terça-feira, 17 de julho de 2007

LOVE BOAT CAPTAIN,
STEER US TOWARDS THE CLEAR...



“To the universe i don't mean a thing
And there's just one word i still believe
And it's love...

It's already been sung
But it can't be said enough
All you need is love..."


PEARL JAM, “Love Boat Captain”



Sabe qual é o meu grande problema? Acho que descobri: eu infelizmente tenho essa mania chata e terrível de ficar pensando o tempo todo no tamanho do Universo e me imaginando dentro dele como um pontinho quase invisível de tão minúsculo. Também não passa um único dia da minha vida que eu não me lembre que vou morrer. É coisa de deixar deprê. Ainda que bem que a maioria das pessoas esquece fácil: a gente quase sempre esquece que está num planetinha pequeninho na Via Láctea (Júpiter e Saturno são tão maiores!), acha que a rua de casa é um negócio grande, que nosso estado é imenso, que nosso país é uma enormidade, que o nosso planeta é Tudo que existe... A gente só se lembra de vez em quando do quanto somos nanicos – até porque lembrar não é gostoso.

Às vezes fico brincando de entrar dentro dos animais e das coisas com a imaginação e fico pensando coisas como: as formigas também devem considerar o formigueiro um palácio. Para os vírus, a célula deve parecer do tamanho de uma piscina olímpica. Para os elétrons, o núcleo do átomo é uma baita duma bolona, quase uma Lua, quase um Sol - e se o elétron tivesse mente provavelmente acharia que não existe nada maior no universo do que essa bola em redor da qual ele orbita... Talvez nós não sejamos assim tão diferentes, nós que viajamos nesse elétron que se chama Terra, girando loucamente ao redor do núcleo Solar, e achando que não existe nada maior no Universo do que isso, esse Solzinho mixuruco – que (pelo menos foi o que fiquei sabendo...), é só um dos muitos sóis que queimam e brilham por aí, em mil e uma galáxias... A sorte das criaturas pequenas é que elas acabam considerando grandes as coisas que são pequenas como elas...

Às vezes fico imaginando, depois de esmagar uma formiga ou uma barata debaixo do sapato, sobre a imensa indiferença que temos por certas formas de vida que nós chamamos, sem medo, de “insignificantes” - sem nem nos perguntarmos: mas nós por acaso somos diferentes? O narcisismo humano é uma coisa espantosa. Nós nos achamos os fodões. Mal suspeitamos que não podemos ser grande coisa.. Cometemos dúzias de assassinatos diariamente e nem ligamos, nem percebemos... Sem falar que todo dia, quando sentamos pra almoçar ou jantar, nosso prato costuma estar cheio de pedaços de cadáveres de vaquinhas, galinhas e peixinhos mortos, que a gente tem que assar e comer logo senão apodrece! Às vezes acho que a vida é um espetáculo sujo, sórdido, imundo, nauseante. Parece piada que alguém acredite que um Deus bondoso criou a coisa desse jeito. Pra mim a existência de uma coisa tão repugnante quanto a Cadeia Alimentar já é prova empírica da inexistência de Deus – ou, se Deus existe, o Cara é um filho-da-mãe muito sarcástico, sádico e perverso. Pra que criar um monte de bichinhos que ficam se comendo uns aos outros nesse imenso matadouro encharcado de sangue que é o planeta Terra? E às vezes fico pensando que para a Natureza nós somos como essas formiguinhas esmagadas debaixo do nosso sapato, ou até menos, já que Ela, essa Mãe tão “caridosa”, também manda seus terremotos, seus tornados, seus tsunamis e suas tempestades e mata os homens como se fossem pulgas, indiscriminadamente... Somos nós os “insignificantes”, na “perspectiva Dela”!

É natural que me sinta desimporante dentro dele como se sentiria uma pulga se pudesse ter consciência de seu tamanhico dentro do esquema das coisas... Mas os homens são frequentemente como pulgas: ignoram o tamanho imenso de sua pequenez. O Fernando Pessoa diz, em algum momento de raiva, algumas palavras cruéis contra as pessoinhas que, ocupadas com seus empregos, suas diversões, seus casamentos, suas novelinhas na TV e seus papos-furados, vivem numa sublime “ignorância da desimportância que são”... Eu, muito infelizmente, não consigo: vivo sendo queimado e machucado por saber o quanto eu sou minúsculo.

Acho que é bem provável que eu não passe de mais um bichinho entre tantos e tantos bichinhos que infestam esse planeta, um pequeno boneco ambulante de carne e osso, que flutua pelo espaço colado a uma bolota onde, sabe-se lá porquê, calhou de surgir a vida em mil e uma formas... Sei que posso morrer a qualquer momento: ter um ataque cardíaco, ter a cabeça estourada por uma bala perdida, pegar alguma doença contagiosa, ser atropelado na calçada porque um mosquito acabou distraindo o motorista do ônibus... Sei que o Universo inteiro não dá a mínima pra mim. Sei que a Natureza inteira não se interessa se eu estou vivo ou morto. Eu não conto nada. Eu não sirvo pra nada. Que eu exista ou não exista, para o Todo, tanto faz... Eu poderia nunca ter nascido e minha falta não seria sentida.

Às vezes fico imaginando também a minha morte, tentando desvendar como é que vai ser, com que idade, em que lugar, de que jeito. Será que chego aos 25 ou morrerei uma morte rock and roll antes disso? Será que vou chegar a ser um velhinho de cabelos brancos que ouve Nevermind com nostalgia? Será que vou morrer de câncer, de infarte, de AIDS, de resfriado? Será que vou tomar um tiro, despencar de um prédio, tomar uma dose de cianureto? E será que vai dar tempo de fazer algo que preste com a minha vida?

E fico pensando na tristeza que é isso: das 6 bilhões de pessoas que existem no mundo, só uma meia-dúzia iria realmente sofrer com a minha morte, iria sinceramente sentir a minha falta - porque para 99,9% da humanidade eu também não sou nada. Gente morre todo dia, e de monte, e eu morrendo deixo quase todo mundo dando de ombros e dizendo: “ora, e daí?” Um a mais, um a menos... dá no mesmo...

Fico pensando na tristeza que vai ser o meu funeral. Ainda bem que eu não vou estar presente! Imagino que, como é lei, aquelas pessoas que durante a minha vida inteira nunca me disseram uma única palavra de amor irão fazer discursos mostrando o quanto me amavam. (Ora, se me amavam, por que eu não fiquei sabendo disso, cáspita?!) Depois todo mundo vai continuar com suas vidas. Depois de ter a minha carne devidamente jantada pelos microorganismos decompositores, depois de alguns anos eu vou ser progressivamente esquecido pelos homens, meu aniversário não será mais comemorado, as visitas ao meu túmulo vão começar a rarear, as pessoas que me conheçeram também vão começar a morrer, e logo serei um nome qualquer escrito numa lápide num lugar lotado de lápides e nomes, e com o tempo, sim, até o nome na lápide se apagará, até os meus ossos virarão pó, até o planeta onde estão os meus ossos desaparecerá... Às vezes fico pensando se é verdade a frase mais triste que eu já li num livro: será mesmo que “o esquecimento é a última palavra do nosso destino comum?”

Daí entendo porque foi preciso inventar a mentira de um Deus e de um Paraíso e acreditar nessa ladainha toda... Sem essas ilusões, talvez seja verdade que a vida seja triste demais. Mas o que faz o infeliz incapaz de se deixar enganar?

E aí eu penso que talvez a vida humana não tenho mesmo nenhum sentido e nenhum valor para o Universo, que a raça humana seja um monte de animaiszinhos que logo não estarão mais aqui (se os dinossauros foram extintos, por que nós não seríamos?), que a Natureza é completamente indiferente à vida. Se alguma desgraça acontecesse, tipo um mega-cometa vindo se chocar contra o planeta Terra, acabando com toda a vida que existe, tenho a suspeita de que o Universo continuaria aí, existindo, com seus sóis e planetas e galáxias, sem derramar uma única lágrima pelo fim da vida. Iria continuar existindo, sem vida. Pra quê não sei.

E aí eu penso que a única coisa que temos é isso: uns aos outros. Que a única fonte de sentido e de valor é o amor. Que o máximo que podemos pretender é ter uma importância ultra-relativa: sermos especiais para aqueles que amamos, quem sabe sermos úteis para a humanidade como um todo, se der. Afinal de contas, para o Universo nós não somos nada, e tudo que vale a pena é o amor daqueles que nos viram passar por esse mundo. Sem isso, sem esse pouco, sem esse tudo, nada tem sentido.

* * * * *

Não só nós somos criaturinhas perecíveis condenadas a desaparecer, como também a Terra, um dia, não passará de poeira cósmica, o Sol um dia vai se cansar de arder e irá se apagar e, talvez, como dizem alguns cientistas, o Universo talvez irá novamente se amontoar todinho num pequenucho ponto de matéria, como era antes do Big Bang. Nem precisamos olhar tão longe assim, para a estratosfera, pra perceber a efemeridade de tudo. É só pensar no que serão de todas – absolutamente todas – as pessoas que estão neste mundo nesse exato momento em 100 anos. Em 100 anos estaremos todos mortos. Aquela moça com o bebê de colo que espera o ônibus, a criança que chuta a bola de futebol no parque, o casalzinho de namorados na fila do cinema, o tiozinho da pipoca (que parece ser eterno!), inclusive os filhos que você ainda não teve – todos mortos. Até o Keith Richards, em 100 anos, periga acabar morrendo, eu acho. Mas fica a questão: o fato de a vida acabar é razão para não viver ou dizer que a vida não vale nada? O fato da vida ter um fim retira completamente seu valor? A efemeridade necessariamente implica em falta de valor e falta de sentido?

E, quanto mais penso sobre isso, mais acho que é bobagem vincular a falta de valor ao fato da efemeridade. Uma pessoa que pensa assim se parece com o tolo que, quando convidado a ir pr'uma festa, dá a desculpa: “Ir pra quê, se a festa vai ter que acabar?” Tudo bem que a vida não é exatamente uma festa, mas gosto da metáfora. Ninguém se recusa a ir uma festa por saber que ela vai acabar. Aliás, uma festa interminável não seria terrível? Depois de um certo tempo, as pessoas estariam totalmente enjoadas e entediadas, querendo ir pra casa e descansar... Nós vamos para festas sabendo que elas vão acabar – e talvez nos divertimos muito mais assim, sabendo que o tempo é pra ser aproveitado...

Por que com a vida seria diferente? Sabemos que ela vai acabar, mas isso, ao contrário de ser um motivo para nos desanimar, é um impulso para melhor aproveitá-la. Sabemos que o planeta Terra também é perecível – mas por que então não tratá-lo como um Parque de Diversões que sabemos que vai ser desativado logo logo e então aproveitar a valer?! Vamos correndo viver o mais intensamente que podemos, amigos, que o amanhã não nos pertence e nossa ampulheta está constantemente se esvaziando...!

O fato de algo ser efêmero não tira o valor da coisa. Só quem está muito contaminado com o modo cristão/platônico de enxergar o mundo se engana nesse ponto, ao crer que só vale aquilo que dura para sempre. Se fosse assim, isso daria razão aos niilistas e nada valeria – já que nada dura para sempre. Na minha filosofia de vida, é claro que os niilistas e cristãos é que estão enganados (e uns não são tão diferentes assim dos outros, como o Nieztsche bem mostrou...): o valor está do lado do que passa e não do que fica! Essa vida que passa, essas festas que acabam, essas paixões que arrefecem, essas pessoas que vem e vão e que acabam por morrer, todo esses fluxos valem – senão objetivamente, pelo menos para nós. Nenhuma coisa precisa ser eterna pra valer.

E por que com o amor seria diferente? Tem gente que diz que relacionamentos humanos estão sempre condenados ao fracasso, com o tempo, porque as pessoas fatalmente enjoam umas das outras e todos os bons sentimentos que possam ter nutrido acabam se diluindo e se perdendo... Que casamento de décadas não acaba desaguando na completa monotonia e tédio? Acho sim que há um pouco de verdade nessa maneira de ver as coisas. Ficar muito tempo na companhia da mesma pessoa sempre cansa. Lembram dos personagens da peça do Sartre, Entre Quatro Paredes? Óbvio que aquelas pessoinhas, trancadas dentro do mesmo quarto por um longo tempo, iriam acabar por se irritar umas com as outras e se odiar mortalmente, a ponto de uma delas soltar a frase clássica: “O inferno são os outros!” Acho que todo mundo já sentiu muitas vezes que uma certa pessoa “enjoou”, que a relação não é mais como um dia foi, que o encanto se foi... São coisas da vida. E eu também sinto muitas vezes uma grande necessidade de não importunar os outros com a minha presença, a minha fala e as minhas idéias por muito tempo. Tenho muito medo de que enjoem de mim. Muitas vezes “corto” um papo que vai indo muito bem com o medo dele começar a se desgastar e ficar tedioso, achando que é preverível levar embora comigo a memória de um papo gostoso do que arrastá-lo por horas e acabar enjoado dele. Viver é também a arte de saber quando parar, quando se recolher na solidão, quando livrar os outros da nossa presença. Frequentemente eu faço às pessoas o imenso favor de livrá-las da minha companhia.

Sem falar que a separação às vezes ajuda, pela saudade que faz nascer, que ressurja o desejo do encontro. A distância, às vezes voluntariamente escolhida, pode aproximar os corações e fazer com que eles desejem se aproximar. É preciso saber dar ao outro um bocadinho de solidão quando ele precisa, livrar o outro da nossa companhia por um tempo quando sabemos que estamos cansando, saber se calar quando percebemos que o outro está cansado de ouvir...

Mas, por outro lado, acho que as coisas não são assim tão sombrias, que não dá pra generalizar radicalmente e dizer que todos os relacionamentos acabam em enjôo e náusea... Não conhecemos, todos nós, casos de grandes amizades que duram por décadas e décadas? Talvez alguns de nós até mesmo conheçam, por milagre, algum casal que permanece se amando mesmo depois de 30, 40 anos casados? Será tão impossível assim? Eu não acho. Primeiro porque toda pessoa é uma criatura em permanente mutação. Água tem sempre gosto de água, leite condensado tem sempre gosto de leite condensado, mas as pessoas não: pessoas mudam de sabor, mudam de cor, mudam de figura – como os camaleões. Se os cristãos me permitem uma heresia, gostaria até dizer que as pessoas vão mudando de alma no decorrer da vida – nossa alma também é camaleã e cigana! Por isso relacionamentos podem continuar interessantes; eu estou mudando e o outro está mudando e há sempre trabalho a fazer (mas que pode ser um alegre trabalho!) para manter o encontro.

O Sponville (grande Mestre!), escreveu algumas páginas magistrais e lindíssimas sobre esse assunto no capítulo sobre a Fidelidade do Pequeno Tratado Das Grandes Virtudes:

“Que o amor se aplaque ou decline, é sempre o mais provável, e é bobagem afligir-se com isso. Mas quer se separe, quer continue a viver junto, o casal só continuará sendo casal por essa fidelidade ao amor recebido e dado, ao amor partilhado e à lembrança voluntária e reconhecida desse amor. (...) A fidelidade é o amor conservado ao que aconteceu, o amor ao amor, no caso, amor presente (e voluntário, e voluntariamente conservado) ao amor passado...

Como eu poderia jurar que sempre te amarei ou que não amarei outra pessoa? Quem pode jurar seus sentimentos? E para que, quando não há mais amor, manter a ficção, os encargos ou as exigências do amor? Mas isso não é motivo para renegar ou não reconhecer o que houve. Por que precisaríamos, para amar o presente, trair o passado? Eu juro não que sempre te amarei, mas que sempre permanecerei fiel a esse amor que vivemos.

O amor infiel não é o amor livre: é o amor esquecidiço, o amor renegado, o amor que esquece ou detesta o que amou e que, portanto, se esquece ou se detesta. Mas será isso ainda amor?

Ama-me enquanto desejares, meu amor; mas não nos esqueça.”

Acho que é isso mesmo: as pessoas precisam ser maduras e lúcidas o suficiente para saberem que é humanamente impossível estar apaixonado o tempo todo, amar o tempo todo, manter os sentimentos sempre na mesma intensidade... O coração humano não é um forno ou uma sauna cuja temperatura possa ser ajustada e que vai, então, queimar com o ardor que desejamos. É claro que todo relacionamento tem seus altos e baixos, seus cumes e seus abismos, seus momentos de delícia e de tragédia – só estou dizendo o óbvio. O coração tem suas máres altas e baixas. Às vezes o amor irrompe e explode, outras se retrai, quase some... E por que não aceitar que seja assim? Não tem problema que seja assim. As pessoas estando conscientes de que as coisas se passam desse jeito, se mostrando compreensivas umas com as outras, não há problema... Salvem-se de entrar num relacionamento tendo a perigosa ilusão de que serão amados em tempo integral, amigos!

Porque, afinal de contas, Papai Noel, Coelhinho da Páscoa, Saci Perêrê, felicidade perpétua e amor em tempo integral são criaturas folclóricas, mitológicas, de mentirinha, folks! Convêm não levam a sério! Mas não digamos, também, que o amor e a alegria não valem nada só porque acabam – as festas também acabam e valem! As pessoas também acabam e valem! A vida também acaba... e pelo menos às vezes, pelo menos quando há amor, conseguimos nos dizer: ela também vale... Pois tudo só vale pelo amor, por causa do amor, como efeito do amor.

It's already been sung,
but it can't be said enough...
All you need is love...