sexta-feira, 26 de maio de 2006



SO YOU WANNA BE A ROCK AND ROLL STAR?
ou
GOODBYE TO THE AIR GUITAR DAYS
"Dreams of escape keep me awake
But I'm never gonna get out and make it away
Cause i'm a stone dead tripper dying in a phantasy."

JESUS AND MARY CHAIN, "Blues From a Gun"

Não gosto muito de falar sobre os meus sonhos - porque existem poucas coisas no mundo mais ridículas do que eles... Ainda tenho muita vergonha na cara, então nem vou começar a falar sobre os meus sonhos de amor, eu que lá minhas tendências platônicas, porque é tudo risível demais. Às vezes eu sinto que não importa o quanto eu leia de filósofos pessimistas que dizem que a vida não presta mesmo e que não se deve esperar muito dela, e não importa que eu tente me tornar "refinado" e racional, porque a verdade é que eu tenho uma novela mexicana inteira dentro da minha cabeça... Se algum dia eu estiver precisando de emprego, eu sei que eu posso tranqüilamente me mudar pro México e colocar a minha máquina de fazer sonhos pra funcionar e ser um roteirista muito bom dessas novelas muito ruins. Porque eu bem conheço - por ter tantas vezes imaginado... - esses "enredos" onde as almas são mesmo gêmeas, fazem e cumprem promessas de amor eterno e o final é sempre feliz... Sonhos em geral são uma coisa pra lá de idiota. Os meus principalmente, mas os de vocês eu não conheço. Talvez porque 'cês também devem ter um pouco de vergonha de falar sobre isso. Mas hoje quero falar um pouco dos meus sonhos – pelo menos pra vocês darem um pouco de risada. :)

É o maior sonho da minha vida, o mais recorrente, o mais insistente, o mais obsessivo... o ROCK STARDOM! Sim, eu fui o tipo de adolescente anti-social e maníaco-depressivo que se fecha em seu quarto e fica tocando guitarras imaginárias com o som no talo, gritando junto com toda a força (usando como “microfone” qualquer coisa: escovas de cabelo, cabos de vassoura, luminárias...), pulando sozinho como um retardado, pogando com fantasmas, e imaginando as multidões em delírio. E as entrevistas... E os discos de platina...

Os únicos esportes que eu pratiquei na minha juventude de rapazinho sedentário e parasita foram mesmo o air guitar, o headbanging e a cantoria de chuveiro. E uma das únicas coisas de que eu gostava nessa vida maldita era mesmo todo o Sonho do Rock and Roll. Não era algo que tinha só a ver com a música: era um estilo de vida, era algo que tinha uma importância existencial... Eu só pensava em comprar discos e mais discos, revistas e mais revistas, biografias e mais biografias, e ficar só cozinhando sonhos na minha cabecinha besta... Até hoje tenho minhas gavetas e prateleiras entulhadas com dúzias de edições da Bizz, da Rock Press, da Rock Brigade (claro que eu já fui METAU!!!); sem falar dos livros, que no começo foram quase todos os "de rock": as bios de Kurt Cobain (Mais Pesado Que O Céu), Ian Curtis (Carícias Distantes), Bob Dylan (a do Howard Sounes), Neil Young (a do Neil Rogan), e o velho Alta Fidelidade do Hornby, e o destruidor Mate-me Por Favor, e o livro de entrevistas do Bill Flanagan, e vários outros...

Eu não sei o que teria sido de mim sem o rock and roll. Houve um tempo em que ele era a única coisa que fazia qualquer sentido. Fazia mais sentido que comer. Curiosidade biográfica: lembro que passei quase que todos os dias dos meus três anos do colegial em jejum a manhã toda - porque eu achava que não valia a pena desperdiçar minha mesada com salgados e refris no recreio quando a loja de discos estava tão recheada de discos que eu queria ter. E eu ainda queria os importados... Pra conseguir comprar o Dust, do Screaming Trees (38 pilas... mas muito bem gastas!) ou a discografia quase inteira do Teenage... quanta greve de fome! Quanto martírio! :)

O rock and roll era também o único futuro que não parecia ridículo. Não sei vocês, mas eu quando mais jovem ficava imaginando meus futuros possíveis e às vezes ficava apavorado... Porque, fora o futuro rock and roll, todos os outros futuros pareciam escrotos. Aquele percurso tradicional que mandam a gente seguir parecia tão babaca: entrar na faculdade, depois se formar, depois casar e constituir família, e depois trampar num trampo chato, e só pra poder comprar um monte de quinquilharias inúteis, pra depois morrer a morte daqueles que vão se apagando devagar... Sei lá. Não atraía. Parecia fazer muito mais sentido montar uma banda, gritar suas tripas fora, fazer um pouco da boa e velha zona rock and roll e morrer com 20 e poucos anos, de preferência de overdose ou suicídio, pra virar mito. Ser assassinado também parecia uma boa idéia. Morrer de velho parecia uma coisa tão idiota... Até hoje parece. Casamento, trabalho assalariado, missa aos domingos, shopping center, MPB e morte aos 85... a idéia de um futuro desses me fazia vomitar. Faz ainda, mas hoje já sou mais conformado. Sou quase um adulto. Se eu num tomar cuidado, em mais cinco anos vou estar curtindo Caetano Veloso e a novela das 8 e vou estar "respeitando" as opiniões do papa.

E me deixem fazer uma confissão besta: eu acho que eu só entrei na faculdade de jornalismo, além da velha razão: “gostar de escrever”, por causa das ótimas memórias que tinha de ficar devorando minhas revistas de rock juventude afora. Foi com 17 anos de idade que eu tive que escolher uma profissão, e com 17 anos de idade eu estava meio que cego pra qualquer outra coisa que não fosse o rock and roll... Nunca tinha me interessado de verdade por jornalismo - num tava nem aí pra Veja, pra Época, pra SuperInteressante, pra qualquer revista; nunca tinha comprado de livre e espontânea vontade a Folha ou o Estadão ou qualquer outro jornal. Eu simplesmente não me interessava. Entrei na faculdade de jornalismo só porque não existia faculdade de rock and roll, pois tudo o que sempre quis era viver de rock and roll, de algum jeito, mesmo que fosse de crítico, mesmo que fosse de roadie. E o meu ideal de vida era (e continua sendo, na verdade) esse de viajar o mundo fazendo um som, expressando meu coraçãozinho, vivendo perpetuamente envolto em som e distorção. Uma vida intensa não vale mais do que uma vida longa? "It's better to burn out than to fade away"... É a única profissão que eu gostaria de ter - porque não é uma profissão. E quando se torna uma, eis a hora de abandoná-la...

Claro que tudo o que eu mais queria era ser como todos aqueles rock stars que eu adorava, todo bobalhão. Quando eu comecei a fazer minhas aulas de guitarra, uns 6 anos atrás, aquilo foi ao mesmo tempo algo de extremamente excitante e algo que só me decepcionava. Quem já tentou aprender a tocar algum instrumento deve conhecer o tormento que é o começo, quando a gente num consegue tocar porra nenhuma direito... E aí eu ouvia os discos do Hendrix e tinha vontade de jogar tudo pro alto e desistir. Era simplesmente impossível. Eu nunca, nem se estudasse mil anos, chegaria a tocar daquele jeito. Simplesmente não tinha nascido com o dom. E vocês sabem como são os professores de guitarra... eles querem que a gente tenha como modelo o Steve Vai, o Joe Satriani e o Yngwie Malmsteen e isso só serve pra fazer com a gente se sinta ridiculamente fracassado. Hoje quero mais é que se danem, todos esses virtuoses que tocam músicas com solos gigantescos e nem um pingo de sentimento. Ter descoberto o punk rock, e o Nirvana, e o Sleater-Kinney, foi realmente algo que mudou minha vida. Desencanei de tentar ser um virtuose - é uma bobagem. Importa muito mais a paixão que você coloca na coisa do que qualquer técnica desse mundo. Vamos dizer coisas à la Bangs: se eu tivesse que escolher entre levar "Blitzkrieg Bop" ou a discografia completa do Dream Theather pruma ilha deserta, iria preferir esses maravilhosos e viscerais 2 minutos de Ramones do que 400 horas de solos de 15 minutos do D.T....

Com o tempo eu percebi como é pouco saudável ter ídolos e heróis e querer ser igual a eles. Faz muito mal. Eu nunca fiz tratamento psicológico (apesar de várias vezes ter achado que precisava e muito), mas se eu tivesse que tentar explicar para um psicólogo porque eu sou como sou, eu teria que frisar muito forte todo esse lance do sonho do rock and roll e as consequências que ele teve pra mim. Porque quando eu tento descobrir porque tenho essa tendência a ter uma auto-estima ferradamente baixa, porque tenho o costume de me xingar toda hora de verme desprezível e inútil, porque às vezes fico com vontade de socar a minha própria cara até moer todos os meus ossos, eu fico com a impressão de que, de certo modo, é tudo culpa dos sonhos...

Quando você se compara com certos rock stars ultra-cools, verdadeiros mitos vivos, não tem jeito de não se sentir pouco - quase NADA - perante eles. Talvez por isso eu odiava tanto a minha vida e queria tanto morrer durante toda a minha adolescência: porque não era nada parecido com os meus heróis. Meus modelos estavam altos demais. E eu não era nada otimista em relação ao futuro. Dizia pra mim mesmo que eu nunca teria a voz do Mark Lanegan, nunca cantaria como o Jeff Buckley, nunca tocaria como o Hendrix, nunca escreveria letras como as do Dylan, nunca saberia berrar com tanta paixão e tanta raiva quanto o Kurt Cobain, nunca seria uma pessoa que as multidões iriam adorar... Eu simplesmente não tinha chance.

Esses caras tinham o talento, tinham o estilo, tinham a coragem, acreditavam em si mesmos o bastante para subir num palco frente a 50.000 pessoas e fazer o que faziam. Quando é que eu conseguiria fazer alguma coisa frente a 50.000 pessoas? Eu iria surtar de tanto nervosismo e tanto cagaço... Ia estar tremendo tanto que a minha guitarra iria ficar parecendo estar sendo segurada por alguém com Síndrome de Parkinson. Já fico todo envergonhado e com as orelhas vermelhas tocando na frente de CINCO pessoas, imaginem num estádio lotado... Não, eu simplesmente não tinha razão para acreditar no meu sonho.

E continuei acreditando - porque é irresistível. Sonhar faz mal e condena a realidade a ser uma pálida sombra completamente insatisfatória e nojenta... Mas como suportar essa realidade pálida e nojenta sem, de vez em quando, fugir para o mundo do sonhos e buscar refúgio nas felicidades imaginárias? Tudo o que eu mais queria era ser um rock star, e sonhava de olhos abertos por séculos e séculos, e aí o que acontecia, é claro, é que a realidade chegava dando coice. Sonhar é uma merda. Porque é sempre preciso acordar. E eu sei que eu sempre acordava dizendo pra mim mesmo, ecoando Fernando Pessoa:

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


Por tudo isso é que eu tô me esforçando por me livrar de todos os ídolos, todos os heróis e todos os sonhos. Porque parece que até hoje vivi minha vida inteira querendo ser outra pessoa, não conseguindo nunca me sentir bem na minha própria pele, e eu sei que pra concertar isso eu tenho que, antes de mais nada, parar de me comparar com esses ídolos e esses heróis. Eles só servem para que eu me sinta um loser. Tenho que me perdoar por ser somente eu, só esse pouco que sou, e tentar ficar de boa com isso.

E sonhar faz mal não só pra mim: faz mal pra todo mundo que está ao meu redor. Hoje eu tenho certeza de que aquela sensação de que no mundo só tem filho-da-puta e que as pessoas em geral são uma merda só surge mesmo por causa dos sonhos que nós constantemente alimentamos de pessoas melhores, mais perfeitas, que ligassem mais pra nós, que fossem nos salvar a vida... Sei que a minha vida se torna sempre algo de extremamente insuportável quando deixo meus sonhos voarem alto demais, e todas as pessoas reais se tornam meio insatisfatórias quando comparadas com as pessoas sonhadas...

Sou só eu e isso é tudo o que eu posso ser.

Peço perdão a todos por ser somente o que sou, e não a Pessoa dos Sonhos de ninguém, e vou tentar perdoar a todos por serem aquilo que são e não o que eu desejaria que fossem...

Tô dizendo tudo isso pra quê, mesmo? Pra desabafar, claro, e pra tentar fazer com que vocês me conheçam melhor, e pra parar de me esconder (“gosto de quem fala como quem se despe”, diz o meu grande mestre, e é talvez a minha frase predileta EVER...)... Mas a verdade é que eu só comecei a escrever esse post imenso (duvido q alguém tenha chegado até aqui...) pra comunicar que eu finalmente tomei coragem pra colocar aqui algumas fracassadas tentativas minhas de fazer música.

Sim, agora existe oficialmente DIRTY LITTLE MUMMIE, banda de um homem só, e ela já está lançando seu EP de estréia, disponível para download gratuito aqui mesmo. Ó, me senti importante dizendo isso! O lance é que eu já brinco faz tempo de fazer música trancado no quarto, mas eu sou tão crítico comigo mesmo e sempre acho o resultado tão abominável que nunca quis mostrar isso pra ninguém. Até hoje também num fiz muitos esforços pra formar uma banda porque eu acreditava que qualquer banda com a minha presença seria uma banda ruim. Mudei um pouco de idéia quando nossa bandinha de porão começou a fazer um barulho em Bauru... Foi uma pena que ela não tenha realmente deslanchado... a nossa versão de "Reptilia" dos Strokes tava ficando melhor que a original! :P

Não tenham expectativas. É tudo uma tosqueira só. Gravei esses trocinhos com um microfoninho de computador de 10 reais, um programa freeware de gravação, um violão tão estraçalhado que deve valer uns 15 chicletes na loja de usados e usando como "aliados" minha voz escrota e minha completa falta de talento. A gravação é tão ruim que parece algo dos anos 40. E não, eu não sei cantar, desafino direto, sou todo tímido (às vezes devo parecer um viadinho, sei lá), às vezes subo o volume da voz num esquema muito sem-noção (como em "That Thing You Do") e às vezes erro os acordes e saio do tom. Um desastre quase completo.

Ok, estou exagerando um pouco a minha ruindade. É só pra vocês não esperarem demais...

Estou colocando pra download também uma composição própria, a única que eu tenho coragem de mostrar. "Wishing For The Worse" é um power pop meigo de 3 acordes com letrinha meio besta, uma legítima silly love song. Tenho certeza que vocês vão odiar. Não manjo porcaria nenhuma de composição, então tenho que ficar mesmo só nesses 3-chords-wonders. Caso meu inglês não seja bom o suficiente pra que vocês entendam o que eu tô cantando, mando a letra aí embaixo. Perdi totalmente a vergonha na cara e deixei intactos alguns versos altamente ridículos, como aquele que diz "como manteiga no fogo meu coração derreteu", uma das coisas mais abomináveis que eu já pude escrever. Parece algo que a Carly Simon ou a Carole King escreveriam. (Caraca, hoje eu tô MESMO revelando meus podres... Sim, eu conheço Carly Simon e Carole King!) Me perdoem desde já pela péssima poesia. É que eu precisava porque precisava de um "melt" no final daquele verso e eu realmente achei que "like ice cream on fire my heart just melt" era pior. É incrível como coisas ruins sempre podem ser pioradas. Bom, mas se o Lennon começou escrevendo "I Wanna Hold Your Hand", aquele pequena babaquice adorável que parece composta por uma criança de 6 anos de idade, então eu também tenho o direito de cometer minhas ruindades...

E se alguém, depois de ter ouvido essas pequenas catástrofes, ainda for louco o bastante para me querer como companheiro de banda ou saiba de alguém que queira, me dêem um toque que estou à procura. Qualquer coisa tá bom. Topo banda de punk, de grunge, de britpop, de rock alternativo, de "rock moderno", de classic rock. Ainda tenho sonho de montar um Nirvana Cover qualquer dia - acho que ia ser uma boa terapia pra mim berrar fora meus demônios à la Cobain...

(usem "SALVAR DESTINO COMO..." senão num funfa)

Ai que medo de vocês odiarem tudo!

Se vcs odiarem tudo, façam um favorzinho, vai: fiquem quietos. Eu quero continuar acreditando que eu tenho alguma chance. Esse é uma esperança que eu não quero perder - até porque é uma das últimas...

E aí vai, então, a minha desastrosa 1a composição (ai que vergonha!!!)
Só mostro as outras se eu tiver muito encorajamento!


WISHING FOR THE WORSE

[CIFRA: A - Bm - D ad infinitum]

i hope that my dreamgirl doesn't cross my way
cause as shy as i am i won't know what to say
i'm so afraid that if she crossed my way
i wouldn't be so brave, i'd let her slip away.

please don't you come around, my dear happiness
my house is full of dirt and my mind's a mess
i'm so afraid that if you come away
i won't know how to convince you to stay.

[REFRÃO 1]
that's why now i'm wishing for the worse. (2x)
the so-called good things are not so good.
it never lasts & when it ends it really hurts.

i think i better find a doctor and see
if there's any cure for my disease, which is
i fall in love way too easily
my heart falls so carelessly

at the sight of you a stroke i felt
like butter on fire my heart just melt
my doctor says he's obliged to tell
falling in love is not good for my health.

[REFRÃO 2]
that's why now i'm just wishing for the worse. (2x)
falling in love is nothing but a curse.
falling in love is an excuse to get hurt.


[PONTE]
keep in mind all will pass in time
keep in mind everything keeps flowing by
don't you rejoice too much with your joys
but don't you be so sad when you feel the void.
keep in mind all will pass in time
keep in mind everything keeps flowing by.

[EPÍLOGO]
now i really wish my dreamgirl comes away
i wanna find her out 'fore my life starts to fade
cause i'm so afraid my dreams will be delayed
until the end of time, until the end of days.

(Ai que vergonha!)

terça-feira, 23 de maio de 2006



Escrevi sobre o LESTER BANGS pra RABISCO. Logo logo no ar.
Posto aqui somente o trecho do texto que eu acho mais legal. Se 6 quiserem ler a matéria inteira (que é enooooorme), entrem lá. Como escrevi isso logo depois de ter lido o Reações Psicóticas numa sentada só, eu estava com a cabeça em Bangs-mode e acho que o meu texto, em muitas horas, acaba soando como uma tentativa de imitar ou pagar-pau pro estilo impetuoso e nada-de-vírgulas da prosa-beat do cara... Tem umas coisas que, relendo agora, eu tô achando horrivelmente pretensiosas, mas agora é tarde demais e o texto tá indo pra net. Vejam aí o que acham e não deixem de ler o Reações..., um dos Livros de Rock indispensáveis em qualquer biblioteca.


- DEMOLINDO ÍDOLOS -

Lester Bangs era o tipo de jornalista musical imune a qualquer tipo de subserviência ao star-system: esse cara nunca seria corrompido por um jabá a escrever um texto louvando o Emerson, Lake & Palmer ou uma matéria toda-elogios para alguma nova sensação hypada. O exemplo que ele dá a todos aqueles que desejam fazer crítica de rock e jornalismo musical é seminal, demonstrando que a fidelidade a si mesmo e à sua própria paixão não se pode deixar corromper por interesses do órgão de imprensa ou pelas pressões feitas pelas gravadoras para que se fale bem daquilo que elas querem que venda bem. Lester marcou época porque ousou falar mal de muita gente que ele considerava indevidamente sacralizada e recusou o fanatismo bobalhão e descerebrado que constantemente é marca dos fãs de bandas de rock, acabando por “virar o açougueiro do maior número possível de vacas sagradas”, como diz Brian James.

Nietzsche dizia filosofar com o martelo, mais para demolir do que para construir, e Lester Bangs parece se apropriar da mesma técnica e utilizá-la na crítica de rock. Sua importância está mais no que ele recusa do que naquilo que afirma. E o que ele recusa, e com um não estrondoso, é a idealização dos pop-stars, a pagação-de-pau otária aos “deuses do rock”, a pomposidade e a pretensão dos progressivos, todo tipo de música que deixa de ser expressão de paixão para virar exibicionismo e punheta...

Talvez por isso Bangs gaste tanta munição, através de muitas das páginas de Reações Psicóticas, somente demolindo ídolos: ao que parece, ele não quer que continuemos eternos adolescentes babando de admiração idiota frente a estrelas que no fundo, como ele vai procurar mostrar, são todas humanas, demasiado humanas. “Heróis são uma puta coisa estúpida de se ter” (pg. 81), diz em seu tom cru, no clássico trecho de seu artigo sobre Lou Reed no qual ainda diz que todos os heróis “estão aí pra tomar porrada”, que são todos “uns miseráveis cães sarnentos, os párias da terra” e que “a única razão para se construir um ídolo é jogá-lo por terra novamente” (pg. 81).

Então dá-lhe porrada pra cima de mitos “sagrados” como John Lennon, Elvis Presley, Iggy Pop e Lou Reed: todos eles são sistematicamente dessacralizados. Elvis, por exemplo, na ótica de Bangs, “obviamente nada mais era do que um pobre garoto sulista burro com um empresário paizão” (pg. 115), “um porra dum motorista de caminhão que idolatrava a mãe e jamais diria merda na frente dela” (pg. 121) - e “nós todos faríamos melhor em dar-lhe adeus com o dedo médio levantado” (pg. 117). E John Lennon, cuja morte não parece ter causado muita comoção em Bangs, era “só um cara”. Essas opiniões, que parecem cuidadosamente arquitetadas para levantar polêmica e arrancar protestos inflamados dos fãs, fazem parte dessa técnica de demolição de ídolos e da idolatria em si. E será que essas palavras tem alguma outra intenção senão exatamente essa: provocar os fãs e, de certo modo, tentar minar um pouco o “excesso de fanatismo”? É bem provável.

É claro que, no fundo, Lester Bangs está longe de odiar esses artistas com desprezo total, como pode parecer à primeira vista - as coisas são mais complicadas. Uma das características mais peculiares em Bangs é mesmo sua relação de amor e ódio com seus “heróis”: ele é o tipo de cara capaz de soltar os insultos mais nojentos e os elogios mais ternos para um mesmo artista no decorrer do mesmo texto, demonstrando uma ambivalência emocional gritante. É porque “todo crítico de rock é um músico frustrado”? Talvez. Talvez Lester Bangs nunca tenha podido perdoar seus heróis por serem heróis enquanto ele, Lester, nunca pôde se tornar um rock-star...

Lou Reed, a quem é dedicado o mais extenso, o mais clássico e o mais hilário dos artigos presentes em Reações Psicóticas, é o símbolo perfeito dessa ambivalência emocional. O mesmo Bangs que se derretia em elogios ao White Light / White Heat do Velvet Underground e que considerava Reed um baita dum herói (“Lou Reed é meu herói principalmente porque ele representa as coisas mais fodidas que eu jamais conseguiria sequer conceber” – pg. 78), se põe a xingá-lo de um jeito exagerado e raivoso. Só pra ter uma idéia, Lester diz que Lou Reed é uma “nulidade para consumo das massas”, “um pervertido depravado completo”, “um duende patético da morte”, “um talento desperdiçado”, “um mascate vendendo quilos de sua própria carne”, “um gigolô vivendo do niilismo bronco de uma geração anos 70 que carece da energia para cometer suicídio”, “uma monumental piada sem graça de si mesmo” (pg. 76) e alguém que no palco “conseguiria adicionar um capítulo inteiro aos anais do mau gosto” (75). Estranho modo de se referir a um “herói”! E, vejam a ironia, Bangs certamente foi menos brutal quando se tratava de falar mal do Emerson, Lake & Palmer, que ele dizia odiar mais que tudo...

Bangs compreende a fascinação que os mitos do rock geram em muitos de nós com seus comportamentos auto-destrutivos e suas vidas intensas e insanas. Olhando para a história do rock, não é difícil notar que acabamos por sacralizar toda uma série de garotos perdidos que seguiram à risca o evangelho do live fast, die young e do sex, drugs and rock and roll e que acabaram passando pela Terra como estrelas cadentes, de brilho efêmero mas marcante. A mitologia do rock and roll está repleta de apologias à morte na juventude e a uma vida que se consome e se destrói rapidamente devido à intensidade maníaca com que é vivida. “Espero morrer antes de ficar velho!”, cantava o The Who num dos maiores clássicos da história do rock and roll, “My Generation”. E Kurt Cobain, como se sabe, disse algo parecido ao estampar o verso de Neil Young em sua carta de suicídio: “It's better to burn out than to fade away...”

Qualquer um que tenha se aventurado a ler Mate-me Por Favor!, livro de Legs McNeil que conta a história sem censura do punk americano, sabe o tamanho do fascínio que havia por tudo o que era trash, nojento e esquisito naquela Nova York que viu surgir o Velvet, os Stooges, os New York Dolls, a Patti Smith, os Ramones, o Richard Hell e toda a cena que margeava o CBGBs – e Lester Bangs estava lá pra ver tudo de camarote. Iggy Pop, por exemplo, se tornou um deus do rock rolando sobre cacos de vidro, vomitando sobre as primeiras fileiras do público e arrumando brigas sérias com motoqueiros encrenqueiros, e todos o adoravam justamente por isso: porque ele era completamente insano e porque era um performer que parecia possuído pelo demo e porque parecia estar cagando e andando para o fato de viver ou morrer. “O mito heróico central dos anos 60 era o detonado. Viva rapidamente, seja mau, encrenque-se, morra jovem”, resume Bangs (pg. 78). Isso não ficou restrito aos anos 60, claro, uma década que também ficou marcada pelo hippismo e suas mensagem de paz-e-amor e flower power - e talvez tenha se exacerbado muito mais nos anos 70, com o levante punk e a divinização de tudo o que é trash, tosco e imundo, e nos anos 90, com a idealização das sombras e do niilismo via Seattle.

Lester Bangs conheceu essa fascinação, e certamente tentou imitar todos esses “anjos caídos” que se transformaram em “heróis culturais”. “Eu mesmo sempre quis imitar o filho-da-puta mais autodestrutivo que eu visse, caso ele se comportasse com algum senso de estilo”, confessa (79). Houve um tempo em que ser fodido, decadente, junkie e niilista era a coisa mais cool do mundo, e havia jovens que dariam tudo pra viver uma vida igualzinha à de Sid Vicious, mesmo que isso significasse deixar esse mundo aos 21 anos de idade.

Pois bem: algumas páginas de Reações Psicóticas mostram que Lester Bangs começou a questionar seriamente essa relação de idolatria que tantos nutrem frente a esses garotos perdidos, drogados e sofredores que se vão desse mundo aos 20 e poucos anos escolhendo a forca ou a overdose. “Uma das coisas que estamos adorando é o ódio a si mesmo, e uma outra pode muito bem ser um indivíduo cometendo suicídio”, provoca Bangs (pg. 109), demonstrando estar simplesmente cansado desse papo e querendo nos fazer questionar as razões que temos para idolatrar quem idolatramos. Um dos poucos momentos em que pára de descer porrada em Lou Reed é quando diz admirá-lo porque ele conseguiu “se ligar que todo o conceito de ruína, decadência, degeneração era uma piada”. Ou seja, “Lou se ligou do absurdo implícito da pose de fodão ovelha-negra típica do rock and roll e a parodiou, desglamorizou” (pg. 79). Chega uma hora em que Lester (e é isso o que justifica que alguns tenham podido chamá-lo de moralista...) quase chega ao ponto de nos perguntar: por que estamos adorando esses tristes exemplares humanos de decadência e auto-destruição? Por que achamos tão legal a vitória do instinto de morte sobre os instintos vitais? Enfim: por que é mesmo que pagamos tanto pau pra esses palhaços?

É interessante notar que a resenha que dedica ao Astral Weeks de Van Morrison, publicada em 1979, apesar de aparecer como o primeiro texto em Reações Psicóticas, é posterior aos escritos que dedicou ao Iggy Pop e ao Lou Reed, o que demonstra bem o quanto Bangs, ao fim dos anos 70, estava mudando seus ídolos e valores e cada vez condenando mais o niilismo, a auto-destruição e a estilização da decadência. É um baita dum sinal de mudança que Lester Bangs, o mega-defensor do punk, possa ter conseguido admirar tanto o clássico debut de Van Morrison, uma obra-de-arte que de punk não tinha absolutamente nada: era muito mais um documento místico de uma busca espiritual. Astral Weeks, comenta Lester, “assumiu na época a importância de um farol, uma luz nas praias longínquas das trevas; e mais, era uma prova de que havia ainda algo a ser expressado artisticamente além de niilismo e destruição” (pg. 22). Prova de que Bangs não era uma pessoa tão simplista, nem seus gostos musicais tão “fechados”, nem suas idéias sobre as funções da arte tão bobocas quanto às vezes seus caricaturistas fazem parecer.

quinta-feira, 18 de maio de 2006

UM MENINO QUE EU CONHEÇO.

Eu conheço esse menino que tem um coração trancado numa jaula, dentro dum zoológico de segurança máxima, e ele tá sempre vigiando de perto pra que não haja fuga. Não sei porquê. Ele talvez tenha achado que era uma besta selvagem demais, o coração, e que convinha se precaver. Sei que ele não o solta nunca quando há pessoas ao redor e não deixa o pobre bicho passear ao ar livre durante o dia todo. Só quando não há visitantes, quando cai a solidão da noite e a segurança das trevas, é que ele destrava os cadeados e deixa seu bicho de estimação perambular livre. Livre e só.

Esse menino é como se fosse um dono de cachorro ciumento que não quer que pessoa alguma nem ponha os olhos sobre seu animal: não deixa o seu coração falar com ninguém. E o coração, coitado, de tanto ficar trancafiado, desaprendeu como falar sobre si – e na sua jaulinha, onde só tem canetas hidrocores e cartolinas, ele só se confessa ao papel.

Ele, o coração trancafiado, tenta manchar as cartolinas com garranchos em letras garrafais onde descreve todos os seus sentimentos, e fica lá, de dentro da jaula, segurando essas grandes folhas como se fossem placas. As pessoas passam e nem ligam. Não estão nem aí. Talvez se gritasse...

Ele, esse menino dono do coração, já tem barbas peludas na cara e é mais alto que o próprio pai, mas sei que dentro dele ainda se esconde uma criancinha boboca que quer chupeta, colo e cafuné. Ele, é claro, não admite. Gosta de se chamar a si mesmo de homem, e claro que homem que é homem não tem dessas frescuras, dessas infantilidades, desses desejos de mariquinha. Esse menino gosta de se fingir de durão e sempre anda pelo mundo com os olhos secos. As pessoas compram. “Eis a própria imagem da maturidade!”, dizem todos admirados quando o vêem passar.

E esse menino, tadinho, é daquele tipo que fez a bobagem de olhar para os céus e imaginar qual é o seu próprio tamanho e lugar no Esquema das Coisas. E ainda, na escola, fizeram a crueldade de lhe ensinar rudimentos de astronomia. E ele começou a se sentir pequeno, como se seu planeta fosse um formigueiro, como se seu país fosse um grão de poeira, como se ele mesmo fosse menor que um átomo em meio à imensidão do universo. E esse menino muitos anos ficou achando que ele não servia pra nada. E talvez não servisse mesmo. Talvez até hoje não sirva.

Ele não é muito de sorrir. Mas pelo menos sempre responde com um “tudo bem” a todos os “como vai?”. É sempre mentira.

Eu conheço esse menino, e é de deixar louco de raiva: ele tem uma alma tão grande e tão colorida, mas faltam a ele os devidos buracos para deixá-la escorrer pra fora. As aberturas dele são muito fechadinhas... nem sei se posso chamar de aberturas. Ele às vezes me lembra daquela piada do pintinho que explodiu porque não tinha... mas deixa isso pra lá que é muito obsceno e hoje é dia de poesia.

As pessoas tentam espiar pra dentro dele, mas nele não tem janela, nele não tem porta de vidro; tudo o que tem é só um buraco de fechadura minúsculo, e na maior parte do tempo a chave tapa a visão – pois o menino sempre se tranca por dentro.

Quando ele tem frio, e costuma ter bastante, se agasalha com um cobertor velho feito todo com sonhos, uns remendados nos outros, um costurado no rabo do outro, uma zona só. Faz aí seu ninho. E esse menino gostaria de nunca deixar esse refúgio, mas de algum modo sempre algo vem e lhe arranca com força o cobertor de cima do corpo, faz dele trapos, reduz a pó a matéria-prima. Ele recomeça, como uma aranha, a tecer mais um cobertor de sonhos onde se deitar e aquecer, mas é como se tentasse se sustentar em cima de nuvens – ele sabe que há de cair.

Eu conheço esse menino, e a alma dele, grande e pesada, ao invés de sair dele como sai a lava de um vulcão, sai como saem as gotinhas de remédio de um conta-gotas. E esse menino anda pelo mundo com as costas meio curvadas, como se carregasse sobre as costas um imenso peso, como se por dentro fosse todo feito de chumbo, e como se não soubesse que disso ele se poderia desfazer, fácil fácil.

E esse menino não sabe se sabe amar. Até hoje não soube se fazer a si mesmo feliz, e tem suas dúvidas sobre se saberia dar felicidade pra qualquer outra pessoa ou se só acabaria ferrando com as coisas, como é seu costume fazer. Talvez ele simplesmente não tenha o talento. Alguns nascem pra perder.

Eu conheço esse menino, e ele muitas vezes vem e me diz lamentos, cheio de auto-piedade (e eu confesso: odeio a auto-piedade mais que tudo). Ele me diz que perdeu o seu caminho, mas a verdade é que ele nunca o encontrou.

Conheço esse menino e simplesmente, de verdade, não sei o que fazer com ele.

domingo, 14 de maio de 2006

Não, ainda não desisti desse bloguito e ainda não entrei em crise de inspiração. Meu sumiço é só pq estive me dedicando a escrever uma materiona pra nova edição da Rabisco, que deve entrar no ar logo logo (não conto sobre o quê pra não estragar a surpresa). Agora q a coisa já está feita, volto a postar por aqui daqui a alguns dias. Pra não dizerem que esse blog ficou sem nada de bom pra ler por mais de 10 dias, deixo vocês com o Mestre Eduardo Giannetti e um trechinho do magistral "Auto-Engano", um dos melhores livros de filosofia já escritos no Brasil (mas a concorrência é pouca...), que está sendo relançado naquela coleçãozinha de pocket-books da Companhia das Letras, facilmente encontrável por aí. Vale muito a pena ler, esse e o "Felicidade"...



"Sonhar e acreditar no sonho são o sal da vida. Não há nada de errado, em princípio, em apostar alto na vida privada ou na vida pública, correr o risco no amor, na política, nos negócios ou no que for o caso. O comportamento exploratório - ousar o novo, tentar o não tentado, pensar o impensável - é a fonte de toda mudança, de todo avanço e da ambição individual e coletiva de viver melhor. Viver na retranca, sem esperança e sem aventura, não leva ao desastre, é verdade, mas também não leva a nada. Pior: leva ao nada da resignação amarga e acomodada que é a morte em vida - o niilismo entediado, inerte e absurdo do 'cadáver adiado que procria'.

O problema não está em sonhar e apostar, mas na qualidade do sonho e na natureza da aposta. O melhor dos mundos seria combinar o ideal prático da coragem nas nossas convicções, quando se trata de agir, com o ideal epistêmico da máxima frieza e distanciamento para atacar e rever as nossas convicções, quando se trata de pensar. (...) Reconhecer, de um lado, que nada de grandioso se faz neste mundo sem entusiasmo e paixão, mas nem por isso acreditar, de outro, que a força da paixão e o ardor do entusiasmo se tornem critérios de verdade em nossa compreensão do mundo."

"A idéia de perfeição é obviamente uma ficção humana. Seu grande mérito - como é o caso das utopias em geral - é servir como um contraste que inspire e permita realçar com tintas fortes a extensão do hiato entre o que é e o que pode ser: a distância que nos separa do nosso potencial. Mais que um sonho, o ideal é uma arma com a qual se desnuda um mundo injusto, corrompido e opressivo.

Na prática, é claro, nada que é humano se aproxima da perfeição, a começar pelo próprio pensamento utópico. Um risco que nunca pode ser descartado - e o século que termina foi pródigo em lições desse tipo - é o de tentar melhorar as coisas e acabar tornando-as piores do que são. 'O caminho do inferno', alertava o cruzado militante são Bernardo no século XII, 'está repleto de boas intenções'. O problema é que o imobilismo e a resignação também chegam lá. Se agir é muitas vezes perigoso, deixar de agir pode ser fatal."


- Ah, e eu sabia que esse lance de lista de filmes num ia dar certo. Já mudei de idéia sobre muita coisa. De lá pra cá, e olha q só foram 10 dias, já assisti 2 filmes que teriam q entrar no meu top 100, e se pá entre os 50 primeiros. Sem paciência pra comentários, resenhas ou qualquer outra coisa, só deixo a recomendação - assistam essas duas pérolas:




MY SUMMER OF LOVE, de Pawel Pawlikowski, um perverso conto sobre lesbionismo, hipocrisia e mind games, uma das fotografias mais hipnotizantes dos últimos tempos... Ah, e esse filme tem olhos. Olhos com O maiúsculo. OLHOS no CAPS LOCK. Olhos de mulher que dá vontade de apertar o pause e ficar babando por 5 minutos...




NORMA RAE, do Martin Ritt (meu mais novo Diretor Prediletíssimo: vi 3 filmes dele, paguei pau pra todos: esse, "O Indomado" e o "Ver-te-ei No Inferno") - não julguem pela capa: o filme é MARXISTA até o osso, realista pra caramba e a Sally Field tá divina (Oscar de Melhor Atriz em 79). Esse vai ser provavelmente o único Filme de Esquerda Engajado Em Favor da Classe Proletária que vai te fazer chorar de emoção.

sexta-feira, 5 de maio de 2006

OS 100 FILMES DA MINHA VIDA.

Eu sei que ninguém perguntou! Mesmo assim vou responder a essa pergunta que eu sempre fico com vontade de perguntar pros outros (principalmente pra todos esses caras que tem brógues de cinema e todos esses críticos fodões por aí). "Quais são os filmes da tua vida?" Não aqueles que merecem um certo prêmio quando analisados por critérios "objetivos". Não aqueles que por um certo consenso crítico merecem o título de "melhores". A pergunta é mais simples: quais os filmes que cê mais curtiu? Que mais te marcaram a vida? Que você assistiu grudado na tela e com uma ereção psíquica full-time? Que te fizeram sair do cinema gritando uaaaaaau! pelos corredores do shopping ou pelas ruas da vizinhança? É essa a pergunta que me deu vontade de responder aqui, mesmo sem ter sido perguntado.

Eu não teria q me explicar, mas acho bom só dizer umas coisinhas pra num ter briga... Essa listinha não tem nenhuma pretensão de dizer objetivamente quais são os melhores filmes de todos os tempos. Todo mundo sabe que não existe nenhum termômetro objetivo pra julgar o valor dessas coisas (a crítica de cinema não é uma ciência...); e, além do mais, eu num assisti nem 5% dos filmes produzidos na história da humanidade pra poder ter a pretensão de dizer qualquer coisa com um "de todos os tempos" no final.

Essa listinha também ñ é algo que leve em consideração coisas como Importância Histórica, Impacto Popular, Influência na Sociedade, Prêmios Ganhos, Relevância para o Desenvolvimento do Cinema etc. etc. etc... É por isso que eu posso não levar em conta certos filmes e diretores q certamente deveriam marcar presença numa lista com pretensões à "objetividade". Não, não coloquei Cidadão Kane nem nada de Orson Welles. Não coloquei O Encouraçado Potemkin nem nada do Eiseinstein. Não coloquei nada do expressionismo alemão nem do neo-realismo italiano nem da nouvelle vague, mesmo tendo a noção clara de como foram movimentos importantes para a história do cinema - não quis fingir que gosto de certos filmes só porque são considerados "importantes". Não coloquei nada do Godard, do Pasolini ou do Antonioni porque, sinceramente, são caras q eu acho mto superestimados, que não me dizem muita coisa, que me irritam, me insultam, me deixam entendiado. Enfim, não vou fingir que gosto só porque um monte de crítico paga-pau. E é claro que num vou dei bola pr'esses filminhos americanos água-com-açúcar que alguns críticos adoram adorar. Num vem não: nada de Casablanca. Nada de E O Vento Levou.

Sei que alguns nunca vão entender certos filmes que eu amo. Pra alguns o Vincent Gallo sempre mais ser um babaca depressivo e auto-destrutivo e Buffalo '66 uma bobagenzinha do cinema indie americano (como explicar porque eu adoro tanto esse lance?). Alguns vão sempre achar que o Clube da Luta é só um filme estúpido sobre caras que gostam de se espancar (e eu que acho esse um Manifesto Existencialista Atemporal e um Retrato do Vazio Existencial na Sociedade Capitalista...). Alguns vão sempre dizer que o Persona num passa de um exercício vazio de cabecice e pretensão, que o E Tua Mãe Também é somente um engraçadinho "filme de entretenimento" (tsk, tsk...) latino-americano, que o Before Sunrise e o Before Sunset são somente filmes românticos sem nada de mais... etc. etc. etc.

Eu não tenho tempo pra explicar porque gosto tanto desses filmes. Tô fazendo a lista exatamente porque não tenho tempo nem paciência pra ficar me explicando e dando razões para gostar do que gosto. Tô sentindo que o meu projeto original, que era escrever sobre todos os Filmes da Minha Vida, não vai se realizar tão cedo. Vou fazendo aos poucos. Por enqto só deixo aí registrada a Hierarquia Emocional com os filmes que mais marcaram minha vida, os filmes que eu mais tenho vontade de reassistir, os filmes que me fizeram ser o que sou, os filmes que se tornaram quem eu sou, que carrego dentro de mim, estampados na alma, pra sempre.

Esses são os filmes que mais marcaram a minha vida, em suas variadas fases. Não teve jeito e tive que homenagear certas semi-podreiras que eu curti absurdos na infância e a pré-adolescência, mesmo que hoje, com a minha chatice crítica adquirida, eu os julgue meio toscos e não muito valiosos. Pânico num pudia faltar, pessoal - num façam cara feia... :) Em 1996 eu tinha 12 aninhos e ver isso no cinema foi uma Puta Experiência Hardcore. Eu que em matéria de filme de terror só conhecia os Brinquedos Assassinos, os Sextas-Feiras Treze e os Halloweens que a Band passava de madrugada, fiquei realmente fissurado no Filme de Terror De Verdade (e Hiper-Cool) do Wes Craven (além de, óbvio, ter caído perdidamente apaixonado pela Neve Campbell). Foi um filme importante para a minha Formação como Ser Humano, tá?!

E.T. também não podia faltar. A cena das bicicletinhas decolando em direção a Lua foi pra mim um Experiência Mística Transcendental, tá!? Aquilo me fazia chorar de emoção quinêm uma criancinha quando eu tinha, sei lá, 9 ou 10 anos de idade - enfim, quando eu era uma criancinha (tô desculpado???). É claro que A Lista de Schindler ou Munique são filmes muito mais relevantes e poderosos, mas tive que escolher E.T. dentre todos os Spielbergs por razões emocionais.

Certos filmes, tipo Seven, A Outra História Americana e Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes me marcaram muito na adolescência, apesar de hoje eu não ser tão fanático por eles. Mas rola uma nostalgia que me fez preferir eles a outros filmes que eu certamente acho "melhores", mas que me marcaram menos e tiveram menos importância e menos impacto.

Há certos filmes que eu não vejo faz muitos anos. Nem lembro direito da história de muitos deles. Se vocês me perguntarem do que trata O Silêncio, do Mohsen Makhmalbaf, eu vou ter que responder que, sinceramente, não tenho a mínima idéia. Se me perguntarem porque ele é um filme tão bom, vou ser obrigado a dizer que não me lembro... ;-) Alguns vão achar q eu só tô querendo ser chique e cult colocando filmes iranianos na lista. Juro que num é por isso. Só lembro disso: de ter saído de "O Silêncio" realmente admirado, embasbacado, num "estado poético", dizendo "uau!" meio sem saber porquê. Enfim, há filmes de que não me lembro quase nada, só de que me senti a fim de gritar "uaaaaau!" ao fim deles.

Filmes brasileiros são poucos, e eu confesso não ser muito patriota em termos de cinema. Sei que vão me achar ridículo por dizer isso, mas meu cineasta nacional predileto é mesmo o Jorge Furtado. Só num pus o Ilha das Flores porque é curta. Pus um Walter Salles, um Fernando Meirelles, e nada mais. Só coloquei um Glauber Rocha meio que como prêmio de consolação, porque tenho uma certa antipatia pela maioria das coisas que vi do cara: Terra em Transe me pareceu tão arrogante e tão artificial que eu nem aguentei chegar até a metade e a Idade da Terra é de longe um dos filmes mais insuportáveis que eu já vi (eu confesso: NÃO ENTENDI PORRA NENHUMA!). O único dia em que o Glauber Rocha estará no topo de alguma lista minha será no dia em que eu fizer a Lista FILMES MAIS NÃO-ENTENDI-PORRA-NENHUMA QUE JÁ VI (2o lugar, depois de A Idade da Terra, vai ser de O Espelho do Tarkovski).

Filmes velhos são meio que exceção. Tô só começando a explorar o cinema das décadas mais afastadas de nós no tempo, ainda conheço muito pouco - e me conecto muito mais com certos "filmes jovens e inteligentes" de tempos recentes (Adeus Lênin, Brilho Eterno, Réquiem Para Um Sonho, Edukators...). Ainda assim, umas velharias num podiam faltar, e não é só por "respeito" ao passado não, são filmes que eu realmente adoro: alguns Frank Capras (escolhi A Felicidade Não se Compra, que é sim um dramalhão populista e apelativo, mas que eu não consigo não gostar, e Aconteceu Naquela Noite, possivelemente a melhor comédia romântica q já vi), um excelente Richard Brooks (Gata em Teto de Zinco Quente, filme que me fez virar fã do Paul Newman), um delicioso Billy Wilder (O Pecado Mora Ao Lado - ohhh Marilyn...) etc.

Meus diretores prediletos comparecem com mais de um filme, não vi motivo pra me proibir isso. São, portanto, 3 do Lars Von Trier, 3 do Woody Allen, 2 do Mike Leigh, 2 do David Fincher, 2 do John Cassavetes, 2 do Abel Ferrara, 2 do Dennis Hopper, 2 do Jorge Furtado. Grandes diretores ficaram de fora, mas não posso fazer nada... Infelizmente, nem Godard, nem Orson Welles, nem Francis Ford Coppola, nem Antonioni, nem Pasolini, chegaram a realmente fazer um filme que me fizesse gritar "uau". Como eu já disse, não vou fingir que gosto só porque esses caras são considerados "grandes".

Ah, sim, a Violência! Às vezes o crítico chato se levanta em mim e fica falando muito mal de coisas como a "glamourização da violência" ou o fato de que muito filme por aí se centra em personagens metidos a machões que só cometem atos insensíveis e cruéis - enfim, essas críticas de mariquinha, que são sempre as mocinhas meigas que mais fazem. Mas a verdade é que eu, lá no fundo da minha alma imunda, lá onde moram meus impulsos assassinos e minha ira reprimida, A-DO-RO um pouco da boa e velha Ultra-Violência!!! Vocês não? Então me perdoem, mas tive que colocar Oldboy, Hana-Bi, Cães De Aluguel, Ms. 45 - Anjo Da Vingança e Vício Frenético - todas essas obras-primas do Sangue Jorrante e da Brutalidade Sem-Noção. Kill Bill eu realmente acho não tão bom qto qualquer desses aí.

Tenho a ambição de escrever resenhonas para muitos desses filmes ainda, mas por eqto a preguiça - e a falta de coragem frente a imensidão da tarefa - não me deixaram escrever muito mais do que está aí disponível nessa pobre seçãozinha de cinema da Muminha. Eu sou muito tonto. Escrevi sobre muitos filmes que não gosto muito, que não foram nenhum pouco importantes pra mim, e não escrevi nada sobre os filmes mais importantes que já vi. Aos poucos eu vou tentar me concentrar em escrever - em modo GONZO, claro, pois é assim que eu gosto - textos maiores explicando melhor as Razões do Meu Amor (ui).

Podem brigar, eu deixo. Mais que isso: eu gostaria muito. Adoraria saber quais são os filmes da vida de vocês, 5 ou 6 leitores desse bloguito perdido na blogosfera e que é mais impopular que Hitler entre os judeus (viva a arte da auto-derrisão!!!). Podem reclamar pelas omissões imperdoáveis (Matrix! Star Wars! Pulp Fiction! Apocalypse Now! Sociedade dos Poetas Mortos! O Poderoso Chefão! O Rei Leão! Mary Poppins! O Mágico de Óz!). Podem sugerir que certas coisas tão muito em cima e que outras estão muito embaixo. Eu não me ofendo.

Essas listas nunca dão muito certo. Amanhã já vou ter mudado de idéia sobre uma pá de coisa. Mas quis fazer mesmo assim. Tava querendo fazer isso faz muito tempo. E se eu fosse esperar minhas opiniões atingirem um estado definitivo e imutável pra só depois revelar minhas preferências, ia esperar pra sempre... Enfim, neste exato momento, em 6 de maio de 2006, com toda a escassez de conhecimento digna dos meus 21 aninhos de idade, são estes os MEUS CEM FILMES PREDILETOS. Voilà (fiz um negócio classudo, com as capinhas, os títulos originais e os anos de lançamento):

!!QUERO VER A LISTA COMPLETA!!

Os 20 primeiros:
01. CLUBE DA LUTA
02. DOGVILLE
03. MAGNÓLIA
04. NAKED
05. PERSONA
06. ANTES DO AMANHECER / ANTES DO PÔR-DO-SOL
07. E TUA MÃE TAMBÉM...
08. BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS
09. BUFFALO '66
10. AMNÉSIA
11. 21 GRAMAS
12. A ÚLTIMA NOITE
13. O FABULOSO DESTINO DE AMÉLIE POULAIN
14. ADEUS LÊNIN
15. LARANJA MECÂNICA
16. A LIBERDADE É AZUL
17. DANÇANDO NO ESCURO
18. ÔNIBUS 174
19. SEVEN - OS SETE PECADOS CAPITAIS
20. CORAÇÃO SELVAGEM

segunda-feira, 1 de maio de 2006

"not just another drop in the ocean..."

E C H O
&
T H E
B U N N Y M E N

(ao vivo em Sampa, Credicard Hall, 29/04/2006)


Não, ir a um show do Echo & The Bunnymen não equivale a ir a um museu ver uma sucata enferrujada que só tem um interesse histórico. Esse Dinossauro do Rock, 25 anos de carreira nas costas (contando o break de 7 anos q rolou entre o Reverberation e o Evergreen), é um sim Monumento Vivo do rock-anos-80, uma banda ainda em plena forma e ainda em evolução, e que tem um Vocalista (assim mesmo, com V maiúsculo) que... que me faz perceber como os adjetivos faltam para descrever direito uma coisa tão indiscritível.

Eu sei que eu sou previsível, mas é claro que eu vou falar bem do show, porque eu sempre falo bem de shows (claro que a M.I.A. num conta...). Um pouco é só pelo gosto de fazer vocês ficarem com inveja por terem perdido (eu tenho dos meus sadismos ;), mas a verdade é que eu curto bragarai quase todo show que eu vou. Show é uma das melhores coisas da vida, disparado. Num sei se me entendem, mas o lance com shows é mais do que um lance somente sobre a música. É uma experiência existencial. É um transe místico. Tem gente que se enterra em mosteiro ou sobe pras montanhas tentando achar a Iluminação, mas eu acho que um show é tão bom pra isso do q qquer outra coisa.

Cês podem achar exagero, mas eu acho sim que urante alguns shows eu consegui entrar num Estado quase que de Iluminação. Embarcar no Presente Puro. Você sabe que aquilo está acontecendo naquele momento e que é absolutamente irrepetível, num tem replay, num tem segunda vez, então precisa degustar cada detalhe, cada instante, cada nota, cada verso, como se fosse o último. Aí, se você entra no clima, se a mente certa entra no comando, acontece uma coisa maravilhosa: todo o futuro e todo o passado somem. Não tem amanhã. Não tem ano que vem. Angústias e preocupações são dissolvidas em som e tudo que existe é aquilo ali, aquele aqui-agora, aquela música que te envolve por todos os lados, aquelas notas que entram por todos os poros, aquelas luzes brilhando e dançando (puro eyecandy!), aqueles ritmos que te embalam - e por alguns momentos, que não dá nem pra quantificar, que não cabem no relógio, a vida faz todo o sentido do mundo. Ou melhor, nem importa se ela faz sentido ou não faz, cause if just feels so damn good....

'Xô pará de divagar. Fatos! Porque além de filósofo eu tb sou jornalista.

Bão, o Ian McCulloch, classudo como sempre, apareceu daquele jeito clássico: cabelões meio despenteados, óclão escuro q ele num deve tirar nem pra dormir, cigarrinho na mesma mão que segura o mic, e aquela atitude meio poser, meio blasé, mas altamente cool. Consigo achar simpático. Mais pro fim do show, qdo tentou falar com a platéria, deu a impressão de que 'tava meio chapado, grunhindo umas palavras no microfone em uma língua que ninguém reconheceu como sendo "inglês" - parecia que tava falando alemão, só de sacanagem. O público (de cerca de 3.000 pessoas), claro, aplaudia mesmo sem entender porcaria nenhuma. É o privilégio que tem os rock gods - podem fazer qualquer merda q a gente aplaude! :)

O Echo & The Bunnymen ao vivo, até mesmo por ser uma banda de quarentões, num é exatamente formada por performers apaixonados (o guita Will Sergeant, p. ex., é mortão, mortão...); mas isso nem faz falta, porque só o som que eles fazem sair redondinho dos alto-falantes e só o fato presenciar o Ian McCulloch cantando já é uma performance espetacular e um prazer indescritível - pra quê mais? Esse cara tá com certeza no meu Top 10 vocalistas, hoje mais que nunca.

A Banda tava muito bem entrosada, o som da batera tava simplesmente matador (melhor batera que já ouvi num show), os hitões saíram todos perfeitos (só faltou o povo fazer coralzinho): "Lips Like Sugar", "The Killing Moon", "Bring On The Dancing Horses", "Rescue" - só musicão. O público podia estar um pouco mais alucinado e pulante, mas tudo bem; Echo também é gostoso de ficar curtindo numa bowa, só balançando a cabecinha, sem histerias... :) "The Cutter", uma das minhas prediletas, não só da banda mas dos anos 80 inteiros ("say we can! say we will! not just another drop in the ocean..."), fechou a primeira parte do show, antes do primeiro bis, num daqueles momentos que me arrepiou inteiro, dos pés a cabeça, com aquela guitarra saindo dos alto-falantes cortante, me lembrando os barulhos que o Bernard Summer tirava de sua guita na época do Joy Division (tipo em "Atrocity Exibition"). Um tesão.

E quando vieram aquelas covers, p.q.p... Que troço His-tó-ri-co! Queria muito ter aquilo gravado como um souvenir. Foram mais que covers: foram recriações e releituras e homenagens, foram bunnyanismos feitos em cima de versos clássicos da história do rock, indescritível... No primeiro bis, "Nothing Lasts Forever" virou um improviso de uns 8, 10, 12 ou 15 minutos - não sei bem, perco noção do tempo nessas horas - formando um "recorte e cole" com versos clássicos da história do rock. Como se não bastasse o prazer de ouvir esse hino existencial com letra perfeita ("I want it now, not the promise of what tomorrow brings... Under skin is where I hide the love that always gets me on my knees..."), a banda se meteu a encaixar no miolo umas covers absolutamente matadoras. O clímax foi quando o Ian se pôs a cantar "Take a Walk On The Wild Side", do Lou Reed, com aquela voz que num tem adjetivo que baste, um acompanhamento bem baixinho, preenchendo o Credicard inteiro com aquela cantoria meio sussurrada, pra lá de cool. E ainda rolou, na sequência, "na mesma música", um trechinho de "Don't Let Me Down", aquela mesma (pena que ele num meteu a garganta e num se esgoelou como fazia o velha Macca), além do crááássico refrão da "Midnight Hour" (que é de quem mesmo? Do Otis Redding?). E depois ainda voltaram pra terminar "Nothing Lasts Forever".

Hooooooly shit.

E ainda tinha mais.

No segundo bis, foi a vez de "Do It Clean" virar mais um musicão viajado cheio de versos roubados de outras músicas, incluindo IGGY AND THE STOOGES (e por essa eu realmente não esperava): "Gimme Danger" ("Gimme danger, little stranger, and i'll cure your disease...") e "Search and Destroy" (siiiim!: "I am the world's forgotten boy, the one who searches and destroys!" - eu ouvi isso ou foi só uma alucinação?). E ainda rolou "Doors", e não a já batidaça "People Are Strange", mas uma versão blues pesadona para "Roadhouse Blues". Se o Echo fosse uma banda cover, seria a melhor banda cover do mundo. Lou Reed deve ficar com vergonha de voltar a cantar "Take a Walk On The Wild Side" depois de ser "humilhado" desse jeito pelo Ian McCullogh... :)

Tudo bem que eu saí com um certo gostinho de quero mais, achando que a coisa tinha acabado rápido demais - por mim o show podia durar mais uma, duas, três horas... Fiquei esperando mas muitas das minhas prediletas num vieram, eu que tanto queria ouvir certos versos prediletos (e o Echo é uma banda que tá cheia de versos adoráveis) live and loud: faltou "The Game" ("the ugly beauty was my own invention"...), faltou "Crystal Days" ("Here I am, whole at last, with a golden view... Looking for hope and I hope it's you"), faltou "Baby Rain" ("Lost again, still waiting for the voices that don't call my name... Had too many choices and I missed my aim..."), faltou "Evergreen" ("Keep the flame of your desire always rising high..."), e faltou a minha adorada mas desconhecida (pena!!!) "Fools Like Us" (que no disco já me deixa à beira das lágrimas, imagina o estrago que faria ao vivo...) Num vieram, mas tudo bem. Tão perdoados. Show bão é assim mesmo, passa voando e deixa a gente com fome.

Tá mais que comprovado que o Echo & The Bunnymen, longe de ter morrido junto com os anos 80, sobrevive firme, forte e em ótima forma. Num tem nada dessa história de banda "decadente" ou de "pálida sombra do passado" que vale pra muita gente que tá na ativa por aí - eu pelo menos acho todos os discos que eles lançaram de 1997 pra cá ótimos, principalmente o inspiradíssimo What Are You Gonna Do With Your Life? (1999). Com mais de 25 anos de carreira nas costas, os caras provam que estão longe de ser "somente mais uma gota o oceano" do rock mundial: se pá 'tão melhores hoje do que nunca.

SETLIST:
"Going Up"
"Show Of Strenght"
"Stormy Weather"
"Seven Seas"
"Bring On The Dancing Horses"
"The Disease"
"Scissors In The Sand"
"All That Jazz"
"Back Of Love"
"The Killing Moon"
"In The Margins"
"Never Stop"
"Villiers Terrace" / "Roadhouse Blues"
"Of a Life"
"Rescue"
"The Cutter"

Bis 1 "Nothing Lasts Forever"
"Walk On The Wild Side"
"Don't Let Me Down + Midnight Hour"
"Lips Like Sugar"

Bis 2 "Do It Clean"
"Gimme Danger + Search and Destroy"
"Ocean Rain"