sexta-feira, 30 de novembro de 2007

:: the gonzo way lives on ::


QUEM MATOU O GROSELHA FUZZ?

Dois jornalistas gonzo testemunham
a divina comédia do indie rock nacional.


(por Eduardo de Moraes e Bernardo Santana)


A gente tava lá, firmes e valentes, sujando nossos All-star de lama e encharcando a alma de rock and roll, com a empolgação de quem pensava estar na Woodstock do indie tupiniquim. Debaixo do céu nublado e ameaçando chuva de Ribeirão Preto, dois jornalistas gonzo, fissurados em rock independente, se mandaram pro Groselha Fuzz querendo matar dois coelhos numa só cajadada: curtir horrores o festival e ainda cobri-lo pr'um materião a ser escrito depois, contanto tudo em detalhes minuciosos e excessivos, para o orgulho de Tom Wolfe...

Munidos de nossas credenciais de imprensa, nos decidimos a falar com o máximo possível de bandas durante aquele fim-de-semana, exercitando nossos dons para a entrevista jornalística relâmpago (no total papeamos com 8 bandas), para a faturação de CDs grátis (ganhamos três) e para as mentirinhas interesseiras mas perdoáveis (o discurso padrão para conquistar os entrevistados e fazê-los falar pelos cotovelos, como se fossem estrelinhas, era chegar dizendo: “Cara, 'tamos fazendo um frila pra Rolling Stone, será que você pode nos dar uma entrevista?”...).

A gente não era contratado da Rolling Stone porra nenhuma, é claro.

Pode ser que isso seja fazer um pouco de Drama, mas nós, embarcando na mesma onda que o Groselha Fuzz quis surfar, fomos do céu ao inferno em um fim-de-semana. No sábado, Ribeirão Preto era o centro pulsante de uma festança rock and roll reunindo algumas das bandas mais bacanas do indie rock nacional, juntas para um evento que se desenrolou com uma perfeição ímpar, apesar do público pequeno que apareceu. Aquilo lá parecia uma grande festa de república, meio desencanada e tosca, mas muito, muito legal. Uma festa de república com 15 bandas do caralho, organizada por gente sem muita grana mas cheia de idéias brilhantes e espírito independente. A utopia velha do do-it-yourself estava ali, vivendo, pulsando, concretizada dum jeito invejável. Sem ajuda de ninguém, o bando de amantes do rock independente nacional chefiado por Thiago Fuzz, determinado a turbinar a cena paulista, tinha conseguido criar um festival incrivelmente interessante. O Sábado do Groselha Fuzz acabou e nós fomos pra casa achando que o festival era merecedor de todos os louvores possíveis e imagináveis.

Mas no Domingo... ali jazia, estatelado no chão, o cadáver de uma das coisas mais admiráveis que tinha acontecido no indie rock paulista nos últimos tempos. Ribeirão Preto era o túmulo do Groselha Fuzz, cujo segundo tempo foi cancelado devido a “dificuldades financeiras e estruturais”. Das 800 pessoas esperadas para o evento, o público pagante foi a mixaria de 250. A organização tinha tomado um prejú daqueles no primeiro dia e quebrou, cancelando o segundo tempo da festa. Vestimos preto, de luto. O sonho tinha acabado.
* * * * *

O SÁBADO

Temos que confessar: nossa cobertura do Groselha Fuzz de sábado esteve longe de ser exemplar. Por isso tivemos que adotar essa Postura Orgulhosamente Gonzo para deixar claro que: 1) não, não conseguimos ver todas as bandas da noite, primeiro porque estávamos pulando de entrevista em entrevista grande parte da noite, feito macaco, de galho em galho; e segundo porque não aguentamos até o fim da jornada, até porque essa dupla de profissionais tão responsáveis e amantes do profissionalismo sério e incorruptível, tomaram, juntos, umas 15 latinhas de Nova Schin dia afora, tendo chegado um momento em que entregaram os pontos (“fracotes!”) e praticamente desmaiaram no carro. (E vocês pensavam que não acontecia quase nunca do jornalista estar mais bêbado do que a banda que ele está entrevistando, certo?! Think again!);

Além da bebedeira e das lorotas para conseguir entrevistas, outros episódios curiosos cruzaram nosso caminho, destraindo nossa atenção da música no palco. Invadindo o back-stage para barrar uma banda que havia acabado de terminar um show, e que queríamos abduzir para um papo nos camarins (aliás mui confortáveis!), quase matamos de susto uma mocinha da organização do festival. Quando chegamos na beira do palco, fomos tomados por gente do ECAD, que estariam ali para cobrar uma grana de direitos autorais. “Vocês não são do ECAD não, são?” - perguntou a pobre moça, apavorada, para os dois jornalistas gonzo protagonistas desse curioso episódio de má identificação de autoridades (a gente é Rolling Stone, porra! Que mané ECAD!). E ela falava como se fosse uma moça judia na Alemanha nazista perguntando: “vocês não são da SS do Hitler não, são?”

Foi uma noite excitante, empolgante, cheia de bons sons e ótimas descobertas. A idéia era ótima: um mega-festival de rock independente numa chácara no interior de São Paulo, reunindo 30 bandas em um fim-de-semana inteiro de festa, numa espécie de Woodstock indie erguida no interior paulista para o deleite de qualquer fã de bons sons underground. O Groselha Fuzz, projeto ambicioso, quase megalomaníaco, todo realizado com um puta espírito de independência, de companheirismo entre bandas, de do-it-yourself puro, surgia como uma das mais fortes festas indie no estado de São Paulo, imitando iniciativas parecidas como o Bananada (que acontece em Goiânia a alguns anos) e o já tradicional Abril Pro Rock (que revela anualmente uma série de bandas nordestinas).

A idéia, posta em prática, parecia estar funcionando às mil maravilhas: aqueles que foram até a Chácara do Dudu, nas beiras da Rodovia Anhanguera, kn 303, em Ribeirão Preto, SP, encontraram no sábado um festival praticamente impecável. A presença de dois palcos, próximos um ao outro, evitava que o público se enfezasse com chatas interrupções e esperas entre uma banda e outra: quando uma estava acabando seu show em um dos palcos, a outra já estava a postos e prestes a começar instantaneamente o seu em outro. A música ao vivo era quase non-stop e as bandas se sucediam loucamente numa sincronia perfeita. A qualidade e a altura do som estava sem problemas – a música que saía dos amplis era límpida e não se ouviu uma única microfonia ou cabo desconectado durante toda a longa noite. O preço do ingresso – 25 reais para ver o festival inteiro – estava bastante acessível e justo, especialmente considerando os abusos grotescos que estão sendo cometidos pelos grandes festivais mainstream por aí (como o Tim, que cobrou 200 pilas na sua última edição para os shows de Artic Monkeys, Killers, Julliette & The Licks, Bjork). A latinha de breja estava num nível aceitável (r$2,50) e um esquema um tanto tosco mas bastante eficiente de alimentação, com pizzinhas fritas e macarrão, deu pro gasto.



O dia, Sábado, tinha como headliners bandas que estão cada vez maiores no cenário nacional: o Vanguart, que acaba de lançar seu primeiro álbum de inéditas e vem sendo bem elogiado, até mesmo tidos como continuadores do legado dos Los Hermanos; o Montage, criativa música eletrônica vinda direto do Ceará; e o Ecos Falsos, banda paulistana que faz um pop/rock moderninho e bem-humorado que tem sido bem aceito pelo público.

Estes jornalistas gonzo não têm vergonha de confessar que não botavam muita fé na qualidade de grande parte das bandas escaladas para o evento – parecia óbvio que, das 30 e poucas bandas que tocariam no Groselha Fuzz, certamente haveria pelo menos uma meia dúzia de tosqueiras horrorosas colocadas no cast mais pra encher lingüiça do que por verdadeiro merecimento. A surpresa positiva foi grande quando notamos que todas as bandas que subiram àquele palco realmente MERECIAM estar lá – mesmo aquelas com um som mais intragável e experimental, como o post-rock noisy do Gray Strawberries (de Indaiatuba) ou a barulhência meio Mars Volta do Visitantes (de São Paulo) estavam perfeitamente de acordo com a proposta das bandas.
A molecada se misturava com os veteranos numa festa sem idade certa para entrar. O Flag Pops, que abriu o festival com um show empolgante pra caralho, é um quinteto de Franca composto por uma molecada de 16 a 20 anos de idade e que, com três guitarras no talo e vestidos com uns shorts-cuecas, fizeram miséria no palco com sua mistura de punk 77, hard rock e surf music. Na entrevista informal que nos deram, ainda sem fôlego depois da apresentação, os caras citaram como maiores influências Dick Dale, AC/DC, Beastie Boys e Beach Boys.

Bem-humorado, o vocalista principal, João Canterella, que adotou o nome artístico Johnny Pop (“em homenagem ao Iggy Pop dos anos 70!”), conta que a banda começou com ele na guitarra querendo fazer som com um batera que não tinha bateria. O que era um surf rock instrumental feito por duas pessoas acabou se transformando numa poderosa banda de rock and roll que tem tantas guitarras quanto o Iron Maiden e que sobre o palco tem a insânia de Iggy das antigas. O vocalista elogiou a decisão do festival de escalar somente grupos com som próprio, criticando as dúzias de bandinhas cover desnecessárias que existem por aí (“Se eu quiser ouvir Beatles, eu ponho o vinil lá em casa!”). Olha com sarcasmo para as toscas gravações que fizeram em começo de carreira, usando microfoninhos de computador, e comenta que, pelo menos, vai poder chegar do trabalho, daqui a 20 anos, “pôr aquela coisa tosca pra rolar e pensar: ‘como eu era bizarro!’” Inspirados pelo exemplo do Groselha Fuzz de Ribeirão, os caras estão armando em Franca o Guerrilla Gig, outro festival indie que promete acontecer nos próximos meses.

Os “tiozões” também estavam presentes – é o caso do Coyotes, que existe desde 1995 e que, segundo seu líder (o guitar-hero e mestre da gaita Samir), “vive acabando”. Ele nos garantiu que a banda já está chegando à sua 17ª formação. Samir nos diz que eles se consideram uma “banda de blues que faz um rock” e que têm influências de r&b, funk antigo, Howlin Woolf, Neil Young e Jimi Hendrix (homenageado com uma música que é meio surrupiação de “Foxy Lady”). Ele confessa que tem “mania de nunca se modernizar” e continua fincado num blues-rock de raiz - que pode não ser original, mas que é tocado com um feeling e uma competência instrumental impecáveis.

“Até o fim dos anos 90, a cena dependia dos ‘apaixonados’, dos donos de bar. Hoje em dia mudou muito”, considera Samir. “A net facilitou pra caralho e agilizou muito mais as coisas. Hoje em dia, os shows são organizados por pessoal de banda, que sabem na real como é a cena underground”. O músico comenta ainda que em Serrana, cidade de origem dos Coyotes, eles realizaram a invasão de um parque abandonado há 18 anos e tomaram um prédio semi-demolido, onde procuram realizar ações sociais. Além disso, os Coyotes fazem parte de um coletivo de bandas, o Sindicato do Rock.


Outra banda novinha em folha que empolgou estes jornalistas até o tutano de seus ossos gonzo foi a Plano Próximo, de São Carlos, banda tipicamente universitária que faz algum do melhor rockinho moderno que vimos em cima de um palco nos últimos tempos. Composta por amigos de facul, a maioria deles que cursavam Imagem e Som na UFSCar, a banda faz uma mistura muito bem realizada entre um “dance-rock” que lembra o The Rapture, Kasabian e Peaches e uma espécie de new wave do século 21 que soa como o encontro do Blondie com o Franz Ferdinand. A vocalista Carol, com uma presença de palco impressionante, uma voz poderosa e um figurino sexy e provocante, chefia a banda – que ainda conta com a baixista Raquel, os guitarristas Gustavo e Daniel, e o batera que esquecemos de anotar o nome. A banda cita como influências Elastica, Weezer e Yeah Yeah Yeahs. Se fosse uma banda inglesa, tinha tudo para ser alvo de um mega hype na NME e ter algum single explodido nas paradas. As letras são em português, o que dificulta um pouco a penetração no mercado no exterior, mas o som da banda teria tudo para seguir a onda de Cansei de Ser Sexy e Bonde do Rolê e marcar presença na cena indie internacional.

A banda já gravou seu disco de estréia, com 12 músicas próprias, que possui uma qualidade de produção bem acima da média para uma banda independente – o Plano Próximo tem o privilégio de possuir dois membros que trampam em estúdios e que manjam de produção musical. Carol conta que eles tocaram recentemente num festival chamado Punk Feminino, em Goiânia, e que fazem parte de um circuito de bandas chamado Independente ou Morte.

Outra banda que fez um show pra lá de empolgante foi a prata da casa Motormama, um dos melhores grupos de rock and roll de Ribeirão Preto e mesmo do rock nacional atual. A banda, que começou como um power trio barulhento com influência de Husker Du e Mudhoney, hoje é um grupão que conta com dois vocalistas principais, um tecladista que usa de “golpes intergalácticos” em seu instrumento e uma energia fodida em cima do palco. O vocalista, guitarrista e jornalista Régis citou como influências sons como Neil Young, Mutantes, Led Zeppelin e as trilhas sonoras para os bangue-bangues spaguetti de Enio Morricone, mas também elogia bandas atuais como o Arcade Fire (“quem tem muito do Echo & The Bunnymen fase Ocean Rain”) e o White Stripes (“que é um Led mais garageiro”) como sons que curte.

A banda, que já possui dois discos lançados e prepara o seu terceiro, conta com um bom reconhecimento – já tiveram discos destacados pela Rolling Stone com uma cotação de 4 estrelas, já foram citados na Playboy e na Bizz e já tocaram em vários cantos do Brasil (incluindo Joinville, Belo Horizonte, Arcos da Lapa (no Rio)), sem falar em lugares clássicos de São Paulo, como a Funhouse (onde já estiveram 5 vezes). No papo que tivemos nos bastidores, Régis, que elogiou em cima do palco a coragem do povo que organizou o evento (“tem que ter muito colhão para fazer isso aqui!”), comentou que a cena indie rock da cidade é muito fraca. “Sem o Groselha não existe o indie de Ribeirão”. Quanto à Internet, ele diz que é completamente favorável à disponibilização de discos completos em mp3, apesar de, por enquanto, não existir nenhum álbum do Motormama disponível neste formato no site oficial da banda.

De fora do estado veio o Acidogroove, banda de Uberaba/MG, que faz um som influenciado por Secos e Molhados, Mutantes, Tom Zé, Pink Floyd, Radiohead e Los Hermanos. O vocalista e compositor Fred, conversando conosco numa garagem inóspita da Chácara do Dudu, debaixo de uma chuva fina, com um dos jornalistas gonzo apoiando seu caderno no capô de um opala imundo, fez uma longa palestra sobre o estado das coisas na música nacional em comparação com a situação de décadas atrás. Saudosista e apegado às tradições, ele lembra com saudade dos tempos da Tropicália e da bossa nova e sugere que houve uma certa “degradação na música nacional”. Ele comenta que “a massa está dominada pelo mal” por falta de cultura e informação, mas diz: “não culpo o povo por ouvir algo que não faça bem para o intelecto”. O músico e compositor comenta que o som do Acidogroove privilegia as letras com “conteúdo”, mas que é necessário ter também uma melodia cativante para que esse conteúdo possa “chegar”. A banda, que possui o raro privilégio de possuir 4 compositores diferentes, já começou a ser premiada em concursos importantes, vencendo o prêmio de Revelação no concurso Toddy – façanha que Fred reconta com muito orgulho.

E na mesma noite ainda rolaram shows bacanas de Enne, Os Telepatas, Seychelles, Alma Mater, sem falar na presença ilustre do ex-VJ da MTV Thunderbird – ainda uma “figuraça”...


* * * * * *


O DOMINGO

As atividades do Domingão estavam previstas para começar as 3 da tarde e se desenrolarem até de madrugada, quando Dominatrix e Ludovic encerrariam a noite e o glorioso festival. Quando eram 4 da tarde, nos mandamos para a chácara do Dudu, já preparados para uma maratona de shows com bandas legais, a maioria delas desconhecidas para nós, e mais uma bateria de entrevistas relâmpago. Chegando ao quilômetro 303 da Anhanguera, começamos a ter nossas surpresas: nenhum carro estacionado por ali; ninguém aguardando que os portões se abrissem; nenhum sinal de membros de banda ou equipes de produção circulando para arrumar os últimos detalhes antes do início da festa. O clima de desertidão imperava. Ninguém diria que aquela chacarazinha pacata, com seus portões escancarados, sem nenhum segurança na porta, fosse o local onde aconteceria o segundo tempo do Groselha Fuzz.

Descendo a rampa que dava para o hall principal, fomos percebendo sinais cada vez mais evidentes de que algo estava errado: carros parados onde deveria estar o público; caminhões sendo enchidos com caixas de som e amplificadores; todas as barraquinhas que vendiam CDs e camisetas no dia anterior completamente desmontadas e sem vendedores; e pior: ninguém ali além de dois jornalistas gonzo, pasmos com aquela cena de desolação, e alguns caras trampando no desmanche do que deveria ser o Groselha Fuzz – fase 2. O festival tinha miado.

E a pergunta que não quer calar é: quem matou o Groselha Fuzz? Resposta difícil de ser dada, mas temos nossos suspeitos.

O principal carrasco desse que foi um dos mais festivais mais bacanas do indie rock paulista nos últimos anos parece ser esse: o desinteresse do público. Talvez o problema maior esteja na mentalidade bastante difundida nessa multidão de pessoas que cresceram acostumadas às comodidades culturais da MTV e das rádios FM e que não se interessam em ir, com uma pá em mãos e sem preguiça de mineirar, para cavar buracos e achar ouro no underground. Tem muita gente por aí que raciocina mais ou menos assim: “se eu nunca ouvi falar nessa banda, se nenhuma gravadora quis contratá-la, se nunca vi um clipe dela na MTV, se ela não sai na Rolling Stone nem na Bizz, se o Lúcio Ribeiro nunca comentou sobre isso, deve ser porque ela não presta!” Os carrascos do Groselha são os milhões de comodistas alienados que só comem a papinha que foi preparada pelas grandes empresas. Os tontos que deixam seu gosto ser moldado pelo sucesso de mercado. Os trouxas que confundem projeção social com qualidade artística e que deixam mil bandas maravilhosas apodrecerem nos porões da música brasileira por pura negligência e desinteresse. Todos aqueles que não vão atrás da informação. Que não prestigiam eventos pequenos com bandas sem renome. Que não compram discos de bandas independentes. Que nunca viajariam algumas centenas de quilômetros até uma cidade no interior de São Paulo “só” para conhecer umas 30 bandas do indie nacional de que nunca ouviram falar.

As estimativas de público que a organização do Groselha fez podem ter sido excessivas, talvez, mas é compreensível que esperassem que mais gente se interessasse por um festival tão estupendamente interessante quanto esse – que deveria ter chamado para Ribeirão uma intensa onda migratória de uma pá de cidades do interior de São Paulo e da Capital. Infelizmente, não foi o que aconteceu. Terá sido deficiência na divulgação do festival? A informação de que ele estaria acontecendo não atingiu muitas cidades do interior? Será que o Thiago Fuzz e o resto do pessoal que bolou tudo superestimou a quantidade de gente que se sentiria atraída por um festival tão fodidamente atraente quanto esse? Difícil saber. Mas o clima de decepção estava no ar. O Groselha Fuzz foi uma coisa tão legal que dava dó notar que só umas 300 pessoas estavam ali para testemunhar aquela maravilha.

(E enquanto isso, na mesma cidade, ocorria o estrupício inominável e grotesco que é a Micareta – que merece o papel de Vilã Malvada e Impiedosa dessa História Maniqueísta que estamos escrevendo. Passeando de carro pelas ruas principais de Ribeirão Preto, ficamos chocados com o enxame de jovens que, em turminhas e vestidos com camisetas dum verde fosforecente e berrante, se preparavam para mais um dos carnavais-fora-de-hora da cidade. Passamos por eles vomitando preconceitos raivosos: para nós eles eram símbolo de uma juventude superficial e alienada, uniformizada tanto no vestuário quanto na mentalidade, e foi a Micareta Diabólica quem cometeu o crime de seduzir muito mais gente que o pobre Groselha Fuzz ... a boçalidade venceu a qualidade; a festa do superficial e do ridículo ajudou a sufocar uma empreitada pra lá de elogiável.

A vontade que deu, confessam sem pudor os jornalistas gonzo, foi de pôr pra funcionar as atividades do Esquadrão de Extermínio de Micareteiros, uma caridosa ONG sem fins lucrativos que já foi idealizada tempos atrás por um desses engenhosos gonzos como uma espécie de atividade paralela à uma banda imaginária. Sim: deu vontade de sair atropelando aquela horda de pessoas grotescas, vestidas com aquelas roupas tão “cheguei!” que chegam a brilhar no escuro, e brincar de GTA da vida real, trucidando-os como formigas. Por favor, se algum dia esses diabólicos jornalistas gonzo quiserem entrar para a vida política, não votem neles se não quiserem ver o Brasil transformando numa tirania totalitária onde os micareteiros serão sistematicamente exterminados em campos de concentração! :P)

* * * * *

“É tudo culpa do capitalismo!” é quase um chavão senso-comum, mas pensa bem. Talvez, mais do que o desinteresse do público, seja o capitalismo – e o domínio cada vez maior dele sobre todos os ramos da cultura - o culpado pelo sufocamento do Groselha Fuzz. Parece que hoje em dia, um festival de música, para dar certo, precisa ser patrocinado e sustentado por alguma grande empresa multinacional cheia da grana que banque tudo e ainda fature horrores em cima. TIM Festival, Claro Que É Rock, Planeta Terra, Campari Rock, Skol Beats, Motomix... Parece que só “viram” festivais endinheirados, bancados por empresas de telefonia, internet ou bebidas, que chamam grandes atrações internacionais e montam um esquemão altamente hi-tech e cheio de pirotecnias para seus festivais.

E como ficam os eventos underground em comparação? Como formiguinhas perto de elefantes. Apequenados. Ou mesmo pisoteados. E nós, consumidores de música pop, nos esbaldamos nos grandes festivais capitalistas e não damos bola para os eventos underground organizados e postos pra rolar com tanto custo e suor por uma gente do caralho que faz do do-it-yourself um verdadeiro culto. Nada contra essa disseminação de grandes festivais e as atrações que já trouxeram para o país - atrações que não viriam pra cá de forma alguma. Não reclamamos das benesses do capitalismo que trouxeram para cá Arcade Fire, Wilco, Franz Ferdinand, Gang of Four, Björk, MC5, Supergrass, Nine Inch Nails, Iggy and the Stooges, Flaming Lips, Strokes, Cat Power, Primal Scream, Sonic Youth, White Stripes, Super Furry Animals, Art Brut, Rapture, Kings of Leon, Arctic Monkeys, Kasabian, Radio 4, Lily Allen, The Killers, Mission of Burma, Hot Hot Heat, Devo, We Are Scientists e tantos outros, só nestes últimos anos.

O problema é deixar que isso se torne a única realidade. O problema é o público ficar viciado naquilo que podem nos fornecer os Tio Patinhas da TIM, da Claro ou da Motorolla, se esquecendo que pessoas comuns, como nós, estão batalhando com um puta suor e trampo, no underground, tentando fazer acontecer festivais locais. O problema é o público achar que só é hip, cool, bacana e invejável ter comparecido a todos esses grandes eventos e que o “resto” é resto. O problema é a mentalidade de quem pensa que não vale a pena marcar presença num festival que não aparece na grande imprensa, que grande parte das pessoas nem sabe que está acontecendo, já que não dá pra se gabar de ter ido ao Groselha Fuzz do jeito que dá pra se gabar de ter gastado uns 500 paus pra ver todas as atrações do Tim Festival.

Por isso é preciso gritar: o Groselha Fuzz foi massa pra caralho! Tontos de vocês que não foram. Arrependam-se. Confessem esse crime ao padre. Rezem cinquenta aves-marias. E ano que vem não cometam o mesmo erro. Todo mundo lá! A organização merece todos os louvores possíveis; as bandas, quase todas, eram do caralho; o espírito comunitário, de companheirismo e do-it-yourself, estava explícito em todo canto desse projeto utópico que Thiago Fuzz e companhia tentaram levantar; dá gosto de ver que existe um rock independente tão fervilhante, eclético e fresco pulsando no underground brasileiro. Tanto que dizer que “o festival não deu certo” é pura bobagem. Deu certo – muito certo. O segundo dia, cancelado, não tira o mérito do primeiro dia, que foi perfeito. O caso pelo menos é cheio de lições a aprender. Aguardamos ansiosamente pelo próximo Groselha Fuzz. Do primeiro saímos apaixonados.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

:: amargo desabafo ::

PROTÈGE-MOI DE MES DÉSIRS!

"hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito
exijo respeito, não sou mais um sonhador
chego a mudar de calçada ao encontrar uma flor
e dou risada do grande amor..."

CHICO BUARQUE

O Millôr tem aquela frase clássica: "Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem!" Mais profunda do que parece, essa bem-humorada pílula de meditação concentrada (ó!) têm aparecido volta e meia na minha mente, como se fosse uma daquelas grandes verdades universais dignas de virar provérbio... É uma frase adoravelmente agridoce, meio no estilo Woody Allen de unir melancolia e bom-humor (outra frase prediletíssima minha é dele: "Como eu seria feliz se eu fosse feliz!"...).

Enxergo por trás da pérola do Tio Millôr todo um mundo: ela faz alusão à doçura e ao encanto dos começos e das auroras, enquanto já aponta para o costumeiro amargor dos fins e dos outonos... E indica bem a oscilação entre ilusão e desencanto que é a constante de tantos relacionamentos humanos, especialmente os amorosos, e especialmente se você teve a má sorte de nascer com um temperamento de sonhador...

É a história de quase todas as paixões: depois que o Fulano cai sob o feitiço da Donzela, começa a imaginar nela mil perfeições; injeta nela, com a seringa fantástica da fantasia, mil qualidades inexistentes; desenha sobre a cabeça da moça, com pincéis invisíveis, mil auréolas e brilhos boreais... Até que, com o tempo, vá desvelando a pessoa real por trás da idealização e caia estatelado no chão com o tamanho da sua frustração... Sim, de fato, como são apaixonantes as pessoas que não conhecemos muito bem!

História da minha vida. E foi chorando sobre as ruínas dos meus sonhos destruídos que eu fui descobrindo o quanto a gente se entorpece, se engana, se auto-alucina... Mais uma vez eu tenho que admitir pra mim mesmo que fui tapeado por mim mesmo e que não, não estava amando uma pessoa, mas um sonho - o sonho do que ela poderia ser pra mim, o sonho do que bem que ela poderia me fazer, o sonho de todas as feridas que poderia ajudar a cicatrizar e todos os buracos que ajudaria a preencher, o sonho, sempre ele, e sempre sonhado tão em vão, de ser feito feliz...
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...

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Protège-moi des mes désirs!


E como é que ensino esse coração maldito, que mais parece uma insuportável criança pidona, daquelas que passeia com a mãe no supermercado puxando a saia e exigindo que mil guloseimas caiam para dentro do carrinho, a simplesmente parar de querer? Preciso ser protegido do que desejo: pois desejo tanto, mas taaanto, algo tão grande e colossal, algo tão satisfatório e preenchente, que a realidade é sempre pouco perto do que eu queria. Queria a felicidade perfeita, o grande amor correspondido, uma meia-dúzia de amizades de concórdia perfeita... É próprio do amor exigir o impossível. E é próprio da solidão, depois, se acabar de chorar ao descobrir que o impossível não foi entregue.

A lição mais simples que a vida me ensinou: esperanças não são nada de bom. Esperanças só servem para fazer você chorar lágrimas aos baldes quando elas morrem a morte súbita que a realidade, cedo ou tarde, sempre impõe. Não quero mais esperar nada de nada nem de ninguém. (Como se eu conseguisse...). E tenho descoberto que quanto menos eu espero, menos me decepciono. Que quanto menos espero, melhor eu vivo. Que a esperança só gera temor, ansiedade e, cedo ou tarde, frustração. Que viver bem é aceitar tudo o que vem. Que é bem melhor quanto mais me esforço por conhecer de verdade as pessoas ao invés de ficar registrando aqui na minha cadernetinha mental de humanos presentes no meu mundo uma descrição de como eu adoraria que elas fossem. Que viver sem idealizações, com os pés firmes no chão, mesmo que ele seja gelado, sem esperar da vida uma gentileza que essa vaca-mocréia não tem pra oferecer, é bem melhor. Que é preciso endurecer - pero sin perder la ternura jamás! etc. etc. etc.

Porque a gente sempre espera por uma Felicidade linda e perfeita que nunca vem... Me sinto quase com vontade de tirar a triste conclusão de que essa babaquice chamada Felicidade é mais uma daquelas criações da imaginação humana, como Papai Noel, o continente náufrago de Atlântida e o Papai-do-Céu que os adultos chamam de Deus.

A felicidade foi só um sonho que a gente teve. Hora de acordar.

Eu me demito do trabalho de ser feliz! Sou muito incompetente nele.

E me demito dessa coisa cansativa e chata que é sentir.

Estou dando férias para o meu coração.

Vou dar a ele um sonífero e deixá-lo hibernando através de toda uma era glacial!

Quero ter só uma pedra no meu peito!

Exijo respeito por não ser mais um ingênuo sonhador!

Até vou mudar de calçada sempre que avistar uma flor...

E vou dar risadas boas dessa lorota monumental do "grande amor"...
.
.
.
( " m e n t i r a . . . " )

domingo, 25 de novembro de 2007

(Ah, como adoro a sensata insensatez da poesia... )


CANÇÃO SENSATA
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Dora, que importa
O juiz que escreve
Exemplos na areia,
Se livres seguimos
O rastro dos faunos
A voz das sereias?

Dora, que importa
A herança do avô
Sob a pedra, nua
Se do ar colhemos
Moedas de sol,
guirlandas de lua?

Dora, que importa
Esse frágil muro
Que defende os cautos,
Se além do pequeno
Há horizontes loucos,
De que somos arautos?

De maior beleza
É, pois, nada prever
E à fina incerteza
De amor ou viagem
Abrir nossa porta
Dora, isso importa.

(j.p. paes)

sábado, 24 de novembro de 2007

:: eu e a minha turma ::



"A lifetime is so short
A new one can't be bought
But what you got
Means such a lot
To me..."

GEORGE HARRISON


Nem lembro mais quem me disse, um dia desses, essa gracinha de frase genial: "Eu não sou uma pessoa, eu sou toda uma turma!" Pois é. Acho mesmo que cada um de nós é uma multidão e "cada ser humano é uma colméia de seres", como diz o Bachelard. Essa aparente bobagem do "sou toda uma turma!" me parece bem mais profunda do que aparenta e pode até dar uma mão para que se entenda uma daquelas "verdades boas pra ficar zen" . =)

Porque em quase todos os livros de filosofia oriental que eu já li, encontro sempre a mesma idéia saindo da boca de todos os sábios, todos os santos, todos os iluminados: "o eu é uma ilusão". Demorei para entender que diabos eles queriam dizer com isso. Não tinha idéia de como realizar a tal da "dissolução do eu" que supostamente causaria o Nirvana, a Iluminação, a Beatitude Terrena Completa, a Felicidade Perfeita. Até porque, como todo mundo sabe, não existe uma "receita para chegar ao Nirvana" que se pareça minimamente com uma receita culinária ou um guia de livro de auto-ajuda... Os caras adoram falar de um jeito misterioso, hermético e esquisitíssimo sobre os caminhos para a Iluminação. Hoje acho que entendo melhor o que os caras queriam dizer - ou pelo menos criei metáforas próprias para me explicar a tal da "ilusão da individualidade".

Acho que os "caras" - os gurus iluminados que estão tentando nos conduzir à Luz... - estão constantemente chamando a atenção para o caráter fluido de tudo, inclusive de nós mesmos, como se fossem discípulos de Heráclito e dissessem algo como: "tudo flui, nunca se banha duas vezes no mesmo rio, nunca se testemunha duas vezes o mesmo pôr-do-sol, nunca se permanece a mesma pessoa em dois pontos diferentes do tempo, sempre se é uma pessoa diferente a cada segundo...".

Claro que todo mundo sabe que não somos estáticos, que em nós vão se sucedendo sempre novos pensamentos e sensações, que os nossos sentidos estão sempre recebendo "dados" diferentes "lá de fora" (e eu acho que existe um lá fora, apesar de não conseguir provar!), sempre novos estados de ânimo e de humor, sempre novas representações e imaginações, sempre novos sonhos e novos temores... Isso todo mundo sabe. Somos um rio que corre, sempre em sentido único, always downhill, e que vai desaguar sei lá onde... no Paraíso, para os crentes; na Volta ao Todo ou ao Grande Útero da Natureza, para os panteístas ou para alguns ateus; no Nada, para os niilistas...

O grande problema, acho eu, é que a gente sente a tentação de considerar que existe um "eu" imutável, fixo e permanente que resiste a toda essa imensa onda de mudança; um "eu" que esteve sempre lá, desde o primeiro berro do recém-nascido, e que continuará lá, até o último gemido de agonia do moribundo; um "eu" que perpassa, de algum jeito misterioso e difícil de explicar, toda a nossa existência, sem nunca se transformar... E acho que aí é que está a "ilusão": acreditar que exista qualquer coisa de permanente dentro de nós. Quando não há! Nada.

Por isso as pessoas não são fáceis de conhecer: por essa instabilidade do "eu" no comando, sempre diferente, apesar de sempre semelhante. Por isso o "eu" é uma ilusão: pois cada um de nós não é um eu, é um NÓS. "Sou toda uma turma...". Se querem me conhecer, se preparem pois para a árdua tarefa de conhecerem toda uma multidão! E nessa multidão há de tudo, de tolos a sábios, de chatos a simpáticos, de generosos/bondosos a canalhas egoístas. E se preparem para recomeçar o serviço a cada novo dia, pois uma pessoa nunca se conhece de uma vez para sempre - é um objeto de estudo que se transforma continuamente; os conhecimentos que temos sobre ele precisam de um constante update. Mudo tanto que é burrice de qualquer um querer colar em mim uma placa, uma etiqueta, uma categorização abstrata. George Harrison, o beatle mais zen, no disco dos Fab Four que eu considero o mais genial e revolucionário de todos, dizia assim: "You don't get time to hang a sign on me...". Muito bem dito.

(aliás: acho que eu não sou uma pessoa lá muito fácil de se conhecer... Não é pra me gabar, mas acho que sou um serzinho complexo. Me abro com poucos. Tenho a mania ancestral de gostar de ficar na minha e cultivar uma boa dose de reserva. Não sou o tipo de cara que costuma sair tagarelando sobre si mesmo e prodigalizando histórias de vida numa mesa de bar para pessoas que talvez não estejam interessadas em ouvir. Preciso sentir no outro o interesse, a curiosidade, a vontade de me desvelar, me descobrir, entrar nas minhas tocas com uma lanterna para ver tudo o que há rabiscado e desenhado nas paredes... Preciso sentir que o outro me olha com uma certa voracidade, como o explorador ganancioso olha o baú de tesouros que encontra mas não sabe como abrir. Poucas vezes na vida encontrei alguém que me tratasse como se eu fosse um baú de tesouros e quisesse ver tudo o que está dentro. A essa pessoa eu entregaria a chave.)

Gosto de pensar na minha mente como uma espécie de nave espacial, daquelas dos seriados antigões tipo Perdidos no Espaço, que carrega no bagageiro um monte de co-pilotos congelados em cápsulas. E conforme a viagem progride, os co-pilotos vão sucessivamente despertando: um a um vai até o manche da minha mente e comanda a jornada por um tempo, até que morre e é substituído pelo novo piloto recém-desperto. No comando da minha mente, rola essa sucessão ininterrupta de pilotos diferentes, alguns extremamente hábeis na condução sutil do meu corpo através dos asteróides e buracos-negros do universo (smooth sailing all the way...), outros muito mais desastrados e desengonçados nesse serviço. Todos os pilotos são parecidos uns com os outros; mas cada um deles é ao menos um pouco diferente do que era o anterior e do que será o sucessor. No fim de tudo, terão se sucedido dúzias e dúzias de pilotos na condução dessa carroça inter-estelar que passeia pelo Cosmos e que eu chamo de minha vida...

E é bem provável que, quando o último piloto estiver no comando, quando ele chegar a seu último suspiro, minha pobre e humilde navinha vai explodir em pleno espaço sideral, se fazendo em mil destroços, numa orgia de desintegração, e os poucos espectadores que testemunharão esse pequeno e insignificante desaparecimento vão se perguntar com espanto: "mas para onde ia esse UFO? Pra que planeta estava direcionado? Que missão tinha nesse Universo?" ...

E vocês, também pensam sobre o sentido da vida?

domingo, 18 de novembro de 2007

:: across the universe ::


...e um dia eu ainda quero ter no telhado da minha casa de campo, a ser comprada com o dinheiro do meu rockstardom sempre sonhado e sempre tão fora de alcance, um observatório de estrelas... construído sob um céu de interior, amplo e infinito, sem negrume de poluição ou nuvens-barreira que impeçam a luz da estratosfera de vir me banhar... Quero estar ali, sendo o alvo da chuva cósmica que cai em temporal sobre a Terra dia a dia, segundo a segundo, sem que a gente perceba, pobres e tolos seres humanos que somos, que olham para o chão, para as sarjetas, para os ralos, para as pedras no caminho, e se esquecem de que estamos a bordo de um mega avião em forma de bola que passeia pelo Cosmos feito um vagabundo errante...

No meu observatório de estrelas eu ia pôr meus telescópios potentes todos voltados pro Mistério, em busca de cometas, UFOs e serezinhos verdes dotados de arminhas laser e instintos diabólicos... querendo ver o nascimento de uma nebulosa ou a sucção de uma galáxia por um buraco negro. Ou então ia perder meu tempo a imaginar, mais uma vez, se a luz que vejo hoje provêm de uma estrela morta há milhões de anos. Aí eu ia testar se funciona mesmo fazer pedidos pras estrelas cadentes! Aí eu ia ver se tem mesmo um rosto de Pernalonga desenhado numa das luas de Urano! (Será que a Warner Brothers é poderosa desse jeito?! Que medo!) E aí eu ia sentir aqueles terrores pascalianos frente ao silêncio imóvel dos espaços infinitos. E aí eu voltaria a me abismar em dúvidas sem fim sobre o que diabos euzinho sou no meio dessa grandiosidade toda. E aí eu sentiria de novo o prazer terrível de me sentir pequeno e pouco, mísero e minúsculo, um quase nada. Pó. Sentiria o deleite da minha humildade cósmica. A fascinação por estar debaixo de uma engrenagem tão imensamente magnífica que minha mente declara falência e confessa não conseguir. Diria com gosto que não entendo.


Que é tudo isso? Por que existe um Universo ao invés de nada? Como foi que isso começou e como há de acabar? Se rolou mesmo um Big Bang, com todos os trecos concentrados num único ponto de matéria, quem foi que criou essa matéria toda e deixou-a toda esmagadinha assim num canto? Quanto tempo o Universo foi como uma bolinha de papel amassada, um comprimido caótico de planetas e estrelas enfiadas juntas na mesma lata de sardinha? Quanto tempo tudo ficou daquele jeito? E quem foi que comprou o TNT e acendeu o pavio para mandar todo o negócio pro espaço (literalmente)? E que sentido tem a existência desse montão de bolas rochosas gigantescas e imponentes, que giram em órbitas ao redor de mil estrelas, em mil e uma galáxias por aí, se era pra encher de bichos e gentes e árvores só um mísero planetinha perdido na Via Láctea? E por que a Terra havia de ser assim tão minúscula e boba, tanto que mal apareceria no Mapa do Universo se o senhor Deus existir e tiver um mapa de seus territórios?


E se acontecesse alguma colisão de uma chuva de meteoros contra o nosso planetinha? E se todas as espécies vivas fossem extintas? E se não sobrasse uma só consciência para pensar sobre o Universo, se não sobrasse um só par de olhos se abrindo para o Sol, se não restasse nada que se movesse por conta própria, qual seria o sentido de Tudo? Um Universo sem vida, pra quê? E não parece tão distante assim da realização esse terror, parece? Um Universo sem vida. 99,99% dos planetas que nós conhecemos não têm vida. Não parece um desperdício de matéria? O Universo não se parece com um Império da Morte e da Apatia, sendo que o Planeta Terra é o único mísero pontinho infinitesimal onde brilha – com luz tão mortiça e tão fraca... - a vida, a consciência, a agitação louca das criaturas?


Eu não entendo porra nenhuma. Se Deus existe, não entendo a Cabecinha dessa criatura e o sentido dessa Criação tão louca, com tantos planetas desabitados, com tantos bichinhos se entredevorando aqui neste nosso planeta, com tanta necessidade de morte, putrefação e tudo mais. Se Deus existe, não entendo como é que Ele, por exemplo, deixou Hitler matar seis milhões de judeus, sendo todo onipotente e pimpão como dizem que Ele é. Se eu pudesse fazer uma só pergunta ao Papa, faria essa: por que o Bom Deus não mexeu um único músculo de sua mão Onipotente e Generosa mesmo quando seis milhões de judeus clamavam por ajuda e salvação? Pra mim Auschwitz é prova empírica da inexistência de Deus. Desculpa o dogmatismo, pessoal, mas acho exatamente isso. Não ter feito nada naquela ocasião é um crime imperdoável. Ou Deus não existe, ou Deus é um canalha.


Mas se Deus não existe, não entendo de onde saiu o Universo inteiro, se o treco sempre existiu ou se teve um começo, se sempre existirá ou se terá um fim, e muito menos ainda porque calhou de surgir um monte de bichinhos e outras coisas inencontráveis em outros planetas justamente aqui, nessa bola onde estamos, que gira no espaço, em círculos, há alguns bilhões de anos...

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no comecinho do Hitchhiker's Guide To The Galaxy, o Douglas Adams diz uma coisa que me faz gargalhar até hoje. Diz ele que existe uma teoria que diz assim: se alguém descobrisse o Sentido do Universo, na hora o Universo se explodiria em mil pedaços e seria substituído por algo ainda mais incompreensível e misterioso. Existe uma outra teoria que diz que isso já aconteceu.

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(sim, o beque tava muito bom.)

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

:: a caixa-preta ::


"Você certamente não esqueceu a regra famosa no início de Anna Karenina quando Tolstoi envolve-se com um manto de divindade campesina tranquila, pairando sobre o vazio de tolerância e bondade, e declara das suas alturas que todas as famílias felizes se parecem, enquanto as famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira. Com todo o respeito a Tolstoi, eu digo que o contrário é o correto: os infelizes na maioria estão imersos em sofrimentos convencionais, vivem numa única rotina estéril entre quatro ou cinco clichês de miséria gastos. Enquanto a felicidade é um objeto fino e raro, uma espécie de vaso chinês, e os poucos que chegaram a ele cinzelaram-no traço por traço durante anos, cada um à sua imagem, cada um segundo as suas medidas, portanto não há uma felicidade que se pareça com outra..." - (Amós Oz, A Caixa Preta)

terça-feira, 13 de novembro de 2007

:: um blog de mp3 ::

idealizado, bolado e patrocinado pelo Dirty Little Mummie. confiram!

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

:: amai para entendê-las! ::


Alguém de comprovado bom gosto literário me falou: "O Olavo Bilac escreveu uma das coisas mais bonitas da língua portuguesa, A Via Láctea..." Enfrentei meus preconceitos e encarei a leitura. É verdade mesmo.

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."

domingo, 4 de novembro de 2007

Vai rolar um cursinho intensivão de música independente nacional no próximo findi em Ribeirão Preto, no 3o festival Groselha Fuzz - que pelo jeito vai ser tipo uma Woodstock indie (hoho!). Vão ser mais de 30 bandas underground em dois dias de festa - e tudo pela mixaria de 25 pilas de ingresso pra ver a porra toda. TIM é para os fracos (e para os endinheirados!). Vamaê? Tô na procura por gte pra rachar a gasosa e o pedágio da viagem de Sampa pra lá- se alguém aí tiver a fim, só me dar um toque e bóra... :)