domingo, 26 de março de 2006


Algumas razões que explicam porque gosto tanto de "O Jardineiro Fiel" (uma resenha em "asterísticos"!):

* Gosto que o filme demonstre como homens e mulheres comuns, sem grande poder ou influência, e sabendo do risco de vida que correm, ousem se levantar contra as megacorporações multinacionais e sua falta de escrúpulos. Gosto desse heroísmo da formiga que briga com o elefante porque sabe que, mesmo que acabe por ser esmagada, tem o direito e o dever de reclamar, gritar, lutar.

* Gosto da transformação de caráter ocorrida com Justin Quayle (Fiennes): antes ele era o diplomata racional e contido, certo de que não devia se envolver diretamente com atos de caridade (as Nações Unidas e outras instituições não estão aí para isso?), fiel defensor do cada-um-por-si; ao fim do percurso, se torna um entusiástico seguidor da moral militante e altruísta de sua ex-esposa. Gosto do modo sutil que o filme tem de sugerir que aquilo que o mundo mais precisa é da paixão, da indignação e do trabalho duro de uma Tessa do que do afastamento e semi-indiferença racionalóide do Justin inicial.

* Gosto de que esse seja um filme americano de grande porte que teve seu leme comandado, e com mãos de mestre, por um diretor brasileiro jovem, fresco, original, renovador. Gosto que um "ponto de vista de Terceiro Mundo" domine o filme, demonstrando através de um exemplo particular o modo como as grandes corporações (e os governos federais do primeiro mundo, que frequentemente são coniventes a elas), utilizam a África como um quintalzinho onde a vida é barata e desimportante, cuja exploração paga os benefícios da nossa querida civilização... E isso faz séculos e séculos.

* Gosto que o filme não caia numa certa frieza e num certo racionalismo comum a muitos thrillers políticos que, tão preocupados em descrever relações entre políticos, governantes e funcionários do Estado, exilam da obra qualquer tipo de emotividade. Gosto que haja uma história de amor dentro do filme de conspiração, principalmente quando este romance é contado de modo tão sutil e tão agradável: por meio de flashbacks que vão direto a aos momentos significativos na vida do casal, deixando fora as insignificâncias e construindo um painel de olhares, de sorrisos, de toques, de diálogos... Gosto do velho tema dos "opostos se atraem" se repetindo aqui, só que mais em termos de diferenças em relação à postura política, e do modo como o viúvo vai lentamente descobrindo a verdadeira face da sua esposa enquanto vai se aprofundando em sua investigação. Gosto que a fidelidade em questão, longe de ser entendida no sentido mais banal, é algo de mais profundo: a fidelidade de Justin não tem nada a ver com abstinência sexual ou castidade; é uma fidelidade ao que Tessa construiu, à luta que ela empreendeu, ao trabalho que deixou inacabado, ao ideal que a animava, enfim, à pessoa que ela era, com toda sua convicção, coragem e idealismo... Gosto do modo como a morte, nesse caso, longe de destruir a conexão entre os dois, é algo que a aprofunda. Gosto do modo como a vivacidade e a coragem de Tessa, mesmo que seja muito depois da morte dela, consegue chaqualhar a apatia de Justin e o modificar profundamente.

* Gosto do fato de que Fernando Meirelles tenha convencido toda sua equipe a filmar realmente no Quênia, ao invés de em alguma outra locação fingida, fazendo todos realmente se afogarem naquele ambiente sufocante de calor e de miséria, mais pobre que qualquer favela brasileira, mais trágico que muito campo de concentração... Gosto de ver os habitantes de Nairóbi aparecendo frequentemente na tela, sem disfarces, sem atuação e sem roteiro, o que dá um clima de realidade e de improviso a um filme que, também no seu estilo de filmagem e montagem, é sempre vivo, urgente, esperto. Gosto do modo como os quenianos não são somente mostrados como coitadinhos dignos de piedade.

* Gosto de pensar que um brasileiro esteja dando uma aula de cinema para os norte-americanos, frequentemente tão arrogantes e tão convictos de serem os melhores nessa arte... Depois do mexicano Alejandro González Iñarritu realizado aquela obra-prima irretocável que é o 21 Gramas, agora é a vez de um brasileiro deixar sua marca utilizando toda a engrenagem técnica do cinema americano. Mais do que a seleção brasileira, mais que qualquer esportista adorado por aqui, mais do um Paulo Coelho ou um Pato Fu, Fernando Meirelles é uma das poucas personalidades brasileiras que me dá aquele sentimento, que aliás sinto tão raramente, de ORGULHO NACIONAL...

* Gosto que Tessa já seja dada como morta no começo do filme, antes que a gente tenha tempo de se envolver emocionalmente com ela, o que evita que o filme, mais pra frente, tenha que apelar para o velho truque melodramático de uma morte inesperada e dolorosa da heroína. Gosto da sutileza com que o luto e a dor pela perda é mostrada, sem exageros histéricos, sem apelação. O modo como o filme usa o contraste de cores para criar efeitos sentimentais, apesar de tão simples, me parece certeiro... Aquele tom azulado, acizentado e decadente que toma conta da tela quando Justin está em meio aos destroços da antiga casa, chorando com o rosto colado ao vidro, é entrelaçado com aquelas cenas cheias de claridade, como se houvesse um Sol brilhando dentro daquele quarto quando os amantes estavam juntos... Gosto dessa dolorosa saudade nos sendo transmitida só por imagens, flashes, mudanças de coloração. Poucos filmes antes me mostraram tão bem como usar o contraste de cores - só Traffic, que eu me lembre... - para mudar o tom emocional.

* Gosto de como o filme demonstra bem o quanto as empresas procuram fabricar uma fachada de preocupações humanitárias (testes gratuitos para tuberculose, remédios gratuitos supostamente distribuídos para a população...), que escondem interesses e atos repugnantes. A KDH e a Three Bees, as empresas fictícias do filme, à primeira vista parecem preocupadas com a melhora das condições de saúde da população africana, mas depois se torna claro que estão somente usando os quenianos como COBAIAS para o teste de remédios que podem causar sérios e letais efeitos colaterais. Os quenianos aqui não são nada muito diferente de ratos de laboratório que, se acabam por morrer, bem... isso não importa muito. "Só estamos matando gente que iria morrer de qualquer jeito", ousa dizer Sandy, um dos empresários. Gosto da indignação que eu sinto ao ouvir essa frase.

* Gosto da economia no sangue artificial e nas cenas chocantes, principalmente depois do espetáculo frequentemente gore e tarantinesco que Meirelles criou em Cidade de Deus. Gosto do que o filme não mostra: nem o cadáver de Tessa, nem a agonia de Justin, são explicitamente lançados ao nosso olhar - Meirelles, ao contrário do que eu esperava, se moveu para longe da glamourização da violência do seu filme anterior, se preocupando muito mais com a sutileza e com uma certa "ambientação emocional".

* Gosto do medo que o filme nos causa a respeito da nossa futura dependência em relação a alguma dessas empresas farmacêuticas na eventualidade de uma grande epidemia global. Imaginem só quão conveniente seria, para o capitalismo em geral, que uma doença perigosa se disseminasse mundo afora e uma empresa multinacional tivesse o monopólio do medicamento para curá-la. Imaginem os preços do produto subindo com o aumento exponencial da procura. Imaginem os estratos mais pobres da população mundial sem condições de comprar o remédio. Imaginem os governos nacionais incapazes de intervirem com as políticas das empresas privadas. Imaginem um quinto, um quarto, um terço da humanidade extinta, e justamente os mais pobres... Que formidável ferramenta de "limpeza étnica" não seria esse "divino vírus"! Temo ao imaginar que alguma empresa farmacêutica tenha a idéia diabólica de CRIAR uma doença e espalhá-la pelo mundo, só para ter o prazer de depois vender os medicamentos para uma Terra que se tornou, inteirinha, uma clínica... É exagerar na paranóia? É ver malignidade demais nas multinacionais? Não sei. I wouldn't be so sure. Gosto que "o Jardineiro Fiel" nos deixe alertas e saudavelmente paranóicos.

* Gosto de ficar na expectativa pelo próximo.

(CAMINHOS ALTERNATIVOS): FLICK PHILOSOPHER --- PABLO VILAÇA --- ALEXANDRE MATIAS --- ROTTEN TOMATOES --- VILLAGE VOICE --- BERARDINELLI --- A ARCA --- CONTRACAMPO --- CINEIMPERFEITO.

domingo, 19 de março de 2006

!!! DLMSONGS !!!

(agora em outro esquema: via Rapidshare.)



GRAND FUNK RAILROAD - "We're An American Band"
http://rapidshare.de/files/15935640/Grand_Funk_Railroad_-_We_re_An_American_Band.zip.html

GIL-SCOTT HERON, "The Revolution Will Not Be Televised"
http://rapidshare.de/files/15936199/Gil_Scott-Heron_-_The_Revolution_Will_Not_Be_Televised.zip.html

MILES DAVIS - "A Tribute To Jack Johnson" (1970)
http://rapidshare.de/files/15938956/Miles_Davis_-_A_Tribute_To_Jack_Johnson__1971_.zip.html

ECHO & THE BUNNYMEN - "Coleta da Múmia"
http://rapidshare.de/files/15943017/Echo_The_Bunnymen..._
COLETA_DA_M_MIA.zip.html


JOHN COLTRANE - "A Love Supreme"
http://rapidshare.de/files/15955117/John_Coltrane_-_A_Love_Supreme__1964_.zip.html

RODDY FRAME - "Surf" (2002)
http://rapidshare.de/files/15955416/
Roddy_Frame_-_Surf__2002_.zip.html


SMITHS - "Meat Is Murder" (1985)

no Gmail.

* * * * *

2 lições de sabedoria do 1º filósofo q eu tô estudando na facul:

"É em nossas conversas mais animadas, e não nos raciocínios formais das escolas, que pode ser encontrada a verdadeira sabedoria. É nas relações entre amigos, e não nos debates vazios dos estadistas e pretensos patriotas, que se revela a verdadeira virtude. Esquecidos do passado, seguros do futuro, gozemos aqui mesmo o presente. Enquanto ainda possuirmos um ser, procuremos conseguir algum bem permanente, que não esteja sujeito ao azar e à fortuna. O amanhã trará consigo seus próprios prazeres - e, se desapontar nossos caros anseios, poderemos ao menos gozar o prazer de recordar os prazeres de hoje".

"Mas por que teu peito estremece com esses suspiros, e tuas luminosas faces de lágrimas são banhadas? Por que distrair teu coração com vã ansiedade? Por que tantas vezes me perguntas quanto tempo meu amor vai durar? Desgraçadamente, minha Célia, não sei responder a essa pergunta. Acaso sei quanto tempo minha vida ainda vai durar? Mas também isto perturba seu coração? Acaso a imagem de nossa frágil mortalidade te está constantemente presente, para desanimar horas mais felizes e envenenar mesmo as alegrias que o amor inspira? Pensa que, se a vida é frágil e a mocidade é transitória, mais motivo ainda para bem usar o presente momento, sem nada perder de tão perecível existência. Apenas mais um momento, e esta não será mais. Seremos como se jamais houvéssemos sido, nem uma só recordação de nós restará à face da terra, e nem as fabulosas sombras do além nos darão guarida. Nossa estéril ansiedade, nossos vãos projetos, nossas incertas especulações, tudo será engolido e perdido. Nossas atuais dúvidas, sobre a causa original de todas as coisas, jamais, infelizmente, serão dissipadas. De uma só coisa podemos estar certos - é que, se há um espírito supremo que preside nossos destinos, deve agradar-lhe ver-nos realizar a finalidade de nosso ser, gozando aquele prazer para que fomos criados".



(DAVID HUME)

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ÚLTIMOS FILMES:


65. SOB A NÉVOA DA GUERRA (de Errol Morris, EUA, 2002 [dvd]) - 7.1
66. SIDEWAYS (de Alexander Payne, EUA, 2005 [dvd]) - 8.0
67. DEPOIS DA VIDA (Afterlife, de Horekazu Koreeda, Japão [dvd]) - 7.9
68. CRASH - NO LIMITE (Crash, de Paul Haggis, EUA, 2005 [cinema]) - 5.0
69. TERRA DOS MORTOS (de George Romero, EUA, 2005 [dvd]) - 4.5
70. A DUPLA VIDA DE VERONIQUE (do Kieslowski, 1991 [divx]) - 8.1
71. BEM-VINDO À CASA DE BONECAS (de Todd Solondz [divx]) - 8.3
72. CÃO BRANCO (White Dog, de Samuel Fuller, 1982 [divx]) - 5.1
73. CONTATOS IMEDIATOS DE 3o GRAU (Spielberg, 1977 [dvd]) - 7.5
74. JOHNNY & JUNE (Walk The Line, de J.Mangold, 2006 [cinema]) - 7.9
75. A NOITE AMERICANA (de François Truffaut, 1973 [cinUSP]) - 9.3
76. I AM TRYING TO BREAK YOUR HEART (de Sam Jones [divx]) - 8.0
77. ALIEN (de Ridley Scott, EUA, 1979 [dvd]) - 8.5
78. GAROTOS DE PROGRAMA (do Gus Van Sant, 1991 [divx]) - 4.4
79. CORTINA DE FUMAÇA (Smoke, de Wayne Wang, 1995 [dvd]) - 8.1
80. VER-TE-EI NO INFERNO (The Molly Maguires, de Martin Ritt) - 9.7
81. A MORTE DO CAIXEIRO VIAJANTE (de Volker Schlöndorff) - 9.8
82. CURTINDO A VIDA ADOIDADO (de John Hughes, 1984 [dvd]) - 6.3
83. LA JETÉE (de Chris Marker, França, 19xx [divx]) - 6.0
84. A MARQUESA DE 'O (de Eric Rohmer, França, 1976 [cinUSP]) - 8.0
85. DE VOLTA PRO FUTURO III (de Robert Zemeckis, 1990 [dvd]) - 8.4
86. BOA NOITE, E BOA SORTE. (de George Clooney [divx]) - 7.5
87. ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL (de Allan Arkush, EUA, 1979 [divx]) - 8.1
88. WALLACE & GROMIT, A BATALHA DOS VEGETAIS (2005 [dvd]) - 5.8


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Meu mais novo poeta predileto: JOHN DONNE.


Confined Love

Some man unworthy to be possessor
Of old or new love, himself being false or weak,
Tought his pain and shame would be lesser,
If on womankind he might his anger wreake,
And thence a law did grow,
One might but one man know;
But are other creatures so?

Are Sun, Moon, or Stars by law forbidden
To smile where they list, or lend away their light?
Are birds divorc'd, or are they chidden
If they leave their mate, or lie abroad a night?
Beast do no joyntures lose
Though they new lovers choose,
But we are made worse than those.

Who e'r rigg'd faire ship to lie in harbours,
And not to seek new lands, or not to deale withall?
Or built faire houses, set trees, and arbors,
Only to lock up, or else to let them fall?
Good is not good, unless
A thousand it possess,
But doth wast with greediness.


quinta-feira, 16 de março de 2006


THE RAMONES
in
ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL

(de Allan Arkush, EUA, 1979)



"Hey guys, peoople say your music is loud and destructive and lethal to mice, but i think you are the Beethovens of our time!"

Lançado quando a banda ainda engatinhava, com menos de 5 anos de idade e só 4 álbuns lançados (os igualmente clássicos e impecáveis Ramones, Leave Home, Rocket To Russia e Road To Ruin), esse Rock and Roll High School se tornou filme obrigatório não só para os fãs dos Ramones, junto com o ótimo documentário End Of Century, de Michael Gramaglia e Jim Fields, mas uma espécie de Clássico do cinema B, um Monumento Trash, um Maravilhoso Toscódromo Cinematográfico...

Esse papo de adolescentes rebelados contra a escola e os pais, e reclamando a altos brados o direito ao hedonismo, ao barulho e à zona, já rendeu um monte de filmes muito parecidos uns com os outros - e Rock and Roll High School é outro da leva. Apesar de frequentemente desprezados pela crítica como podridão kitsch a ser tacada na lata de lixo da história, muitos desses filmes se tornaram clássicos populares ou itens "cult": só lembrar d'um Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller's Day Off, de John hughes, 1986), d'um Clube dos Cafajestes (National Lampoon's Animal House, de John Landis, 1978), d'um Porky's (de Bob Clark, 1981) ou d'um Jovens, Loucos e Rebeldes (Dazed and Confused, de Richard Linklater, 1991), todos esses adoráveis "filmes para adolescentes" que a Globo tão bem utilizou nas Sessões da Tarde do passado e que marcaram as infâncias e puberdades de muitos de nós. Rock and Roll High School é da mesma família de filmes, e não há razão para ser menos apreciado e adorado do que os que acabaram de ser citados.

Nossa protagonista, uma loirinha cheerleader-style que de punk rocker num tem muita coisa, vai mover montanhas e invocar os deuses para conseguir comparecer ao show dos Ramones em sua cidade. E claro que ela vai invadir o camarim, entregar a Joey letras que escreveu, ficar amiguinha de seus ídolos e convocá-los para uma Rebelião Estudantil. Enfim, aquela coisa bem As Aventuras de Uma Groupie. É claro que os Poderes Estabelecidos estão dispostos a impedir de qualquer jeito que a juventude vá se contaminar com a música comprovadamente maléfica à saúde física e moral que fazem os Ramones, e é claro que a juventude e o direito ao rock and roll vão triunfar. O final é a-po-te-ó-ti-co, com explosões e tudo, cês nem imaginam o jeitão blockbuster da coisa... ;-)

Ok, um crítico sério não pode deixar de considerar esse estrupício de filme como cinema de última categoria: os personagens são todos estereotipados, rasos e caricaturescos; as atuações são mais horrorosas do que as de uma novela mexicana; o humor é frequentemente bestalhão e vulgar; e tudo está a serviço de um enredo simplérrimo e pouco criativo. Tem horas que o Rock and Roll High School é de uma ruindade tão grande que chega a ser constrangedor. Mas quem souber ir até o filme com o espírito certo não vai deixar de se divertir, não somente com as piadinhas passáveis e vez ou outra realmente dignas de gargalhada que o filme contêm (especialmente aquelas envolvendo ratos de laboratório que explodem...), mas também pelo imenso potencial de humor involuntário que está espalhado por todo lado.

O lance é que Rock and Roll High School é engraçado mesmo quando não está tentando ser. Pra curtir só é preciso desligar o "senso crico" e curtir um filme que não se leva a sério e que só pede de nós que também abandonemos a seriedade pra apreciar com o maior dos guilty pleasures essa diversão trash, tosca, desengonçada e adorável que ele nos oferece. E e esse sempre foi o espírito dos Ramones. O negócio deles nunca foi tanto usar a música como meio prum protesto político (como o Clash ou os Dead Kennedys) ou pra anarquia organizada (como os Pistols e os Stooges), mas sim criar um mundo onde vigorasse fulltime a pura e simples diversão rock and roll. Joey Ramone nunca quis ser um capetinha com fogo-no-rabo bagunçando o coreto como um Johnny Rotten ou um Iggy Pop, nem se tornar uma espécie de líder revolucionário esquerdista usando a música como bandeira (como um Jello Biafra ou um Joe Strummer) - ele queria mais era recriar a música pop dos anos 50 e 60 que ele tanto adorava, só que mais rápida, mais barulhenta, mais urgente, mas tão poppy e grudenta quanto sempre fora. Só isso. Os Ramones nunca foram nem políticos nem "artísticos", e não precisam ser nenhuma das duas coisas para terem assegurado seu papel como the godfathers of punk. Se a intenção dos Ramones como banda - e graças a deus... - nunca foi criar música com "valor estético e artístico", seria ridículo esperar deles algo diferente nesta investida ramônica no cinema: como os discos dos Ramones, Rock and Roll High School, o filme, é igualmente despretensioso e não tá nem aí para o que possam pensar os "críticos de arte".

E é óbvio que não, os Ramones definitivamente não são bons atores. São completamente abomináveis! Pior que isso só mesmo o Roger Daltrey, o vocalista do The Who, protagonizando a ópera-rock Tommy, esse sim um filme com pretensões indevidas a ser Cinema de Verdade. Pior que isso só o Ringo Starr... Nem seria o caso de dizer que astros do rock num deviam se meter a fazer cinema, pois as tentativas de muitos deles demonstraram ser de muita qualidade: só lembrar que Tom Waits (por exemplo em O Pescador de Ilusões), David Bowie (em A Última Tentação de Cristo), Debbie Harry (em Videodrome) e Bjork (em Dançando no Escuro), só pra citar alguns, não fizeram feio quando invadiram a telona. Não é o caso aqui, mas pelo menos (por sorte!) são muito poucos os momentos em que os Ramones precisam realmente atuar - na maior parte do tempo, eles aparecem fazendo o que fazem de melhor: sendo somente Joey, Johnny, Dee Dee e Marky, tocando punk rock no talo e entoando gabba gabba heys e hey-ho-let's-gos.

Que ninguém vá ao filme com falsas esperanças, pois: é claro que esse filme, dentro da história do cinema, é simplesmente lixo. É aquela coisa: o filme é tão ruim, mas tããão ruim, que chega a ser bom. Sei que tem gente que num vai entender esse "raciocício" (esse o quê?!), que vai dizer que isso não é um "argumento" digno de um filósofo como eu (hahaha!)... Mas não tem nada de absurdo. É somente que a ruindade do filme, longe de me incomodar ou enfurecer, serviu muito mais como um convite a rir, como um pretexto pra me divertir. E quem disse que um filme ruim num pode ser muito mais prazeiroso e divertido de assistir do que um ultra-renomado clássico do "cinema de arte"? Ora, nenhum filme que me deixa tão alegre quanto me deixou Rock and Roll High School pode ser chamado de realmente ruim... Em resumo, e só pelo prazer de dizer o paradoxo: mas que ruindade mais boa!

Um filme melhor produzido, com melhores atuações e uma produção mais classe A, teria retirado de Rock and Roll High School a sua aura de coisa trash, de filme B, de tosquice - e aí ele perderia todo o seu charme. Então não tem sentido dizer, em relação a tudo o que tem a ver com Ramones, aquilo que os críticos da banda sempre dizem: "ah, mas esses caras podiam escrever harmonias com acordes mais complicados (ou pelo menos mais numerosos)! E umas letrinhas mais inteligentes (ou pelo menos mais longas!)... E poderiam investir em sonoridades mais variadas, em instrumentos diferentes! Poderiam se vestir com mais elegância! E gastar dinheiro para fazer clipes um pouco menos ridículos..." É entender errado todo o lance Ramones. Porque esses caras são maravilhosos justamente porque são toscos e simples e primatas; porque não tem nenhum medo do ridículo; porque não estão tentando ser bonitinhos e adoráveis; porque não tem nenhum pudor de se mostrarem sem nenhuma maquiagem. Porque são verdadeiros, genuínos, até as últimas consequências, mesmo quando isso significa fazer um desfile com seus defeitos... E, é claro, porque são de longe uma das melhores bandas de rock and roll de todos os tempos - e uma das mais fáceis de amar incondicionalmente. Rock and Roll high School, o filme, está perfeitamente de acordo com a mensagem dos Ramones ao mundo: tudo bem ser feio, ser simples, ser um pouco idiota, ser um tanto outsider, ter jeans rasgados e cabelos horrorosos, porque o que realmente importa, amiguinhos, é curtir essa porra de vida... Certo?

Dizer então que Rock and Roll High School é um filme que poderia ser melhor é um contra-senso. Porque tudo o que tem a ver com Ramones segue uma regra geral: se melhorar estraga.

sábado, 11 de março de 2006


A NOITE AMERICANA
de François Truffaut
(La Nuit Américaine / Day For Night, 1973)


Dos "filmes metalinguísticos" que procuram fazer, através do cinema, uma reflexão sobre o que cinema, esse adorável A Noite Americana é de longe um dos melhores. Pode não ser tão cáustico e finamente irônico quanto o magnífico O Jogador, de Robert Altman, nem tão incisivo na crítica à Indústria Cultural quanto o Barton Fink dos irmãos Cohen, nem tão genial e dionisíaco quanto o Oito e Meio do Fellini, nem conter uma análise de personagem tão brilhante quanto A Malvada de Joseph Mankiewicz, mas é certamente o mais divertido do gênero e, talvez, o mais apaixonante e o mais prazeiroso de assistir.

Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1973, essa pequena pérola de François Truffaut parece, à primeira vista, somente um aglomerado de causos bizarros e engraçados que envolvem a arte de fazer cinema, reunidos numa fina comédia que se centra num behind-the-scenes de um filme falso. Eis um filme sobre pessoas fazendo um filme, e não se sai disso. Mas com que classe a coisa é feita...! Truffaut, que já era em 73 um reconhecido Grande Mestre da sétima arte, com toneladas de experiência acumulada e a maioria de seus grandes clássicos já lançados (Jules e Jim, Atirem No Pianista!, Os Incompreendidos são todos dos anos 50 e 60), fez em A Noite Americana uma bela crônica das desventuras de um cineasta e do árduo processo de parto de um filme. Acabou cometendo uma obra que, além de deliciosa de ver, mostra bem como se pode ser leve e divertido sem ser fútil. Esse é daqueles filmes pra fazer a gente sair do cinema incomparavelmente mais apaixonado pelo cinema do que era ao entrar...

Truffaut (que ataca também de ator e interpreta justamente o diretor do "filme dentro do filme") nos oferece aqui um delicioso painel do que significa ser um cineasta e de todas as aporrinhações que tornam esse trabalho um tanto complicado, estressante e cheio de imprevistos. Não é somente pelas gags, aliás engraçadíssimas, que vale esse A Noite Americana - ele vai muito além disso. A idéia principal é demonstrar o quanto de jogo-de-cintura, de corrida-contra-o-tempo, de fria paciência, de veloz improvisação e de criatividade é necessário para que o diretor consiga sobreviver ao caos do set e aos ataques do acaso... De certo modo, Truffaut faz elogio próprio, glorifica sua própria profissão, faz do cineasta um símbolo da bravura e do heroísmo, mas nem dá pra se sentir mal com esse "narcisismo". No fundo, o que acontece é que Truffaut nos faz sentir todo o imenso prazer que ele sinceramente sente como cineasta e amante de cinema - e um pouco desse amor e dessa empolgação dele certamente nos é transmitido e fica impregnado (felizmente!) em nós...

O que A Noite Americana deixa claro é que o cinema, como arte essencialmente coletiva, sofre com certas desvantagens e complicações: é preciso contar com a cooperação de pessoas frequentemente instáveis, excêntricas e falíveis, que possuem frequentemente interesses conflitantes e vícios abundantes, especialmente a vaidade e a ambição, num set superlotado e onde os mínimos detalhes tem que ser levados em conta. O acaso e o azar também não poupam ninguém: muitas vezes um ator morre durante as filmagens, ou uma atriz entra em crise nervosa e histérica, ou casinhos de amor, ciúme e traição ameaçam transformar o set num palco para o correr de sangue... Aos trancos e barrancos, e no improviso, vai-se seguindo em frente... E é papel do diretor ser o maestro desses músicos tão dissonantes a fim de tentar tirar daí alguma melodia digna. Tudo isso está maravilhosamente exemplificado nos inúmeros episódios do filme.

Além disso, A Noite Americana é também uma Aula de Desilusão, que põe às claras o quanto o cinema se utiliza de inúmeras técnicas de ilusionismo para se tornar uma verdadeira arte da enganação - o que todos sabemos bem, mas às vezes preferimos esquecer. As cenas em que a equipe de produção fabrica tempestades e nevascas artificiais, ou o jeito que arrumam pra filmar o desastre automobilístico, no contínuo esforço de fazer o fake parecer autêntico, diverte e instrui tanto quanto os melhores making-ofs que já se viu. Mostrando o quanto é difícil tornar verossímil o artificial, o filme acaba por nos fazer admirar ainda mais o esforço de todos os envolvidos com o cinema e a fabricação desses "mundos artificiais" a serem projetados numa tela de uma sala escura... A Noite Americana, no fundo, prova que fazer um filme é uma dureza, uma batalha, uma guerra - mas tornando essa dificuldade patente, nos faz achar o resultado - os filmes em si - ainda mais meritórios e admiráveis...

Apesar de ser um filme de ficção, e com um roteiro muito bem bolado, A Noite Americana mostra Truffaut engajado numa certa visão do cinema que me parece, paradoxalmente, anti-cinematográfica, como se dissesse que, apesar de tudo, o cinema não importa tanto assim: a vida vale mais, e a vida é o mais urgente. De certo modo, saímos desse filme com a certeza de que a vida é muito mais interessante do que um filme costuma ser, e que as pessoas reais são muito mais dignas de serem filmadas e terem suas vidas expostas do que quaisquer personagens...

A Noite Americana não deixa de ser crítica cinematográfica, eis o ponto. Truffaut sugere que o cinema tradicional, representado aqui pelo "filme dentro do filme", costuma registrar em fita uma realidade manipulada para parecer cheia de sentido, de ordem, de drama e de espetacularidade, quando nossas vidas, mais absurdas, menos gloriosas, não se assemelham muito às pinturas (distorcidas) que dela fazem a maioria dos cineastas. De modo que Truffaut, mesmo que encerrado no cinema de ficção, volta seu olhar para a vida, não tenta maquiar a verdade dela, não tenta embelezar nem distorcer, prefere o real ao imaginário... Filmando uma filmagem, o que Truffaut fez, na verdade, foi escolher registrar a vida como ela é - ou ao menos uma parcela desse negócio imenso e inesgotável que é a tal da vida como ela é.

E eu não posso deixar de considerar essa uma excelente decisão: Truffaut usa aqui o cinema, não para iludir ou para distorcer, mas para registrar, com um olhar cheio de amor e de afirmação, a vida em si, a vida e sua adorável imperfeição, a vida e sua bela anarquia... O resultado não poderia ser mais positivo: é possível sair da sessão, ao mesmo tempo, com um maior amor pelo cinema e um maior amor pela vida, ao mesmo tempo, o que não é um efeito dos mais comuns, apesar das aparências. A moral da história? Arrisco essa: a vida é mais fácil de amar porque existem filmes, e os filmes são mais fáceis de amar quando não mentem sobre a vida...

(12/03/2006, num pique só.)

* * * * * *

(...tem biografia e filmografia do Trúfô aqui no Allmovie... tem mais resenhas aqui no ROTTEN TOMATOES... esqueci de dizer q outro imenso atrativo do filme é a presença da gatérrima Jacqueline Bisset como protagonista, uma das 30 estrelas de cinema mais bonitas da História segundo esse site... 1o filme visto no CINUSP - meu relacionamento com ele promete!)

quarta-feira, 8 de março de 2006

PASSANDO A DÉCADA A LIMPO...





Aquela ambição idiota que eu tinha inventado foi concretizada: fiz as LISTINHAS com os meus discos prediletos de cada ano desta década aqui, que na verdade é a primeira que eu tô acompanhando em "tempo real". Sendo um filho de 1984, cheguei à adolescência só no fim dos anos 90, e é só aí que começou de verdade o meu caso de amor obsessivo pelo rock and roll, pela indie-garimpagem, pelo air guitar e pela gritação/cantoria na hora-do-banho. Foi só mesmo nos anos da década 2000 q eu fui ouvindo os discos à medida q eram lançados, e acompanhando o "impacto social" do troço como testemunha ocular, de modo q me acho razoavelmente bem antenado e familiarizado com o q foi feito de melhor em termos pop-musísticos nestes últimos seis anos.

Claro que nada disso seria possível se não tivesse ocorrido essa imensa revolução causada em nossas vidas de amantes de música pelo fator MP3 . No fim dos anos 90, naquela época tão distante e tão arcaica, quando a internet ainda deixava a conta telefônica mais cara, os modems ainda tinham nomes estranhos como "28.800 kps" e uma música demorava 45 minutos para vir, o Mp3 era mais uma promessa do que uma realidade. Hoje ele já deu um jeito de mudar radicalmente o modo como nós consumimos e pensamos a música pop - já ameaça até fazer entrar em colapso todo o edifício da indústria fonográfica e promete, num futuro não muito distante, tornar as lojas de disco estebelecimentos comerciais obsoletos. O poder até tentou destruir essa revolução comunitária fechando o Napster, o Audiogalaxy e alguns programinhas parentes, mas hoje é óbvio que o MP3 se tornou uma "praga" (excelente praga!) completamente incontrolável - e que é ele quem vai obrigar a indústria a se adaptar, e não o contrário.

É só pensar que no fim dos anos 90 ainda era praticamente inimaginável q eu pudesse estar fazendo listas de melhores do ano contendo 20, 25, 30 álbuns, a maioria deles nem lançados no Brasil. Naquele tempo, adquirir todos esses discos originais exigiria uma fortuna digna dum Tio Patinhas, que eu, é claro, não tinha à disposição - só mesmo economizando com muito suor e muitos recreios em jejum q eu conseguia comprar, no máximo, dois discos ao mês - e nacionais. Agora tudo mudou. Com um Soulseek e um Speedy em mãos, os discos estão quase todos à distância de um mero clique, e muitas vezes meses antes do lançamento oficial. A internet se tornou uma imensa biblioteca sonora onde podemos livremente explorar e descobrir a música de todos os tempos. Essa facilidade excessiva pode ter tirado um pouco do gosto pelo garimpo e o prazer pela posse daquilo que antes "ninguém tinha", mas as vantagens são mto enormes pra ficar reclamando...

Quanto às minhas listinhas: é claro que vão faltar mtos álbuns q eu ainda não ouvi ou que ainda não "bateram" - e a idéia não é deixar as listas feitas de uma vez para sempre, mas ir sempre mexendo, mudando de idéia, trocando posições, adicionando discos hoje ausentes. E é claro que certos queridinhos da crítica que pra mim não descem (tipo o Sigur Rós!) eu vou deixar de fora, pois se trata de um lance totalmente subjetivo: não os melhores discos, mas os meus favoritos. O que significa que, às vezes, eu vou escolher um disco que a crítica séria ignorou completamente, mas que eu acho completamente adorável, mesmo sabendo que não é uma "obra-de-arte" de "alto valor estético". É o caso, por exemplo, do disco do Saves The Day que ganhou a honra de ser um Melhor do Ano, mesmo que eu não conheça ninguém na crítica q tenha elogiado devidamente essa pérola. Não quero nem saber: adoro fanaticamente o "In Reverie", canto junto com todas as músicas, acho supimpa do começo ao fim, e não tenho medo de falar bem de uma banda confessadamente EMO. Andam dizendo que os emos hão de herdar a Terra - bom, se eles forem ouvir Saves The Day o dia todo, well, that's fine with me.

E agora vou lá estudar os anos 90 (os queridos anos 90!) pra depois, quem sabe, fazer o mesmo com eles (eita falta do que fazer...). Chega de papo. Aí vão então os meus discos prediletos de...

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