segunda-feira, 1 de maio de 2006

"not just another drop in the ocean..."

E C H O
&
T H E
B U N N Y M E N

(ao vivo em Sampa, Credicard Hall, 29/04/2006)


Não, ir a um show do Echo & The Bunnymen não equivale a ir a um museu ver uma sucata enferrujada que só tem um interesse histórico. Esse Dinossauro do Rock, 25 anos de carreira nas costas (contando o break de 7 anos q rolou entre o Reverberation e o Evergreen), é um sim Monumento Vivo do rock-anos-80, uma banda ainda em plena forma e ainda em evolução, e que tem um Vocalista (assim mesmo, com V maiúsculo) que... que me faz perceber como os adjetivos faltam para descrever direito uma coisa tão indiscritível.

Eu sei que eu sou previsível, mas é claro que eu vou falar bem do show, porque eu sempre falo bem de shows (claro que a M.I.A. num conta...). Um pouco é só pelo gosto de fazer vocês ficarem com inveja por terem perdido (eu tenho dos meus sadismos ;), mas a verdade é que eu curto bragarai quase todo show que eu vou. Show é uma das melhores coisas da vida, disparado. Num sei se me entendem, mas o lance com shows é mais do que um lance somente sobre a música. É uma experiência existencial. É um transe místico. Tem gente que se enterra em mosteiro ou sobe pras montanhas tentando achar a Iluminação, mas eu acho que um show é tão bom pra isso do q qquer outra coisa.

Cês podem achar exagero, mas eu acho sim que urante alguns shows eu consegui entrar num Estado quase que de Iluminação. Embarcar no Presente Puro. Você sabe que aquilo está acontecendo naquele momento e que é absolutamente irrepetível, num tem replay, num tem segunda vez, então precisa degustar cada detalhe, cada instante, cada nota, cada verso, como se fosse o último. Aí, se você entra no clima, se a mente certa entra no comando, acontece uma coisa maravilhosa: todo o futuro e todo o passado somem. Não tem amanhã. Não tem ano que vem. Angústias e preocupações são dissolvidas em som e tudo que existe é aquilo ali, aquele aqui-agora, aquela música que te envolve por todos os lados, aquelas notas que entram por todos os poros, aquelas luzes brilhando e dançando (puro eyecandy!), aqueles ritmos que te embalam - e por alguns momentos, que não dá nem pra quantificar, que não cabem no relógio, a vida faz todo o sentido do mundo. Ou melhor, nem importa se ela faz sentido ou não faz, cause if just feels so damn good....

'Xô pará de divagar. Fatos! Porque além de filósofo eu tb sou jornalista.

Bão, o Ian McCulloch, classudo como sempre, apareceu daquele jeito clássico: cabelões meio despenteados, óclão escuro q ele num deve tirar nem pra dormir, cigarrinho na mesma mão que segura o mic, e aquela atitude meio poser, meio blasé, mas altamente cool. Consigo achar simpático. Mais pro fim do show, qdo tentou falar com a platéria, deu a impressão de que 'tava meio chapado, grunhindo umas palavras no microfone em uma língua que ninguém reconheceu como sendo "inglês" - parecia que tava falando alemão, só de sacanagem. O público (de cerca de 3.000 pessoas), claro, aplaudia mesmo sem entender porcaria nenhuma. É o privilégio que tem os rock gods - podem fazer qualquer merda q a gente aplaude! :)

O Echo & The Bunnymen ao vivo, até mesmo por ser uma banda de quarentões, num é exatamente formada por performers apaixonados (o guita Will Sergeant, p. ex., é mortão, mortão...); mas isso nem faz falta, porque só o som que eles fazem sair redondinho dos alto-falantes e só o fato presenciar o Ian McCulloch cantando já é uma performance espetacular e um prazer indescritível - pra quê mais? Esse cara tá com certeza no meu Top 10 vocalistas, hoje mais que nunca.

A Banda tava muito bem entrosada, o som da batera tava simplesmente matador (melhor batera que já ouvi num show), os hitões saíram todos perfeitos (só faltou o povo fazer coralzinho): "Lips Like Sugar", "The Killing Moon", "Bring On The Dancing Horses", "Rescue" - só musicão. O público podia estar um pouco mais alucinado e pulante, mas tudo bem; Echo também é gostoso de ficar curtindo numa bowa, só balançando a cabecinha, sem histerias... :) "The Cutter", uma das minhas prediletas, não só da banda mas dos anos 80 inteiros ("say we can! say we will! not just another drop in the ocean..."), fechou a primeira parte do show, antes do primeiro bis, num daqueles momentos que me arrepiou inteiro, dos pés a cabeça, com aquela guitarra saindo dos alto-falantes cortante, me lembrando os barulhos que o Bernard Summer tirava de sua guita na época do Joy Division (tipo em "Atrocity Exibition"). Um tesão.

E quando vieram aquelas covers, p.q.p... Que troço His-tó-ri-co! Queria muito ter aquilo gravado como um souvenir. Foram mais que covers: foram recriações e releituras e homenagens, foram bunnyanismos feitos em cima de versos clássicos da história do rock, indescritível... No primeiro bis, "Nothing Lasts Forever" virou um improviso de uns 8, 10, 12 ou 15 minutos - não sei bem, perco noção do tempo nessas horas - formando um "recorte e cole" com versos clássicos da história do rock. Como se não bastasse o prazer de ouvir esse hino existencial com letra perfeita ("I want it now, not the promise of what tomorrow brings... Under skin is where I hide the love that always gets me on my knees..."), a banda se meteu a encaixar no miolo umas covers absolutamente matadoras. O clímax foi quando o Ian se pôs a cantar "Take a Walk On The Wild Side", do Lou Reed, com aquela voz que num tem adjetivo que baste, um acompanhamento bem baixinho, preenchendo o Credicard inteiro com aquela cantoria meio sussurrada, pra lá de cool. E ainda rolou, na sequência, "na mesma música", um trechinho de "Don't Let Me Down", aquela mesma (pena que ele num meteu a garganta e num se esgoelou como fazia o velha Macca), além do crááássico refrão da "Midnight Hour" (que é de quem mesmo? Do Otis Redding?). E depois ainda voltaram pra terminar "Nothing Lasts Forever".

Hooooooly shit.

E ainda tinha mais.

No segundo bis, foi a vez de "Do It Clean" virar mais um musicão viajado cheio de versos roubados de outras músicas, incluindo IGGY AND THE STOOGES (e por essa eu realmente não esperava): "Gimme Danger" ("Gimme danger, little stranger, and i'll cure your disease...") e "Search and Destroy" (siiiim!: "I am the world's forgotten boy, the one who searches and destroys!" - eu ouvi isso ou foi só uma alucinação?). E ainda rolou "Doors", e não a já batidaça "People Are Strange", mas uma versão blues pesadona para "Roadhouse Blues". Se o Echo fosse uma banda cover, seria a melhor banda cover do mundo. Lou Reed deve ficar com vergonha de voltar a cantar "Take a Walk On The Wild Side" depois de ser "humilhado" desse jeito pelo Ian McCullogh... :)

Tudo bem que eu saí com um certo gostinho de quero mais, achando que a coisa tinha acabado rápido demais - por mim o show podia durar mais uma, duas, três horas... Fiquei esperando mas muitas das minhas prediletas num vieram, eu que tanto queria ouvir certos versos prediletos (e o Echo é uma banda que tá cheia de versos adoráveis) live and loud: faltou "The Game" ("the ugly beauty was my own invention"...), faltou "Crystal Days" ("Here I am, whole at last, with a golden view... Looking for hope and I hope it's you"), faltou "Baby Rain" ("Lost again, still waiting for the voices that don't call my name... Had too many choices and I missed my aim..."), faltou "Evergreen" ("Keep the flame of your desire always rising high..."), e faltou a minha adorada mas desconhecida (pena!!!) "Fools Like Us" (que no disco já me deixa à beira das lágrimas, imagina o estrago que faria ao vivo...) Num vieram, mas tudo bem. Tão perdoados. Show bão é assim mesmo, passa voando e deixa a gente com fome.

Tá mais que comprovado que o Echo & The Bunnymen, longe de ter morrido junto com os anos 80, sobrevive firme, forte e em ótima forma. Num tem nada dessa história de banda "decadente" ou de "pálida sombra do passado" que vale pra muita gente que tá na ativa por aí - eu pelo menos acho todos os discos que eles lançaram de 1997 pra cá ótimos, principalmente o inspiradíssimo What Are You Gonna Do With Your Life? (1999). Com mais de 25 anos de carreira nas costas, os caras provam que estão longe de ser "somente mais uma gota o oceano" do rock mundial: se pá 'tão melhores hoje do que nunca.

SETLIST:
"Going Up"
"Show Of Strenght"
"Stormy Weather"
"Seven Seas"
"Bring On The Dancing Horses"
"The Disease"
"Scissors In The Sand"
"All That Jazz"
"Back Of Love"
"The Killing Moon"
"In The Margins"
"Never Stop"
"Villiers Terrace" / "Roadhouse Blues"
"Of a Life"
"Rescue"
"The Cutter"

Bis 1 "Nothing Lasts Forever"
"Walk On The Wild Side"
"Don't Let Me Down + Midnight Hour"
"Lips Like Sugar"

Bis 2 "Do It Clean"
"Gimme Danger + Search and Destroy"
"Ocean Rain"