quinta-feira, 30 de dezembro de 2004

< resenha fresca saindo... >

BEULAH - "Yoko" (2003)

"Antes de ter ouvido esse álbum, eu não tinha o Beulah em grande conta. A banda era somente mais uma dentre tantas que fez fama por ressuscitar a clássica música pop dos anos 60 através de canções adocicadas e semi-sinfônicas, apenas um coletivo retrô de reconstrução de um mundo sônico feito à imagem e semelhança dos Beach Boys, dos Beatles e dos Kinks. Tudo era demasiado ensolarado, bonitinho, cheio de melodias infantilmente contagiantes, mas faltava uma certa dose de originalidade. O Beulah era como um grupelho de crianças brincando no parque de diversões da psicodelia sessentista, com um certo sabor lo-fi roubado do Pavement nas primeiras gravações, mas faltava algo de distintivo que separasse a banda da multidão. Haviam, é claro, os títulos das músicas, onde sobrava a criatividade que faltava na música ("Um Bom Homem É Fácil De Matar", "Se o Homem Pode Pousar Na Lua, Eu Certamente Posso Ganhar Seu Coração", "Eu amo John, ela ama Paul" e "Mecânica Popular Para Amantes" entre elas). Mas no fim o veredicto era: o Beulah certamente era uma das bandas menores dentre a galera da “nova psicodelia” da Elephant 6, não tão boa quanto o Neutral Milk Hotel ou o Olivia Tremor Control, mas que ainda assim conseguia ser simpática e acariciadora dos ouvidos. Banda passável, mas que deixava lá no fundo da boca, após a degustação de The Coast Is Never Clear ou When Your Heartstrings Break, aquele gostinho de comida requentada... " LEIA O TEXTO TODO!

segunda-feira, 27 de dezembro de 2004

< BRAINSTORMING DE NATAL >

ALERTA VERMELHO: NOSTÁLGICO BRAGARAI

NATAL DE AGORA, NATAL DE OUTRORA...

Natal besta esse. Besta eu, que sou a pessoa mais chata que conheço. Agora que o mundo está desencantado, agora que já varri como poeira todos os seres mitológicos pra fora do universo, agora que só resta esse espetáculo levemente ridículo que é a humanidade brincando de comemorar o nascimento de um mito de sua própria criação, agora que vejo esses bichos tolos brincando de esvaziar os shopping centers e os hiper-mercados em prol do desenvolvimento da bela civilização ocidental, tudo ficou muito besta. Claro que fizemos tudo de novo como manda a cartilha, nos demos presentes, fizemos nossas declarações de amor na hora certa (como se fosse possível ter hora certa pra isso), vomitamos pelas ruas os clichês tradicionais sobre todos nossos conhecidos, um muito feliz natal, um muito próspero ano novo, muitas felicidades no ano que virá, que Deus lhe abençoe e lhe dê muita saúde, dissemos o que devemos dizer até mesmo para aqueles que desejaríamos ver mortos ou com lepra, e sempre com as mesmas frases prontas e decoradas, e fizemos nossas orações frente ao peru e às uvas passas, e nos felicitamos por estarmos todos vivos e podendo comer comidas das boas no dia do nascimento de nosso Senhor, o filho de Deus... Dois mil e quatro anos atrás, o bom Jesus fez ao mundo a grande benfeitoria de nascer, e tantos bens esse fato trouxe, tantas melhoras gerou, tão mais felizes nos fez, que continuamos a comemorar de ano a ano o acontecimento. Oh sim.

Vovô até chegou a fazer meditações teológicas frente ao tender e ao bacalhau, dizendo que muito deveríamos nos alegrar por podermos estar comendo banquete tão prodigioso quando tantas pessoas pobres, coitadas, não tinham nada disso... e então nos congratulamos mutuamente pela virtude de sermos (ou pela sorte de algo ter-nos feito nascido) pequeno-burgueses. “Deus nada dá de graça! É preciso merecer! É preciso merecer!” E já que estávamos ali, com comida abundante à nossa frente, certamente era porque merecíamos. Não querendo estragar a festa de ninguém, pensei cá comigo que as criancinhas da Etiópia devem ter cometido algum crime fuderoso contra nosso bom Senhor para que tenham que se contorcer de fome nesse vinte cinco de dezembro. Talvez em vidas passadas, quem sabe? Não entendemos a cabecinha maluca de Deus, mas Ele deve saber o que faz. Certamente algum estigma muito feio têm na alma as criancinhas etiopianas... e as somalianas... e as brasileiras. Mas conosco está tudo bem, graças ao bom Deus que sempre dá o que se merece.

Natal besta esse. Legal mesmo era quando o mundo estava encantado. Faz tempo. É muito chato tornar-se adulto, ficar com vontades de ser um crítico da sociedade capitalista e das mitologias ideológicas que servem pra nos fazer comprar e comprar e comprar, legal era não pensar em nada disso, ser burro e cheio de fé, acreditar cegamente em Papai Noel, mandar cartas pro Pólo Norte, aguardar gostosamente por todo o mês de dezembro, levantar tremendo de êxtase na manhã do 25 pra ir checar o milagre realizado ali, debaixo da árvore pisca-piscante. Papai Noel, me parece, tá meio fora de moda. As crianças de hoje descobrem muito rápido que se trata de embuste dos adultos. Eu é que fui criança crédula demais. Claro que era verdade que existia lá na Sibéria, na Finlândia ou na Islândia, qualquer desses lugares gélidos e ermos lá do fim do mundo, um bom velhinho com sua fábrica de brinquedos, que recebia a correspondência de todas as crianças da Terra, procedia à construção mágica dos pedidos, e depois saía cortando os céus negros com seus veados alados, despejando gostosuras, entrando em chaminés, carregando sacos vermelhos apinhados de delícias. Tinha toda a lógica do mundo.

Certamente que hoje parece estranho que eu pudesse acreditar que um só velhinho fosse capaz de construir tantos brinquedos, sozinho, mas os adultos me tranquilizavam com a explicação do dilema: ele certamente tinha muitos ajudantes, uns simpáticos anões como as da Branca de Neve, e também a Mamãe Noela ajudava o marido a conseguir realizar seus objetivos, tricotando casacos de lã para que o bom Velho não virasse pedra de gelo, fazendo sopas quentes pra esquentar as entranhas, lavando a casa e a fábrica de brinquedos, pois é pra isso que servem as mulheres. Também difícil de explicar era como era possível que, numa única madrugada, Noel pudesse visitar todas as casas do mundo que tinham crianças para deixar a presentaiada. Por mais aerodinâmicos e velozes que fossem os seus veados (suas RENAS, insistiam todos!), não parecia plausível. O mundo, me diziam, era um troço bem grande. Ah, mas Papai Noel não sofria das limitações que pesam sobre os humanos! Tinha, como o bom Deus, o dom da ubiquidade! Tinha uma máquina de xerox ou de auto-clonagem que lhe dava a possibilidade de criar cópias de si! A Razão tudo explica.

E também não era problema explicar como era possível que os brinquedos que nós pedíamos não eram produtos exclusivos da Fábrica de Brinquedos de Papai Noel e estavam expostos em todas as lojas dos shoppings. Que crime esse de quebrar o monopólio de Noel! Mas era muito óbvio que os presentes que a gente ganhava no 25 não haviam sido comprados no shopping center, mas sim fabricados por Noel e seus soldadinhos. Era uma lição de platonismo: nos shoppings haviam somente as cópias decaídas das coisas reais. Os maléfolos donos de lojas de brinquedo queriam copiar as virtudes e os talentos do bom Noel, mas era tudo em vão. A Fábrica do Pólo Norte, como o Céu Platônico, era o lugar onde se deveria buscar a Coisa Real. O resto era falsificação.

Não era coisa fácil, porém, merecer os prêmios do bom Noel. Oh, não, era preciso, antes de mais nada, ter sido um bom menino durante todo o ano. Quando chegava o fim de novembro, um acontecimento muito importante tinha lugar: escrever a carta para o Velho, enviá-la lá para o Pólo Norte com aquele montão de selos caros, e rezar pro carteiro não se perder no meio daquelas geleiras todas. Minha mãe tinha suas sagacidades pra me enganar: ela me mostrava mesmo a carta fechada, selada, carimbada, e prometia que ia postá-la no dia seguinte. Claro que só podia ser verdade.

Noel era um ferrenho moralista, um juiz severo. Eu tinha que garantir a ele, em minha comunicação epistolar, que havia me comportado mui cristãmente no decorrer do ano, havia feito quase todas as minhas lições de casa, não havia conversado ou faltado com o decoro nas aulas, não havia entrado em brigas sangrentas ou em duelos verbais com palavrório chulo, não havia tido desejos carnais sujos pelas garotas, havia respeitado papai e mamãe, havia feito todas as minhas orações noturnas com fé e devoção, e assim por diante. Papai Noel era uma versão primeva do padre confessor: a ele se devia confessar alguns pecadilhos, só pra dar verossimilhança (ele não acreditaria se eu de mim pintasse retrato puro demais), e enumerar as virtudes, provando o nosso mérito e o nosso merecimento da recompensa iminente.

Claro que parecia haver um furo nessa teoria que dizia que os presentes natalinos vinham na direta proporção de nosso mérito. Um precoce psicanalista dentro de mim já ficava achando que tudo era truque de chantagem moral da família. Esse negócio de que só ganharei presente se for bonzinho, ora! Isso tinha cara de coisa inventada por uma esperta mãe do passado e transmitida de geração em geração para controle da prole. E também era estranho - isso quem pensava era o comunista precoce dentro de mim - que o bom Noel distribuísse presentes com tanta injustiça. Havia aqueles que ganhavam os mais caros dos eletrodomésticos importados, enquanto os pobrezinhos dos favelados ganhavam carrinhos de plástico comprados na feira por 2 reais ou, quem sabe, achados no lixão. Como entender?

É uma dilema infantil, mas não deixa por isso de ser muito profundo. Pois uma vez admitida a existência de divindades transcendentais que trabalham moralmente em prol do Bem, surgem indícios no nosso mundo do aparente absurdo dessa crença. Só há então duas opções para conciliar a crença com os indícios objetivos contrários: primeira opção - Deus e Papai Noel, as divindades, são mesmo injustos e canalhas, dão muito a alguns, quase nada a outros, fazem de alguns milionários, deixam outros morrer de fome, e não há nada que as pessoas tenham feito para merecer sua sorte ou seu azar. Ou então, segunda opção, podia-se explicar que Deus e Papai Noel mantinham-se sempre bons, justos e generosos, mas que o problema estava no mérito das pessoas. Pois bem: para salvar Deus e Noel da acusação de serem maus, era preciso escolher essa segunda opção: eram os favelados que não mereciam. E que não me reprovem por filosofar com essas duas divindades tão “diferentes”! Na verdade, acho que Papai Noel e Deus são no fundo muito parecidos, seguidores de um mesmo credo, criaturas da mesma estirpe, da mesma raça, feitas do mesmíssimo material. Ambas divindades seguiam o preceito ético de que deve-se dar a cada um de acordo com o que merecem. Novamente, a Razão tudo explica! Ufa! Vivemos num Cosmos ordenado e harmonioso, no melhor dos mundos possíveis, e tudo está bem! Os pobres são pobres porque merecem. Judeus foram assados em fornos crematórios porque mereceram. Ah, quão doce era crer em Deus e em Papai Noel! Nada devia ser mudado; tudo estava certo. Para salvar as divindades, era preciso condenar os homens. Talvez em virtude de um raciocínio parecido eu chegaria à conclusão, depois de ter virado um ateu, de que crer em Deus é de direita.

Mas pouco importava que os favelados sofressem as injustiças ou as fúrias de Noel - comigo tudo estava bem. Eu estava do lado daqueles que mereciam. Minha vontade de flagrar Noel, criatura tão grandiosa e mágica, na hora em que ele estaria entrando em casa, era sempre tentadora. Mas os adultos sempre tinham resposta pra tudo! Diziam que Papai Noel só entrava na casa da gente quando todo mundo estava dormindo, de maneira que, se eu tentasse ficar acordado por toda a madrugada, acabaria de mãos abanando. Eu não desistia. Achava que podia muito bem fechar os olhos e fingir que dormia, e assim que ouvisse barulhos estranhos pela casa poderia pular da cama e ir ver aquele semi-deus barbudo e avermelhado. Que visão gloriosa! Meus amigos arderiam de inveja quando eu lhes contasse a história! E depois a VEJA baixaria em casa - se não fosse o NEW YORK TIMES! - pra fazer reportagem de capa com o único garoto do mundo que havia visto Papai Noel. Mas dava mó medão. Vai que o cara tinha um radar que reconhecia quem dormia de verdade e quem tava fingindo... Vai que ele, percebendo-se flagrado, decidisse não me dar mais presente nenhum... Não, melhor mesmo dormir, deixar o Velho entrar secretamente. Ele deve ser muito tímido, não gosta de ser observado, não quer as glórias, faz generosidades e quer ficar anônimo, é mesmo do Bem.

“As noites serenas são as noites sem esperança”, dizia um velho poeta, e é por isso que as noites do vinte quatro eram sempre tão tumultuosas. A esperança dava insônia. A gente queria agarrar o Sol pela juba e puxá-lo logo para o mundo, que o maldito dia nascesse depressa, que o milagre se consumasse, que surgissem como que por magia os presentes debaixo da árvore de natal, iluminados pelo pisca-pisca e embrulhados em papel colorido. Era uma guerra pra cair no sono. Saber que sua casa irá ser invadida por uma divindade não ajuda muito a conquistar a tranquilidade necessária para os sonos angelicais. E era aquele virar-se e revirar-se na cama, aquelas contorções todas, aqueles suores, aquelas raivas impacientes, aquele monte de carneirinhos pulando cercas (até que a gente começasse a suspeitar que os adultos haviam contado uma baita duma lorota ao dizer que contar carneiros servia para algo), e seguia-se assim até que o cansaço enfim vencesse e tudo se apagasse, só pra se acender de novo numa manhã especial, cheia de maravilhamento pelo milagre, cheia de prazer pela posse dos objetos dos desejos, cheia de encantamento delirante...

Oh sim.

Hoje as manhãs do 25, e as noites do 24, são bestas. Já não me importo com Jesus Cristo e não estou certo de que seu nascimento, se aconteceu mesmo no mundo objetivo e não somente na mente dos homens, foi semente de tantos bens assim. Esses entusiasmos natalinos só me chateiam. E o chato que sou vê no Natal não um espetáculo lindo e transcendental, mas sim uma prova a mais de que a humanidade finalmente enlouqueceu, se é que alguma vez esteve sã...

Ainda bem que restam essas memórias pra colocar um pouco de doçura no meio de tanta bestice!

< AULA DE VÔO >




Acabo de trombar com um dos melhores livros de poesia brasileira contemporânea que já li. Mauro Iasi é o nome da figura; “Aula de Vôo” é o nome do livro. Paulista nascido em 1960, morador de São Bernardo do Campo, professor universitário, doutorando em sociologia na USP. Iasi tem tb outro livro que, apesar de um tanto maçante, complexo e escrito em linguajar acadêmico bragarai, mostra muita lucidez. Chama-se “O Dilema de Hamlet - o Ser e o Não-ser da Consciência”, e estuda a questão da consciência em Durkheim, Weber e Marx. Sei que não dá muita vontade de ler por essa descrição, mas é melhor do que parece. Mas tentem começar com esse “Aula de Vôo”, o livro de poemas dele. É esplendoroso. É poesia de combate, de “esquerda”, brechtiana... poesia de comunista militante que não tem coração de pedra e que não despreza aqueles que são diferentes. Dois pra fazer salivar, ó:


TRANSCENDÊNCIAS

Na massa universal
da matéria de nossos corpos
seja luz etérea de estrelas,
carne mineral de planetas,
ou fogo, ou água
ou planta, ou bicho

não vejo alma além daquela
que no movimento
se apresenta a vida.

Aprendi que a religião
é o sol em torno do qual
gira o ser humano
antes de ver em si mesmo
o sol de sua existência.

Ordem do tempo
inimiga do novo
dona da culpa
ópio do povo

organização racional da tristeza
carrasco do meu desejo
árbitro dos castigos aplicados por nós
contra nós mesmos.

Assim, feuerbachianamente,
me tornei ateu.

Mas, quando os vejo...
com seu amor aos pobres,
com seu compromisso com a vida
na teia indissolúvel da solidariedade....

Quando os vejo
subindo as “sierras” de nossa América
com seus terços e fuzis
com sua fé e bravura...

Quando os vejo
na madrugada fabris
nas estradas acampados
repartindo o pouco pão...

Quando os vejo
reinventando a comunhão
renascendo a cada dia
fazendo da morte ressurreição...

Quando nos abraçamos
sobre nossa bandeira vermelha
chorando lágrimas de raiva,
alegria ou emoção...

Da inexistência de minha alma
chego a desejar
que esta vida se supere em outra
para abraçar mais uma vez os nossos mortos.

E no calor vivo de nossas batalhas
onde construímos a cada dia
a aurora contra a noite que persiste

consigo ver, nitidamente,
entre a sombra e o escuro,
o rosto sereno de um deus
que não existe.

* * * * * *

VANDRÉ

De todas as mortes que carrego,
marcadas em minha alma feito cicatrizes,
de todos os crimes da ditadura
um me dói de forma especial.

Não é a multidão de mortos
com seus corpos dilacerados.
Não são os ossos perdidos
que buscam por seus nomes.

Não é o tiro
o choque
o murro.

É o poema que não foi feito,
a música inacabada,
aquela melodia presa na mente
soterrada pelo medo.

Os dedos inúteis longe das cordas,
o acorde que nunca foi desperto,
os olhos secos das lágrimas justas,
a voz calada.

Que requinte mais perverso de crueldade:
matar alguém e deixar seu corpo vivo
como testemunha da morte inacabada.

MAURO IASI; Aula de Vôo.

domingo, 26 de dezembro de 2004

Haloscan commenting and trackback have been added to this blog. Ou seja, os COMMENTS tão finalmente funfando direito. Num precisa mais ser membro do Blogger pra deixar comentários. Valeuaê Rodrigo e Thaís por avisarem do problema.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2004

< RESENHOLA FRESCA SAINDO... >

o único texto inédito...
"DOGMA DO AMOR" , de Thomas Vinterberg
(It's All About Love)



"Em meados dos anos 90, dois diretores dinamarqueses, hoje já bastante conhecidos da crítica cinematográfica e dos amantes do cinema não-comercial, arquitetaram um novo movimento radicalmente minimalista e anti-hollywoodiano. O Dogma 95, que teve seu manifesto publicado por Thomas Vinterberg e Lars Von Trier em 1995, se engajou num cinema que prescindia propositalmente de todas as peripécias técnicas que o cinemão comercial americano tanto vem utilizando nos últimos 50 anos ou mais. Com isso, os dinamarqueses intentavam fazer uma arte anti-burguesa, altamente iconoclasta, bem low-fi, de baixo orçamento e alta polêmica.

Nos 10 mandamentos do "Voto de Castidade" do Dogma se podia encontrar uma série de proibições, principalmente relacionadas com a tecnologia a ser utilizada (ou a ser evitada) no filme. Era proibido incorporar objetos externos à locação, usar trilha sonora, voice-overs ou iluminação especial, filmar usando gruas ou qualquer câmera que não fosse segurada por mãos humanas e trêmulas, contar histórias com flashbacks e "alienação geográfica" e que contivessem "ações superficiais" como assassinatos e disparos de arma... Back to basics: uma idéia na cabeça e uma câmera na mão. O cinema nu: sem efeitos especiais, sem maquiagens, sem ornamentos. . ." LEIA O TEXTO TODO

< MISSA DE BATISMO Pt. 1. APRESENTAÇÃO! >

NASCE UMA MÚMIA!

Agora vai. Acaba de ser injetado nesse mundo como uma pequena múmia suja, banhada em sangue, com o ardor ainda na garganta pelo berro do nascimento (é coisa muito traumática nascer!), esse Dirty Little Mummie, um blog que é mais que um blog.

Houve uma vez um e-zine chamado Watchtower, hoje já definitivamente penetrado nos anais da história internética brasileira, que tinha montes de ego-visões sobre livros discos filmes peças e HQs. Ele morava no wtzine.com, viveu por mais ou menos 1 ano, não fez muita diferença, e foi depois declarado morto por seu criador e carrasco, eu mesmo, devido a razões que expliquei “ao mundo” (rá!) após o crime, mas que poderiam ser repetidas aqui, em resumo, em: falta de contribuições dos preguiçozíssimos membros do staff watchtoweriano, gradativa des-entesazão do processo de fazer a porra toda, falta de vontade da minha carteira em continuar a pagar sozinha a grana do servidor e do domínio, desejos meus de aniquilar “espectros do passado”, entre outras. Achei que iria poder viver bem e tranquilamente sem a Watchtower. Estava errado. Sem ela, me agarra pela garganta o que eu chamaria de... o sentimento da minha inutilidade. Fazêoquê... preciso criar objetivos para essa minha vidinha. Não creio que a vida tenha um sentido imposto de fora; logo, preciso inventá-lo... Coisa degradante: ajoelhar-se aos pés de uma múmia e pedir para que ela encha uma vida de sentido!

Esta pequena múmia suja que aqui está é uma espécie de continuação da saga da Watchtower, com algumas diferenças essenciais e alguns projetos de expansão. Alguns dos textos que foram publicados lá e que me parecem suportáveis irão ser arquivados aqui. Vocês podem ver na parte superior dessa página um menu feito para acessá-los. Por enquanto, só uma dúzia de textos livrais e dísquicos estão disponíveis. Vou colocando o resto com o tempo. As seções LIVROS, CONTOS e FILOSOFAGENS não foram ainda inauguradas, e ficam também como promessas para o futuro próximo.

Dirty Little Mummie, o blog, não tem nenhuma pretensão de ser exclusivamente um blog pop-cultural. É um blog... e blog serve para falar de qualquer coisa que se queira, inclusive das que não importam (e sem dúvida é o que mais se faz por aí!). Logo, o blog será o lugar pra umbigolices ociosas, pra egotrips babacas, pra divagações escrotas, pra diatribes raivosas, pra exercícios proustianos de memoração, pra naufragadas tentativas de poesia, pra papos-furados quaisquer, pra citações trimmassa, e pra mais qualquer coisa que der na telha...

Gostaria muito ver os COMMENTS rabiscados constantemente pelos que por aqui passarem, mesmo que seja só pra dar um alô, estive aqui, como vai vc?... É chato ficar aqui balbuciando palavras e suspeitando que estou no meio do deserto, falando sozinho com a areia e os cactos.

< MISSA DE BATISMO Pt. 2. EM DEFESA DOS BLOGS! >

Me sinto como se tivesse que me defender pelo crime de ter feito nascer essa múmia.

Primeiro os advogados de acusação: por que diabos mais um blog? O mundo já não está suficientemente contaminado com estas pestes? Precisa mesmo de mais um sujeitinho desprezível falando coisas sobre seu cotidiano desprezível e fingindo que tudo é grandioso e heróico? Mais um narcisinho exibindo o pau no palco do mundo para o mundo olhar e admirar? Mais um travesti fingindo-se de importante só por que tem sua morada na Internet? E, além do mais, que diferença vai fazer? São tantos os blogs no mundo, tanta a quantidade de informação, tanta a concorrência... como você espera fazer-se ouvir no meio dessa zona?

E minha modesta defesa contra essas acusações tão pouco gentis: sei bem que o mundo já tem um número de blogs alto o suficiente, que a maioria deles só tem tolices, que eles costumam ser uma ferramenta de exibicionismo narcísico, mas nem tudo é podridão no mundo dos blogs, e há alguns de que eu gosto bastante. No fundo, sou um grande entusiasta da Revolução Blóguica e incentivo ainda mais sua disseminação. Um pouco de história talvez sirva pra elucidar porquê acho tão legal o lance dos blogs:

Um blog, originalmente, era para ser um diário virtual - ao menos era assim que o bichinho começou a ser descrito quando começou a dar suas engatinhadas. Com o tempo, transformou-se em algo muito mais vasto, como se sabe: a tecnologia do blog revolucionou com a força dum furacão todo o mundo cibernético e transformou-se em epidemia descontrolada, deixando pra trás seu objetivo original de ser simplesmente uma ferramenta para publicação de “diários”. Isso porque permitiu que um número muito maior de pessoas pudesse se pronunciar na Internet ao tornar supérfluo o conhecimento de HTML e de webdesign.

Na antiga Internet de 1998/1999, me lembro bem, não havia nenhum serviço que se assemelhasse aos publicadores de blogs, e quem tinha seus desejos ardentes de colocar uma página no ar - era o meu caso - tinha necessariamente que botar os miolos pra funcionar e aprender HTML se não quisesse desembolsar uma graninha pra contratar pessoal competente. Óbvio que o HTML não é uma linguagem de programação tão fuderosamente complexa como um C+ ou um Pascal, mas mesmo assim exigia lá um conhecimento mediano sobre computação e sobre a lógica das linguagens que os humanos podem utilizar para se comunicar com as máquinas e fazê-las obedecer às suas ordens. Não foi fácil, naqueles tempos, ler os livrinhos de HTML que vinham encartados na revista .... e que guiavam o leigo em direção ao reino sagrado dos conhecimentos cibernéticos. Naquele tempo, eram também poucos os programas de interface agradável que possibilitam, hoje, criar páginas sem necessidade de códigos. Tempos de dureza: faziam-se páginas com o Bloco de Notas do Windows, cheios com aqueles hórridos “img src” e aqueles “table border”... Mas eu consegui, após algum esforço, criar a muito célebre, antológica, imortal, eternamente escrita na História da Internet brasileira.... DISEASE Home Page! Como assim, vocês não se lembram!?

Hoje sou incapaz de encontrar qualquer pessoa nesse mundo que se lembra que existiu um dia uma DISEASE HP; foi somente uma das inúmeras páginas de MP3 que surgiram quando o formato começou a virar moda e que oferecia, em servidor próprio, uma meia centena de músicas baixáveis, inclusive os clássicos da Sheryl Crow (eu curtia bragarai “If It Makes You Happy” e “All I Wanna Do”), da Joan Osbourne (“What If God Was One Of Us” me parecia muito profunda) e dos Crash Test Dummies (lembram de “Mmm Mmm Mmm”, clássico mor dessa one hit band?). Pô, era 1998! Eu tinha só uns 14!

Aí, depois de uns seis meses no ar, subitamente a foice cruel do servidor ceifou todas as minhas MP3s por considerar que eu estava cometendo um crime digital e fomentando a pirataria... e lá se foi para o caixão minha querida primeira página internética. Fiquei com tanta raiva que tive vontades de virar um hacker, um bandido digital, um mau-feitor dos zeros e uns. Ah se não iria destruir impiedosamente todos os grandes e maus da Internet com a minha espada cibernética! Assinei o zine Barata Elétrica, instalei o Linux Slackware 3.5 no computador, baixei mail-bombers e programas invasores, tentei aprender programação e jurei desprezo eterno a Bill Gates! Depois de me achar muito subversivo, me peguei a pensar que na verdade era mesmo muito NERD. Larguei mão. Mas esses conhecimentos todos depois me possibilitaram fazer a Watchtower e, logo, não foram totalmente em vão.

A Revolução dos Blogs mudou tudo: tornou acessível a todos a publicação de páginas na Internet, coisa antes muito restrita àqueles capazes de programar via HTML. Foi uma imensa ferramenta democratizante. Muito mais gente ganhou o direito de se expressar na Internet e acabou-se a Aristocracia dos Sabedores de HTML. Dizem os detratores que, apesar de ser verdade que muita gente ganhou uma maior liberdade de expressão com o advento dos blogs, o que expressavam, na maior parte dos casos, era bobagem, inutilidade, insignificância. Mas são os males da democracia, ora! Se fôssemos criar uma lei que só iria permitir que se expressassem nos blogs os “inteligentes”, os “sábios”, os “autorizados”, cabô a democracia. E, aliás, quem é que iria decidir quem é que pode falar e quem não pode? Quem iria julgar o que é relevante e o que não é? É repugnante pensar na possibilidade da criação de um órgão estatal que seria responsável por soltar os alvarás de permissão de blogs e que procederia a testes de inteligência e competência textual antes de conceder a certa pessoa um espaço na Internet... Prefiro o caos das expressões ao filtro ordenador da censura. Prefiro essa zona babélica de vozes das “pessoas normais” do que uma mensagem única caindo dogmaticamente de uma empresa multinacional.

Hoje já se sabe que os blogs que foram surgindo aos borbotões não se viram na obrigação de ser “diários”, e a palavra “blog” hoje já perdeu o sentido limitado de “diário digital” para se tornar quase que um sinônimo de “página pessoal” - com a condição de ser publicada com a tecnologia blóguica, esse sintoma da cultura do fast-food... A quantidade de blogs que existem hoje faz suspeitar de uma epidemia de proporções elefânticas. Não tenho as estatísticas, mas dá pra notar, só navegando, que blog é febre. Todo mundo parece estar a fim de construir sua morada no mundo da Internet, e ao notar que os tijolos tão baratos, que os pedreiros trabalham escravamente, e que nem é preciso ter muita coisa de útil com que decorar os interiores, procedem à construção. Deu nisso: explosão demográfica.

< MISSA DE BATISMO Pt. 3. UM BLOG PORNOGRÁFICO! >




“Alguém que não minta já é bastante original.” - WITTGENSTEIN

“O que as pessoas dizem, na maioria das vezes, só serve para protegê-las: racionalizações, justificativas, negações... Para quê? Melhor seria o silêncio. A palavra só me interessa quando é o contrário de uma proteção: um risco, uma abertura, uma confissão, uma confidência... Gosto de que falem como quem se despe, não para se mostrar, como crêem os exibicionistas, mas para parar de se esconder...” - SPONVILLE


Em certo sentido, o Dirty Little Mummie pretende ser um blog que resgatará a idéia original do blog, isto é, ser um QUERIDO DIÁRIO aberto aos olhos do mundo. Não que eu queira ficar relatando todas as insignificâncias do meu dia-a-dia para o mundo, fingindo que nele não há nem uma gota de tédio, de monotonia, de angústia, de cansaço... Não se trata tanto de um QUERIDO DIÁRIO dos fatos exteriores, mas sim dos interiores. Narrar as entranhas da mente e do sentimento muito mais do que as acontecências bobocas do mundo lá fora. Não sei vocês, mas para mim as coisas sempre aconteceram mais dentro da minha cabeça do que fora!

Eu gostaria muito que existissem verdadeiros blogs QUERIDO DIÁRIO. O que me irrita nos blogs não é o “excesso de subjetividade”, decerto. Curto muito ler “coisas subjetivas” e nada me aborrece mais do que um jornal “imparcial” (e a exigência de “imparcialidade” é uma das coisas que faz o jornalismo tradicional feder de chatice tão miseravelmente ao meu nariz...). O que me irrita nos blogs é a incapacidade crônica que as pessoas parecem ter de serem sinceras. Claro que um blog nunca será um Diário de verdade pq há uma diferença essencial entre eles: um Diário se escreve em solidão, em segredo, sem olhos observantes; um blog é algo feito por um sujeito pensando no seu público. Sob o ombro do autor de um blog pesa o olhar do Outro, essa entidade poderosa que convida ao teatro. Ninguém está imune a isso. É humano que o Eu deseje marcar uma imagem de si agradável e admirável na cabeça do Outro. Um eu que finge ser melhor do que é, para com isso agradar ao outro, é a coisa mais comum do mundo.

Mas é isso que faz com que o blog, quase sempre, acabe por virar uma ferramenta para a auto-publicidade; não exatamente a auto-publicidade de si, mas sim de um si falsificado, melhorado, embelezado... Me parece que a pessoa que publica um blog acaba sempre por se maquiar, se vestir em trajes de gala, pôr sua máscara... e vai ao mundo para mostrar o quão cool e adorável ela é, o quão mágico e cheio de acontecimentos lindos é seu cotidiano, o quão radiosos e cheios de harmonia são seus relacionamentos, seus amigos, seus amores. E depois espalha as fotos nos flogs pra provar pro mundo com evidências visuais o que dizia com palavras... e “prova” que é mesmo pessoa muito cool, muito legal, muito esperta, muito vida-boa... Só se publica no blog aquilo que é passível de ser admirado, de virar glória, de virar um “falso atributo do eu”. Donde o paradoxo: o blog, que para alguns é sinônimo de diário, com uma simples diferença de mídia, vira algo muito diferente de um diário. É extremamente difícil encontrar um blog que seja verdadeiramente um diário. A certeza do olhar do outro convida ao teatro de máscaras... Eu muito apreciaria descobrir na Internet blogs escritos por pessoas capazes da mais completa sinceridade; blogs que se parecessem realmente com DIÁRIOS e não com AUTO-PUBLICIDADE KITSCH; blogs de gente mais interessada no auto-conhecimento do que na auto-promoção; mais na nudez do que nas roupas luxuosas. A maioria dos blogs desse mundo podem ser denunciados ao PROCOM com a seguinte acusação: aqui o autor do blog vende uma imagem falsificada de si mesmo, omite suas fraquezas e suas podridões, finge ser melhor do que é... Dirão que não é problema dos blogs, mas dos seres humanos. É bem possível. O mundo é um teatro: por que os blogs também não seriam?

Sei que também eu não estou imune a isso e gostaria que os leitores desse troço não se sentissem temerosos de me denunciar a mim mesmo. Não estou dizendo que sou mais sincero que o resto do mundo. Estou dizendo que desejo me esforçar no sentido da sinceridade. Se eu já possuísse essa capacidade, por que precisaria me esforçar por buscá-la? No máximo sou um ator que tem consciência de estar atuando, um mascarado com consciência de culpa... Quero lutar contra o meu desejo de auto-falsificação, e essa múmia vai ser o palco dessa guerra. Gostaria de ser capaz de escrever um blog contra mim mesmo: um blog onde eu ousasse me mostrar exatamente como sou, sem as máscaras, sem a maquiagem, sem a parede. Claro que é um problema seríssimo saber o que sou exatamente. Responder à pergunta “quem sou eu?” sempre me pareceu um problema fuderosamente complexo e confuso. Mas é preciso fazer o esforço. Tentar ficar nu. Rasgar os pudores com os dentes. Cessar as omissões, os escondimentos, os cu-docismos. Gostaria de escrever como quem se despe. “Não pra me mostrar, como querem os exibicionistas, mas pra parar de me esconder” - como diz lindamente o Sponville. Se eu for capaz de dizer a verdade sobre mim já estarei satisfeito. E será algo de muito original, se Witt estava certo ao dizer que “quem não mente já é bastante original”. Mas não estou certo de ser capaz de me livrar dos meus personagens, das minhas máscaras, das minhas mentiras... Só posso tentar. Com todas as minhas forças, vou tentar fazer do Dirty Little Mummie um BLOG PORNOGRÁFICO: exibição crua da nudez...
Que não se empolguem vossas genitálias! Falo de uma PORNOGRAFIA DA ALMA!

quinta-feira, 23 de dezembro de 2004

< por que diabos "Dirty Little Mummie"? >

por causa do seguinte trecho da gênia Lydia Lunch...

(recomendadíssimo o disquinho acima - "Widowspeak", o BEST OF da L.L.)

< We are injected into this world like dirty little mummies... the roads are slippery with blood, but no one seems to notice... born bathed in blood... to die the same... everyone is travelling at their own speed towards the exit sign, down a blind alley at the end of which waits a scaffold. We are all suffering from collective induced fiction, bundles of conditioned reflexes, victims of an ambushed memory, suffering from a historical lobotomy, consumed by junk culture in a third world country. I know that the only minds which seduce are those who have destroyed themselves trying to give their lives meaning.>
LYDIA LUNCH – “A Short Story Of Decay Pt. 2”