sábado, 1 de janeiro de 2005

< TOWNSHEND CONTRA COBAIN... >

TRETA BRABA

VS.


PETE TOWNSHEND, o lendário guitarrista e vocalista do THE WHO, recentemente preso por posse de pornografia infantil, escreveu um artigo muito interessante e polêmico pro THE OBSERVER comentando o lançamento dos ‘Journals’ (Diários) de Kurt Cobain. De certa maneira, trata-se de uma resposta de Pete a uma frase que Kurt rabiscou em seu diário: “Espero morrer antes de me tornar Pete Townshend”, onde Cobain deixava explícita sua desaprovação ao que ele supunha ser um exemplo supremo dum roqueiro outrora grande e genioso que havia se rendido a uma lenta decadência em público. Pelo menos três trechos do texto são dignos de nota.

1) Quando Pete se pergunta sobre o porquê do ódio de Cobain contra ele: “Why? Because I had become a bore? Because I had failed to die young? Because I had become conventional? Or, simply because I had become old? In fact, in the early Nineties, when Kurt was struggling with himself over whether or not to do an interview with Rolling Stone magazine, I was not boring, neither old nor young, and I was not dead. I was, unlike Cobain, hardened. Tempered, beaten and subjugated by all that rock had delivered to me and via me over 30 years. Rock is, I think, particularly hard. And in this statement Cobain appears to be hard on me. But perhaps he is sad for me?”

2) Quando Pete descreve o diário com as seguintes palavras: “scribblings of a crazed and depressed drug-addict in the midst of what those of us who have been through drug rehab describe as 'stinking thinking'. That is, the resentful, childish, petulant and selfish desire to accuse, blame and berate the world for all its wrongs, to wish to escape, or overcome and, finally, to take no responsibility for any part of the ultimate downfall. Me? An expert? Of course. Been there, done that. Back to the academy”.

3) Quando Pete se surpreende que as pessoas ao redor de Cobain, estando claramente frente à uma pessoa doente, depravada, perdida, caindo pelo abismo, não fizeram os esforços necessários e eficazes para retira-lo do buraco: “It is terrible that someone so obviously sick, so mentally deranged, so angry and unstable, should not have been helped further and beyond his wonderful work with his band. It might be that those around him will maintain that these scribblings were private and that at other times he kept such strange outpourings to himself. But if that is the case, I wonder at the result of publishing them now. It has the effect of unfairly accusing everyone around him of ostrich-like denial or ignorance.”

Alguns comentários: 1) Kurt Cobain parecia ver com um horror extremo a idéia de envelhecer e se tornar um quarentão babaca. Claro que sua obsessão com as doutrinas do punk rock ortodoxo também auxiliaram seu fanático apego à idéia de juventude. O LIVE FAST, DIE YOUNG estaria certamente inscrito nos 10 MANDAMENTOS PUNK – se os punks não estivessem cagando para mandamentos, ao menos em aparência. Para Cobain, como ele deixou bem claro na famosa frase de Neil Young que citou na carta de suicídio, “is better to burn out than to fade away”. E que era Pete Townshend, aos olhos de Kurt, senão um cara que tava fading away? Oh, o grande Pete Townshend, o cara famoso por estraçalhar com guitarras em performances ao-vivo que estão entre as mais incendiárias da história mítica do rock and roll, havia se transformado num comportado senhor de meia idade! Quer crime maior?

Aliás, qualquer um que tiver analisado seriamente as letras, os escritos, as declarações e as pinturas de Kurt Cobain percebe muito bem o que Pete Townshend quer dizer com STINKING THINKING. A mente do sujeito, talvez pelo excesso de William Burroughs que ele engoliu, certamente pela abundância de heroína que ele enfiava nas veias, era um verdadeiro caos. Kurt Cobain tinha um gosto perverso por tudo o que fosse ofensivo, chocante, avassalador, bizarro, nojento. Não dá pra considerar que sua arte tem uma finalidade estética como a maioria da arte que conhecemos – não é a Beleza que ele tenta criar, não são Boas Sensações que ele tenta nos comunicar. Sua arte é uma agressão sistemática, uma terapia do choque, um pegar-de-armas e um fuzilamento do público. Quando Breton queria fazer do surrealismo uma arte que descesse para o meio da multidão, de metralhadora em punhos, para disparar sobre o maior número possível de vítimas, estava pretendendo fazer literariamente algo que só a música pop é capaz de fazer – com seu alcance popular gigantesco. Foi o que Kurt Cobain fez, sem querer ser discípulo de Breton.

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Uma coisa muito cômica se deu quando Kurt Cobain foi se encontrar com seu grande ídolo William Burroughs, mais conhecido como o escritor mais depravado e doentio da história da literatura universal. "There's something wrong with that boy...", disse Bill. "He frowns for no good reason". E se William Burroughs, um sujeito que é bem errado, diz que algo está errado com alguém, putaqueopariu...

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Saiu recentemente, após muita demora, a prometidíssima caixinha "WITH THE LIGHTS OUT", com 3 CDs cheios de material inédito, lados B e tosquices do Nirvana. Já baixei as MP3s, resenha logo logo. Os "Journals" já foram lançados nos EUA, mas não estou sabendo de uma edição nacional, que muito provavelmente não tarda por se tratar de coisa rentável... Não há nenhum livro que eu esteja com tanta vontade de ler do que esse.

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MATÉRIA BOA NA SLATE.