayne parecia em estado beatífico frente a um público que respondia de maneira muito mais positiva do que o mais otimista dos músicos poderia ter esperado.

Já Mark Arm, vocalista de pelo menos 3 bandas foda (o Mudhoney, o Monkeywrench e o Green River), um dos caras mais importantes para a renovação infligida ao rock no começo dos 90 direto de Seattle para o mundo, enciclopédia ambulante de rock independente, parecia contente por estar cantando numa banda que adora. Dava pra ver que ele estava dividindo o palco com caras de quem é fã e que o influenciaram bastante.

E o público foi o que mais me surpreendeu. Porque pra mim o MC5 era uma banda mó cult, conhecida por poucos e não muito capaz, trinta e cinco anos depois de seu auge, de gerar massivos entusiasmos. Eu imaginava que grande parte do público assistente iria ao show mais por curiosidade do que por paixão. Mas o ambiente tava tão bom, o público tão animado, a empolgação tão difundida, que o MC5 se contagiou, mandou bem pra caralho e precisou até dar dois BIS. A galera simplesmente não deixava a banda ir embora e pedia mais e mais e mais. O fim do show, quando tocaram "I Want You Right Now" por uns dez minutos, foi um daqueles momentos pra guardar na memória pra sempre. Mark Arm foi pro meio da galera com microfone e tudo, flutuou por cima da massa por um tempão, enquanto a banda seguia a barulheira lá em cima, e enfim voltou ao palco para um final apoteótico.

E agora eu entendo perfeitamente porque, naquele velho disco de 1968, um dos lemas que o MC5 gritava para seu público era: "This is the high society! This is the high society!"...

BOM TEMPO PRA REOUVIR...

"Kick Out The Jams"

"Gaze deeply into the prismatic colors of this compact disc like a crystal ball and let the vision envelope your senses in mystic sound. Let yourself step back to a time when muscle cars ruled the Detroit streets and Motown battled psychedelia for the airwaves. It was a time when everything was everything. A time of girls without bras and sex without rules. Bands from all over the world came to Detroit to play in the arena of the Grande. Close your eyes and you shall hear earth-shattering sound waves and see panoramic light beams. Can you smell the fragrance of patchouli incense and strawberry cigarette papers?

...this album of songs is a microcosm of the times that spawned it. It was an idealistic attempt to make something more significant than the mere product that dominated the charts. This record has within it the vision and the violence of a turbulent time in America. This music expresses the frustration and future shock of the soul of the sixties. This is a portrayal of the struggle to create a world that was destined never to be. An impossibly beautiful dream that was doomed by the nation's descent into the disco inferno of the seventies.

We were Punk, before Punk. We were New Wave, before New Wave. We were Metal, before Metal. We were even 'M.C.' before Hammer. Depending on your perspective, we were the electro-mechanical climax of the age, or some sort of a cruel counter-culture hoax. We were considered killer, righteous, high energy dudes who could pitch a whang dang doodle all night long. People concluded that we were:

* No exalted talented; * The revolutionary hype; * John Sinclair's primary political tool; * Like 13 year olds on a meth power trip; * Insolent to our british betters, and... * Definetely born under a bad sign."

ROB TYNER, vocalista original do MC5, em 1991.

domingo, 7 de agosto de 2005

'Gora tenho eu também um screening log, ou seja, um daqueles blogs em que o cara enlista os filmes que vê, seguidos por uma avaliação e eventualmente um comentário / resenha. Comecei a anotar tudo o que via no fim do ano passado, então já tem uma boa quantidade de filmes vistos de lá pra cá, com os que recomendo e os que desaconselho devidamente grifados com diferentes cores. As notas dadas são, é óbvio, totalmente subjetivas e não tem nenhuma pretensão de valer como um atestado sobre a qualidade dos filmes em si: é muito mais algo que vale para indicar quão alto o filme fez a temperatura subir no termômetro do meu coração! A maioria das avaliações são momentâneas, dadas sem muitos pensamentos críticos, mais segundo os juízos afetivos do que de acordo com os rigores da razão... E não são imutáveis: as notinhas vão ir mudando de acordo com a mudança da minha opinião sobre os filmes. Acho que devo atualizar de mês a mês, quem sabe um tanto mais frequentemente.