sexta-feira, 21 de janeiro de 2005

< LIVRADA! >

TABLE OF CONTENTS:
(tradução simultânea: MESA DOS CONTENTES)

três resenhas velhas dos tempos watchtower, pra inaugurar a seção LIVROS aí em cima. A única novidade é o parágrafo inicial do texto sobre o Vonnegut, que substituiu o antigo, que eu achei que tava meio datado. (Se você não está vendo um menu aí em cima, está acessando o site pelo endereço errado. O certo é: DLM.CJB.NET.)

1) HENFIL NA CHINA (ANTES DA COCA-COLA): "Meses atrás, meu tio Ênio m'emprestô sua velha coleção d'O FRADIM (que por sinal nunca me dei ao trabalho de devolver), o clássico quadrinho mensal que Henfil publicava nos anos 70 sob os olhares desaprovadores dos generais e coronéis do Palácio do Planalto. Só então conheci todo o brilhantismo na caricatura, na crítica social e no humor inteligente e combativo que ficava marcado em tudo que Henfil criava. Infelizmente morto muito cedo, aos 44, vitimado pela mesma hemofilia que levou seu irmão Betinho para o túmulo, o cara, ainda assim, deixou um legado que merece ser explorado, não somente como um dos homens dos quadrinhos mais trimmassa que o Brasil já viu surgir, mas também como um surpreendentemente excepcional escritor de livros-reportagens.

É justamente isso que é esse HENFIL NA CHINA. Fernando Morais se mandou pra Cuba e Henfil se mandou pra China: resultaram dessas viagens dois excelentes livros reportagens sobre a experiência comunista vista sob a ótica de um brasilêro. Mas a semelhança entre os livros pára por aí: o que 'A Ilha' tem de preciso, de comedido, de objetivo e de conciso, 'Henfil na China' tem de debochado, de impetuoso, de subjetivo. Meio sem querer, acho eu, Henfil acabou por fazer um livro GONZO que subverte todos os dogmas jornalísticos tradicionais: se mete a empilhar detalhes que muito editor iria rasurar por sua "superfluidade", se manda a dar suas opiniões pessoais e a dar vazão à sua rabugice, e acaba até por confessar todas os pequenos incômodos que afligem um repórter humano. Que Manual Prático dos Livros Reportagens iria recomendar, por exemplo, que o repórter confesse a seu leitor que, devido à vontade de evacuar, não conseguiu prestar atenção ao que estava acontecendo? E que repórter é mais afudê do que aquele que caga em cima dos manuais práticos e confessa que seu relato ficará com uma lacuna causada pela imprevisível moléstia intestinal?"
QUERO LER O TEXTO TODO!

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2) JEAN-PAUL SARTRE - "As Palavras": "Não é exatamente uma obra de filosofia, mas um caderno de memórias escritas por um velho a respeito de sua infância. Sartre observa tudo com olhos de filósofo e de homem muito experenciado, debruça-se sobre o tempo perdido, num exercício proustiano. Ao espremer suas memórias, produz suculentas meditações a respeito dos universos paralelos possibilitados pela leitura, das alegrias e angústias da criação artística, dos sentimentos e ambições secretas que movem o artista, além de devaneios sobre temas caros ao existencialismo. Filosofia auto-biográfica. Por que não? Quem foi que disse que não se pode filosofar na primeira pessoa do singular? Montaigne não fazia outra coisa - e é difícil alguém contestar seriamente sua grandeza e profundidade. Lições de modéstia: filósofos que, ao invés de terem a pretensão de publicar verdades universais, falam sinceramente sobre suas "verdades subjetivas" e não procuram nos convencer de que o que ocorreu com as vidas deles tem, necessariamente, que se passar em todas as vidas. Sartre, ele mesmo, é o principal assunto em As Palavras." QUERO LER O TEXTO TODO!

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3) KURT VONNEGUT JR. - "Revolução no Futuro" (Player's Piano): "Kurt Vonnegut Jr. costuma ser classificado como um escritor de ficção científica, coisa que pode contribuir para que alguns o vejam com um preconceituoso desprezo por fazer parte desse "gênero menor" dentro da literatura. Gente como Philip K. Dick (Blade Runner), Ray Bradbury (Farenheit 451) e Stanislaw Lem (Solaris) já mostraram antes que a ficção científica pode atingir grandes profundidades de pensamento, muito além dos enredos fantásticos criados unicamente com fins entretivos, mas há ainda muitos que insistem em não levar a sério esse gênero boboca e vulgar que - é o que se diz - só sabe pensar em aliens verdinhos com armas lases digladiando contra os humanos em enredos absurdos... Vonnegut, de fato, tem o costume de povoar seus livros com entidades ou circunstâncias objetivamente absurdas, incluindo alienígenas esquisitões e naves espaciais (no Matadouro Número 5, por exemplo) e mega-corporações monopolistas que controlam como um Deus toda uma sociedade (a RAMJAC de Um Pássaro na Gaiola...), mas no fundo sua literatura é profundamente política. A imaginação de sociedades imaginárias de um futuro distante ou a inclusão de fábulas com aliens é somente um meio para o cara expressar sua opinião e sua revolta políticas. No Matadouro Número Cinco, por exemplo, Kurt criou uma novela desencanada e bizarra onde, por detrás do enredo propriamente sci-fi, procurava descrever o ataque aliado à cidade de Dresden, Alemanha, na Segunda Guerra Mundial, e as sequelas psíquicas causadas na mente de um dos sobreviventes. Vonnegut, aliás, estava preso pelos alemães na cidade e presenciou o ataque, tendo sido um dos que sobreviveram ao massacre que tomou 135.000 vidas (foi pior que Hiroshima...).

Em Player's Piano, seu primeiro livro e o meu predileto entre todos dele que já li, Vonnegut cria uma monumental distopia futurística onde o homem comum, num mundo maquinizado ao extremo, está reduzido a uma artigo supérfluo. Acho que essa obra é bastante subestimada: pra mim, é um romance à altura de um "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, ou de um "1984", de George Orwell."
QUERO LER O TEXTO TODO!