THE RAMONES
in
ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL
(de Allan Arkush, EUA, 1979)
"Hey guys, peoople say your music is loud and destructive and lethal to mice, but i think you are the Beethovens of our time!"
Lançado quando a banda ainda engatinhava, com menos de 5 anos de idade e só 4 álbuns lançados (os igualmente clássicos e impecáveis Ramones, Leave Home, Rocket To Russia e Road To Ruin), esse Rock and Roll High School se tornou filme obrigatório não só para os fãs dos Ramones, junto com o ótimo documentário End Of Century, de Michael Gramaglia e Jim Fields, mas uma espécie de Clássico do cinema B, um Monumento Trash, um Maravilhoso Toscódromo Cinematográfico...
Esse papo de adolescentes rebelados contra a escola e os pais, e reclamando a altos brados o direito ao hedonismo, ao barulho e à zona, já rendeu um monte de filmes muito parecidos uns com os outros - e Rock and Roll High School é outro da leva. Apesar de frequentemente desprezados pela crítica como podridão kitsch a ser tacada na lata de lixo da história, muitos desses filmes se tornaram clássicos populares ou itens "cult": só lembrar d'um Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller's Day Off, de John hughes, 1986), d'um Clube dos Cafajestes (National Lampoon's Animal House, de John Landis, 1978), d'um Porky's (de Bob Clark, 1981) ou d'um Jovens, Loucos e Rebeldes (Dazed and Confused, de Richard Linklater, 1991), todos esses adoráveis "filmes para adolescentes" que a Globo tão bem utilizou nas Sessões da Tarde do passado e que marcaram as infâncias e puberdades de muitos de nós. Rock and Roll High School é da mesma família de filmes, e não há razão para ser menos apreciado e adorado do que os que acabaram de ser citados.
Nossa protagonista, uma loirinha cheerleader-style que de punk rocker num tem muita coisa, vai mover montanhas e invocar os deuses para conseguir comparecer ao show dos Ramones em sua cidade. E claro que ela vai invadir o camarim, entregar a Joey letras que escreveu, ficar amiguinha de seus ídolos e convocá-los para uma Rebelião Estudantil. Enfim, aquela coisa bem As Aventuras de Uma Groupie. É claro que os Poderes Estabelecidos estão dispostos a impedir de qualquer jeito que a juventude vá se contaminar com a música comprovadamente maléfica à saúde física e moral que fazem os Ramones, e é claro que a juventude e o direito ao rock and roll vão triunfar. O final é a-po-te-ó-ti-co, com explosões e tudo, cês nem imaginam o jeitão blockbuster da coisa... ;-)
Ok, um crítico sério não pode deixar de considerar esse estrupício de filme como cinema de última categoria: os personagens são todos estereotipados, rasos e caricaturescos; as atuações são mais horrorosas do que as de uma novela mexicana; o humor é frequentemente bestalhão e vulgar; e tudo está a serviço de um enredo simplérrimo e pouco criativo. Tem horas que o Rock and Roll High School é de uma ruindade tão grande que chega a ser constrangedor. Mas quem souber ir até o filme com o espírito certo não vai deixar de se divertir, não somente com as piadinhas passáveis e vez ou outra realmente dignas de gargalhada que o filme contêm (especialmente aquelas envolvendo ratos de laboratório que explodem...), mas também pelo imenso potencial de humor involuntário que está espalhado por todo lado.
O lance é que Rock and Roll High School é engraçado mesmo quando não está tentando ser. Pra curtir só é preciso desligar o "senso crico" e curtir um filme que não se leva a sério e que só pede de nós que também abandonemos a seriedade pra apreciar com o maior dos guilty pleasures essa diversão trash, tosca, desengonçada e adorável que ele nos oferece. E e esse sempre foi o espírito dos Ramones. O negócio deles nunca foi tanto usar a música como meio prum protesto político (como o Clash ou os Dead Kennedys) ou pra anarquia organizada (como os Pistols e os Stooges), mas sim criar um mundo onde vigorasse fulltime a pura e simples diversão rock and roll. Joey Ramone nunca quis ser um capetinha com fogo-no-rabo bagunçando o coreto como um Johnny Rotten ou um Iggy Pop, nem se tornar uma espécie de líder revolucionário esquerdista usando a música como bandeira (como um Jello Biafra ou um Joe Strummer) - ele queria mais era recriar a música pop dos anos 50 e 60 que ele tanto adorava, só que mais rápida, mais barulhenta, mais urgente, mas tão poppy e grudenta quanto sempre fora. Só isso. Os Ramones nunca foram nem políticos nem "artísticos", e não precisam ser nenhuma das duas coisas para terem assegurado seu papel como the godfathers of punk. Se a intenção dos Ramones como banda - e graças a deus... - nunca foi criar música com "valor estético e artístico", seria ridículo esperar deles algo diferente nesta investida ramônica no cinema: como os discos dos Ramones, Rock and Roll High School, o filme, é igualmente despretensioso e não tá nem aí para o que possam pensar os "críticos de arte".
E é óbvio que não, os Ramones definitivamente não são bons atores. São completamente abomináveis! Pior que isso só mesmo o Roger Daltrey, o vocalista do The Who, protagonizando a ópera-rock Tommy, esse sim um filme com pretensões indevidas a ser Cinema de Verdade. Pior que isso só o Ringo Starr... Nem seria o caso de dizer que astros do rock num deviam se meter a fazer cinema, pois as tentativas de muitos deles demonstraram ser de muita qualidade: só lembrar que Tom Waits (por exemplo em O Pescador de Ilusões), David Bowie (em A Última Tentação de Cristo), Debbie Harry (em Videodrome) e Bjork (em Dançando no Escuro), só pra citar alguns, não fizeram feio quando invadiram a telona. Não é o caso aqui, mas pelo menos (por sorte!) são muito poucos os momentos em que os Ramones precisam realmente atuar - na maior parte do tempo, eles aparecem fazendo o que fazem de melhor: sendo somente Joey, Johnny, Dee Dee e Marky, tocando punk rock no talo e entoando gabba gabba heys e hey-ho-let's-gos.
Que ninguém vá ao filme com falsas esperanças, pois: é claro que esse filme, dentro da história do cinema, é simplesmente lixo. É aquela coisa: o filme é tão ruim, mas tããão ruim, que chega a ser bom. Sei que tem gente que num vai entender esse "raciocício" (esse o quê?!), que vai dizer que isso não é um "argumento" digno de um filósofo como eu (hahaha!)... Mas não tem nada de absurdo. É somente que a ruindade do filme, longe de me incomodar ou enfurecer, serviu muito mais como um convite a rir, como um pretexto pra me divertir. E quem disse que um filme ruim num pode ser muito mais prazeiroso e divertido de assistir do que um ultra-renomado clássico do "cinema de arte"? Ora, nenhum filme que me deixa tão alegre quanto me deixou Rock and Roll High School pode ser chamado de realmente ruim... Em resumo, e só pelo prazer de dizer o paradoxo: mas que ruindade mais boa!
Um filme melhor produzido, com melhores atuações e uma produção mais classe A, teria retirado de Rock and Roll High School a sua aura de coisa trash, de filme B, de tosquice - e aí ele perderia todo o seu charme. Então não tem sentido dizer, em relação a tudo o que tem a ver com Ramones, aquilo que os críticos da banda sempre dizem: "ah, mas esses caras podiam escrever harmonias com acordes mais complicados (ou pelo menos mais numerosos)! E umas letrinhas mais inteligentes (ou pelo menos mais longas!)... E poderiam investir em sonoridades mais variadas, em instrumentos diferentes! Poderiam se vestir com mais elegância! E gastar dinheiro para fazer clipes um pouco menos ridículos..." É entender errado todo o lance Ramones. Porque esses caras são maravilhosos justamente porque são toscos e simples e primatas; porque não tem nenhum medo do ridículo; porque não estão tentando ser bonitinhos e adoráveis; porque não tem nenhum pudor de se mostrarem sem nenhuma maquiagem. Porque são verdadeiros, genuínos, até as últimas consequências, mesmo quando isso significa fazer um desfile com seus defeitos... E, é claro, porque são de longe uma das melhores bandas de rock and roll de todos os tempos - e uma das mais fáceis de amar incondicionalmente. Rock and Roll high School, o filme, está perfeitamente de acordo com a mensagem dos Ramones ao mundo: tudo bem ser feio, ser simples, ser um pouco idiota, ser um tanto outsider, ter jeans rasgados e cabelos horrorosos, porque o que realmente importa, amiguinhos, é curtir essa porra de vida... Certo?
Dizer então que Rock and Roll High School é um filme que poderia ser melhor é um contra-senso. Porque tudo o que tem a ver com Ramones segue uma regra geral: se melhorar estraga.
Esse papo de adolescentes rebelados contra a escola e os pais, e reclamando a altos brados o direito ao hedonismo, ao barulho e à zona, já rendeu um monte de filmes muito parecidos uns com os outros - e Rock and Roll High School é outro da leva. Apesar de frequentemente desprezados pela crítica como podridão kitsch a ser tacada na lata de lixo da história, muitos desses filmes se tornaram clássicos populares ou itens "cult": só lembrar d'um Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller's Day Off, de John hughes, 1986), d'um Clube dos Cafajestes (National Lampoon's Animal House, de John Landis, 1978), d'um Porky's (de Bob Clark, 1981) ou d'um Jovens, Loucos e Rebeldes (Dazed and Confused, de Richard Linklater, 1991), todos esses adoráveis "filmes para adolescentes" que a Globo tão bem utilizou nas Sessões da Tarde do passado e que marcaram as infâncias e puberdades de muitos de nós. Rock and Roll High School é da mesma família de filmes, e não há razão para ser menos apreciado e adorado do que os que acabaram de ser citados.
Nossa protagonista, uma loirinha cheerleader-style que de punk rocker num tem muita coisa, vai mover montanhas e invocar os deuses para conseguir comparecer ao show dos Ramones em sua cidade. E claro que ela vai invadir o camarim, entregar a Joey letras que escreveu, ficar amiguinha de seus ídolos e convocá-los para uma Rebelião Estudantil. Enfim, aquela coisa bem As Aventuras de Uma Groupie. É claro que os Poderes Estabelecidos estão dispostos a impedir de qualquer jeito que a juventude vá se contaminar com a música comprovadamente maléfica à saúde física e moral que fazem os Ramones, e é claro que a juventude e o direito ao rock and roll vão triunfar. O final é a-po-te-ó-ti-co, com explosões e tudo, cês nem imaginam o jeitão blockbuster da coisa... ;-)
Ok, um crítico sério não pode deixar de considerar esse estrupício de filme como cinema de última categoria: os personagens são todos estereotipados, rasos e caricaturescos; as atuações são mais horrorosas do que as de uma novela mexicana; o humor é frequentemente bestalhão e vulgar; e tudo está a serviço de um enredo simplérrimo e pouco criativo. Tem horas que o Rock and Roll High School é de uma ruindade tão grande que chega a ser constrangedor. Mas quem souber ir até o filme com o espírito certo não vai deixar de se divertir, não somente com as piadinhas passáveis e vez ou outra realmente dignas de gargalhada que o filme contêm (especialmente aquelas envolvendo ratos de laboratório que explodem...), mas também pelo imenso potencial de humor involuntário que está espalhado por todo lado.
O lance é que Rock and Roll High School é engraçado mesmo quando não está tentando ser. Pra curtir só é preciso desligar o "senso crico" e curtir um filme que não se leva a sério e que só pede de nós que também abandonemos a seriedade pra apreciar com o maior dos guilty pleasures essa diversão trash, tosca, desengonçada e adorável que ele nos oferece. E e esse sempre foi o espírito dos Ramones. O negócio deles nunca foi tanto usar a música como meio prum protesto político (como o Clash ou os Dead Kennedys) ou pra anarquia organizada (como os Pistols e os Stooges), mas sim criar um mundo onde vigorasse fulltime a pura e simples diversão rock and roll. Joey Ramone nunca quis ser um capetinha com fogo-no-rabo bagunçando o coreto como um Johnny Rotten ou um Iggy Pop, nem se tornar uma espécie de líder revolucionário esquerdista usando a música como bandeira (como um Jello Biafra ou um Joe Strummer) - ele queria mais era recriar a música pop dos anos 50 e 60 que ele tanto adorava, só que mais rápida, mais barulhenta, mais urgente, mas tão poppy e grudenta quanto sempre fora. Só isso. Os Ramones nunca foram nem políticos nem "artísticos", e não precisam ser nenhuma das duas coisas para terem assegurado seu papel como the godfathers of punk. Se a intenção dos Ramones como banda - e graças a deus... - nunca foi criar música com "valor estético e artístico", seria ridículo esperar deles algo diferente nesta investida ramônica no cinema: como os discos dos Ramones, Rock and Roll High School, o filme, é igualmente despretensioso e não tá nem aí para o que possam pensar os "críticos de arte".
E é óbvio que não, os Ramones definitivamente não são bons atores. São completamente abomináveis! Pior que isso só mesmo o Roger Daltrey, o vocalista do The Who, protagonizando a ópera-rock Tommy, esse sim um filme com pretensões indevidas a ser Cinema de Verdade. Pior que isso só o Ringo Starr... Nem seria o caso de dizer que astros do rock num deviam se meter a fazer cinema, pois as tentativas de muitos deles demonstraram ser de muita qualidade: só lembrar que Tom Waits (por exemplo em O Pescador de Ilusões), David Bowie (em A Última Tentação de Cristo), Debbie Harry (em Videodrome) e Bjork (em Dançando no Escuro), só pra citar alguns, não fizeram feio quando invadiram a telona. Não é o caso aqui, mas pelo menos (por sorte!) são muito poucos os momentos em que os Ramones precisam realmente atuar - na maior parte do tempo, eles aparecem fazendo o que fazem de melhor: sendo somente Joey, Johnny, Dee Dee e Marky, tocando punk rock no talo e entoando gabba gabba heys e hey-ho-let's-gos.
Que ninguém vá ao filme com falsas esperanças, pois: é claro que esse filme, dentro da história do cinema, é simplesmente lixo. É aquela coisa: o filme é tão ruim, mas tããão ruim, que chega a ser bom. Sei que tem gente que num vai entender esse "raciocício" (esse o quê?!), que vai dizer que isso não é um "argumento" digno de um filósofo como eu (hahaha!)... Mas não tem nada de absurdo. É somente que a ruindade do filme, longe de me incomodar ou enfurecer, serviu muito mais como um convite a rir, como um pretexto pra me divertir. E quem disse que um filme ruim num pode ser muito mais prazeiroso e divertido de assistir do que um ultra-renomado clássico do "cinema de arte"? Ora, nenhum filme que me deixa tão alegre quanto me deixou Rock and Roll High School pode ser chamado de realmente ruim... Em resumo, e só pelo prazer de dizer o paradoxo: mas que ruindade mais boa!
Um filme melhor produzido, com melhores atuações e uma produção mais classe A, teria retirado de Rock and Roll High School a sua aura de coisa trash, de filme B, de tosquice - e aí ele perderia todo o seu charme. Então não tem sentido dizer, em relação a tudo o que tem a ver com Ramones, aquilo que os críticos da banda sempre dizem: "ah, mas esses caras podiam escrever harmonias com acordes mais complicados (ou pelo menos mais numerosos)! E umas letrinhas mais inteligentes (ou pelo menos mais longas!)... E poderiam investir em sonoridades mais variadas, em instrumentos diferentes! Poderiam se vestir com mais elegância! E gastar dinheiro para fazer clipes um pouco menos ridículos..." É entender errado todo o lance Ramones. Porque esses caras são maravilhosos justamente porque são toscos e simples e primatas; porque não tem nenhum medo do ridículo; porque não estão tentando ser bonitinhos e adoráveis; porque não tem nenhum pudor de se mostrarem sem nenhuma maquiagem. Porque são verdadeiros, genuínos, até as últimas consequências, mesmo quando isso significa fazer um desfile com seus defeitos... E, é claro, porque são de longe uma das melhores bandas de rock and roll de todos os tempos - e uma das mais fáceis de amar incondicionalmente. Rock and Roll high School, o filme, está perfeitamente de acordo com a mensagem dos Ramones ao mundo: tudo bem ser feio, ser simples, ser um pouco idiota, ser um tanto outsider, ter jeans rasgados e cabelos horrorosos, porque o que realmente importa, amiguinhos, é curtir essa porra de vida... Certo?
Dizer então que Rock and Roll High School é um filme que poderia ser melhor é um contra-senso. Porque tudo o que tem a ver com Ramones segue uma regra geral: se melhorar estraga.
|