quinta-feira, 29 de março de 2007

:: da série QUERIDO DIÁRIO ::

THE LIFE PURSUIT
(fragmentos de auto-biografia)

(gravura de Samuel Casal)


“A vida só se dá pra quem se deu.”
(vinicius)

“I'm good at being uncomfortable
So I can't stop changin' all the time.”
(fiona)


Muitas vezes me espanta notar como muita gente que é obviamente infeliz insiste em permanecer no inferno, com um medo enorme de arriscar algo novo: outra estrada, outro caminho, outro estilo de vida, outras pessoas, outros ares – qualquer coisa NOVA. De onde vem esse verdadeiro pavor da mudança que faz com que muita gente estrague a própria vida, preferindo viver na mais completa monotonia e numa infelicidade que dura 6 décadas? A pessoa prefere percorrer a mesma estradinha lamacenta e sem graça de sempre, tropeçando sempre nas mesmas pedras e vendo correr sempre o mesmo esgoto, respirando o mesmo cheiro podre e remoendo a mesma insatisfação de sempre, ao invés de se lançar na aventura de pegar uma estrada desconhecida – que pode, é claro, ser também igualmente lamacenta e sem graça, mas que pode também, quem sabe (“what would we be without wishful thinking?”, canta o Jeff Tweedy...), ser bem melhor do que a antiga. Muita gente, mesmo que estejam miseravelmente infelizes, permanecem na mesma, como que empacados, em ponto morto, ao invés de se mexerem, se revolucionarem e mudarem de rota...

O grande problema com as mudanças, claro, é o velho medo que quase todo mundo sente, num determinado grau (mas que é sempre mais intenso pra quem já está mau): putz, mas e se eu mudar pra pior? E se eu tomar uma decisão que vai me levar ainda mais pra baixo, me derrubar ainda mais? E se eu mudar e descobrir que estou ainda pior do que estava? E se eu me entregar a um amor e descobrir que era mais feliz sozinho? Se mudar de emprego e descobrir que preferia o antigo? Se mudar de turma e sentir saudade da galera do passado? E se eu mudar para uma nova vida e descobrir que gostava mais da velha? E se eu me tornar outra pessoa e descobrir que gostava mais de quem eu era do que daquilo que me tornei?

E muitos, talvez por causa desse medo de piorar, perdem a chance de melhorar. Permanecem fazendo o que sempre fizeram, vivendo a vida que sempre viveram, os dias marchando como soldadinhos uniformizados, uns iguais aos outros... Permanecem infelizes, mas de uma infelicidade que já conhecem, uma infelicidade a que já estão acostumados, uma infelicidade que preferem continuar vivendo. Confortably numb. E isso até que o hábito os transforme em mortos-vivos, apáticos e sem energia, que vão vivendo por mera inércia... Sinceramente, acho os seres humanos em geral criaturas deprimentemente covardes. Eu inclusive.

Esses dias mesmo tive que enfrentar, meio que de repente, uma dessas encruzilhadas da vida que exigem uma decisão rápida: ou mudar de vida ou permanecer na mesma. A idéia de mudar de casa eu já tinha faz um tempo, mas uma nova oportunidade apareceu repentinamente e eu fui perguntado, à queima-roupa: quer ou não quer? Responde agora ou perde a chance! Não tinha nem como pedir um diazinho pra pensar. Era tudo ou nada. Fico feliz por ter dito sim, mesmo sem saber o que diabos o futuro me reserva.

Vocês sabem: São Paulo é uma cidade louca e caótica, semeadora de paranóias, repleta de crimes e bizarrices, uma megalópole doidíssima, que tem tudo de melhor e tudo do pior; então não é nada fácil estar confiante sobre onde morar por aqui. Ainda mais considerando que a minha opção era me mudar pr'uma república que eu tinha acabado de conhecer, que tinha uma certa fama de ser meio “porra louca” e de abrigar umas festas de arromba... E, ainda mais, tinha que decidir se me mudava ou não sem nem conhecer nenhuma das pessoas com quem eu iria conviver.

Sempre rola aquele friozinho na barriga, uma angústia enorme, um medo vago de qualquer coisa que não dá pra definir.... Já passei por essa situação antes, claro, mas é sempre meio difícil. Esse já é meu sexto ano morando fora da casa da família, então já posso até dizer que sou uma espécie de veterano na arte de morar sozinho e encarar casas novas com caras novas. Quando me mudei de casa e de cidade, aos 17 anos de idade, indo parar numa república onde não conhecia ninguém e distante 400km dos meus pais, tive que enfrentar um medo de uma enormidade indescritível. Mas enfrentei. E o prazer de enfrentar medos enormes é também enorme! O prazer de uma enorme vitória... Nossos medos só são maus quando nos paralisam. Mas quando, pelo contrário, nós conseguimos agir, apesar deles, contra eles, pisando em cima deles, eles servem como obstáculos que nós pulamos e vencemos com muito gosto. A coisa mais importante é fazer justamente aquilo que mais tememos. É o único modo de crescer. Coragem não é ausência de medo, mas a capacidade de enfrentá-lo e derrotá-lo...

Talvez por isso essa última semana tenha sido tão boa pra mim, tão excitante, tão cheia de esperanças alegres... o sabor doce das novidades! A sensação de começar uma nova fase da minha vida, que traz boas promessas (que espero que se cumpram!), tomando conta de mim e me deixando, no fundo, num estado de espírito ótimo.

Claro que não tenho a mínima idéia do que vai acontecer daqui pra frente: não sei se vou me adaptar nesse novo lar, se vou curtir as pessoas com quem eu vou morar, se aqui vou conseguir encontrar um canto bacana pra viver ou se terei que procurar ainda por mais um tempo... Minhas primeiras impressões foram boas; curti o ambiente trash da Cicerolândia e simpatizei com grande parte das pessoas que estou conhecendo por aqui. Mas a verdade é que, se não der certo, nem estou tão encanado: é só mudar de novo. Com o tempo, fui me tornando uma espécie de menino cigano (essa é a 4ª república e o 5º quarto diferente que estou encarando durante essa minha vida universitária...). Vou pulando de lugar em lugar, em busca de um lar de verdade que nunca encontro, mas que não desanimo de procurar.

Aliás, já desisti do sonho de encontrar um lar em um lugar; só espero encontrá-lo numa pessoa. Mas em que lugar ela estaria?

Mas a verdade é que eu sinto uma grande satisfação, uma grande alegria, por ter tido a coragem pra me lançar nessa “aventura”, por ter conseguido tomar uma decisão rápida e sem volta, por ter tido a ousadia de, mais uma vez, me jogar de cabeça no desconhecido. Dou minha cara pra bater mesmo – que se dane. Como fiz quando me mandei de casa, indo morar sozinho aos 17. Como fiz quando não resisti e declarei paixão pr'uma menina que já tinha namorado. Como pretendo fazer sempre, daqui pra frente, porque a vida foi feito pra isso mesmo: pra se tacar de cabeça no escuro! =)

Não quero ser dessas pessoas que se deixa levar pela vida sem nunca tomar o volante em suas próprias mãos. Se estou infeliz, eu quero ter a ousadia de ir lá e fazer alguma porra, qualquer que seja, pra sair do inferno. Organizar uma fuga. Dinamitar as cercas que me trancam na dor. Mudar de vida, mudar de ares, mudar de pessoas. Por isso eu tenho certeza absoluta que, apesar dos meus dias de melancolia, que não são poucos, apesar das minhas eventuais deprês, apesar da vontade eventual de simplesmente morrer e ir descansar, eu não sou pessoa de me abandonar à infelicidade, de desistir de tentar melhorar, de admitir derrota e ficar deitado na cama chorando: tô sempre me debatendo pra melhorar de estado. Choro, sofro, grito, mas me levanto e vou à luta. E acho que isso está dando seus frutos. A Fioninha, soul sister, diz tudo de um jeito perfeito - e mais uma vez eu sinto como se um verso dela dissesse exatamente o que eu sinto: sou bom em me sentir desconfortável, então não posso parar de me transformar o tempo todo. E acho isso uma ótima coisa, que faz com que a minha vida seja uma espécie de camaleão, sempre mudando de cor – o que me dá a esperança de, daqui a alguns anos, poder olhar pra trás e ser dominado por uma nostalgia toda colorida... =)

* * * * * *

... M E M O R A B I L I A ...

O lugar onde eu estava morando tinha aporrinhações pra dar e vender. Na pensãozinha da Juceta não tava mais dando gosto viver – não só por viver esmagado num quartinho que mais parece uma lata de sardinha e que tinha a peculiaridade extravagante de ser triangular (!!!); não só pelo inominável martírio que é ter como vizinho um buffet infantil que rolava música da pior qualidade em grande parte das noites, inclusive cometendo altos crimes pedagógicos ao contaminar a criançada com funk carioca e pop poperô de centésima categoria; não só pela impossibilidade de fazer barulhos, tocar instrumentos e ouvir música alto por causa da proximidade entre os quartos e a ausência de paredes de verdade (!!!); mas também, e principalmente, porque lá tudo ali era muito certinho, muito bem-regrado, muito controlado... Tudo o que eu NÃO queria quando, deixando Bauru depois de 4 anos ininterruptos vivendo sempre em república, desembarquei em Sampa querendo continuar num esquema parecido. A pensão tinha lá suas vantagens: cinco minutos a pé e eu já estava dentro do câmpus da USP, o que me poupava muito tempo e muito stress no trânsito caótico de Sampa; uma boa dose de privacidade, já que a coisa aqui sempre foi mais “cada um na sua”; um ambiente comunitário razoavelmente legal, mas que ficava longe de caracterizar o lugar como uma república de verdade... Mas...

Vou levar algumas memórias trimmassa das coisas que vivi na pensão da Juceta (Jussara é o nome da dona do bagulho, donde o carinhoso apelido... :P) – e sem dúvida memórias boas em quantidade muito maior do que memórias más. Não era a moradia ideal e nem se comparava à querida Buçalouca bauruense, mas foi lá que eu acabei me fixando por quase todo o ano de 2006 - e acho que foi bem melhor assim do que se eu tivesse continuado em Santo André, viajando todos os dias até o câmpus, perdendo umas 3 horas do meu dia dentro dum carro e provavelmente me tornando um stressado que em poucos meses viraria um clone do personagem de Michael Douglas em Um Dia de Fúria. E realmente não havia nenhuma boa razão pr'eu morar em Santo André: tenho poucos amigos por lá, poucos lugares que gosto de frequentar, pouco gosto pela cidade... Permanecer em Sampa, nas proximidades da USP, podendo alcançar com muito mais rapidez os cinemas, os bares e os demais lugares legais, era muito mais esquema. A casa da Juceta podia não ser nenhuma maravilha, mas eu não estava sofrendo – estava razoavelmente satisfeito por morar ali, pelas pessoas que conheci, por algumas boas amizades que fiz, pelas risadas que deu pra rir, pelo companheirismo que chegou a rolar e por poder continuar morando sozinho, longe da família, o que eu mais queria.

Quanto às memórias marcantes que levo da pensão, são poucas e boas. Essa “parte” da minha vidinha boba também tem seus “greatest hits”, as cenas que mais grudaram na memória e que eu vou carregar comigo com muito gosto; o problema é que narrar essas coisas me parece um pouco inútil. Porque o valor dessas coisas é um tanto incomunicável – só pra mim, que as vivi, e para as pessoas que estavam lá vivendo comigo, é que elas têm um sentido e um peso; pra quem lê sobre elas, podem parecer totalmente insignificantes. E acho que é assim com grande parte das nossas memórias: para nós, pequenos detalhes minúsculos e bobos são lembrados de um jeito empolgado e com uma alegria que nos leva à beira das lágrimas, quando para os outros nós parecemos lunáticos por ver qualquer graça em coisas que “são” insossas e bestas...

Mas tem certos “causos” que eu nunca vou me esquecer... como aquela cena engraçadíssima, uma das mais engraçadas que eu tenho na memória: o Gervásio, louco de raiva, descendo as escadas pisando forte, revoltadíssimo porque estava sendo impedido de estudar seus troços de mestrando em Economia por causa da Fábrica da Alegria e arrumando jeitos de sabotar a desgraça do buffet... Ligou pra polícia, o que era o mais óbvio a fazer, mas que era completamente inútil (a polícia de São Paulo tem coisas mais importantes a fazer com tanto traficante, assassino e genocida por aí do que pedir prum buffet infantil abaixar o volume, certo?). Depois resolveu usar a criatividade de que foi tão bem dotado pelos deuses e achou que uma boa idéia era fuçar na cozinha e ver se achava algo pra TACAR no prédio odiado. Nunca vou me esquecer daquela cena digna de um filme surrealista ou de um sonho psicodélico: as CEBOLAS VOANDO na noite do Jardim Rizzo, lançadas com intenções mortíferas, e indo chocar-se contra a coitada da Fábrica da Alegria. A raiva era tanta que ele exagerava na força e a cebolinha ia embora, feito um OVNI, passava pelo buffet e ia parar lá na avenida, com o risco de atingir a cabeça de algum azarado transeunte que tivesse o infortúnio de estar andando por ali na hora errada... Eu ficava imaginado a cena: o cara olhando pra cima e vendo uma cebola a cair do céu, misteriosamente, em sua direção, mais ou menos como no Magnólia caem os sapos do céu, e gritando louco de pavor para os deuses:
“ai, caraca, é o Apocalipse, estão chovendo cebolas!”

Também me lembro de um dos poucos dias em que nós, o pessoal da pensão, saímos juntos de galera e fomos ao Jardim Elétrico, um muquifo tosco na Eiras Garcia onde rolava uma roda de samba e muitos manos e mulatas bons no requebro, o que obviamente me deixou muito envergonhado para sequer tentar dançar – naquela ocasião, as duas capixabas que vieram passar uns meses estavam por aqui, uma delas gatíssima (mas nós só conversamos, infelizmente)... Tiramos várias fotinhas que se perderam pelo mundo. Recusei terminantemente pagar o mico de sambar. E eu, pelo menos, lembro que bebi pra cacete. A Srta F, na saída, foi vítima de uma agressão sexual pelo guardinha (procês verem o nível da bodega), que, se eu me lembro bem, forçou-a a colocar a mão em seu “troço” (por fora da calça, pelo menos isso). Lembro de como ela se sentiu ofendidíssima e puta da vida (com toda razão) – foi uma das únicas vezes que eu quase cheguei ao ponto de assistir a uma menina bonitona de 20 e poucos anos partir pra cima e esmurrar um tiozão baixinho duns 60... Tragicômico e inesquecível.

Também vou me lembrar de trocentos momentos compartilhados com o Alexandre, o único amigo de verdade que construí por cá: dois vagais que trocaram o dia pela noite e iam dormir todos os dias lá pelas 3 ou 4 da matina e que gastavam suas madrugadas a chapar na varanda com brejas, cigarros e ervas medicinais (capische?!) e a conversar sobre de tudo um pouco: Henry Miller e Nietzsche, Fugazi e Sleater-Kinney, a cena straight-edge de Sampa e o vegetarianismo, kung-fu e natação, post-rock e violão, entre milhões de outras coisas...

* * * * *

Fiz minha mudança para a minha nova casa no começo dessa semana. É uma república única constituída por dois sobradinhos, um colado no outro, nas redondezas da USP, pertão mesmo: é uma música do Arcade Fire pra sair pelo P1 até chegar em casa, comprovei hoje (o que me permite continuar bandejando todos os dias, almoço e janta, aquele rango firmeza lá da Química...). Tudo sussa na mudança: lotei o carro com todos os meus trecos, até que ele ficasse tão entupido que eu mal cabia lá dentro, e zarpei pra nova goma, que fica mais no início da Vital Brasil e mais perto de tudo: mais perto da Rebouças, da Paulista, da Marginal Pinheiros, de Santo André, da Vila Madalena, de tudo... bem melhor do que morar lá naquele fim-de-mundo, no fim da Corifeu, onde eu tava. Esvaziei meu quarto na Juceta e, quando olhei o bichinho sem nada, quase me xinguei: pelamordedeus, Eduardo, como é que vc conseguiu morar por um ano numa CELA dessas, nessa vida de sardinha? Demorei demais pra vazar...

Agora tenho um quarto grande e espaçoso, nos fundos da casa, com um banheirinho do lado, com chuveiro funcionando e muitas baratas passeando. Finalmente tenho PAREDES (uau! PAREDES!!!) me separando do quarto vizinho, o que me permite fazer um pouco mais de barulho e gritar um pouco mais alto ao violão. Agora tenho também telefone em casa (UAU! TELEFONE!). Se bem que vocês podem se assustar bastante se, ligando para cá, um espanhol maluco atender assim: “Cicerolââândia, el país de las gambiarras, buenas noches!” Vocês vão pensar que erraram de número e a ligação caiu no hospício.

Sempre tenho uma certa timidez e um certo embaraço com desconhecidos – demoro um tempinho pra me soltar, pra ficar mais leve, pra “mostrar minha verdadeira cara”, mas nem fico me reprovando mais por isso: é o meu jeito e só; nada de errado com isso. Então acho que nesses primeiros dias na nova casa o lance é mesmo ficar meio que na minha, na moita, falando só amenidades com o povo, só sendo simpático e discreto, pra ir sacando qualé a da casa, conhecendo de longe uma ou outra coisa sobre as pessoas que moram aqui, ir me familiarizando com tudo, para só depois começar a me integrar de verdade e conhecer de verdade as pessoas... Acho que é bastante natural que eu sinta, nesses primeiros dias, como uma espécie de intruso, que não está na própria casa, mas na casa DELES, se embrenhando no meio deles...Mas isso passa. Logo já vou estar me sentindo em casa, tenho certeza.

Claro que é meio difícil, no começo, essa sensação de solidão que bate quando você chega para morar num lugar e ninguém te conhece: todo mundo fica ainda meio desconfiado, com o pé atrás, como se não soubesse se vale a pena te conhecer e criar laços ou não... E é duro chegar num lugar onde as pessoas já estão meio enturmadas, onde já fazem coisas juntas, saem pra balada juntas, tem todo um ritual cotidiano de coisas que fazem juntas, toda uma experiência passada em comum, e ter que arranjar um jeito pra entrar no grupo... Esse começo é meio difícil, claro: é uma experiência solitária. Mas estou já bem acostumado às experiências solitárias e acho isso não me derruba nem incomoda tanto.

Bauru inteira foi uma experiência solitária. A pensão da Juceta, também, em muitos momentos, foi uma experiência solitária. O curso de filosofia, apesar dos bons amigos e amigas que eu fiz, não deixa de ser uma experiência solitária. E também o amor, que deveria ser o antídoto para a solidão, acaba também por ser uma experiência tão dolorosamente solitária, talvez mais do que qualquer outra. Pelo menos foi assim durante minha última paixão: eu amando sozinho, sonhando sozinho, desejando intensamente sozinho, dizendo eu te amo sozinho (e do lado de lá ressoando sempre o “eu não, eu não, eu não...”, como punhaladas no meu peito...), me empolgando e me apaixonando sozinho, enquanto que ela, do lado de lá, não retornava nenhum eco, nenhuma retribuição, nenhum calor... Ah, solidão... Sei lá: talvez a vida seja, no fundo, uma grande experiência solitária. “We live as we dream: alone...”. Mas que se dane. Estou na luta pra tornar minha vida melhor, pra diminuir (se não dá pra extinguir) a minha solidão, pra criar laços, compartilhar vida, espalhar meu amor por aí. Descobri que não preciso matar por sufocamento todo esse amor que tenho dentro de mim só porque uma pessoa nesse mundo não quis receber, me deu um EJECT e me disse basicamente um “sai da minha vida!” - posso tentar dar essa amor pra outras pessoas, um monte delas, e tenho certeza que ele pode fazer muito bem, voando por aí, sendo injetado em outros corações, curando as feridas de outros ou ajudando a encher quem se sente vazio... Tenho certeza, agora, que posso encontrar alguma outra menina que vá querer esse meu amor e que vai ser muito muito feliz com ele. É como diz o Black Rebel, em outro daqueles versos que sempre retorna à minha jukebox cerebral: “spread your love like a fever!”

Acho também que quem não aceita os riscos e não sabe se jogar na aventura da vida passa por esse mundo sem brilhar... Como diz o clichê, que só virou clichê por ser muito verdadeiro,
quem não arrisca não petisca – nem brilha. E eu quero que eu cruze o céu feito estrela cadente e que deixe, pelo menos, um risco de luz, mesmo que seja de um segundo, nessa imensa escuridão do universo! Acho que, se a gente está aqui por alguma razão, deve ser pra isso: pra se aventurar, pra tentar se pôr em chamas, pra fazer da vida uma obra de arte, pra sofrer e pra chorar, pra rir e pra gargalhar, pra se foder e se reerguer, pra brilhar e depois se apagar, pra compartilhar e pra amar - isso sobretudo... “Procure dividir-se em alguém”, canta o Camelo, e acho que é isso aí: a vida é somar, dividir e multiplicar, e que se amontoem no inferno aqueles que só querem subtrair e guardar! Perde tudo aquele que sempre quer guardar... “A vida só se dá pra quem se deu...”, canta o poeta – e é uma das minhas frases prediletas, em todos os tempos. E é só isso que eu quero: me entregar à vida pra ver se ela se entrega a mim. Acho que sim.

“E francamente eu já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer...”

:: making listinhas for a living ::

Tô botando um monte de listinhas aí do lado direito, aproveitando os novos recursos do Blérgher: álbuns prediletos, livros que mais marcaram e filmes trimmassa. Serve como uma espécie de "Eu Recomendo!" que vai ficar aí, permanentemente, pra quem for louco o bastante para ouvir meus conselhos. :P

Tb botei aí listinhas provisórias com discos e filmes prediletos desse ano de 2007. Elas vão ser completamente mutantes, conforme forem mudando minhas opiniões e conforme eu for ouvindo e vendo coisas novas. Fiquem de olho! Por enquanto vi poucos filmes lançados nesse ano mesmo, então a lista tá magrinha, mas logo logo ela engrossa. Quero chegar com essa barra lá em baixo... :D

Comentários sobre essas listinhas são aceitos e muito bem-vindos em qualquer post, sem grilo... Ah, e queria só avisar que nada impede que vcs comentem em posts bastante antigos - o sistema aqui me informa sempre que algo novo entra nos comentários. Se quiserem comentar textos de 2004 ou 2005, Idade das Pedras desse blog, podem ir em frente sem medo que eu vou acabar vendo...

E se preparem que estou pensando em pôr tb umas LISTAS IDIOTAS.

terça-feira, 27 de março de 2007

"...eternamente não correspondido pela vida..."


"...com a agonia misógina de Nick Cave, o classicismo de pele doce do Jesus and Mary Chain e o olhar eternamente não correspondido dos Smiths, aconteceu a volta do romantismo em toda sua pureza e privacidade. O pop havia voltado a ser o que sempre tinha sido: o pessoal como o domínio em que o sentido da vida é resolvido. O romantismo - o sonho do amor redentor que será o Paraíso na Terra, resolverá todos os conflitos e acabará com o isolamento - tomou o lugar da religião como o ópio do povo no século XX.

Apesar disso, é o sonho que continua a nos tocar mais fundo. Talvez a superstição do amor seja nossa última reserva de espiritualidade para enfrentar os "especialistas da alma", que buscam reformar os relacionamentos de acordo com suas noções medonhas de "negociação", "apoio", "parceria".

Sempre volto aos Stones quando penso nos Smiths, não só por causa da afetação, mas principalmente pela maneira como cada banda ilumina sua era para nós. Para os Stones, a satisfação era a meta: tudo estaria BEM se deixássemos de lado as inibições que nos mantinham para trás e para baixo. A revolução significava sexo bom no amanhã.

Mas os Stones eram o produto de tempos expansivos, e os Smiths, o produto de tempos contraídos e assediados. Com os Smiths era uma questão não de desejo, mas de anseio - o anseio de pertencer a alguém ou de estar do lado de alguém, de pertencer a algum lugar. O sonho de que duas "meias-pessoas" podem formar uma inteira, se encaixar como "Hand In Glove", mão na luva. Os Stones e sua época tinham a ver com sair de casa; os Smiths e a nossa época são sinônimo do anseio angustiado por um lar.

Esses sentimentos - saudade de um lugar de onde você não via a hora de sair (Manchester) e nostalgia por um tempo que nunca foi bom (adolescência) - foram as razões por que a música dos Smiths refletia os dilemas dos anos 80 como nenhuma outra. É um sinal dos tempos que o pop-como-reinvenção-pessoal seja algo que encontra cada vez menos eco nos leitores da imprensa musical. Que o vencedor da eleição, a figura com que mais haja identificação seja Morrissey, capaz apenas de se imaginar eternamente não correspondido pela vida..."

< SIMON REYNOLDS, Beijar O Céu, ed. Conrad, pg. 57-58 >

Devorei esse livrinho delicioso em dois dias - engolindo tudo sem nem mastigar direito, tamanha a fome... Vovó já me dizia: "32 mastigadas antes de mandar goela abaixo! Tem que contar!" Eu desobedecia sempre. Coisa mais besta ficar contando dentadas...

Adoro esses livros que a gente trata como se fosse um sorvete no verão escaldante ou um oásis no deserto. Agora já não sei mais se o Lester Bangs é mesmo meu crítico de rock predileto; talvez só fosse assim por pura ignorância do monte de caras foda que têm por aí e que a gente só tá tendo oportunidade de conhecer agora, com essa maravilhosa coleçãozinha da Conrad.

O Simon Reynolds escreveu umas páginas completamente brilhantes e geniais sobre os Smiths, o Joy Division, o Radiohead, o Van Morrison, o Syd Barrett, entre outros - um lance mais intelectualizado e sentimental do que o Bangs, mas algo que vai mais fundo na alma dos artistas investigados. As páginas sobre o Morrisey, como mostra o trechinho aí em cima, são prova de que a crítica de rock pode ser uma obra-de-arte. Lindo demais. E olha que eu nem sou muito fã dos Smiths, apesar de achar o The Queen Is Dead um baita dum disco, achar "How Soon Is Now" um música duca ("I'm human and I need to be loved... just like everybody else does...") e curtir uma ou outra música da carreira solo do Morissa.

Agora vou ter que voltar às chatices filosóficas e às leituras difíceis... Acho que eu devia ter entrado na Faculdade de Rock: ler as obras completas de Simon Reynolds em vez de ficar na companhia desses chatos de galocha tipo o Hegel... Cuidado com a DP, Eduardinho! Fica mesmo lendo seus livrinhos de rock e deixando a filosofia pra depois! Vamos ver onde é que vc vai parar!

=)


(Tenho novidades mil pra contar. Post QUERIDO DIÁRIO enorme vindo, logo logo.)

segunda-feira, 26 de março de 2007

:: dica cultural para paulistanos ::


Começou o 12º "É Tudo Verdade", o maior e melhor festival de documentários da América Latina, contando esse ano com 141 filmes e uma mostra imperdível com uns 20 curtas e médias-metragem do Kieslowski, o grande mestre polonês. Ontem enfrentei uma maratona de 3 filmes na sequência no charmoso CineSESC e saí de lá com os olhos ardendo, as costas massacradas, mas a alma feliz e de pança cheia. Adoro documentários cada vez mais: o que eu aprendi ontem sobre a Rússia, Stálin, Lênin e a guerra da Chechênia eu não aprenderia em um semestre de aulas... Quase sempre sinto que eu aprendo demais vendo documentários: é aquela junção do prazer de assistir com a utilidade de conhecer... uma maravilha.

A sessão do "Santiago", do João Moreira Salles, foi um baita dum evento - um tanto bizarro, mas que prova o quanto São Paulo é uma cidade adoravelmente cinéfila. Uma hora antes da sessão e a fila já virava a esquina da Rua Augusta - um mar de gente. Parecia show. Como manda a lei de Murphy, quando eu tava pertinho da bilheteria, depois de uns 40 minutinhos andando a passo de tartaruga, os ingressos foram declarados esgotados. Dá pra acreditar? Mas eu, que na Mostra do ano passado aprendi a ser perseverante (entrei no "Candy" e no "A Scanner Darkly" de última hora, dando uma de chatão e perguntando pr'uma dúzia de pessoas se tinham ingresso pra vender... ano passado deu certo!). Fiquei ali esperando pra ver se a mocinha da organização acatava a idéia de liberar entradas pro povo que aceitava assistir no chão mesmo - eu entre eles, que num sou de frescura...

Enquanto esperava, aconteceu um encontro inesperado com uma celebridade: fui ABORDADO pelo Hector Babenco, aquele mesmo do Pixote e do Carandiru, que sei lá porque cargas d'água me escolheu, naquela fila imensa, para perguntar se era ali que pegava o ingresso. Eu respondi que eles estavam esgotados mas o pessoal da organização estava vendo de liberar entrada para mais uma negada, que sentaria no chão mesmo... Ele me olhou com aquela cara de "má como?! no chão!? pensei que eu estava num país civilizado! preciso me mandar de volta pra Argentina!", e depois saiu bufando pra ver se conseguia com alguém uma entrada VIP. Conseguiu. E eu entrei e assisti sentado no chão, no meio da maior muvuca, no fundão do CineSESC, com um monte de cabeçonas tomando a parte inferior da tela - e tive uma das sessões de cinema mais adoráveis da minha vida.

O João Moreira Salles, que é um dos idealizadores da revista Piauí e demorou 13 anos para finalizar esse seu "Santiago", fez um dos documentários mais originais, sutis e bonitos que já foram produzidos no Brasil. Recomendo a todos que não percam de jeito nenhum. O filme é um primor... um humor muito sutil, uma poética bem original, um pebê classudo, e, acima de tudo, um "personagem da vida real" inesquecível, que gera um retrato para ficar na história de uma figuraça: o mordomo Santiago, homem das 30.000 páginas, fã de lutadores de boxe, gladiadores romanos, aristocracrias antigas e Hebe Camargo. Filme adorável, para começar muito bem um festival que promete - grande parte da minha semana vai ser "perdida" por lá. Tudigrátis, aliás. A programação inteira está aqui no SITE OFICIAL; eu selecionei pra ver, por enquanto, "O Pesadelo de Darwin", "Iraque em Fragmentos", "Para Sempre", "Papel Não Embrulha Brasas" e uma pá dos Kieslowski. Fica aí a dica...

LEIA MAIS: OVERMUNDO - FOLHA - TERRA.

* * * * *

E quarta-feira tem show imperdível pra quem curte rock alternativo e underground - o duo The Evens, nova banda do grande Ian MacKaye (ex-líder do Fugazi e do Minor Threat), toca no SESC Vila Mariana por 10 pilas. Estarei lá, com certeza, gritando "Toca 'Waiting Room!"

* * * * *

Aproveitando a deixa, já que o espírito dos tempos, pelo menos em Sampa City, é falar sobre documentários, vai aí uma pequena listinha de docs trimmassa que eu recomendo:

TOP 15 documentários
(todos os tempos)

* Ônibus 174 - do José Padilha
* Verdades e Mentiras (F For Fake) - do Orson Welles
* Os EUA Contra John Lennon - do D. Leaf
* Edifício Master - do Eduardo Coutinho
* Crumb - do Terry Zwigoff
* O Homem Urso - do Werner Herzog
* Charles Bukowski: Born Into This - do John Dullaghan
* Stop Making Sense - do Jonathan Demme
* Tiros Em Columbine - do Michael Moore
* Corações e Mentes - do Peter Davis
* Na Captura dos Friedmans - do Andrew Jarecki
* The Corporation - vários diretores
* Sex Pistols - O Som e a Fúria - do Julien Temple
* A State of Mind - de Daniel Gordon
* O Prisioneiro da Grade de Ferro, do Paulo Sacramento

sábado, 24 de março de 2007

Novo visú! Curtiram?

sexta-feira, 23 de março de 2007

:: 3 filmes que assisti recentemente ::


OS EUA CONTRA JOHN LENNON
[de David Leaf e John Scheinfield, EUA, 2006, 1h36min, doc.]


"De todos os documentários já feitos sobre John Lennon,
este é o que ele amaria" (YOKO ONO)


Musicalmente, é difícil decidir qual dos ex-Beatles merece a medalha de ouro de carreira-solo mais interessante. Foi o Macca, que se dedicou principalmente às baladinhas poppy e às silly love songs, eventualmente prestando tributo ao rock clássico dos anos 50 e 60? Foi John, que se transformou numa máquina de ativismo político, parindo canções angustiadas e amargas e hinos políticos pacifistas, se entregando também a certos experimentos sonoros esquisitos? Ou foi George, que foi em busca do sentido da vida numa espiritualidade de inspiração oriental e naquelas viagens hare krishna, acabando por cometer pelo menos um clássico absoluto, o grande grande All Things Must Pass? (O Ringo, claro, não conta.) O que é inegável é que John Lennon, como “pessoa pública” e como “figura histórica”, foi o ex-Beatle que, após o fim da banda, causou mais estragos, levantou mais polêmica e mais marcou época em comparação com o resto dos Fab-Four, que parecem ter preferido uma vida num esquema mais discreto e menos chamativo.

O excitante, dinâmico e excelente filme inglês Os EUA contra John Lennon, um dos melhores documentários de rock que eu já tive o prazer de assistir, é um detalhado retrato das atividades de John Lennon após o fim dos Beatles, em 1970 - que não foram poucas nem pouco controversas. Vocês sabem: John Lennon nunca teve medo das polêmicas e das heresias e adorava posar de troublemaker. Só lembrar do famoso episódio em que comentou que os Beatles eram mais famosos e significavam mais para a juventude universal do que Jesus Cristo – episódio que despertou uma onda de rebeldia nos puristas e fanáticos cristãos, que chegaram a organizar boicotes e fogueiras públicas de discos dos Beatles, degolando simbolicamente, numa espécie de Inquisição no século 20, o ousado ateuzinho desrespeitoso...

O filme, co-dirigido por David Leaf e John Scheinfield, descreve principalmente o progressivo engajamento de John & Oko contra a Guerra do Vietnã e a vasta gama de atividades políticas à que o casal se dedicou no começo dos anos 70. Foram 15 anos de dura confecção para que finalmente, em 2006, o filme finalmente fosse lançado, oferecendo a todo beatlemaníaco um saboroso documento histórico sobre o mais cínico, sarcástico e rebelde dos ex-Beatles.

Já comentei em uma matéria antiga sobre o modo como a amargura e o ressentimento tomaram conta da música e da poética de Lennon em seus primeiros álbuns-solo – que, à parte toda a melancolia e toda a ira, eram sim profundamente políticos. Do hino pacifista de “Imagine” ao feroz proto-punk de “Gimme Some Truth”, passando pelas músicas “grito de guerra” “Power To The People” e “Give Peace a Chance”, a arte de John Lennon, naqueles tempos, ficou impregnada por suas atividades políticas e por suas batalhas ideológicas.

Parece ter sido só depois de se libertar da banda que o cara pôde se tacar de cabeça no “militantismo”, acabando por se tornar uma espécie de “rebelde político” na América que adotou como casa nos anos 70. Sim, é verdade que certas músicas dos Beatles já prenunciavam que isso poderia acontecer - “Revolution”, claro, sendo a principal delas: nesse clássico da fase final dos Beatles, Lennon já conclamava a juventude a se erguer para um levante revolucionário, se bem que seguindo os moldes pacifistas gandhianos (“but if you talk about destruction you can count me out!”). Mas a dedicação a causas políticas só atinge seu ápice na carreira-solo de Lennon. E talvez seja tudo culpa da influência da Yoko, que sempre entendeu a arte como um instrumento para provocar, chocar e retirar as pessoas da passividade e da inércia. Tanto que a moça, sempre controversa como artista plástica, dizia que se sentiria fracassada como artista se metade dos frequentadores de suas “mostras” não fugissem correndo de suas exposições, horrorizados...

Mas o fato é que John & Yoko, naqueles turbulentos anos marcados pela Guerra do Vietnã e pela efervescência máxima do ideário hippie, caíram de cabeça na luta política e ideológica – usando a arte como ferramenta de protesto político e acreditando convictamente que iriam ter sucesso, usando a imensa influência que tinham junto à juventude, para tacar pedras nas engrenagens da máquina de guerra americana.


Participaram de shows-protesto e eventos beneficientes - o mais histórico deles sendo aquele que reclamava a libertação de John Sinclair, que estava na prisão por posse de dois baseados, e que foi libertado no dia seguinte à participação de Lennon no concerto em prol de sua libertação, prova incontestável do poder político do ex-Beatle. Diziam para todo mundo que o esquema era fazer amor, e não a guerra, tornando o slogan make love, not war uma espécie de símbolo supremo da ideologia juvenil da época. Criaram um monte de “happenings” e de protestos, muitas vezes bancando tudo do próprio bolso, sem nenhum patrocínio, como na vez que espalharam por uma dúzia de metrópoles mundiais os famosos cartazes e outdoors que tinham em letras garrafais os ditos WAR IS OVER, seguidos por um pequeno adendo entre parênteses: (IF YOU WANT IT). E, claro, partiram PRO PAU contra o governo Nixon, se juntando com ativistas políticos de muita penetração, inclusive com o povo do Black Panthers, até que o nome de John Lennon fosse inscrito na lista negra do governo americano como um perigo público que precisava ser detido a qualquer preço.

É delicioso de ver o governo americano tentando – e em vão! deliciosamente em vão! - expulsar aquele inglesinho enxerido do país, usando como pretexto para o mandato de exílio qualquer bobagem que Lennon tinha em sua ficha policial. Lennon, que tinha caído apaixonado por Nova York e não tinha a mínima vontade de abandonar a América, onde tinha feito tantos amigos e onde estava engajado em uma pá de movimentos de luta social, permaneceu firme e forte lutando nos tribunais por seu direito de permanecer nos Estados Unidos – e permanecer como um voz dissidente e rebelde, que ajudava a destoar o coro dos contentes e chamar para que se levantasse a voz dos rebeldes... Maior exemplo disso, claro, é o famosíssimo refrão que ele criou quase sob medida para servir como um hino de guerra das massas na luta contra o massacre no Vietnã: “all we are saying is give peace a chance!”

Uma cena chave mostra Lennon numa calorosa discussão com uma jornalista do New York Times sobre a eficácia das ações de ativismo político do ex-Beatle. A jornalista, descrente e cética, desce o cacete em Lennon, dizendo que ele “se tornou ridículo” e perguntando, com um certo sarcasmo: “você acha mesmo que ajudou alguma coisa na luta contra a Guerra do Vietnã?” E Lennon, com uma empolgante convicção no seu poder, argumenta que milhares e milhares de pessoas cantavam em uníssono nos protestos contra a Guerra o seu famoso “all we are sayin' is give peace a chance!” E as imagens do filme, mostrando as multidões saindo às ruas para protestar contra os descalabros sangrentos do Império Americano no Quarto Mundo, emocionam demais - e provam que Lennon é que tinha razão. Sempre sinto calafrios de excitação vendo essas imagens de arquivo que mostram uma imensa onda de energia humana se congregando numa só voz...

A impressão que permanece no espectador depois do fim do documentário, depois de ver aquela multidão a entoar em coro o “give a peace chance” de Lennon, é a de que a coragem e a luta infatigável de John & Oko, com absoluta certeza, deram seus frutos – e nada foi em vão. Qualquer espectador de Os EUA contra John Lennon, se perguntado, na saída do filme, se John Lennon ajudou a parar a Guerra do Vietnã, sente-se imediatamente levado a responder, sem o mínimo sinal de dúvida, e com a maior empolgação, mais fã de Lennon do que nunca: “Mas claro que sim! E muito!” (8.9)

(filme exibido na 30a Mostra de Sampa)



alguns saborosos screenshots:

LEIA MAIS: MATIAS - FOLHA - BIZZ - LUZ CÂMERA POST - ZETAFILMES - O GLOBO.

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MARIA ANTONIETA
[Marie Antoinette, de Sofia Coppola, EUA, 2007, 2h3min]. Eu já fui pro cinema meio desconfiado de que a chance era grande da coisa não me agradar. Aqueles cabelões espalhafatosos, aqueles vestidos frescalhões, aqueles banquetes cheios de iguarias e luxo, aquelas intrigas nojentas da alta sociedade, aquele ambiente todo cheio de glamour e maquiagem pesada... Nunca curti esses lances todos. Foi sempre algo que me fez torcer o nariz e desejar umas COISAS FEIAS E NOJENTAS para estragar um pouco tanta boniteza... Talvez por isso eu nunca consegui entender o que as pessoas vêem em filmes como o Barry Lyndon do Kubrick ou O Leopardo do Visconti, dois dramas históricos frescalhões que muitos idolatram de joelhos mas que eu acho um completo PORRE. Simplesmente não curto pomposidade e ostentação de luxo espalhados e desperdiçados num rolo de filme cinematográfico.

E o veredito sobre Maria Antonieta? Mesmo com o meu esforço para ir com expectativas baixas, o filme decepcionou: não me fez sentir muita coisa, nem pensar muita coisa, e pareceu espalhafatoso e burguesinho demais. Se Maria Antonieta fosse uma raça de cachorro, seria um poodle. À parte algumas imagens lindas, que dariam fotografias sensacionais, o filme não chega aos pés de ser tão adorável e charmoso quanto Encontros e Desencontros, que provavelmente vai se tornar o clássico inalcansável e inimitável da Sofia.

Sim, o Maria Antonieta, como já dava pra suspeitar pelo trailer e pelas fotos, irrita um pouco pelo tom pomposo e alta-nobreza do negócio, pelo jeito sempre frescalhão que os personagens adotam nos seus gestos e tons de voz, pelos figurinos e maquiagens ultra cuidados, enquantoque o enredo fica mau-cuidado e bem meia-boca. Mas pelo menos há, aqui e acolá, um certo humor implícito em muitas cenas - e graças aos deuses tem a Asia Argento ali no meio pra arrotar no meio dos jantares e ser uma presença punk no meio daquela viadagem toda. Em vários momentos, o espectador é quase convidado a tirar um sarro dos costumes idiotas desses ricões ridículos, sempre tão falsos e artificiais: como na cena em que a pobre Kirtens Dunst, nuzinha, fica passando frio enquanto as ricaças não conseguem se decidir quem é que terá a “honra” de vestir a princesa.

Sofia Coppola fez um filme suave e doce, que talvez tenha perdido muito de sua força por uma certa incapacidade da diretora de cair de cabeça na tragédia que se exigia duma história desse tipo. Muito tempo se perde narrando a “crise conjugal” de Maria e seu marido, que não conseguia se empolgar a fazer um filho na mocinha, quando muitos detalhes históricos acabam sendo suprimidos ou tratados de modo superficial. Tudo bem que não deixa de ser um filme que mostra bem o quanto a pobre Maria foi utilizada como uma espécie de escrava sexual high-class, vendida para a França como uma espécie de barriga de aluguel, cuja única finalidade era produzir um herdeiro que sedimentasse a união franco-austríaca. E as únicas cenas que chegaram perto de gerar algo perto de uma comoção no meu coraçãozinho – mas só chegaram perto, porque me comover de verdade eu não me comovi – são aquelas em que Maria se sente triste e solitária mesmo em meio à todo o luxo e toda a riqueza de seu palácio.

Confesso que senti falta de um desfecho mais sangrento, com a guilhotinha caindo e as cabeças rolando - eu que nem me considero pessoa de gosto excessivamente sanguinário. E talvez seja bobeira da minha parte exigir cenas tarantinescas de uma diretora que sempre se manteve tão comportada e limpinha - e claro que era meio bobo esperar que a Sofia, sempre tão meiga, fosse nos presentear com cenas de violência horrorshow. Os filmes dela, aliás, sempre me soaram bem etéreos, poéticos, descolados do chão. Neles o enredo parecia importar pouco – o que ela procurava era criar um mundo de imagens que nos envolvia, um certo “ambiente” onde ela nos afogava; o não-dito, o não-acontecido e o misterioso importavam muito mais do que qualquer outra coisa.

Em Encontros e Desencontros, por exemplo, era o tédio que vigorava muito mais do que os acontecimentos e o passeio dos dois amigos por Tóquio parecia só um pretexto para levar o espectador por um passeio mágico por aquela cidade povoada por letreiros de néon, máquinas luminosas de video-game e edifícios cintilantes. O que importava não era tanto o que acontecia, mas o clima de melancolia no rosto da Scarlett, o cansaço meio blasé no jeito de viver do Bill Murray, aquele sentimento de exílio dos dois e aquela vontade louca dos dois americanos se aproximarem, pelo menos por uns dias, para fugirem da sensação de solidão. O que importava, também, nem era tanto o que era explícito, mas o que ficava por dizer, velado: tanto que uma das cenas que se tornou mais clássicas é aquela em que a personagem da Scarlett murmura algo no ouvido do personagem Bill Murray – algo que o espectador nunca descobrirá o que é. O mistério ficava no ar, da mesma maneira que o suicídio das quatro irmãs permanece um tanto inexplicado e misterioso para quem termina de assistir As Virgens Suicidas.

Maria Antonieta, o mais fraco dos três filmes da Sofia, na minha opinião, se perde porque falta mistério, falta melancolia, falta força, falta drama, falta tragédia... falta tudo. E, se me permitem dizer uma idiotice, falta colhões - é muito filme de mulherzinha. O impacto do filme fica prejudicado com essa suavidade toda, quando era preciso ter destacado melhor, por exemplo, a maneira impiedosa e selvagem que os rebeldes da Revolução Francesa usaram para degolar os antes “intocáveis” reis e rainhas, fazendo Maria pagar o pato.... Sou sanguinário mesmo e acho que para o bem do retrato histórico fiel e do impacto emocional sobre o público, eu acho que o sangue deveria ter tingido a tela. Do jeito que ficou, Maria Antonieta acaba retratada como uma rainhazinha fútil, superficial e sem grandes encantos a não ser os físicos - e uma personagem por quem o espectador não consegue nem sentir compaixão por sua morte cruel, nem inveja pelos privilégios de que ela gozou a vida inteira - ela nos deixa quase indiferentes a maior parte do tempo e o filme, quando acaba, desliza fácil fácil para o esquecimento, como acontece com todos os filmes medíocres e pouco corajosos. (5.5)

ADENDO... 2 OBSERVAÇÕES TOLAS:
(Quanto à trilha sonora, acontece o previsível: ela está recheada com indie rock de primeira e eletrônica ambient, pra dar aquele climão... O único problema, que não acontecia nos filmes anteriores, é que existe uma certa contradição temporal entre as cenas e a trilha sonora: vemos imagens mó século 18 ao som de rock and roll puro século 21. O que para alguns vai soar como incoerência, vai parecer para outros ousadia. E eu certamente achei mais ousado do que incoerente fazer Maria Antonieta vagar pelo palácio ao som de Strokes ou participar de um baile de máscaras turbinada por um indie rock guitarrento e distorcido. Talvez os mais puristas gostariam de ter ouvido música mais adequada sàquele tempo, mas eu achei muito interessante esse contraste entre a modernidade e a “antiguidade”, como também constrastou dum modo muito positivo a cena inicial, quando o clássico do Gang Of Four serve como pano de fundo para aqueles créditos rosa-choque – e se tem duas coisas que NÃO combinam de jeito nenhum, em teoria, é Gang Of Four e rosa-choque. )

(Fiquei completamente revoltado contra certas coisas que Sofia fez para impedir o público masculino de gozar devidamente da presença – esteticamente impressionante – da lindinha Kirsten Dunst. Pôrra, que negócio é esse da Kirsten tomar banho DE ROUPA na banheira, Sofia?!!! Tá zoando a nossa cara, pô?! E o que aquela desgraça de LEQUE maldito está fazendo na frente dos peitinhos dela, que nós tão loucamente ansiávamos por ver? Ah, não... Dois pontos a menos na nota final, Sofia! IMPERDOÁVEL! =) )

(visto no Frei Caneca Arteplex, dia 21/Mar)


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SCOOP – O GRANDE FURO [Scoop, de Woody Allen, EUA, 2007]. Depois do sério, dramático, trágico e pesado enredo dostoiévskiano de Match Point, filme que dialogava com Crime e Castigo e narrava um sangrento causo de adultério, intriga e assassinato, Woody Allen voltou com um filminho bem menos ambicioso. Scoop – O Grande Furo é mais um daqueles deliciosos “filmes menores” dentro da vasta filmografia do pequeno Woody: despretensioso, levinho e charmoso, sem o mínimo sinal da dramaticidade pesadona do filme anterior, o filme é uma daquelas comédias meio bobinhas, mas assistíveis com muito gosto e muitas risadas – eu não me lembro de ter rido tanto vendo um filme desde Borat, que vi faz uns dois meses já.

Pode não ser uma “obra de arte” profunda ou marcante, o que Match Point provavelmente vai acabar sendo pra história do cinema desta década, mas nos faz lembrar, mais uma vez, como é gostoso assistir Woody Allen, o quanto o humor dele revigora e como ele é mestre em transmitir uma alegria fina que dura por dias...

Scarlett Johansson é uma jornalista inescrupulosa e sedutora que recebe do além-túmulo a “dica” para um furo jornalístico bombástico: um “fantasma” diz a ela que um certo playboy (interpretado por Hugh Jackman, que esteve com Scarlett também no elenco de O Grande Truque) seria um serial killer. Auxiliada por um mágico bizonho e meio charlatão, interpretado por um Woody engraçadíssimo e soltinho soltinho, a louraça, vestindo seus óclinhos de nerd, irá se embrenhar no mundo secreto do seu playboy assassino em busca de desvendar um mistério e ganhar o furo jornalístico da década...

Scoop, como muitos dos filmes menores de Woody Allen, pode facilmente ser visto como um amontoado de frases espertinhas, gags não muito originais e piadinhas tipicamente allenianas. Woody não tomou riscos nem procurou fazer nada de muito original: Scoop é só mais do mesmo e adiciona pouco à filmografia do diretor. Mas ninguém vai reclamar de um filminho tão adoravelmente insignificante.

Scoop serve também para sedimentar a impressão de que miss Scarlett Johansson tem tudo para se tornar uma semi-deusa do cinema. Os encantos inumeráveis dela provavelmente conquistaram também Woody Allen, que pode estar velhinho mas que ainda tem uma libido... e fez dela sua nova musa (depois de Diane Keaton e Mia Farrow...). Alguns críticos por aí meteram o pau (metaforicamente falando... nenhum crítico de cinema é sortudo o bastante para o fazer de fato!) na atuação dela, argumentando que o talento cômico dela é muito pequeno, especialmente quando comparado com certas atuações clássicas de Keaton e Farrow em clássicos do Allen no passado...

Eu, se me pedirem a opinião, acho pelo contrário que Scarlett tirou de letra essa tarefa de enfrentar um papel de comédia e está absolutamente adorável na tela, conseguindo disparar frases rápidas ao estilo bang-bang dialogal de Woody com muita precisão e esperteza. Scarlett prova ainda que consegue fazer papéis bastante diferentes uns dos outros: tem pouco a ver a solitária exilada de Encontros E Desencontros, a adolescente sarcástica de Ghost World, a beldade demoníaca de Match Point e essa jornalistinha nerd de Scoop - prova de que ela não é uma daquela atrizes que sempre interpretam o mesmo papel.

Scoop traz uma das cenas mais arrebatadoramente sexies da carreira de Scarlett Johansson, que já é uma das minhas musas cinematográficas supremas. No ranking das experiências estéticas saborosíssimas que já tive olhando pra essa mulher, tem uma cena em Scoop está perto do topo: Miss Scarlett, toda molhadinha, saindo da piscina em seu maiô vermelho, estendo-se na beira das águas com seu coxão suculento e seus peitões tesudos, fazendo charminho pro ricão que quer conquistar, é uma daquelas coisas indizivelmente lindas que me faz quase voltar a acreditar em Deus. Marilyn Monroe tendo sua sainha levantada pelo vento do metrô no Pecado Mora Ao Lado é fichinha!

Do mesmo modo que a gente nunca se cansaria de discos dos Ramones, mesmo que a banda tivesse lançado uns 50, nem nunca nos cansaremos de temporadas novas dos Simpsons, mesmo que Matt Groening e sua turma cheguem na centésima, nunca vamos nos cansar de filmes do Woody Allen – eles são sempre bem vindos. São bons mesmo quando são ruins! - caso de pequenas bobagens como Trapaceiros ou Dorminhoco. Scoop, longe de ser ruim, é uma das melhores comédias leves da carreira de Woody e prova incontestável de que o cara continua afiadíssimo (e sim, eu gosto de muita coisa da carreira recente dele, principalmente Melinda e Melinda, Dirigindo No Escuro e Match Point). Agora é só cruzar os dedos e fazer figa, torcendo para que o pequeno Woody, que parece tão frágil e esquelético, sobreviva nessa Terra sombria e escura para nos iluminar com seu senso-de-humor tão necessário pelo menos até, sei lá, 2020. Mais uns 10 filmes de Woody Allen não vão fazer mal a ninguém! (7.9)

(visto no Frei Caneca Arteplex, dia 18/Março)

terça-feira, 20 de março de 2007

Adicionei um (parênteses) no final do Los Hermanos.

sexta-feira, 16 de março de 2007


:: DIVAGAÇÕES EGOTRÍPTICAS SOBRE OS
LOS HERMANOS ::


"...que lágrimas perderam aqueles que conseguiram!"
(FERNANDO PESSOA)


Vocês sabem: virou uma espécie de religião. Hoje em dia, quem vai a um show dos Los Hermanos percebe na hora: o grau de devoção e fanatismo do público atinge certos ápices inigualáveis por qualquer outra banda nacional. O Culto Hermânico têm seguidores para quem o hermanismo é bem mais importante do que o cristianismo. Pode parecer exagero ou sensacionalismo, mas eu, que estive presente em 3 shows dos caras, posso testemunhar que o frisson do público atinge uns cúmulos tais que a coisa chega merecer o apelido de beatlemania brasileira. Em muitas músicas os vocais do Camelo e do Amarante, como antigamente acontecia com os de Lennon e Macca, ficam totalmente soterrados pelo coro de vozes, pelos gritos histéricos das fãs (inclusive os obscenos: "Amarante gostooooooso!") e pela barulheira dos assobios. Já tá virando até um certo clichê dizer isso, mas parece a mais pura verdade: os Los Hermanos estão virando a nova Legião Urbana, a banda mais cultuada desta geração e desta década, a que mais muda vidas e a que mais torna seus admiradores verdadeiros seguidores fiéis... Mais um tempo, e eles serão a principal trilha-sonora tocada nas rodinhas de violão e luais de beira-de-praia (o que pode fazer com que se tornem um pouquinho mais odiados do que já são pelos detratores, que não são poucos). Vendo pelo aspecto sociológico/fashion da coisa (cuma?), dá até pra dizer que eles chegaram até a criar moda ao fazer da barba um fetiche (Amarante: "Não gosto de ficar sem barba: me sinto pelado!"). =)

A comparação com a Legião Urbana, apesar de não ter muito sentido musicalmente falando, tem lá sua razão de ser. Eu confesso, sem nem me ruborizar, que lá no comecinho da minha adolescência, quando Renato Russo já tinha vestido o paletó de madeira, eu virei (e que baita clichê...) um fã de Legião Urbana. Fã de verdade, daqueles chatões, que sabia cantar "Faroeste Caboclo" inteirinha, de cabo a rabo; que achava "Eduardo e Mônica" uma "gracinha" e uma das músicas mais divertidas de todos os tempos; e que acreditava até, antes de conhecer Ramones, Nirvana e Sex Pistols, que "Geração Coca-Cola" e "Que País É Esse?" eram as músicas mais selvagemente punk do mundo e que "Teatro dos Vampiros" era a canção mais triste que um homo sapiens já havia escrito. Até hoje tenho nas prateleiras os CDs originais Dois, Que País É Este, As Quatro Estações, Música Para Acampamentos (duplo), A Tempestade e Uma Outra Estação - e Mp3s de quase todos os outros.

Musicalmente, Legião e Los Hermanos não tem muito a ver: a Legião era uma espécie de Smiths nacional, que imitava as bandas inglesas de pós-punk e rock oitentista, pescando um pouco de Echo, de Cure e de Jesus & Mary Chain, enquanto vejo os Hermanos como algo muito mais próximo de uma espécie de misto entre Weezer, Chico Buarque e Radiohead. Mas o que une as duas bandas, acho eu, e que justifica as comparações, é o tipo de encantamento que elas geram sobre o público e os fãs: essas são bandas daquelas que mudam vidas, que transformam os fãs em verdadeiros seguidores que vivem com seus ídolos frequentemente em mente e vendo surgir os versos queridos constantemente na cabeça e no coração. São mais que meros fenômenos pop ou sucessos de vendas - são bandas idolatradas que viram parte integrante e fundamental da vida de seus fãs. Fãs chatos, na maioria das vezes... :P

E eu acho que estaria achando todo esse bafáfá e todo esse oba-oba um saco, todo esse delírio coletivo, essa loucura de massa, esse fanatismo aparentemente tão exagerado - se eu não tivesse, eu também, caído apaixonado pelos discos dos Hermanos, se eu não tivesse furado todos eles de tanto ouvir e se eu não considerasse essa, hoje em dia, a minha banda nacional mais querida em todos os tempos. Sim, eu estaria amaldiçoando toda essa histeria... se eu não estivesse também entre os histéricos...


Como quase todo mundo que acha que tem bom gosto, eu não dei lá muita bola para essa bandeca aí que apareceu fazendo estragos nas paradas com "Anna Júlia", no longínquo ano de 1999. Eu ainda era um adolescente, daqueles que tinha crescido ouvindo só barulheira e que nunca iria admitir que gostava de qualquer coisa que não fosse punk, grunge, hard rock nem metau. E "Anna Julia", quando surgiu, com aquele clipinho que emulava os bailinhos de formatura dos anos 70, era algo que soava tão comportadinho, fofinho, inofensivo e comercial que quase todo roqueiro de verdade cuspiu em cima e meio que virou a cara: "isso não tem nada a ver com rock and roll! e foi feito só pra vender!"

Hoje acho que "Anna Julia" foi para a carreira dos Hermanos aquilo que foi "I Wanna Hold Your Hand" para a dos Beatles: o primeiro hit, de letra bobinha mas de melodia irresistível, que se transformou num fenômeno massivo, mas que nem dava pistas sobre o que o futuro reservava. Julgando por "I Wanna Hold Your Hand", os Beatles poderiam ser só somente uma bandinha medíocre que acertou uma vez, mas que não teria talento suficiente para mais do que isso... Alguém imaginava que aquela bandeca seria capaz de compor, anos depois, Revolver, Sgpt. Peppers, Abbey Road...?

No caso dos Hermanos, foi quase a mesma coisa: o primeiro hit, se bem que adorável, não prenunciava o futuro brilhante que a banda ainda iria construir. E eu até hoje tenho certas suspeitas de que possa ter sido uma espécie de golpe: os Hermanos parindo de propósito um hit pop, feito para explodir mesmo, chamar a atenção e mostrar ao mundo que eles existiam... Depois relegaram o rebento ao esquecimento, disseram que "Anna Júlia" não tinha muito a ver com o som do disco de estréia (e não tinha mesmo...), pararam de tocar o hit nos shows e tentaram, a duras penas, ganhar o respeito de muita gente que, de cara, tinha pegado preconceitos.

A gente provavelmente não admitia isso, mas o nosso desgosto por "Anna Júlia" nem era tanto porque a música era ruim de verdade, porque não era e não é. Era mais porque aquela desgraçada daquela melodia invadia nossas mentes e ficava ali, loucamente, num loop eterno - musiquinha desgraçadamente grudenta. A letra, lida num papel, parecia algo de uma ingenuidade que era fácil desprezar: certos versos pareciam saídos do caderno de algum aluno ginasial escrevendo versos para uma namorada imaginária. E as pessoas caretas, que curtiam Ivan Lins, Guilherme Arantes, Flávio Venturini e Bee Gees, não achariam problemas em gostar daquilo. Mais uma razão para que eu não gostasse. Mas era, no fundo, um hit de nascença, algo tão bom quanto os clássicos mais pegajosos da Jovem Guarda – e uma daquelas músicas que só encheu porque tocou demais.

E, estranho, depois de darem às paradas um musiquinha completamente pop, os tais dos Hermanos saíram por aí dizendo que tocavam hardcore, apesar das letras românticas, que eram muito influenciados por Weezer e emo clássico, que eram rapazes cultos que liam Garcia Márquez e tinham ídolos na bossa nova... Muita gente não engoliu a história e nem foi conferir se era verdade. Eu, por exemplo, que nem quis saber de ir ouvir o primeiro disco dos caras na época do lançamento. "Primavera", a segunda música de trabalho, toda bonitinha também, só sedimentou mais ainda a impressão de que de rock and roll os tais dos Hermanos não tinham nada e que o lance deles era só popices, fofurices e demais viadices.

Depois, quando o tal do Camelo se meteu a falar mal dos Ramones no programa do João Gordo na MTV, eu dei razão ao gorducho por expulsá-los aos sopapos e palavrões, em pleno ar. Foi mesmo meio sem noção ousar cometer uma heresia desse tipo: falar mal de Ramones pro João Gordo é como ir num Congresso Comunista pra meter o pau em Karl Marx ou invadir uma missa, subir no altar e começar a dizer que Jesus Cristo é uma farsa... Isso não se faz. Não dei nada pros Los Hermanos. Achava o nome da banda completamente bobo; achava que a coisa não tinha originalidade alguma, apesar de os caras terem provado que conseguiam criar boas melodias e que tinham um bom vocalista; pra mim, era nada mais do que uma one-hit-band medíocre, que rapidinho seria esquecida...

E aí veio o Bloco. O disco que calou a boca de quase todos nós que um dia ousamos dizer que o Los Hermanos eram uma bandinha qualquer, prometida ao esquecimento. Se o Los Hermanos 1 era um disco de emocore acelerado, turbinado por metais endoidecidos, que caía muitas vezes próximo dum skacore ou do hardcore agressivo, o Bloco do Eu Sozinho expandiu os horizontes sônicos da banda para muito longe: conviviam no mesmo álbum o indie-rock à la Weezer, saturado de teclados ("Fingi Na Hora Rir", "Casa Pré-Fabricada”), as primeiras guinadas no domínio da MPB e da bossa-nova ("Veja Bem Meu Bem", que depois a Maria Rita iria regravar), sonoridades mais melancólicas e arrastadas, que já prenunciam o "clima" do 4 ("Adeus Você", "Sentimental"), sem falar nos resquícios do passado hardcore ("Tão Sozinho"). As letras simplórias e despretensiosas do álbum de estréia (quem teria coragem de chamar Amarante ou Camelo de poetas de verdade só pelas palavras desse 1o disco?), agora ganharam muito: tornaram-se mais arrojadas, mais variadas, mais saborosas, mais ambiciosas, como prova "Cadê Teu Suin?", do Camelo, ou "Retrato Pra Iaiá", do Amarante - duas letras originalíssimas.

E, na sequência, veio o Ventura, um dos melhores discos da história da música brasileira, adicionando alguns clássicos absolutos ao repertório hermânico (“O Vencedor”, “Cara Estranho”, “Último Romance”, entre outras), e na sequência o mais experimental 4, que representou uma quase radical mudança de sonoridade, e tivemos que admitir: os caras são bons mesmo. Apesar de terem se afastado um pouco da grande mídia, se recusando a pegar atalhos fáceis para o sucesso, os Hermanos conseguiram conciliar uma imensa aprovação popular com os elogios igualmente intensos da crítica. Caso raro. E, como tudo que faz muito sucesso, levantaram-se alguns detratores, colocando apelidinhos sarcásticos (LOSERmanos...) e se recusando a reconhecer o inegável valor dos discos.

Tenho pra mim a opinião que nenhuma outra banda na história do rock nacional jamais contou com uma dupla de compositores de talento tamanho dividindo a "liderança". Quase toda grande banda nacional tem UM único líder que carrega tudo nas costas (Renato Russo, Cazuza, Chico Science, Fred 04, Herbert Vianna, Catatau...), um monte de compositores de pouco talento (caso dos Titãs) ou nenhum compositor de talento (quase todas as outras). Agora dois gênios na mesma banda é algo quase inédito na história do rock nacional (talvez os Mutantes, mas sei lá... acho que o Sérgio Dias é que carregava a banda nas costas e era o verdadeiro "cabeça" do negócio...). Amarante e Camelo, se eu sou profeta de confiança, logo serão considerados o Lennon & McCartney do rock nacional: cada um deles tem suas características pessoais inconfundíveis, mas as semelhanças e a sincronia entre os dois impede que o Los Hermanos soe como algo heterogêneo. Uma dupla tão bem afinada quanto Marx e Engels, Bonnie e Clyde, Batman e Robin!

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Marcelo Camelo conseguiu unir influências meio discrepantes e formar algo que faz todo o sentido do mundo: ao mesmo tempo que ele tem um jeitão de cara indie e sua velha admiração pelo rock alternativo e pelo bom emocore das antigas, tem também seu lado mais comportado de compositor buarquista, que curte um banquinho e uns sussurros bossanovísticos. Foi assim que conseguiu conciliar seu desejo de ser o Rivers Cuomo tupiniquim com sua ambição de ser uma espécie de continuador do legado de Chico Buarque e Dorival Caimmi. Tudo isso já valeu ao Los Hermanos, numa Bizz recente, o rótulo muito engraçado e feliz de eMoPB. E que ninguém se atreva a lhe dizer do que é feito o samba: pro Camelo, se faz samba com guitarras, sim senhor, e dançável a dois, sem neura...

O Camelo, dizem alguns, é o próprio Cara Estranho da música: aquele que parece não se encontrar lugar no corpo em que Deus lhe encarnou, que não sabe nem pra onde ir se alguém não aponta a direção, que deixa o ódio se esconder. É aquele que se sentia perdedor ("eu que já nem sou assim muito de ganhar...") mas que foi descobrindo, aos poucos, que os tais dos vencedores não são lá tão admiráveis ou dignos de inveja. O personagem do Vencedor, que ele observa de longe, quase com piedade, não tem "gosto de viver" nem a "glória de chorar". Pra que ficar se fazendo de forte desse jeito se é pra viver assim, carrancudo e sem gosto? Perder não é ser menor na vida. E é de lágrima que ele faz mar pra navegar... Como dizia o Pessoa (“que lágrimas perderam aqueles que conseguiram!”), o Marcelo também insiste que não há nada de errado em derrubar umas lágrimas, por vezes estar perdido e ser fraco e carente de vez em quando. It's not a problem.

A melancolia, nele, parece um pouco mais pungente do que no Amarante, especialmente em certas músicas do 4, onde parece que um pouco da juventude dele se foi e que um certo “cansaço” começou a tomar conta. "2 Barcos", "É De Lágrima" e "Pois É" têm uma tristeza meio arrastada, agoniante, angustiante, beirando os lamentos de um Thom Yorke, algo que eu não me lembro de ter ouvido no rock nacional em nenhuma outra época. Camelo tem seus momentos de pessimismo ("pode ser que a maré não vire, pode ser do vento vir contra o cais..."), seus lamentos sobre a solidão ("sobre estar só, eu sei..."), suas brigas com a felicidade ("como se ela recolhesse a mão pra não me alcançar..."), seu cansaço pelos amores sofridos (“achando que sofrer é amar demais...”), seus reconhecimentos de fracassos ("pois é, não deu..."), o desejo de se abandonar à um merecido descanso ("e o coração já quer descansar...")... etc. Cara estranho, perdedor, peixe fora d'água? Talvez.

Mas é só porque não dá mesmo pra se sentir totalmente em casa nesse planeta: "o mundo inteiro é hostil" e Marcelo, no fundo, só está atrás de um amor ("a gente só queria um amor...") e de uma boa dose de sossego ("paz, eu quero paz..."). Paz no espírito e na consciência: só quer levar a vida devagar pra não faltar amor. E oferece uma mão pra quem quer que queira (“procure-me em qualquer confusão”) - como também faz Amarante ("me diz onde é o sufoco que eu te mostro alguém a fim de te acompanhar..."). Ele sabe que vida é passageira e a nossa estrela vai cair... Então recomenda, claro, é mais uma vez tudo sobre o amor: "procure dividir-se em alguém!"

Camelo também aquele que se cansou de se esconder, de se proteger, de se calar. Cansou de viver entre pessoas todas emprisionadas em suas celas de prisão, em suas máscaras, em seus fingimentos... "Abra a janela agora, deixa que o Sol te veja... Abre as cortinas pra mim, que eu não me escondo de ninguém..." Agora vive querendo manter abertos os portões da alma. Olha você: diz que não vive a esconder o coração? Mas sozinho não tem graça, ele sabe bem - e tudo, no fundo, é sobre o amor. "Abra os teus armários, eu estou a lhe esperar..." É o cara da poesia simples, que concentra em versos pequenos e palavras esparsas uma imensa qualidade de sentido, como faz todo bom poeta, contrastando um pouco com o beletrismo do Amarante, que é um poeta mais "palavroso". O Camelo prefere confessar na lata seus sentimentos como são, mesmo que soe sentimentalóide e piegas, ao invés de se esconder detrás de palavras inusitadas. Ele se sente sozinho e precisando de carinho, diz isso sem enrolação - por que se esconderia detrás de metáforas e complicações? Os cínicos podem dar risada de uma franqueza assim tão desarmada, mas ele num tá nem aí: "pode rir agora... o fio da maldade se enrola!"

Quer estar em par com Deus, e não está nem aí se a gente acha isso pieguice, religiosidade antiquada ou uma ética bobalhona. Diz o que quer dizer, sem se importar muito se os cínicos vão rir, se vai virar objeto de piada, se o seu romantismo vai ser considerado ingênuo... "Pode rir agora...", canta ele, e é como se ressuscitasse Renato Russo, que berrava o mesmíssimo verso em "Angra dos Reis". "Pode rir agora, que o fio da maldade se enrola..." No fundo ele faz o melhor de que é capaz só pra viver em paz - e sabe que, no fim, assim calado, vai ser coroado rei de si.

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Já o Amarante, apesar de igualmente sentimental ("quem é mais sentimental que eu?"), me parece ter menos gosto pelo drama e mais controle sobre sua melancolia. As poesias do cara costumam ser mais lúdicas, mais brincalhonas, com versos bem arrojados. Tanto que às vezes o cara solta uns versos um tanto incompreensíveis e pretensiosos (alguém sabe me explicar, por exemplo, o que diabos quer dizer "dei-te pra ancorar doces deletérios"?!?). Muitas vezes, as palavras estão ali mais pela sonoridade agradável ou cômica do que pelo sentido que comunicam: simplesmente porque são palavras engraçadas, divertidas, bizarras, gostosas de pronunciar e ouvir. Mas na maior parte do tempo suas palavras se ajuntam dum jeito ótimo e soam muito bem. Às vezes gosto de imaginar Amarante, num dia de tédio, brincando de passar o olho pelo dicionário, aleatoriamente, só pra pescar termos saborosos que depois entrarão em suas letras. Imagino ele marcando com algum sinal certos verbetes, em meio a risinhos divertidos: imbróglio, engodo, quiproquó, birra, cisma, amuleto, chulé, sacola, deletério, pá furada, chá de habu...

O Amarante me parece ser um cara com o olhar mais aberto para a poesia do cotidiano, para as pequenas insignificâncias do dia a dia que, quando se tem alma de poeta, se enchem de magia. Ler jornal na fila do pão pode ser algo cheio de encanto, para quem sabe olhar bem e descobrir ali, detrás daquelas folhas, um homem apaixonado, que encontrou seu amor quando desistiu de procurar ("Último Romance"). Ele é o cara mais desencanado do Hermanos, capaz de curtir com mais leveza o cotidiano, deixar a vida vir do jeito que vier ("deixa ser como será, eu vou sem me preocupar..."), e deixar o coração sentir o que quiser, sem se perder "no abismo que é pensar em sentir"...

Ele é outro cara em busca de um amor difícil de conquistar, um amor que faz errar e faz pecar (""se eu peco é na vontade de ter um amor de verdade..."), que traz melancolia e amargor ("o amargo é querer-te pra mim..."), que é uma aventura a que é preciso se atirar ("e assim em ti eu me atirei..."), que crê nas reconciliações depois das brigas e dos choros ("ver renascido amor, bento de lágrimas..."), que conhece bem a solidão e os dias em que, "aflito e só", fica a observar os pássaros e matutar sobre a vida. Mas não reclama, porque sabe dos bons frutos dessa solidão e que existe um amor libertador: "Os dias que me vejo só / São dias que me encontro mais / E mesmo assim eu sei tão bem / Existe alguém pra me libertar...". É o cara que está sempre lá, oferecendo uma mão e uma ajuda: seja em tempos de sufoco, seja em tempos de sossego, ele está lá a fim de te acompanhar...

"O Velho e o Moço", que musicalmente pode até nem ser das mais impressionantes canções dos Hermanos, é uma das poesias mais bem compostas de Amarante. É uma letra que imagina um pouco como seria estar dentro da navinha mágica de De Volta Pro Futuro - e se eu voltasse pra mudar o que fiz, se pergunta Amarante, "quem agora eu seria"? É uma música sobre o tempo e a mutabilidade constante - sobre como uma decisão no passado determina todo nosso futuro, e como tudo seria diferente se estivéssemos escolhido o que não escolhemos.

"O que eu sou é também o que eu escolhi ser", filosofa ele, sem sinal de revolta contra a vida: "aceito a condição". Que condição? Talvez a própria condição humana. Ele conhece a imprevisibilidade do futuro, e gosta que seja assim: dispensa a previsão. Até porque tentar prever só serviu pr'ele se enganar. Se o futuro já estivesse escrito e se a gente pudesse saber o que vai rolar, se as coisas se desenrolassem exatamente de acordo com nossas previsões, que graça teria viver esse jogo de cartas marcadas, de vitória ou derrota predeterminada? Que graça jogar um jogo que já sabemos se vamos ganhar ou perder? Se desse pra saber, antes de fazer algo, se esse algo daria errado, onde estaria a aventura de viver? É bom não saber o que o amanhã reserva, nem quem é que nos tornaremos; saber que as previsões quase sempre dão errado e que não tem problema: "deixa estar"... As pessoas que cada um de nós seremos no futuro: eis mais um mistério. Nós conhecemos quem somos hoje, conhecemos quem fomos nos tempos ido, mas como saber quem é que seremos? "Eu sei que vou voltar / Mas eu quem será?"

Amarante sabe do tamanho pequenucho de cada vida dentro do tempo... só muitos milênios depois de estarmos mortos é que a água do mar, de tanto bater na rocha, vai desintegrá-la. "Posso ouvir a onda bater, mas o estrago que faz a vida é curta pra ver..." E essa vidinha em que nascemos, pra onde vai e de onde veio... sei lá! E o passado é tão misterioso quanto, principalmente aquele que passou antes da gente nascer: "as vidas atrás são parte de nós?"

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Eu teria muita coisa ainda a dizer, mas ficam aí, meio jogadas, essas digressões, ficam aí esses versos espalhados ao vento, como um mero convite para se jogar no universo da banda... Mas são palavras demais, quando o que importa de verdade é ir lá e ouvir os discos, deixando-se penetrar pelo encanto hermânico: quatro discos inesgotáveis e viciantes, que vão revelando novos charmes a cada audição e que fazem dos Hermanos, pra mim e pra milhares de outros, a maior, melhor e mais querida banda brasileira que existe.

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LOS HERMANOS em 22 PREDILETAS, metíveis num CD-R

01. fingi na hora rir (4:12)
02. o vento (3:37)
03. cara estranho (3:27)
04. ultimo romance (4:27)
05. casa pré-fabricada (2:57)
06. deixa estar (3:33)
07. além do que se vê.wma (3:52)
08. condicional.wma (3:28)
09. do sétimo andar.wma (3:49)
10. o vencedor.wma (3:22)
11. conversa de botas batidas.wma (4:02)
12. samba a dois.wma (3:19)
13. paquetá.wma (3:00)
14. o velho e o moço.wma (4:05)
15. retrato pra iaiá.wma (3:59)
16. todo carnaval tem seu fim.wma (4:26)
17. um par.wma (2:59)
18. tá bom.wma (2:20)
19. pois é.wma (3:24)
20. adeus você.wma (2:58)
21. primeiro andar.wma (4:18)
22. dois barcos.wma (4:40)


Playlist length: 1 hour 20 minutes 14 seconds


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(PARÊNTESES) - Olha só: tive alguns sérios problemas e desentendimentos depois de ter publicado esse texto por aqui, que chegou a ser acusado de ser um plágio e conter altas apropriações criminosas do trabalho alheio (estão até ameaçando me processar... no kidding!)... então acho que convêm abrir um parênteses e fazer alguns créditos, agradecimentos e esclarecimentos para ver se acalmo as fúrias de uns e outros e me "defendo" contra os horrores que andam dizendo sobre mim aqui na minha caixa de e-mails...

O lance é o seguinte: quando eu me sento para escrever qualquer texto pr’esse bloguinho, sobre o que quer que seja (cinema, música, literatura, filosofia...), gosto de fazer a coisa bem-feita: faço uma pesquisa prévia detalhada sobre o assunto, leio o máximo número possível de outros textos e resenhas escritas sobre a coisa, tento aprender o máximo que posso com outras pessoas e outras opiniões, tentando reunir “munição”, por assim dizer, pra escrever algo bacana. Quando quero falar sobre um filme ou um disco, num me sinto autorizado a me meter a sair dando opiniões sem antes dar uma passeada por aí e ver o que outros pensam sobre a mesma coisa (no quê o Rotten Tomatoes e o Meta Critic, sem falar no bom e velho Google, são ótimas pedidas). Sempre achei que eu podia enriquecer muito a minha percepção das coisas entrando em contato com outras percepções, perspectivas e visões...

Não escondo de ninguém que eu vou assim meio que “peneirando”, no imenso oceano de informação que há por aí (ainda mais nesses tempos de internet), alguns pontos-de-vista interessantes, idéias brilhantes, “sacadas” geniais e percepções criativas que vou encontrando por aí e começo a "colecionar"... As coisas que escrevo quase nunca são troços que surgem em mim “do nada”, que são produtos “puros” do meu espírito e da minha cabeça, até porque, como diz a famosa frase do John Donne, “nenhum homem é uma ilha” e toda pessoa está rodeada por influências, atrações, repulsões, projeções, identificações e o escambau – we’re all related. Então é claro que, muitas vezes, o resultado que sai por escrito é uma espécie de síntese daquilo que eu aprendo com os outros, que os outros me fazem pensar, sentir, matutar, perceber e assim por diante. E é claro que eu me sinto no direito de utilizar as coisas que eu aprendi com os outros como algo que vá servir pro meu texto e pra minha visão, sem que isso seja considerado um roubo, um plágio ou um ato de um mau-caráter comprovado.

Acho que foi o Newton quem disse que só se tornou grande porque estava “de pé sobre o ombro de gigantes”, manifestando assim, nessa imagem poética tão bacana, sua dívida para com seus mestres do passado. O Oasis, que depois entitularia um de seus discos justamente como “Standing On The Shoulder Of Giants”, só fez o mesmo, reconhecendo sempre a influência inegável dos Beatles e do rock sessentista no som dos caras. E o que eu acho é que, se você tem um espírito aberto, disponível e sem preconceitos, consegue aprender algo com qualquer pessoa, inclusive com pessoas sem cultura ou erudição algumas, mas que tem experiência de vida para dar e vender.


Eu, que sempre me considerei e continuo a me considerar, sem vergonha, um “eterno aprendiz”, como diz a canção, acho que não há nenhum problema em subir nos ombros de gigantes, de anões e de pessoas de altura mediana para aprender a olhar mais longe, olhar mais de cima, olhar de um jeito mais profundo e mais vasto... Portanto não nego, claro, que leio muito material por aí antes de escrever algo por aqui e que me aproveito dessas leituras para escrever minhas coisas - às vezes, talvez, de um modo um pouco irresponsável, sem dar o devido crédito às pessoas com quem aprendi as coisas. Vou tomar mais cuidado, prometo!

Para escrever bem sobre o Nevermind, por exemplo, tive que suar muito (não que tenha sido duro: a gente sempre lê com muito prazer e gosto sobre nossos ídolos mais queridos!). Devorei toneladas de material: li aquela excelente biografia do Charles Cross (Mais Pesado Que o Céu), li a biografia nacional do Marcelo Orozco (Fragmentos de uma Auto-Biografia), o livro português de citações cobainianas Odeio-me E Quero Morrer, o Barulho do André Barcinski, sem falar de matérias velhas da Rock Press, da Bizz e da SPIN (da época em que o disco foi eleito o álbum da década em todas elas), além de incontáveis outras resenhas, artigos e entrevistas que encontrei na Internet... Eu não seria capaz de escrever aquele texto “sozinho”, claro, e me senti, quando terminei, como se fosse sim algo totalmente meu, pessoal, subjetivo e com a minha cara, mas como se aquilo fosse TAMBÉM um trabalho de síntese de idéias e sentimentos de muita gente. Posso ter dito certas frases que o Charles Cross ou o Orozco disseram quase igual em seus livros, mas nem por isso acho que eu mereceria ser processado por algo parecido com “plágio” ou apropriação indevida de idéias alheias, até porque tudo o que eu leio acaba se tornando parte de mim e, depois de digerido e “reprocessado”, sempre aparece pelo menos um pouco transformado e “filtrado” pela minha percepção pessoal das coisas.

Pra parir um bom texto, eu só conheço esse jeito: me alimentar das idéias e impressões dos outros, ver se elas estão de acordo com as minhas, selecionar o que há de mais legal, mais interessante e mais relevante por aí, e tentar assim fazer o melhor texto que eu puder fazer, mesmo que ele pareça, no fim, tecido por várias mãos e contendo idéias de muita gente. Todo esse material vai pro meu liquidificador mental, fica ali fermentando e sendo digerido, até que acaba virando meu texto, que certamente está em dívida para com tudo o que eu li, e que às vezes acaba contendo idéias que se encontram em outros lugares e outros escritos, mas ao qual eu também, é claro, sempre tento imprimir a minha marca pessoal, a minha própria perspectiva, o meu jeito de sentir as coisas. Eu faria um trabalho muito mais pobre se me proibisse de ler outras coisas que foram escritas sobre o assunto para o bem de ser “completamente original”, coisa que eu não consigo nem quero ser. E acho que é dever de qualquer jornalista, ao invés de se julgar o “sabichão” e pensar que pode se sentar para escrever sem consultar nada, sem se basear em quem manja e sem ler ninguém, é dever dele ser humilde e sentar para estudar, ralar a alma e aprender com os outros...

Mas eu quero deixar muito claro que eu não tenho nenhuma pretensão de ser um cara 100% original, de só ter “idéias próprias” que ninguém mais têm, nem a pretensão de sempre escrever coisas que ninguém jamais escreveu nem pensou nem sentiu. Também não me vejo, na verdade, como o “dono” de grande parte das frases, idéias, pensamentos, expressões e sensações que acabo por expressar - até porque, muitas vezes, eu sinto ser mais o “veículo” delas do que o criador.

Quanto à esse texto sobre os Los Hermanos aí embaixo, que andou me dando esses dissabores e me fez receber acusações de ser um “plágio” (inclusive com a ameaça de que ia ser processado! Deus meu...), acho que é a mesma história. Como é natural de todo fã, eu devorei um montão de textos que existem por aí sobre os Los Hermanos, em blogs, zines, revistas e jornais, alimentando minha curiosidade por saber mais sobre a banda e querendo me inteirar também, é claro, sobre o que o povo por aí sente, pensa e matuta sobre os Hermanos. É claro que joguei toneladas de material dentro do tal do liquidificar mental para conseguir escrever esse texto, e é claro que, quem for investigar meu texto com uma lupa, vai acabar notando que aqui e acolá existem certas coisas no meu texto que já apareceram em outros lugares, outros textos e outros papos. Não escondo de ninguém que fui pescar muita coisa em outros lagos e rios que não o meu cérebro.

Por exemplo: tirei o rótulo de eMoPB, que eu achei muito engraçado e feliz quando li, de uma resenha de show publicada na Bizz um tempo atrás; fiquei com a vontade de discutir sobre as relações entre Legião e Los Hermanos, vejam só, por causa de um “papo de balada” no Studio SP, quando a galera estava discutindo, meio de sacanagem, se daqui um tempo a gente veria rodinhas de violão recheados com canções dos Los Hermanos, quando antigamente era tradição ser sempre Legião e Raul; a lembrança da briga João Gordo e Los Hermanos saiu dum texto do meu amigo Falcon no TSC TSC TSC; tirei muitas idéias e também certas expressões inteiras dos ótimos textos que o Abonico R. Smith escreveu pra revista eletrônica Bacana (como por exemplo a frase “não tomar atalhos fáceis para a fama”, que se encontra naquele que eu considero o melhor texto já escrito sobre os Los Hermanos); li uma pá de entrevistas, como a longa conversa informal com os caras da banda publicada na Gafieiras, e também a maior partes das resenhas de disco que eu pude achar (como as do Gordurama sobre o Ventura e o 4) e de artigos sobre os Hermanos (como esse do Maroldi, do Julio, do Mario Marques, da Poppy Corn, da Gafieiras...); muitas das impressões que eu acabei tendo sobre letras e versos nasceram lendo comunidades no Orkut e observando a vox populi comentar sobre essas coisas, fazer suas apostas e arriscar suas interpretações; outras surgiram em papos informais, por MSN ou pessoalmente, enquanto eu discutia Los Hermanos com amigos e amigas e ia sacando uma ou outra coisa sobre um ou outro verso; e o “estilo” que eu escolhi para certas partes desse texto, espalhando versos hermânicos por todo lado e tentando fazer uma espécie de “quadro impressionista” do mundo poético da banda, distinguindo entre as características do Camelo e do Amarante, foi bastante influenciado por um texto, que eu adorei e que recomendo a leitura, escrito por uma amiga minha uns tempos atrás e publicado no blog dela.

Portanto é claro que eu estou em dívida com todo esse material e com inúmeras pessoas, a quem eu devo gratidão, admiração, agradecimentos e tudo mais. Mas, pôxa vida, pessoas cricas, isso aqui é só um bloguizinho minúsculo frequentado por meia dúzia de amigos e conhecidos meus! Eu não vou ficar aqui fazendo notas de rodapé para os meus textos, indicando de onde tirei cada minúsculo detalhe, e acabar fazendo esse lance parecer com aquelas teses de doutorado chatérrimas que têm umas 500 citações...Tenho mais o que fazer! E, aliás, isso aqui é um espaço pessoal pra mim me expressar livremente, sem essas burrocracias todas, sem essa seriedade boba, essas formalidade de escritório...

Não tô na universidade nem na imprensa, tô na porra do meu blog! E só escrevi isso aí em cima pra prestar miha homenagem a uma banda que eu amo, para compartilhar coisas legais sobre os Hermanos, para fazer um convite para que mais gente se lance no “universo” dos caras. Não é pra ser levado assim tão a sério, pelamordedeus! As coisas legais que eu vou ouvindo por aí, que eu vou incorporando à mim, eu meio que vou “passando pra frente”, exatamente como a gente faz quando ouve uma coisa legal de uma pessoa e depois diz essa coisa legal pra outra, sem ficar encanando de “citar as fontes originais” ou qualquer encanação parecida. As coisas que eu ouço e leio por aí eu uso nos meus textos mesmo; quando me lembro cito a fonte; quando não, digo que não é coisa minha com um “dizem por aí” ou “dizem alguns”, essas coisas. Blog é pra ser um lance desencanado, sem muitas regras e neuras, pra pessoa ficar livre pra dizer o que quiser – não tem todo o lance formal que seria preciso para uma publicação “oficial”! MAS QUE SACO!

Quanto às acusações de plágio, o que eu posso dizer é que a minha consciência tá completamente tranquila e que obviamente NÃO vou apagar esse texto daqui, o que seria dar razão para acusações que eu acho, senão injustas, pelo menos exageradas. Acho completo exagero e falta de respeito pelo meu trampo colocar o “rótulo” fácil de “plágio” num texto desses, que eu suei tanto pra fazer, só porque procurei ouvir dezenas de vozes antes de escrevê-lo - texto que eu sinto, aliás, que tem, no fundo, como tudo o que eu procuro escrever, a minha voz e o meu jeito. A minha voz: pessoal, subjetiva, inconfundível, totalmente minha.

Ser acusado de ser um cafajestezinho qualquer, que não tem um pingo de ética, que não tem um mililitro de originalidade e que sai surrupiando coisas por aí é algo que eu sinto, claro, como uma acusação injusta e exagerada, uma visão das coisas totalmente distorcida e superficial, sem falar que é uma grande falta de consideração por todo o empenho e todo o trampo que eu tenho pra fazer isso aqui.

Eu amo essa porra de blog. Dedico minha vida pra fazer disso um lance legal, perco horas e horas, dias e dias, tentando criar textos legais, pesquisando e lendo para fazer algo decente, tentando sempre aprender e me desenvolver, pra estar sempre evoluindo, então não acho nada legal que cuspam sobre isso, que não saibam reconhecer nem um 1% do valor daquilo que eu faço e que me reduzam ao status de puro LIXO humano. Poderia dar risada dessas acusações todas se elas viessem de alguém que não me conhece bem, mas vindo de quem vêm isso só me deixa perplexo - porque a pessoa sabe muito bem que eu não sou nenhuma dessas coisas que me acusa de ser. E acho, claro, que nunca fiz nada pra merecer ser tratado com tanta grosseria.

Tô completamente disposto a admitir qualquer erro que eu tenha cometido, qualquer frase que tenha usado de outros sem citar fonte, mas também acho que é o cúmulo da falta de consideração e de sensibilidade ser considerado como um ser humano que é puro cocô só porque peguei emprestado, aqui e acolá, idéias e frases que eu curti e que ficaram dentro de mim, estampadas...

Mas, como ninguém consegue ser juiz imparcial em causa própria, deixo aí, pra quem quiser, todos esses links dos textos que li para que vocês julguem, se quiserem perder tempo com essa polêmica boba, se o meu texto representa um plágio ou não... Se for plágio, deve ser plágio de uns 15 textos diferentes e eu mereço a prisão perpétua! =)

Qto às fotos que ilustram a matéria, também andaram chiando que eu peguei emprestado sem pedir autorização, o que é bem verdade – e eu peço desculpas por esse deslize. É verdade que eu nunca fui de encanar muito com esse lance de ficar dando créditos para os fotógrafos quando posto imagens aqui, até porque esse bloguito é tão pequenucho e tão pouco frequentado que eu nunca imaginei que fosse dar qualquer tipo de problema. Até porque nunca mexi nas fotos, nunca fiz qualquer montagem nem usei nada pra difamar, zoar ou sacanear ninguém. Em mais de dois anos de blog, nunca recebi uma reclamação sequer. Só coloco fotos aí pro blog ficar mais charmoso e agradável aos olhos – tipo um batom e uma maquiagem. E quando eu tô navegando na internet e dou de cara com uma imagem que eu curto, salvo na minha HD e, de vez em quando, uso aqui no blog sem nem lembrar mais de onde a desgraçada saiu. Também acho que eu tenho mais o que fazer do que perder meu tempo indo atrás do nome do fotógrafo, pedir autorização e ficar detalhando de onde tirei a coisa – o que só seria necessário numa publicação oficial, e não num blog (ninguém, absolutamente NINGUÉM, fica creditando imagens em blog, mas que cacete!). E, claro, eu pensei, no caso de uma foto em particular que deu treta, que entre amigos num tinha todas essas frescuradas de ter que pedir permissão, preenchendo formulários, essas burocracias chatas de gente grande, e que amigos se emprestam e compartilham as coisas sem nem pensar sobre isso, sem nem levar isso a sério, por pura camaradagem... Mas eu estava enganado. Enfim. Como isso deu altos problemas, e como tem gente que dá a maior importância do mundo a essas ninharias (e isso num mundo onde 2 bilhões de pessoas estão passando fome!), aí vão os créditos (antes tarde do que nunca): a 1ª foto, lá em cima, foi retirada de um blog de fãs, a 2a (que parece um desenho animado) saiu do Mary_Lost, as duas últimas, do Camelo e do Amarante, peguei emprestado do site oficial da banda; e as capinhas dos discos, creio eu, são de domínio público. Se esses créditos não forem o suficiente, peço que os incomodados me dêem um toque que eu apago essas imagens do blog, sem nenhum problema, apesar de sinceramente considerar isso uma baita frescurada - é fazer tempestade em copo d’água! (agora tô com medo... vão me acusar de plágio também por usar essa frase-feita? Vão me botar na cadeia toda vez que digo um clichê ou uma sentença que alguma outra pessoa já disse antes?).

Quanto ao texto em si, acho que, se alguns pontos-de-vista que eu expressei aí são semelhantes ou quase idênticos aos pontos de vista expressos por outros, deve ser mais porque nós sentimos as mesmas sensações e percebemos as mesmas coisas ao ouvir certo verso ou certa música, porque nosso gosto e nosso amor pela banda é semelhante e de intensidade parecida, porque nossas percepções estão em sintonia... Não entendo direito porque tem gente que quer entrar em guerra por algo que, na verdade, só expressa afinidades.

Engraçado que um texto que, pra mim, deveria servir como algo para expressar uma afinididade de gosto, uma comunhão de sentimentos, que era pra ser quase uma homenagem, acabou sendo sentido como um “roubo”... A coisa é absurda. É como se a pessoa me dissesse: “ei, eu também sinto isso quando ouço tal música, você não tem o direito de sentir também!” ou “Ei, eu já escrevi que me sinto assim ouvindo tal verso, e você não tem o direito de escrever que sente a mesma coisa!” É como se eu não pudesse citar um verso dos Hermanos porque a pessoa já citou no texto dela, quando é óbvio que o único dono da porra do verso é o compositor e que todo mundo tem direito de citá-los o quanto quiser! É como se eu não pudesse dizer que sinto na pele a melancolia, o cansaço e a aflição do Camelo nas músicas do 4 porque a outra pessoas já “sentiu antes” - quando é óbvio que 99% das pessoas que ouvem “Dois Barcos” ou “Pois É” também reconhecem essa melancolia, esse cansaço e essa aflição...

O que eu acho, sinceramente, uma atitude muito possessiva e muito infantil, até porque o legal mesmo de estar entre fãs não é ficar nessa guerrinha boba, tentando ver quem é o fã número 1 ou quem é o “dono” das idéias e dos sentimentos mais legais e originais sobre a banda... esse “espírito de competição” acaba contaminando algo que não deveria ser assim. Quem curte a mesma banda, acho eu, não devia ficar guerreando e trocando farpas em brigas bobas e com essa birrinhas de criança (“eu sou mais fã que você! Eu escrevi um texto sobre eles antes que você! Eu gosto mais deles que você! Brrrrr!”). O lance legal entre fãs da mesma banda, e entre amigos que curtem a mesma banda, é criar uma espécie de irmandade, de fraternidade, de turma reunida em torno do interesse comum, do amor comum... Pra quê tanta grosseria, tanta hostilidade? Oh, good people, TRY A LITTLE TENDERNESS, for Christ’s sake!

Eu, pelo menos, fico muito feliz quando encontro alguém capaz de se empolgar pela mesma música que eu, que é fã da mesma banda que eu idolatro, que se sente tão contente ou comovido ouvindo-a quanto eu me sinto, que consegue entender o porquê da minha paixão... Gosto de compartilhar esse gosto com outras pessoas, e, aliás, estou sempre tentando fazer meus amigos gostarem das mesmas bandas que eu (“ouve Wilco, cara! Sleater-Kinney é do caralho!”), como se fosse ser até mais difícil de gostar de um amigo que desprezasse as bandas que eu amo. O problema é que tem gente que trata banda como um brinquedo que quer levar pra casa, trancar num cofre e não deixar ninguém mais ver nem brincar! =) Conheço alguns indies que deixariam instantaneamente de gostar de uma banda que hoje amam se ela começasse a fazer sucesso – não sabem dividi-la com as outras crianças...

E, quanto aos meus textos, acho que eu me sentiria muito lisonjeado e muito honrado se alguma pessoa gostasse deles tanto a ponto de se sentir influenciada. Acho que sentiria como um elogio à mim e ao meu trabalho, um elogio à minha percepção e à minha sensibilidade, se alguém demonstrasse, por essa via, que gostou tanto do que escrevi que sentiu vontade de escrever algo parecido. Eu, muitas vezes, quando gosto muito de um texto, digo para mim mesmo: “queria muito ter escrito isso!” E, se eu me pôr a escrever algo sobre o mesmo assunto que já foi tratado em alguns textos que eu admiro, é natural que essa influência se faça sentir. Só sei que ando me sentindo como se certas pessoas estivessem tão furiosas comigo que estão a ponto de ver um “crime imperdoável” no que era pra ser quase uma “homenagem”. Ando me sentindo num daqueles tribunais kafkianos que parecem um pesadelo: se eu pisar numa formiga, tenho medo de que a pessoa vá chamar a polícia para me prender por assassinato! :D

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Isso tudo me fez matutar sobre certas coisas que vou lançar aí numa pequena digressão...

Pode ser que soe pedante pra caralho, e muito “liçãozinha de moral”, mas o que eu acho é o seguinte: acho que nos faria muito bem, para todos nós, em geral, que vivemos sendo bombardeados por essa ideologia capitalista individualista, possessiva, consumista e o escambau, não deixar essa noção tão destrutiva de “propriedade privada” deixar contaminar tudo, até mesmo nossas sensações, sentimentos e impressões. A idéia de propriedade privada e exclusiva está dominando tudo, até as coisas “abstratas”, até os “sentimentos”... Certas pessoas agem como se quisessem patentear sentimentos e garantir posse exclusiva de algo que não se pode possuir: sentem uma certa coisa ouvindo uma certa banda, e querem ir lá e comprarem uma espécie de direito de monopólio que vai dizer ao mundo que elas foram as primeiras a sentir aquilo e que ninguém mais tem, a partir do dia da patente, o direito de sentir o mesmo... E se expressar sentimentos parecidos, a pessoa pode ser até processada!

E o que eu acho é que o “ espírito da música”, sempre, desde os primórdios, desde os hippies e Woodstock, desde os Beatles e a beatlemania, desde o blues e o folk de antigamente, passando por todas as cenas e estilos, nunca foi esse de separar e de dividir, mas sempre foi o espírito de unir, compartilhar, juntar... O espírito do rock and roll sempre teve a ver com celebrar a vida e a alegria em conjunto, celebrar a união de pessoas sentindo as mesmas coisas ao ouvirem a mesma batida e o mesmo refrão, celebrar a nossa semelhança e a nossa igualdade... Agir querendo monopolizar sentimentos, querendo ser o único fã de uma certa banda, querendo ser a única pessoa “autorizada” a falar sobre ela, a “dona” inconstestável da foto, do autógrafo ou do texto, é entender tudo errado o que a música significa. O lance de curtir música nunca teve nada a ver com individualismo sentimental, com curtir o lance sozinho - muito pelo contrário. O bagulho foi feito pra gente CURTIR JUNTO, mas que porra!!!

Porque a música sempre foi algo que uniu os espíritos, que fez as massas pularem todas juntas nos shows, dançarem todas juntas nas pistas, cantarem em coro nos estádios, numa harmonia impensável em qualquer outro domínio social, sendo afetadas de um jeito coletivo e massivo por aquelas notas, por aqueles solos, por aquelas vozes, por aquela energia...

O grande barato de ir em shows, como é o grande barato de ir num jogo de futebol e ficar no meio da torcida do seu time amado, é sentir, na hora do hit ou do gol, que milhares e milhares de corações entram em sintonia e sentem o mesmo – e isso faz uma das forças mais poderosas que eu conheço no Universo. A solidão se desfaz e você está ali, mergulhado num oceano de gente que sente o que você sente, que vibra como você vibra, que chora como você chora – e é só por isso que pagamos fortunas para ir em shows: para nos amontoarmos ali com outras pessoas, sentindo a magia de um único sentimento multiplicado em milhões de corações que estão debaixo do mesmo teto, dividindo o mesmo espaço...

A única coisa que eu pergunto, pois, é essa: se eu sinto o que você sente ouvindo uma música ou um verso, se amo uma banda tanto quanto você ama, se expresso sentimentos por ela que você também sente, por que me condenar como um “imitador”, um mau-caráter ou um plagiador, quando tudo o que aconteceu foi que nossos corações estavam batendo em uníssono?

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Falei demais, eu sei, mas tava precisando desabafar...

O que eu acho, na verdade, é que certas pessoas por aí precisam muito tomar umas Maracujinas.


Eu inclusive! :)

(FIM DO PARÊNTESES)