sábado, 29 de janeiro de 2005

< MOSTRA DE CINEMA MÓ AFUDÊ>

Só divulgando um evento:

Já começou a edição desse ano da Mostra Internacional de Cinema de São Bernardo. Pra galera do ABC, Sampa e arredores, é uma ótima opção cultural nessas férias. Só um realzinho por sessão. Mas num vai ser mais no Cacildão, ó:

Programação cultural do Teatro Cacilda Becker é alterada!

SÃO BERNARDO - Por causa da intensa chuva que caiu em São Bernardo, na terça-feira, dia 11, alagando a região do Paço Municipal, onde fica o Teatro Cacilda Becker, a programação do espaço sofreu alterações.

A programação do Cinema Internacional em São Bernardo , que exibe filmes da mostra internacional, foi toda transferida para o Teatro Martins Pena (Praça Marquês de Alegrette, 44, Vila Gonçalves, tel.: 4123-7891). Os horários e datas de exibição dos filmes permanecem os mesmos. Confira:

JÁ FOI! DIÁRIOS DE MOTOCICLETA (EUA/Alemanha/ Inglaterra/ Argentina) - (2004 - 128 min.) - 20 (quinta) às 20h, 22 (sábado) às 20h, 23 (domingo) às 16h

JÁ FOI! SOB A NÉVOA DA GUERRA (The Fog of War: Eleven Lessons from the Life of Robert S. McNamara - EUA) - (2003 - 95 min.) - 21 (sexta) às 20h, 22 (sábado) às 16h, 23 (domingo) às 20h JÁ FOI!

ADEUS, LENIN! (Good Bye, Lenin! – Alemanha) - (2003 – 118 min.) - 27 (quinta) às 20h, 29 (sábado) às 20h, 30 (domingo) às 16h

QUEIMANDO AO VENTO (Brucio nel Vento – Itália/ Suiça) - (2001 – 118 min.) - 28 (sexta) às 20h, 29 (sábado) às 16h, 30 (domingo) às 20h

em fevereiro vão rolar:

Dogville (Dinamarca/Suécia/França e outros)
Dia 3 (quinta) às 20h
Dia 5 (sábado) às 20h
Dia 6 (domingo) às 16h

Ser e Ter (França)
Dia 4 (sexta) às 20h
Dia 5 (sábado) às 16h
Dia 6 (domingo) às 20h

A Encantadora de Baleias (Nova Zelândia)
Dia 10 (quinta) às 20h
Dia 12 (sábado) às 20h
Dia 13 (domingo) às 16h

Spider (Canadá)
Dia 11 (sexta) às 20h
Dia 12 (sábado) às 16h
Dia 13 (domingo) às 20h

As Bicicletas de Belleville (França)
Dia 17 (quinta) às 20h
Dia 19 (sábado) às 20h
Dia 20 (domingo) às 16h

Adanggaman (Costa do Marfim)
Dia 18 (sexta) às 20h
Dia 19 (sábado) às16h
Dia 20 (domingo) às 16h

Histórias Mínimas (Argentina)
Dia 24 (quinta) às 20h
Dia 26 (sábado) às 20h
Dia 27 (domingo) às 16h

Osama (Afeganistão)
Dia 25 (sexta) às 20h
Dia 26 (sábado) às 16h
Dia 27 (domingo) às 20h

terça-feira, 25 de janeiro de 2005

< maçã venenosa >

PUTA DISCO, FALÁ PROCÊIS. A FIONA APPLE É TIPO UMA SYLVIA PLATH DA MÚSICA POP, UMA CLARICE LISPECTOR COM 20 e POUCOS ANOS SENTADA AO PIANO, UMA VIRGINIA WOOLF CANTAROLANTE.

FIONA APPLE
"Paper Bag"

I was staring at the sky, just looking for a star
To pray on, or wish on, or something like that
I was having a sweet fix of a daydream of a boy
Whose reality I knew, was a hopeless to be had

But then the dove of hope began its downward slope
And I believed for a moment that my chances
Were approaching to be grabbed
But as it came down near, so did a weary tear
I thought it was a bird, but it was just a paper bag

Hunger hurts, and I want him so bad, oh it kills
Cause I know I'm a mess he don't wanna clean up
I got to fold 'cause these hands are too shaky to hold
Hunger hurts, but starving works, when it costs too much to love

And I went crazy again today, looking for a strand to climb
Looking for a little hope
Baby said he couldn't stay, wouldn't put his lips to mine,
And a fail to kiss is a fail to cope

I said, 'Honey, I don't feel so good, don't feel justified
Come on put a little love here in my void,'
He said 'It's all in your head,' and I said, 'So's everything'
But he didn't get it.
I thought he was a man but he was just a little boy.

Hunger hurts, and I want him so bad, oh it kills
'Cause I know I'm a mess he don't wanna clean up
I got to fold 'cause these hands are too shaky to hold
Hunger hurts, but starving works, when it costs too much to love

sexta-feira, 21 de janeiro de 2005

< resenha fresca saindo... >


P A T R I C K S U S K I N D
"A P o m b a "

"Se a gente ficasse a observar DE FORA os atos de Jonathan Noel durante o dia em que ele é acompanhado pelo narrador de "A Pomba", veríamos um homem a cometer uma série de banalidades e esquisitices aparentemente insignificantes (...). Após tudo isso, diz para si mesmo (e não tá de brincadeira!): "Amanhã eu me mato!".

Nenhuma verdadeira tragédia aconteceu nesse dia; nada de visível o atormentou, pessoa alguma o ofendeu ou atacou, nenhuma notícia inesperada recebeu, nenhuma doença descobriu... E ainda assim, algo de trágico está a se desenrolar nas entranhas de Jonathan Noel e ninguém está notando. Seria preciso adentrar na arca fechada de sua mente para descobrir como é que pode alguém decidir-se ao suicídio após um dia tão banal e tão pouco dramático. Patrick Suskind fará então uma magistral viagem pela subjetividade desse personagem em busca das confusões interiores que poderiam explicar o que as circunstâncias exteriores não são capazes de elucidar.

O mais óbvio a se dizer sobre Jonathan Noel é que ele é um sujeito que adora "fazer tempestade em copo d'água". Vê problemas insoluvelmente aporrinhantes onde há só um pequeno empecilho, vê barreiras intransponíveis onde só há uma pedrinha miserável que pode-se muito bem chutar do caminho, vê perigos demoníacos onde tudo está seguro... É um pessimista patológico. Paranóico até a doença, exagera enormemente a importância dos acontecimentos que lhe ocorrem e sempre espera pelo pior. . .
QUERO LER O TEXTO TODO!

< LIVRADA! >

TABLE OF CONTENTS:
(tradução simultânea: MESA DOS CONTENTES)

três resenhas velhas dos tempos watchtower, pra inaugurar a seção LIVROS aí em cima. A única novidade é o parágrafo inicial do texto sobre o Vonnegut, que substituiu o antigo, que eu achei que tava meio datado. (Se você não está vendo um menu aí em cima, está acessando o site pelo endereço errado. O certo é: DLM.CJB.NET.)

1) HENFIL NA CHINA (ANTES DA COCA-COLA): "Meses atrás, meu tio Ênio m'emprestô sua velha coleção d'O FRADIM (que por sinal nunca me dei ao trabalho de devolver), o clássico quadrinho mensal que Henfil publicava nos anos 70 sob os olhares desaprovadores dos generais e coronéis do Palácio do Planalto. Só então conheci todo o brilhantismo na caricatura, na crítica social e no humor inteligente e combativo que ficava marcado em tudo que Henfil criava. Infelizmente morto muito cedo, aos 44, vitimado pela mesma hemofilia que levou seu irmão Betinho para o túmulo, o cara, ainda assim, deixou um legado que merece ser explorado, não somente como um dos homens dos quadrinhos mais trimmassa que o Brasil já viu surgir, mas também como um surpreendentemente excepcional escritor de livros-reportagens.

É justamente isso que é esse HENFIL NA CHINA. Fernando Morais se mandou pra Cuba e Henfil se mandou pra China: resultaram dessas viagens dois excelentes livros reportagens sobre a experiência comunista vista sob a ótica de um brasilêro. Mas a semelhança entre os livros pára por aí: o que 'A Ilha' tem de preciso, de comedido, de objetivo e de conciso, 'Henfil na China' tem de debochado, de impetuoso, de subjetivo. Meio sem querer, acho eu, Henfil acabou por fazer um livro GONZO que subverte todos os dogmas jornalísticos tradicionais: se mete a empilhar detalhes que muito editor iria rasurar por sua "superfluidade", se manda a dar suas opiniões pessoais e a dar vazão à sua rabugice, e acaba até por confessar todas os pequenos incômodos que afligem um repórter humano. Que Manual Prático dos Livros Reportagens iria recomendar, por exemplo, que o repórter confesse a seu leitor que, devido à vontade de evacuar, não conseguiu prestar atenção ao que estava acontecendo? E que repórter é mais afudê do que aquele que caga em cima dos manuais práticos e confessa que seu relato ficará com uma lacuna causada pela imprevisível moléstia intestinal?"
QUERO LER O TEXTO TODO!

* * * * * *

2) JEAN-PAUL SARTRE - "As Palavras": "Não é exatamente uma obra de filosofia, mas um caderno de memórias escritas por um velho a respeito de sua infância. Sartre observa tudo com olhos de filósofo e de homem muito experenciado, debruça-se sobre o tempo perdido, num exercício proustiano. Ao espremer suas memórias, produz suculentas meditações a respeito dos universos paralelos possibilitados pela leitura, das alegrias e angústias da criação artística, dos sentimentos e ambições secretas que movem o artista, além de devaneios sobre temas caros ao existencialismo. Filosofia auto-biográfica. Por que não? Quem foi que disse que não se pode filosofar na primeira pessoa do singular? Montaigne não fazia outra coisa - e é difícil alguém contestar seriamente sua grandeza e profundidade. Lições de modéstia: filósofos que, ao invés de terem a pretensão de publicar verdades universais, falam sinceramente sobre suas "verdades subjetivas" e não procuram nos convencer de que o que ocorreu com as vidas deles tem, necessariamente, que se passar em todas as vidas. Sartre, ele mesmo, é o principal assunto em As Palavras." QUERO LER O TEXTO TODO!

* * * * * *

3) KURT VONNEGUT JR. - "Revolução no Futuro" (Player's Piano): "Kurt Vonnegut Jr. costuma ser classificado como um escritor de ficção científica, coisa que pode contribuir para que alguns o vejam com um preconceituoso desprezo por fazer parte desse "gênero menor" dentro da literatura. Gente como Philip K. Dick (Blade Runner), Ray Bradbury (Farenheit 451) e Stanislaw Lem (Solaris) já mostraram antes que a ficção científica pode atingir grandes profundidades de pensamento, muito além dos enredos fantásticos criados unicamente com fins entretivos, mas há ainda muitos que insistem em não levar a sério esse gênero boboca e vulgar que - é o que se diz - só sabe pensar em aliens verdinhos com armas lases digladiando contra os humanos em enredos absurdos... Vonnegut, de fato, tem o costume de povoar seus livros com entidades ou circunstâncias objetivamente absurdas, incluindo alienígenas esquisitões e naves espaciais (no Matadouro Número 5, por exemplo) e mega-corporações monopolistas que controlam como um Deus toda uma sociedade (a RAMJAC de Um Pássaro na Gaiola...), mas no fundo sua literatura é profundamente política. A imaginação de sociedades imaginárias de um futuro distante ou a inclusão de fábulas com aliens é somente um meio para o cara expressar sua opinião e sua revolta políticas. No Matadouro Número Cinco, por exemplo, Kurt criou uma novela desencanada e bizarra onde, por detrás do enredo propriamente sci-fi, procurava descrever o ataque aliado à cidade de Dresden, Alemanha, na Segunda Guerra Mundial, e as sequelas psíquicas causadas na mente de um dos sobreviventes. Vonnegut, aliás, estava preso pelos alemães na cidade e presenciou o ataque, tendo sido um dos que sobreviveram ao massacre que tomou 135.000 vidas (foi pior que Hiroshima...).

Em Player's Piano, seu primeiro livro e o meu predileto entre todos dele que já li, Vonnegut cria uma monumental distopia futurística onde o homem comum, num mundo maquinizado ao extremo, está reduzido a uma artigo supérfluo. Acho que essa obra é bastante subestimada: pra mim, é um romance à altura de um "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, ou de um "1984", de George Orwell."
QUERO LER O TEXTO TODO!

quarta-feira, 12 de janeiro de 2005

< da série: SENHOR INTERROGUINHO... >

- acho que isso inaugura a seção FILOSOFAGENS, mas sei lá se isso aí é mesmo filosofia ou simplesmente o ato de ficar perguntando, perguntando e perguntando sem nunca achar resposta... Enfim, fazer os outros duvidarem comigo talvez seja tão útil quanto tentar responder. A coisa mais estranha que existe no mundo é que as pessoas não acham nada estranho. -

SOBRE A ESTRANHICE DE NASCER


“Quando considero a pequena duração da minha vida, absorvida na eternidade precedente e seguinte, o pequeno espaço que ocupo e, mesmo, que vejo, abismado na infinita imensidão dos espaços que ignoro e que me ignoram, eu me assusto e me espanto ao me ver aqui, e não ali, porque não há razão nenhuma de ser aqui e não ali, de ser agora e não então. Quem me pôs aqui? Por ordem e conduta de quem este lugar e este tempo foram destinados a mim?” PASCAL


Por que eu sou eu? Por que qualquer pessoa é ela mesma?

Essa pergunta tem me apoquentado muito. O incrível é que não encontro em livro algum, em pensador algum, em psicólogo algum, nenhuma tentativa de responder a pergunta da maneira como eu a coloco, e acabo, como sempre, com mais uma pergunta irrespondida, eu que sempre tive mais problemas que soluções e mais dúvidas do que certezas... Claro que há teorias explicando como se forma a personalidade, mas não estou perguntando por que tenho a personalidade que tenho. Estou perguntando por que eu sou eu e não um outro. São coisas diferentes. Para explicar a gênese da personalidade, pode-se recorrer à herança genética, à influência do ambiente, ao condicionamento da cultura via ideologias e mitologias, à educação recebida, à experiência de vida do indivíduo, às memórias e às aspirações, aos valores possuídos, etc. etc. etc. Posso explicar razoavelmente bem que sou quem sou dizendo que isso se deve à família que tenho, à educação que recebi, ao momento histórico onde vivo, à ideologia com a qual me bombardearam, às experiências pelas quais passei etc. Se eu tivesse nascido na Idade Média, ou se tivesse sido filho de terroristas muçulmanos, ou se fosse um somaliano raquítico morrendo de fome, eu seria certamente outro.

Mas a pergunta que me faço não diz respeito à formação da personalidade. Mas sim... como explicar por que nasci nessa família em particular, nesse momento histórico, com essa cara, com esse corpo, nesse lugar...? Não dá pra entender porque nasci quando nasci, e onde nasci, e dos pais que nasci. É absolutamente incompreensível. Por quê Brasil, 1984, e não qualquer outro lugar e tempo? Por quê não nasci no tempo de Cristo, no de Sócrates, no de Hitler, no de Agostinho? Por quê não sou francês, alemão, argentino, somaliano? Por que meus pais não são negros, índios, loucos, muçulmanos? E, mais geralmente, por que sou um homem e não um macaco, um leão, uma víbora, uma pulga? E (vamos até o fundo!) por que existo ao invés de não existir? Por que nasci ao invés de nunca ter nascido? Acho muitíssimo estranho - absolutamente absurdo, na verdade - isso de eu ter nascido no ano 1984. É um número muito grande! Isso quer dizer que muito tempo se passou antes que eu viesse a nascer. Bilhões e bilhões de bichos andaram pela Terra e viveram e se reproduziram e morreram e apodreceram antes de 1984, e eu não estava por aqui. Por que então surgi? O mundo seguiria muito bem se eu nunca tivesse surgido. Não sou exatamente uma existência fundamental para o Cosmos. Não, isso não sou mesmo.

E sei bem que não foram somente 1984 anos transcorridos antes do meu nascimento, mas infinitamente mais, milhões, bilhões, trilhões de anos... E onde estava eu durante esse período anterior ao meu nascimento? Pergunta estranhíssima! Mas se eu não existia... Incompreensível isso: esperar trilhões de anos, lá "dentro do nada" (estou louco mesmo... foi isso que eu disse: LÁ DENTRO DO NADA!), para enfim, num dia qualquer, finalmente nascer. Por quê nasci? Se morei tanto tempo dentro do nada, por que não poderia lá permanecer eternamente? Eu não reclamaria. Quem iria reclamar, se eu não existiria?

Mas o fato é que nasci. Não pedi pra nascer, não escolhi o momento histórico dentro do qual eu deveria ser inserido, nem o local do Terra onde seria jogado, nem muito menos as pessoas que me deram a vida e que daí em diante comecei a chamar de meus pais, nem que tipo de animal ou coisa eu seria, mas o fato é que assim, indesejadamente, estranhamente, absurdamente, nasci, em 1984 depois de Cristo, ser humano, brasileiro, filho de um João e de uma Mara. Coisa muito estranha.

Ah, como seria fácil recorrer ao eterno estratagema humano para a fácil resolução dos problemas, o bom e velho Deus! Poderia me dizer que nasci onde, quando e como nasci pois "assim quis o bom Deus", assim estava escrito "lá em cima"... Ou que minha alma já penetrou em muitos corpos antes deste que agora ocupa, e que muitas mortes já morri, e que já transmigrei para diversos organismos diferentes, e assim continuarei quando esse corpo onde agora estou encarcerado finalmente morrer... Mas não posso. Não tenho fé, que posso fazer? Ao deixar de crer em Deus transformei minha existência em algo absolutamente incompreensível pra mim mesmo?

E mais: será verdade que eu tenha morado dentro do nada durante todo o tempo anterior ao meu nascimento? Existe o nada? Mas se o nada é algo que existe, como pode ser nada? Não terei existido antes, sob outras formas? Não terei sido, talvez, uma pulga nas cuecas de Platão, um carneiro no rebanho de Jesus, uma chama nas fogueiras da Inquisição, um verme no caixão de John Lennon, até finalmente me tornar num insignificante brasileiro que nada entende da vida? Afinal, o que é que me impede de ter sido realmente uma pulga no passado? Se eu não estava ocupado sendo aquilo que sou hoje, estava livre para gastar meu tempo sendo outras coisas. Assim me parece. Posso ter sido outras pessoas? Eu posso ter sido um outro, que depois de aniquilado pela morte, virou outro, sem lembrar-se do que foi? Mas se eu era outro, como poderia ele ser eu?

Que não se enganem: não acredito em alma, em transmigração, em reencarnação, essas invenções humanas criadas pro nosso consolo e para o respondimento das perguntas que não podem ser respondidas pela razão... Sigo materialista: creio que eu não passo de um amontoado de carne, ossos, vísceras, sangue, tecidos, tripas, miolos, pêlos, líquidos - não passo de um amontoado de matéria. Não nego ter pensamentos, sonhos, desejos, devaneios, imaginações e sentimentos, mas não acho que isso seja causado por nenhuma substância imaterial e imortal, nenhuma alma, mas que seja tudo resultado, efeito, consequência da matéria. Isso não resolve nada. Uma pulga também é um amontoado de matéria. Por que sou esse amontoado X e não aquele amontoado Y?

Sem dúvida alguma, ter nascido foi a coisa mais esquisita que já me aconteceu.

domingo, 2 de janeiro de 2005

< férias! >

esse blog tá de férias até dia 10 de janeiro. vô viajá. dia 10 vorto ao glorioso estabelecimento domiciliar estudantil BUÇALOUCA Corporation e à amaldiçoada UNESP - Bauru para as aulas escaldantes e insuportáveis de janeiro. té!

sábado, 1 de janeiro de 2005

< OTIMISMO DE CU É ROLA... >

(um quadro de LUIS BADOSA, "Homenagem a Fernando Pessoa")
Ah, esse ar de otimismo nos começos de ano é tão fedorento! Nada como um pouco de niilismo para perfumar o ambiente e nos fazer cair na real:

"Nada fica de nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese
Da humilde terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.

Leis feitas, estátuas vistas, odes findas -
Tudo tem cova sua. Se nós, carnes
A que um íntimo sol dá sangue, temos
Poente, por que não elas?
Somos contos contando contos, nada."

RICARDO REIS.

< TOWNSHEND CONTRA COBAIN... >

TRETA BRABA

VS.


PETE TOWNSHEND, o lendário guitarrista e vocalista do THE WHO, recentemente preso por posse de pornografia infantil, escreveu um artigo muito interessante e polêmico pro THE OBSERVER comentando o lançamento dos ‘Journals’ (Diários) de Kurt Cobain. De certa maneira, trata-se de uma resposta de Pete a uma frase que Kurt rabiscou em seu diário: “Espero morrer antes de me tornar Pete Townshend”, onde Cobain deixava explícita sua desaprovação ao que ele supunha ser um exemplo supremo dum roqueiro outrora grande e genioso que havia se rendido a uma lenta decadência em público. Pelo menos três trechos do texto são dignos de nota.

1) Quando Pete se pergunta sobre o porquê do ódio de Cobain contra ele: “Why? Because I had become a bore? Because I had failed to die young? Because I had become conventional? Or, simply because I had become old? In fact, in the early Nineties, when Kurt was struggling with himself over whether or not to do an interview with Rolling Stone magazine, I was not boring, neither old nor young, and I was not dead. I was, unlike Cobain, hardened. Tempered, beaten and subjugated by all that rock had delivered to me and via me over 30 years. Rock is, I think, particularly hard. And in this statement Cobain appears to be hard on me. But perhaps he is sad for me?”

2) Quando Pete descreve o diário com as seguintes palavras: “scribblings of a crazed and depressed drug-addict in the midst of what those of us who have been through drug rehab describe as 'stinking thinking'. That is, the resentful, childish, petulant and selfish desire to accuse, blame and berate the world for all its wrongs, to wish to escape, or overcome and, finally, to take no responsibility for any part of the ultimate downfall. Me? An expert? Of course. Been there, done that. Back to the academy”.

3) Quando Pete se surpreende que as pessoas ao redor de Cobain, estando claramente frente à uma pessoa doente, depravada, perdida, caindo pelo abismo, não fizeram os esforços necessários e eficazes para retira-lo do buraco: “It is terrible that someone so obviously sick, so mentally deranged, so angry and unstable, should not have been helped further and beyond his wonderful work with his band. It might be that those around him will maintain that these scribblings were private and that at other times he kept such strange outpourings to himself. But if that is the case, I wonder at the result of publishing them now. It has the effect of unfairly accusing everyone around him of ostrich-like denial or ignorance.”

Alguns comentários: 1) Kurt Cobain parecia ver com um horror extremo a idéia de envelhecer e se tornar um quarentão babaca. Claro que sua obsessão com as doutrinas do punk rock ortodoxo também auxiliaram seu fanático apego à idéia de juventude. O LIVE FAST, DIE YOUNG estaria certamente inscrito nos 10 MANDAMENTOS PUNK – se os punks não estivessem cagando para mandamentos, ao menos em aparência. Para Cobain, como ele deixou bem claro na famosa frase de Neil Young que citou na carta de suicídio, “is better to burn out than to fade away”. E que era Pete Townshend, aos olhos de Kurt, senão um cara que tava fading away? Oh, o grande Pete Townshend, o cara famoso por estraçalhar com guitarras em performances ao-vivo que estão entre as mais incendiárias da história mítica do rock and roll, havia se transformado num comportado senhor de meia idade! Quer crime maior?

Aliás, qualquer um que tiver analisado seriamente as letras, os escritos, as declarações e as pinturas de Kurt Cobain percebe muito bem o que Pete Townshend quer dizer com STINKING THINKING. A mente do sujeito, talvez pelo excesso de William Burroughs que ele engoliu, certamente pela abundância de heroína que ele enfiava nas veias, era um verdadeiro caos. Kurt Cobain tinha um gosto perverso por tudo o que fosse ofensivo, chocante, avassalador, bizarro, nojento. Não dá pra considerar que sua arte tem uma finalidade estética como a maioria da arte que conhecemos – não é a Beleza que ele tenta criar, não são Boas Sensações que ele tenta nos comunicar. Sua arte é uma agressão sistemática, uma terapia do choque, um pegar-de-armas e um fuzilamento do público. Quando Breton queria fazer do surrealismo uma arte que descesse para o meio da multidão, de metralhadora em punhos, para disparar sobre o maior número possível de vítimas, estava pretendendo fazer literariamente algo que só a música pop é capaz de fazer – com seu alcance popular gigantesco. Foi o que Kurt Cobain fez, sem querer ser discípulo de Breton.

* * * * *

Uma coisa muito cômica se deu quando Kurt Cobain foi se encontrar com seu grande ídolo William Burroughs, mais conhecido como o escritor mais depravado e doentio da história da literatura universal. "There's something wrong with that boy...", disse Bill. "He frowns for no good reason". E se William Burroughs, um sujeito que é bem errado, diz que algo está errado com alguém, putaqueopariu...

* * * * *

Saiu recentemente, após muita demora, a prometidíssima caixinha "WITH THE LIGHTS OUT", com 3 CDs cheios de material inédito, lados B e tosquices do Nirvana. Já baixei as MP3s, resenha logo logo. Os "Journals" já foram lançados nos EUA, mas não estou sabendo de uma edição nacional, que muito provavelmente não tarda por se tratar de coisa rentável... Não há nenhum livro que eu esteja com tanta vontade de ler do que esse.

* * * *

MATÉRIA BOA NA SLATE.