É bem provável que qualquer crítico de cinema sério iria rir alto na minha cara ao me ouvir dizer tamanha heresia (mas e eu com isso?!), mas ouso assim mesmo a confissão: não é nem o Glauber Rocha, nem o Walter Salles, nem o Fernando Meirelles, nem o Rogério Sganzerla, nem o Júlio Bressane, nem nenhum dos outros bã-bã-bãs por aí - o meu cineasta nacional predileto é mesmo o gaúcho Jorge Furtado. Pode ser que seja mais o coração do que o cérebro quem solta esse veredito, mas e daí? No fundo aprendi, vida afora, a confiar mais nas veias e nas artérias do que nos neurônios como juízes do que é bom. Mesmo antes de encontrar razões racionais para explicar o meu gosto, o coração vai e diz: esses filminhos do Jorge Furtado, eu, esse músculo bobo que sou, que pra nada sirvo além de bombear sangue e cair em perdição, curto pacas! =)
Na ativa desde o fim dos anos 80, quando dirigiu alguns curtas-metragem mui célebres e cultuados, Jorge estreou no longa-metragem em 2001, com o adorável e despretensioso Houve Uma Vez Dois Verões. Cometeu depois o hit O Homem Que Copiava (2002), que comento logo mais. Na sequência veio o simplão mas bacaníssimo Meu Tio Matou Um Cara (2004). Agora, em 2007, com o lançamento desse classudo Saneamento Básico – O Filme (com a Globo Filmes e a Columbia por trás, injetando seiva...), Jorge Furtado se consolida como um dos maiores talentos a desabrochar no cinema brasileiro nesta década.
Já adorei Ilha das Flores boquiaberta de veneração. Foi o curta que eu assisti mais vezes na vida, bem mais do que O Cão Andaluz do Buñuel ou qualquer das velharias do Chaplin ou do Buster Keaton (que, vocês sabem, são delícias que nos fazem pedir bis...). Até porque esse filminho do Furtado tem fama de ser o predileto de vários professores universitários (levanta a mão quem não viu Ilha das Flores dentro de uma sala de aula!), que encontram nele uma ótima pedida para instruir a alunada sobre injustiça social e descalabros capitalistas. Mesmo depois de ter assistido ao Ilha umas 5 ou 6 vezes, ainda acho que ele merece todo o oba-oba – é um dos filminhos mais influentes e inesquecíveis já cometidos por um jovem talento do cinema nacional. Era esse o filme que a gente, na faculdade, quando se aventurava a fazer nossos curtas, queria imitar.
Aquilo ali já me conquistou nos primeiros planos, com aquele punk e cru DEUS NÃO EXISTE escrito sobre a tela preta, antes do início da jornada que nos vai mostrar como os seres humanos, apesar de dotados de tele-encéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor, conseguem ser tratados mais porcamente do que os porcos num lugarzinho infernal ironicamente chamado de Ilha das Flores. Quem ainda não assistiu, não perca tempo: pus aí embaixo os links para o You Tube. Obrigatório!
Já adorei Ilha das Flores boquiaberta de veneração. Foi o curta que eu assisti mais vezes na vida, bem mais do que O Cão Andaluz do Buñuel ou qualquer das velharias do Chaplin ou do Buster Keaton (que, vocês sabem, são delícias que nos fazem pedir bis...). Até porque esse filminho do Furtado tem fama de ser o predileto de vários professores universitários (levanta a mão quem não viu Ilha das Flores dentro de uma sala de aula!), que encontram nele uma ótima pedida para instruir a alunada sobre injustiça social e descalabros capitalistas. Mesmo depois de ter assistido ao Ilha umas 5 ou 6 vezes, ainda acho que ele merece todo o oba-oba – é um dos filminhos mais influentes e inesquecíveis já cometidos por um jovem talento do cinema nacional. Era esse o filme que a gente, na faculdade, quando se aventurava a fazer nossos curtas, queria imitar.
Aquilo ali já me conquistou nos primeiros planos, com aquele punk e cru DEUS NÃO EXISTE escrito sobre a tela preta, antes do início da jornada que nos vai mostrar como os seres humanos, apesar de dotados de tele-encéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor, conseguem ser tratados mais porcamente do que os porcos num lugarzinho infernal ironicamente chamado de Ilha das Flores. Quem ainda não assistiu, não perca tempo: pus aí embaixo os links para o You Tube. Obrigatório!
Pois eu esperava que o Jorge Furtado, ao pular do curta para o longa-metragem, iria se tornar aquele tipo de cineasta crítico-social e provocador profissional ao estilo dum Cláudio Assis ou Sérgio Bianchi – o tipo de artista que usa sua câmera como um Dedo Indicador apontando mazelas sociais e esfregando em nossas caras o tamanho do nosso fracasso como nação. Me surpreendi ao ver nascer, depois do poderoso soco na cara que era o Ilha das Flores, um cineasta tão pop e tão afim de fazer uma arte de massa, super acessível e simpática, feita para grandes públicos. Não imaginava que o Jorge Furtado fosse se tornar esse imenso crowd pleaser que hoje é.
Saneamento Básico tem tudo para bombar: com um elenco com a presença de algumas estrelas globais (Wagner Moura, Camila Pitanga...) e conduzido com a maestria de praxe pela imensamente talentosa Fernanda Torres (talvez a melhor atriz de cinema do Brasil em muitos e muitos anos), a comédia tem tudo para ser a definitiva consagração desse grande cineasta. Jorge Furtado conseguiu realmente criar um filminho delicioso, suculento, simpaticíssimo, irrepreensível - numa palavra: irresistível. Tão difícil não gostar dum filme desses quanto não gostar de Beatles.
Saneamento Básico – O Filme é provavelmente o melhor Furtado até hoje – e isso não é dizer pouco. Essa obra-prima instantânea da comédia nacional, que tem um certo gostinho de Woody Allen, de Ariano Suassuna, de Cinema Paradiso, de filmes B de terror, de curtas universitários trash e de sitcom tupiniquim, me pareceu também o equivalente brasileiro para o clássico A Noite Americana, do François Truffaut (vencedor do Oscar de Melhor filme estrangeiro em 1973).
Só que Saneamento Básico é ainda mais engraçado do que o já engraçadérrimo filme do Truffa e oferece insights tão espertos sobre a arte de fazer cinema quanto o clássico francês. Mas a metalinguagem dos dois filmes é diferente: se o Truffaut tratava do cinema como um produto de um grande estúdio, Furtado decide narrar a trajetória de alguns caipiras, absolutamente analfabetos em matéria de cinema, que tentam realizar um curta-metragem na tentativa de arrecadar uma grana para uma obra de higiene pública. No processo, Jorge nos mostra que fazer um filme pode ser muito mais divertido do que assistir um – e que assistir a um filme sobre como se faz um filme pode ser das coisas mais hilárias do universo...
Ao deixar clara a artificialidade e a falta de espontaneidade que o povinho simples sente ao ficar frente às câmeras, o Furtado só destaca e enfatiza o tamanho do seu talento ao retirar dos atores, todos eles, performances tão verossímeis e vívidas. Há um pouco de elogio-próprio nesse procedimento, como se o diretor, ao mostrar todas as trapalhadas e burrices de seus personagens, chamasse um pouco a atenção para si mesmo e dissesse: eu, Jorge Furtado, é que sei o que é fazer cinema, o que é retirar dos atores atuações fantásticas, o que é fazer criar uma narrativa fluida e gostosa... Mas não se trata de vanglória. É só um mestre do cinema se divertindo, do alto de seu pedestal, as peripécias dos leigos numa arte que não dominam. Quanto às atuações, todas elas impressionantemente convincente, nos fazem imaginar que o Furtado andou tomando lições com Mike Leigh ou John Cassavetes - cada vez mais verossímeis e reais os personagens dele...
Achei que essa é uma das comédias mais perfeitas de todos os tempos principalmente porque o humor está ultra bem-balanceado. O que quero dizer é: esse não é o tipo de filme em que uma piada ótima se destaca no meio de um monte de piadas médias ou fracas, ou que as tiradas certeiras se concentram em certa parte ou momento do filme. Não. É incrível como o filme, em suas quase duas horas de duração, consegue manter-se o tempo todo divertido, charmoso e irresistível. It's a nice ride all the way, folks! Inacreditável notar que o maxilar não dói depois de tanta risada. Não é o caso daquelas comédias que não vale a pena assistir de novo porque da segunda vez você já conheceria todas as piadas - é o caso de um filme que você provavelmente se divertirá vendo quando assistir pela 5a vez. Isso é raro de acontecer: quando os créditos subiram, fiquei com vontade de não sair do cinema, quem sabe me esconder debaixo do assento pra emendar e ficar pra próxima sessão... Pena que não nasci anão!
Minhas opiniões sobre o Jorge Furtado, depois desse filme, são ainda mais positivas. Esse cara imprime uma marca muito pessoal em todos os seus filmes. Ele é a prova viva de que é possível fazer cinema de massa, capaz de agradar às multidões e faturar milhões nas bilheterias, sem nunca apelar para o mau-gosto, para a vulgaridade ou para o sentimentalismo barato. O humor de Saneamento Básico faz gargalhar, mas sem nunca soar boçal. Jorge Furtado é a prova de que simplicidade não precisa ser rasidão e superficialidade, de que humor não precisa ser futilidade, que leveza não precisa resultar em algo fácil de esquecer, de que cinema não precisa ostentar “vanguardismos” ou altas peripécias para ser uma obra de arte, de que não é preciso ser panfletário e doutrinário para fazer um cinema que acaba sim sendo político...
Como o filme do Truffaut, Saneamento Básico, além do vasto leque de piadinhas memoráveis, personagens bacanas e atuações irretocáveis, é também uma declaração de amor aos filmes e ao fazer-cinema. Além de uma obra que funciona como belo entretenimento, tem toda uma substância por trás, dando consistência, e está longe de ser uma daquelas comédias que só falem pelo prazer imediato das risadas - como os grandes mestres do humor, Jorge Furtado nos comunica um bom-humor duradouro, quase que uma lição de vida e de sabedoria, de leveza e de simplicidade, de espontaneidade e de doçura, de singeleza e ternura... Cineasta da alegria - e da alegria fina.
Jorge Furtado é orgulho nacional!
Ao deixar clara a artificialidade e a falta de espontaneidade que o povinho simples sente ao ficar frente às câmeras, o Furtado só destaca e enfatiza o tamanho do seu talento ao retirar dos atores, todos eles, performances tão verossímeis e vívidas. Há um pouco de elogio-próprio nesse procedimento, como se o diretor, ao mostrar todas as trapalhadas e burrices de seus personagens, chamasse um pouco a atenção para si mesmo e dissesse: eu, Jorge Furtado, é que sei o que é fazer cinema, o que é retirar dos atores atuações fantásticas, o que é fazer criar uma narrativa fluida e gostosa... Mas não se trata de vanglória. É só um mestre do cinema se divertindo, do alto de seu pedestal, as peripécias dos leigos numa arte que não dominam. Quanto às atuações, todas elas impressionantemente convincente, nos fazem imaginar que o Furtado andou tomando lições com Mike Leigh ou John Cassavetes - cada vez mais verossímeis e reais os personagens dele...
Achei que essa é uma das comédias mais perfeitas de todos os tempos principalmente porque o humor está ultra bem-balanceado. O que quero dizer é: esse não é o tipo de filme em que uma piada ótima se destaca no meio de um monte de piadas médias ou fracas, ou que as tiradas certeiras se concentram em certa parte ou momento do filme. Não. É incrível como o filme, em suas quase duas horas de duração, consegue manter-se o tempo todo divertido, charmoso e irresistível. It's a nice ride all the way, folks! Inacreditável notar que o maxilar não dói depois de tanta risada. Não é o caso daquelas comédias que não vale a pena assistir de novo porque da segunda vez você já conheceria todas as piadas - é o caso de um filme que você provavelmente se divertirá vendo quando assistir pela 5a vez. Isso é raro de acontecer: quando os créditos subiram, fiquei com vontade de não sair do cinema, quem sabe me esconder debaixo do assento pra emendar e ficar pra próxima sessão... Pena que não nasci anão!
Minhas opiniões sobre o Jorge Furtado, depois desse filme, são ainda mais positivas. Esse cara imprime uma marca muito pessoal em todos os seus filmes. Ele é a prova viva de que é possível fazer cinema de massa, capaz de agradar às multidões e faturar milhões nas bilheterias, sem nunca apelar para o mau-gosto, para a vulgaridade ou para o sentimentalismo barato. O humor de Saneamento Básico faz gargalhar, mas sem nunca soar boçal. Jorge Furtado é a prova de que simplicidade não precisa ser rasidão e superficialidade, de que humor não precisa ser futilidade, que leveza não precisa resultar em algo fácil de esquecer, de que cinema não precisa ostentar “vanguardismos” ou altas peripécias para ser uma obra de arte, de que não é preciso ser panfletário e doutrinário para fazer um cinema que acaba sim sendo político...
Como o filme do Truffaut, Saneamento Básico, além do vasto leque de piadinhas memoráveis, personagens bacanas e atuações irretocáveis, é também uma declaração de amor aos filmes e ao fazer-cinema. Além de uma obra que funciona como belo entretenimento, tem toda uma substância por trás, dando consistência, e está longe de ser uma daquelas comédias que só falem pelo prazer imediato das risadas - como os grandes mestres do humor, Jorge Furtado nos comunica um bom-humor duradouro, quase que uma lição de vida e de sabedoria, de leveza e de simplicidade, de espontaneidade e de doçura, de singeleza e ternura... Cineasta da alegria - e da alegria fina.
Jorge Furtado é orgulho nacional!
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