sexta-feira, 24 de dezembro de 2004

< MISSA DE BATISMO Pt. 3. UM BLOG PORNOGRÁFICO! >




“Alguém que não minta já é bastante original.” - WITTGENSTEIN

“O que as pessoas dizem, na maioria das vezes, só serve para protegê-las: racionalizações, justificativas, negações... Para quê? Melhor seria o silêncio. A palavra só me interessa quando é o contrário de uma proteção: um risco, uma abertura, uma confissão, uma confidência... Gosto de que falem como quem se despe, não para se mostrar, como crêem os exibicionistas, mas para parar de se esconder...” - SPONVILLE


Em certo sentido, o Dirty Little Mummie pretende ser um blog que resgatará a idéia original do blog, isto é, ser um QUERIDO DIÁRIO aberto aos olhos do mundo. Não que eu queira ficar relatando todas as insignificâncias do meu dia-a-dia para o mundo, fingindo que nele não há nem uma gota de tédio, de monotonia, de angústia, de cansaço... Não se trata tanto de um QUERIDO DIÁRIO dos fatos exteriores, mas sim dos interiores. Narrar as entranhas da mente e do sentimento muito mais do que as acontecências bobocas do mundo lá fora. Não sei vocês, mas para mim as coisas sempre aconteceram mais dentro da minha cabeça do que fora!

Eu gostaria muito que existissem verdadeiros blogs QUERIDO DIÁRIO. O que me irrita nos blogs não é o “excesso de subjetividade”, decerto. Curto muito ler “coisas subjetivas” e nada me aborrece mais do que um jornal “imparcial” (e a exigência de “imparcialidade” é uma das coisas que faz o jornalismo tradicional feder de chatice tão miseravelmente ao meu nariz...). O que me irrita nos blogs é a incapacidade crônica que as pessoas parecem ter de serem sinceras. Claro que um blog nunca será um Diário de verdade pq há uma diferença essencial entre eles: um Diário se escreve em solidão, em segredo, sem olhos observantes; um blog é algo feito por um sujeito pensando no seu público. Sob o ombro do autor de um blog pesa o olhar do Outro, essa entidade poderosa que convida ao teatro. Ninguém está imune a isso. É humano que o Eu deseje marcar uma imagem de si agradável e admirável na cabeça do Outro. Um eu que finge ser melhor do que é, para com isso agradar ao outro, é a coisa mais comum do mundo.

Mas é isso que faz com que o blog, quase sempre, acabe por virar uma ferramenta para a auto-publicidade; não exatamente a auto-publicidade de si, mas sim de um si falsificado, melhorado, embelezado... Me parece que a pessoa que publica um blog acaba sempre por se maquiar, se vestir em trajes de gala, pôr sua máscara... e vai ao mundo para mostrar o quão cool e adorável ela é, o quão mágico e cheio de acontecimentos lindos é seu cotidiano, o quão radiosos e cheios de harmonia são seus relacionamentos, seus amigos, seus amores. E depois espalha as fotos nos flogs pra provar pro mundo com evidências visuais o que dizia com palavras... e “prova” que é mesmo pessoa muito cool, muito legal, muito esperta, muito vida-boa... Só se publica no blog aquilo que é passível de ser admirado, de virar glória, de virar um “falso atributo do eu”. Donde o paradoxo: o blog, que para alguns é sinônimo de diário, com uma simples diferença de mídia, vira algo muito diferente de um diário. É extremamente difícil encontrar um blog que seja verdadeiramente um diário. A certeza do olhar do outro convida ao teatro de máscaras... Eu muito apreciaria descobrir na Internet blogs escritos por pessoas capazes da mais completa sinceridade; blogs que se parecessem realmente com DIÁRIOS e não com AUTO-PUBLICIDADE KITSCH; blogs de gente mais interessada no auto-conhecimento do que na auto-promoção; mais na nudez do que nas roupas luxuosas. A maioria dos blogs desse mundo podem ser denunciados ao PROCOM com a seguinte acusação: aqui o autor do blog vende uma imagem falsificada de si mesmo, omite suas fraquezas e suas podridões, finge ser melhor do que é... Dirão que não é problema dos blogs, mas dos seres humanos. É bem possível. O mundo é um teatro: por que os blogs também não seriam?

Sei que também eu não estou imune a isso e gostaria que os leitores desse troço não se sentissem temerosos de me denunciar a mim mesmo. Não estou dizendo que sou mais sincero que o resto do mundo. Estou dizendo que desejo me esforçar no sentido da sinceridade. Se eu já possuísse essa capacidade, por que precisaria me esforçar por buscá-la? No máximo sou um ator que tem consciência de estar atuando, um mascarado com consciência de culpa... Quero lutar contra o meu desejo de auto-falsificação, e essa múmia vai ser o palco dessa guerra. Gostaria de ser capaz de escrever um blog contra mim mesmo: um blog onde eu ousasse me mostrar exatamente como sou, sem as máscaras, sem a maquiagem, sem a parede. Claro que é um problema seríssimo saber o que sou exatamente. Responder à pergunta “quem sou eu?” sempre me pareceu um problema fuderosamente complexo e confuso. Mas é preciso fazer o esforço. Tentar ficar nu. Rasgar os pudores com os dentes. Cessar as omissões, os escondimentos, os cu-docismos. Gostaria de escrever como quem se despe. “Não pra me mostrar, como querem os exibicionistas, mas pra parar de me esconder” - como diz lindamente o Sponville. Se eu for capaz de dizer a verdade sobre mim já estarei satisfeito. E será algo de muito original, se Witt estava certo ao dizer que “quem não mente já é bastante original”. Mas não estou certo de ser capaz de me livrar dos meus personagens, das minhas máscaras, das minhas mentiras... Só posso tentar. Com todas as minhas forças, vou tentar fazer do Dirty Little Mummie um BLOG PORNOGRÁFICO: exibição crua da nudez...
Que não se empolguem vossas genitálias! Falo de uma PORNOGRAFIA DA ALMA!