sábado, 30 de junho de 2007

:: ...dreams mocked to death by time... ::

"Ships at a distance have every man's wish on board. For some they come in with the tide. For others they sail forever on the horizon, never out of sight, never landing, until the watcher turns his eyes away in resignation, his dreams mocked to death by time. That is the life of men."

[ zora neale hurston - citada no 1o filme do spike lee]

(My dreams, they sail forever on the horizon... :/)

sábado, 23 de junho de 2007

:: let's sail to the moon, baby ::


QUERER A LUA
ou
I'VE GOT A HEAD WITH WINGS



"O mal todo do romantismo é a confusão entre o que nos é preciso e o que desejamos. Todos nós precisamos das coisas indispensáveis à vida, à sua conservação e ao seu continuamento; todos nós desejamos uma vida mais perfeita, uma felicidade completa, a realidade dos nossos sonhos...

É humano querer o que nos é preciso, e é humano desejar o que não nos é preciso, mas é para nós desejável. O que é doentio é desejar com igual intensidade o que é preciso e o que é desejável, e sofrer por não ser perfeito como se se sofresse por não ter pão. O mal romântico é este: é querer a lua como se houvesse maneira de a obter.”



Eu já deveria ter aprendido, depois de tanto tombo e tanto choro, a ouvir o bom conselho: “olhe sempre para o chão onde pisa, meu filho, pra que veja toda pedra e buraco no caminho...” E de tanto andar por aí com a cabeça inclinada para o alto, tropeçando nos pedregulhos e sujando os tênis de lama, acabei acumulando pelo corpo essas cicatrizes e feridas... Ocupado demais cismando com planos de alçar vôo e decolar, ou perdido demais em devaneios, de amor ou de qualquer outra coisa, sempre enviava meus pés para um desagradável encontro súbito com um obstáculo ao chão, e lá me ia, voando, a me esborrachar no chão... E depois era aquela cachoeira de Mertiolate pra cima do joelho rasgado...

“...todos os atalhos do meu sonho vão dar a clareiras de angústia.”

Mas houve sim uma época em que tentei – tentei ser humilde e pequeno. Tentei me curar da praga da curiosidade e da mania má de sempre perguntar. Tentei parar de insistir em não entender nada – porque a verdade, não sei se algum dia contei a vocês, é que eu não entendo nada. Quis parar com isso. Abaixei minha cabeça, fitei o chão à frente dos meus passos e quis não querer saber dos outros mundos e do resto do universo, quis não sonhar com nada de melhor do que esse chiqueiro e esse pântano onde estou, quis aceitar a vida como ela vinha... Quis ser como um cãozinho, simples e sem segredos, que arrasta seu focinho no solo a vida inteira e só responde aos chamados básicos e fáceis de satisfazer: comida, fêmea, xixi, côco. Quis ser simples como essas tantas criaturas que se contentam com pouco - enquanto a mim o Universo inteiro não preenchia. Quis não precisar nem de Deus, nem de amor, nem de sentido... Quis não querer – mas não pude...

Quis ser como essa infinidade de criaturas terrenas que não ouvem nunca o chamado do Universo pra que ergam suas cabeças baixas e olhem, com os olhos arregalados de criança maravilhada com um espetáculo que não entende, para a enorme bizarrice onde estão afundadas. Quis ser como todos esses que nunca viram nem no Céu nem na Terra um imenso mistério que parece convidar, mesmo em seu silêncio imperturbável: “decifra-me!” Quis ser uma dessas espantosas criaturas que não se espantam com nada. Para elas tudo é normal e basta viver, deixando-se funcionar, como os relógios ou os motores se deixam funcionar. Eles, todos eles, que deixam a vida vivê-los ao invés de viverem a vida...

Quis ser como aqueles que parecem de nada precisar. Mesmo que não tenham amor, não sentem dele a falta, o anseio, a saudade... Mesmo não tendo a felicidade, se contentam com suas alegriazinhas miúdas e inconstantes, suas diversões insignificantes, suas humildes resignações a serem infelizes... Mesmo não tendo respostas, não se torturam com dúvidas tenebrosas, não colocam jamais em questão o sentido da vida e o nosso valor dentro do esquema das coisas - não cometem a tolice de se presentearem com perguntas sem resposta. Mesmo que vivam cada segundo rodeadas pelo Mistério, acham tudo absolutamente normal. E essa vida, esse mundo, e o fato de existir alguma coisa, e o fato de estarmos aqui, respirando e comendo, e de haverem sóis e estrelas, e galáxias e buracos negros, e o fato de termos nascido, e o fato de termos todos que morrer, não é tudo um imenso Mistério?...

Quis me acostumar ao mundo e ao viver, mas não consegui. Tudo isso é estranho de mais para que seja possível me acostumar. Continuo sem entender nada.

Quis também parar de imaginar outros mundos, mais encantadores, e outras vidas, mais felizes, e outros amanhãs, mais cantantes. Quis tacar pedras nas engrenagens da minha máquina produtora de sonhos para emperrá-la de vez... Porque eu oscilo entre ver na imaginação a maior das minhas aliadas e a mais terrível das minhas inimigas. Por um lado, é a imaginação aquilo que me permite experimentar imensas felicidades, e que não me parecem menos reais por serem imaginadas! Me invento um mundo só meu, onde sou rei e imperador, um universo confeccionado sob medida para atender a todos os meus desejos e necessidades, um filme onde tudo se desenrola de acordo com o script, um reino onde eu posso me divertir a brincar de Deus: fabrico tudo o que quero e preciso, crio, recrio e destruo ao meu bel-prazer. Meu crânio é o único local do Universo onde posso experimentar o sabor da Onipotência. Reconstruo o mundo como eu gostaria que ele fosse e faço ali o meu ninho, cheio de um calor e de um amor que no mundo não encontro, que pessoa alguma foi capaz de me dar – nem mesmo de tentar. Sinto dó de quem não sabe sonhar, não sabe estender os braços em direção ao Impossível, não sabe alçar vôo para longe deste mundo e fica aqui, prisioneiro do chão...

“Tenho mais pena dos que sonham o provável, o legítimo e o próximo, do que dos que devaneiam sobre o longínquo e o estranho. Os que sonham grandemente, ou são doidos e acreditam no que sonham e são felizes, ou são devaneadores simples, para quem o devaneio é uma música da alma, que os embala sem lhes dizer nada. Mas o que sonha o possível tem a possibilidade real da verdadeira desilusão. Não me pode pesar muito o ter deixado de ser imperador romano, mas pode doer-me o nunca ter sequer falado à costureira que, cerca das nove horas, volta sempre a esquina da direita. O sonho que nos promete o impossível já nisso nos priva dele, mas o sonho que nos promete o possível intromete-se com a própria vida e delega nela a sua solução. Um vive exclusivo e independente; o outro submisso das contingências do que acontece. Por isso amo as paisagens impossíveis e as grandes áreas desertas dos plainos onde nunca estarei.”

Mas, por outro lado, por vezes eu vejo que a Imaginação é como a cruz onde eu estou pregado, a pior inimiga que eu poderia ter, já que condena a Realidade, coitada, a sempre ter um certo gosto insosso, insatisfatório e decepcionante... Os maiores sonhadores são sempre os que estão mais expostos às grandes infelicidades: pois nunca se conformam por viverem em um mundo tão diferente daquele que desejam, que imaginam, que habitam, ao menos por momentos, quando se jogam de cabeça no Imaginário a ponto de até esquecerem que estão imaginando... E então me ocorre, frequentemente, reprovar as pessoas reais por serem terrivelmente decepcionantes quando contrapostas aos meu ideais, e xingar o mundo inteiro por ser a maior das frustrações comparado com aquele outro mundo que consigo me inventar...

“Os meus sonhos são um refúgio estúpido, como um guarda-chuva contra um raio.”

Talvez sonhar faça parte do viver, e talvez seja mesmo a melhor parte do viver, mas quem gostaria de viver sempre a sonhar? E sempre amar somente os próprios sonhos, e não a vida como é, o mundo como é e as pessoas como são? “Se a vida é decepcionante”, diria o Mestre, “talvez não seja culpa da vida, mas sim das esperanças que nela depositamos...”

Por enquanto, vivo só com o sonho de um dia deixar de sonhar, imaginando como seria poder amar esse mundo tão sem brilho e conseguir me afastar do parque de diversões da minha Imaginação...

Por enquanto, mesmo percebendo que para ser amado é preciso antes amar, e que para receber é preciso primeiro dar, me debato com o mistério de saber: como dar o que não tenho? Procuro achar a chave para entender como é possível isso: que amar seja dar o que não se tem...

Por enquanto, vivo nessa gangorra entre sonho e realidade, entre esperança e decepção, entre paixão e ódio, entre onipotência e completa indigência, entre a imensa necessidade de ser amado e a triste constatação de que amei em vão...

Sim, mamãe já me dizia: “ah, meu filho, traga de volta para a terra essa tua cabecinha alada! Deixe os planetas e os sóis para os astrônomos, as nuvens e os raios para os metereologistas, os deuses e os anjos para os teólogos, o mistério do universo e o sentido das coisas para os filósofos, as mulheres perfeitas para os poetas românticos, e fique, fique aqui, meu filho, fique aqui embaixo! Pois quem olha muito pro céu sempre acabada por tropeçar em pedras, cair em buracos e sujar os tênis de lama... Menino, você é criatura da terra: agarre-se à terra!”

E vocês acham que eu obedeci?!


(OBS: tudo em azulzinho saiu do Livro do Desassossego do F. Pessoa)

domingo, 17 de junho de 2007

:: dizei aos bombeiros que subam ao coração em chamas com um par de carícias ::


"Alô!
Quem fala?
Mamãe?
Mãe!
Teu filho está esplendidamente enfermo,
Tem um incêndio no coração.
Diz às manas Ludmila e Olga
que ele já não sabe pra onde ir.
Que cada palavra
até a mais leve graça
que lhe sai da boca ardente
salta como uma prostituta nua
fugindo de um bordel em chamas.

As gentes farejam:
- "Cheira a queimado!"
Chamaram a quem?
Brilham capacetes...
São inúteis essas botas gigantes...
Dizei aos bombeiros
que subam ao coração em chamas
com um par de carícias!
Eu mesmo
derramarei de meus olhos
tonéis de lágrimas.
Deixai que eu me apóie
em meu próprio peito.
Saltarei, saltarei, saltarei!
É inútil. Tudo desaba.
Jamais fugirás de teu próprio coração."

* * * * *

"...surpreendo o pulsar selvagem
do coração das capitais.

Desabotoado, o coração quase de fora,
abria-me ao sol e aos jatos d'água.
Entrai com vossas paixões!
Galgai-me com vossos amores!


Doravante não sou mais dono de meu coração!
Nos demais - eu sei,
qualquer um o sabe -
o coração tem domicílio
no peito.
Comigo
a anatomia ficou louca.
Sou todo coração -
em todas as partes palpita.

Oh! quantas são as primaveras
em vinte anos acesas nesta fornalha!"

* * * * *

"Amarra-me a um cometa,
como à cauda de um cavalo
e chicoteia!
Que meu corpo se estraçalhe
nos dentes das estrelas.
Ou então: quando minh'alma migratória
franzindo o cenho carrancudo
estiver diante de teu tribunal,
atira a Via-Láctea,
faz dela uma forca
e dependura-me se quiseres,
qual um criminoso.
Faze o que quiseres."

(MAIAKÓVSKI! - novo poeta do coração! comecei a ler há pouco, apesar de já ter ouvido falar faz muito... me atrasei no travar de relações mais íntimas com esse russo genial porque eu antes tinha preconceitos tolos: achava que era mera poesia de propaganda da Revolução Russa, que devia ser gelado como são quase todos os marxistas e livros de marxismo, que não tinha nada a ver comigo ler a poesia "engajada" de um comunista suicida, essas bobagens - mas caráculas, que grande descoberta e que grande poeta! Fazia tempo que não lia versos com tanta empolgação. Ler Maiakóvski me deixa sentindo como se eu estivesse colado a um cometa que está sendo chicoteado como um cavalo, ou como se eu pudesse ficar me esquentando com o calor dessas palavras saídas de um peito em chamas, ou como se eu também me sentisse incapaz de apontar em algum canto de mim o domicílio do coração - também aqui a anatomia entrou em pane, meu amigo, e eu... eu sou todo coração... :D)

sábado, 16 de junho de 2007

"Reconheço a felicidade pelo barulho que ela faz ao partir."
(jacques prévert)

sexta-feira, 15 de junho de 2007

:: she's my pride and joy ::


:: CASEY DIENEL ::
[ ENTREVISTA EXCLUSIVA ]

Tenho mais capítulos bacanas na minha novelinha com a Casey Dienel, aquela cantora, compositora e pianista americana por quem eu fui encantado faz tempo. Menina-prodígio do indie, a moça de 21 aninhos de idade lançou ano passado aquele que eu já considero um dos grandes álbuns de uma cantora-compositora nesta década - o doce, sublime e completamente adorável "Wind-Up Canary". O mais legal é que pela primeira vez estou tendo um contato mais íntimo com algum dos meus ídolos! E tô curtindo essa sensação de ser alguém pra ela, e não somente mais um anônimo no meio de uma multidão de fãs sem rosto...

A Casey tem a honra de ser minha primeira namorada imaginária americana (e eu já confessei a ela sobre os abusos que estou ousando aqui na minha imaginação com relação à ela...), minha primeira platonice internacional! (Uau, sou tão bom em amores platônicos que agora sou todo cosmopolita e tenho um crush pesadíssimo por essa talentosíssima estadunidense... O próximo passo é arranjar uma platonice com uma francesa - só não pode ser a Carla Bruni porque aí a concorrência é muito alta). Nem queria voltar a me derreter em elogios à Casey, porque isso já está se tornando monótono e enjoativo, mas as coisas que andaram acontecendo no nosso tórrido love affair só me deixam dizer que ela é uma das meninas mais doces, meigas, inteligentes e encantadoras desse mundo. Oh gosh, what a girl!

Cheguei do Rio e estava lá, me esperando na caixa de e-mails feito um presente debaixo da árvore de Natal, uma das coisas que eu mais curti receber em toda a história do meu relacionamento de anos com essa maravilha moderna que é o correio eletrônico. Desde que eu mandei pra Casey uma cartinha de amor, tempos atrás, nós começamos meio que a nos corresponder - e um tempo atrás eu tive a idéia brilhante de que ia ser bastante massa se ela me concedesse uma entrevista exclusiva. Surgiu como uma daquelas idéias que depois eu viro pra mim mesmo e me zôo: "larga de ser ridículo, Eduardo! Isso nunca vai acontecer!" Mas botei fé e, como anda acontecendo até com certa frequência na minha vida, ou pelo menos em certos setores dela, o ato de botar fé deu boa paga.

Fui lá e me fingi de gente importante: disse pra Casey, todo convencido e me fazendo de sério, que eu era um jornalista de muito renome e excelente reputação aqui na América Latina (que lorota!), que era o dono de um blog super bem-conceituado e respeitado (ká ká ká!), que era um dos manda-chuvas da Rabisco (que eu evidentemente apresentei a ela como sendo o supra-sumo do jornalismo cultural brasileiro e a mais fenomenal das revistas eletrônicas culturais do hemisfério sul!) E tive até a cara de pau de dizer que nós da revista estávamos muito interessados na música dela - usando o plural para que ela ficasse toda orgulhosa pensando que toda uma Instituição Jornalística Poderosa estava pagando mó pau para ela...

Aí, depois de dizer um monte de doçuras e elogios, de garantir que amava incondicionalmente o "Wind-Up Canary", que o tempo e as repetidas audições não tinham diminuído em nada o charme e o brilho do disco pra mim, disse que gostaríamos muito de fazer uma matéria sobre ela. Então perguntei, supliquei, implorei: será que a senhorita poderia nos conceder a honra suprema de uma entrevista?

E ela topou. Mal acreditei. Pensei que ela ia ignorar esse menino brasileiro bobo e mentiroso, que nunca foi ninguém e dessa vez se meteu a fingir ser um jornalista VIP - e pensei que ela nem ia ligar. Mas a Casey foi uma gracinha: se mostrou incrivelmente solícita e doce, demonstrando estar super alegre por eu ter gostado tanto da música dela ("i'm so glad you took such a shine to the songs!" foi a frase dela pra mim que mais marcou), se predispondo a responder qualquer questão que eu tivesse. Aí abusei e mandei um imenso questionário pra ela, misturando minha curiosidade pessoal como admirador com o meu interesse como jornalista... E as coisas que ela me mandou são incríveis. Nunca imaginei que ela fosse se dedicar tanto a essas respostas. Elas são respostas inteligentes, poéticas, instigantes, originais, reveladoras, divertidas, às vezes geniais. Modéstia à Marte, ficou uma entrevista de primeiríssima linha - mais por causa dela do que por minha causa, claro.

Depois disso minha admiração por essa garota só cresceu, até porque agora estamos quase "íntimos"! Preciso ainda editar a loonga entrevista e compor um texto introdutório, e depois ir lá ver com o povo da Rabisco se eles topam publicar, mas já deixo aqui minha (ai que orgulho!) Entrevista Exclusiva com miss Casey Dienel, pequena gênia da música americana:

Eu: Conta-se que você começou a tocar o piano com 4 anos de idade e já estava compondo canções e escrevendo letras quando tinha 10 aninhos – e é impressionante que você tenha lançado um álbum como “Wind-Up Canary” com vinte e poucos anos! Você foi considerada uma “criança especial” que desenvolveu incríveis talentos bem cedo na vida? E seus pais desempenharam um papel grande no sentido de te direcionar a aulas de música e coisas do tipo, ou foi seu próprio amor precoce pela música que te levou a começar a tocar tão jovem?

CASEY: Se eu fui uma “criança” especial, eu nunca fiquei sabendo! Mas eu de fato penso que eu fui uma espécie de “sabe-tudo”, apesar de meus pais terem criado a mim e à minha irmã para sermos bastante auto-depreciativas e humildes em relação a assuntos como arte. Mas eu definitivamente não era uma criança-prodígio, e, pior, sempre fui bastante tímida... Então eu não costumava falar muito sobre os meus interesses – eu achava que escrever canções era como qualquer outro tipo de ofício que a pessoa cultiva privativamente... Eu sempre fui um tanto reservada, misteriosa. Fui às aulas por minha própria vontade quando eu tinha 4 anos – e eu me sentia realmente atraída pelo piano e pelo violão, mas o violão era grande demais para uma menina de 4 anos! E desde então eu acho que eu sempre fui bastante auto-motivada sobre música, em parte porque eu estou fazendo música para mim mesma, e não tanto para o público... A parte do público é uma das últimas coisas que eu penso quando me ponho a fazer música.

E: Li sua confissão de que você cresceu com “o nariz enterrado nos livros” – e adivinho que foi daí que você retirou seu grande talento com as palavras... Acho que uma das grandes qualidades da sua música é o fato de ela possuir um “sabor literário” - eu posso considerá-la quase como “declamação de poesia”... Você diria que sente mais carinho pela literatura do que pela música? E quais dos grandes letristas você diria que admira mais? Você lê bastante poesia e tem alguns poetas favoritos que descreveria como inspiradores?

CASEY: Estas são questões bastante extensas! Eu acho que a literatura é a mais elevada das formas das belas artes, e, na minha opinião, a mais desafiadora de ganhar domínio sobre. Eu desde muito nutro uma profunda admiração pelo modo como as palavras são encadeadas. Na escrita, você não pode apelar para os sentidos para criar imagens ou personagens ou histórias - você tem apenas a sua esperteza para evocar emoções e visuais. É como alquimia, o verdadeiro sentido de "criar alguma coisa do nada".

Eu não diria que minhas canções são particularmente "literárias", mas eu realmente dedico um bom bocado do meu tempo para as letras, tentando criar imagens que são imediatamente visuais para o ouvinte, ainda que seja algo ou alguém que eles não estejam familiarizados com. Outros letristas que conseguem me transportar para outro tempo e espaço são provavelmente Leonard Cohen e Bob Dylan, mas eu também penso, em termos mais simples, nos Beatles.

Cohen e Dylan usam detalhes sem serem arbitrários, para aprofundar a pintura do retrato - ao mesmo tempo que criam incríveis melodias e estruturas de canção. Lennon & McCartney podiam pegar linguagem simples e revivê-la com uma idéia de sentido completamente nova. Eu acho que as canções dos Beatles são tão clássicas porque as letras são tão honestas e permitem que as melodias carreguem as músicas. Algumas vezes músicas só precisam ser músicas! E é importante ser cauteloso quanto ao que a música significa pra você, ao invés de tentar empanturrá-la com frases ou versos exóticos.

Quanto aos poetas, eu tenho um pouco de vício em relação a livrinhos e panfletos de poesia! Gosh!, eu acho que meu favorito é o Frank O'Hara, apesar de eu estar passando por uma coisa grande com a Gertrude Stein... sem falar que um amigo meu acabou de me passar coisas do James Tate para folhear. Eu acho que o que me interessa atualmente são os ritmos sintáticos criados pela colocação de certas vogais/consoantes/sílabas lado a lado.

E: É fácil de notar, ao ouvir as suas letras, que você freqüentemente utiliza um monte de personagens fictícios, de um modo que me lembra um pouco o método de composição do Bob Dylan ou do Bruce Springsteen, diferenças postas de lado... Frankie e Anette, o Doutor Monroe, Baby James: de onde saíram todos esses personagens? Eles são puros produtos da sua imaginação ou são construídos com partes de pessoas que você conhece? Talvez alguns deles sejam pessoas de verdade? O que eles são: alter-egos, amigos imaginários, talvez fantasmas...? Fale um pouquinho dessas tuas “crianças”! :)

Casey: Eu acho que os personagens se originam de uma base de dados de observações pessoais cotidianas - coisas que eu noto em pessoas que amo ou pessoas que não conheço. Eles também têm a tendência de derivar de eventos ou lugares - acho que muitas vezes quando estou escrevendo sobre uma pessoa estou na realidade escrevendo sobre muitas pessoas ao mesmo tempo. Mas eu não tenho muita certeza sobre de onde eles vêm - algumas vezes certos personagens são imediatamente visualisados, outros precisam de tempo para serem filtrados e se materializarem fora da névoa da minha memória. Eu procuro não analisar demais isto, pelo medo de que um dia estas visões possam desaparecer! Eu não sei se você está se referindo a eles como crianças porque eu os tive nos passado - mas essa seria uma comparação adequada. Eu acabo vinculada e conectada a eles de um modo tal que é difícil pra mim separá-los de mim mesma. Eu unicamente tento "criá-los" de um modo que eles possam ficar de pé por si mesmos, e dar a eles o máximo que posso antes que eles sejam lançados para o mundo.


E: Falemos um pouco sobre os teus planos para o futuro. Eu li que você está preparando um novo EP chamado Vessels e está fazendo alguns shows por aí (nos EUA), mas há previsão para novos álbuns? A música é realmente um projeto de longo-prazo pra você, ou seja, você tem a intenção de criar dúzias de álbuns e ter uma carreira que se estenda por décadas?

CASEY: Putz! Quantas questões grandes! Bom, o EP Vessels, por hora, é algo que eu botei na minha seção de coisas adiadas , mas estive trabalhando em alguns projetos maiores – mas eu não posso falar sobre eles ainda. Eu dediquei praticamente o ano todo para fazer outras coisas que adoro – pintar, cozinhar, fazer bolos e melhorar na bicicleta e na yôga. A música eu acho algo tão intrínseco ao modo como eu me viro na vida do dia a dia, que neste momento eu não vejo qualquer razão que me impeça de estar fazendo canções até a terceira idade. Mas o tempo algumas vezes tem outros planos em mente, e eu não tenho a menor vontade de arranjar briga com o tempo. Minha esperança é que eu possa continuar fazendo isso e que possa continuar a me perguntar as Questões Duras e Assustadoras. Eu realmente não tenho expectativas concretas – ideais de sucesso e coisas assim. Eu só me certifico de perguntar a mim mesma enquanto vivo: “você está feliz?” Se eu acabar sendo uma velhinha trabalhando numa livraria no Maine com um pequeno jardim de vegetais, não me sentirei decepcionada!

E: Li uma crítica (na Pitchfork) chamando suas letras de “nonsense espertinho” – se me lembro bem, você foi comparada com o Stephen Malkmus, o cara do Pavement. Isso te incomoda? Suas letras e versos são “repletos de sentido”, mesmo que alguns deles sejam claros somente para você, ou você acredita que há muito jogo de palavras e que você usa as palavras como “brinquedos”? Há realmente um pouco de “clever nonsense” aqui e ali?

CASEY: Eu me pergunto às vezes se é responsabilidade do escritor e do artista tornar tudo claro para o leitor – ou se um pouco de material nebuloso é saudável e nos lembra de pensarmos por nós mesmos. Falando geralmente, eu me enquadro nesta última categoria. Eu não me importo de me sentir desorientada se isso me faz questionar as coisas – e acho que como uma cultura nós deveríamos ser muito mais céticos e questionadores daquilo que as pessoas fazem ou dizem. Não sei se isso soa cínico – mas eu acho que é saudável questionar algo antes de você digerir e arquivar na tua enciclopédia mental. Nós devemos isso à nossa psique! Eu sugeriria a qualquer pessoa que questione qualquer coisa que eu digo, inclusive isso que estou propondo agora. O que é que eu sei?!

Então será que é mesmo “nonsense espertinho”? No passado, eu acho que tinha sim muito mais linguagem arbitrária [nas minhas letras], palavras e expressões se concatenando simplesmente porque eu curtia o jeito como elas soavam ou como eu as sentia na minha boca. Atualmente eu tento conciliar esse prazer com algo mais coeso. Na minha experiência, uma canção pode ser sobre muitas e muitas coisas diferentes. Eu escrevo baseada em tópicos, mas também de um modo meio caleidoscópico. Então eu sempre sei sobre o que fala a música, e isso é tudo o que me importa, mesmo que seja a respeito de três eventos, pessoas ou lugares díspares que, quando listados numa página, conectam-se na minha mente para formar um quadro mais vasto. Seria uma extrema perda de tempo, energia e paz mental me deixar aborrecer e sair do sério por causa das interpretações que as pessoas fazem das minhas canções – eu aprendi a não levar a coisa tão pessoalmente. Enquanto eu sei das minhas intenções, me sinto ok.


E: Agora uma pergunta mais filosófica, talvez um tanto difícil de responder! Em algumas das suas letras, eu posso sentir uma espécie de “angústia”, talvez, em relação à passagem do tempo e ao fato de que a alegria sempre parece ser efêmera – a alegria e tudo o mais que existe, na verdade. Como quando você canta: “assim que nos acostumamos com uma estação ela se vai, e é somente com isso que podemos contar...” (em “Cabin Fever”), ou no lindo verso de “Better in Manhattan” que diz que “o paraíso é um lugar que se visita, mas não um lugar pra se morar”, ou mesmo no triste finalzinho de “Fat Old Man” em que você diz: “nada muda quando você se vai, tudo prossegue...”). Você realmente percebe o mundo como um “oceano de impermanência”, por assim dizer?

CASEY: Hmmmm... Bom, eu não diria que eu sinto qualquer sensação de “angústia” em relação à mortalidade. A mortalidade é a nossa verdade como humanos, e acho que a verdade nos libera de sermos só ‘alegres’ ou só ‘tristes’. Nós somos máquinas complexas, e frequentemente sentimos ambas essas emoções, tudo ao mesmo tempo, às vezes uma mais que a outra, mas eu considero quase impossível realmente separá-las. Não gosto de dissecar e esclarecer os sentidos das canções para os ouvintes – em parte porque eu fico realmente super curiosa para ver como os outros as interpretam! Eu coloco elas pra fora com esperanças de que elas se tornem mais do que somente canções minhas. Mas eu acho que apesar do tempo nos lembrar freqüentemente de que é ele quem está no comando, há uma boa razão que explica porque nós o marcamos com aniversários, feriados, festivais, estações etc. A transformação do mundo é bonita, mesmo que ele não seja permanente.

E: Apesar de não dar pra dizer que você escreve “canções autobiográficas” (do jeito que a Fiona Apple escreve, por exemplo), eu realmente sinto como se eu pudesse te conhecer muito bem depois de ouvir seu disco muitas vezes. Será isso uma ilusão ou será que essas músicas realmente podem servir como uma espécie de “portal para a sua alma”, um pequeno buraco na fechadura através do qual nós podemos desvendar ao menos um pouco de quem você realmente é?

CASEY: Eu tenho a tendência de me intimidar para longe do confessionalismo [I tend to shy away from confessionalism] – algo nele não se adequa muito bem à minha personalidade. Eu não me sinto como um livro aberto, talvez, e também não sou incrivelmente fascinante como pessoa. Minha vida no dia-a-dia é (não tanto...) chocantemente mundana. Minhas canções são veladamente autobiográficas, se o forem, mas eu hesitaria em dizer que existam quaisquer conclusões sobre mim como pessoa a serem tiradas depois de ouvi-las. Eu suponho que eu não sou realmente a pessoa certa para você perguntar esse tipo de coisa, mas eu não sei se é realmente possível realmente CONHECER um artista através de sua arte...

E: Estou curioso para saber um pouco sobre a repercussão da sua música fora dos Estados Unidos. Em quais países você diria que a resposta do público foi mais intensa e gratificante? E você já chegou a tocar ao vivo no exterior?

CASEY: Eu estou bastante alheia e ignorante a toda a resposta internacional. Ainda não toquei no exterior ainda, exceto no Canadá, embora eu esteja ansiosa para fazer isso no futuro. Eu realmente ainda não procurei como fazer tudo isso ainda, mas acho que a partir do próximo álbum eu gostaria de começar a viajar através dos oceanos. Eu recebo e-mails muito simpáticos da Escandinávia, e, é óbvio, do Brasil! Isso me faz divagar sobre como as pessoas descobrem sobre todos esses diferentes artistas! Eu sinto como se minha coleção de discos estacionou em 1979, e eu nunca sei quem é ninguém desses artistas novos, embora eu provavelmente deveria. Eu sequer ouço CDs! Tudo é em vinil pra mim. Eu vivo na Idade Média!


E: Você deseja se tornar uma cantora-compositora de alta vendagem ou está satisfeita sendo um tanto obscura, como um pequeno segredo que poucas pessoas compartilham?

CASEY: Eu não tenho a mínima idéia sobre como me sinto sobre o futuro – mas enquanto as coisas acontecerem de modo orgânico, vou estar contente. Não estou com pressa para chegar ao “próximo estágio” ou qualquer coisa que seja... Nem sei o que é isso. Eu nunca realmente me senti muito “romantizada” pela indústria da música. Eu respeito a necessidade que ela tem de transformar minha arte numa carreira – mas além disso eu acho que a indústria é um pouco superestimada, e isso é parte do porquê eu me rodeio com pessoas que estão fora dela. Talvez eu poderia ser mais ambiciosa, mas eu acho que estou muito mais preocupada com as músicas em si mesmas e em ser uma pessoa serena e feliz. Eu não me oponho a ter um público mais vasto ou poder me sustentar através da música, ao invés de trampar em [barista jobs] etc. Eu acho que eu tento não me concentrar muito nessas coisas – se acontecer, aconteceu. É que eu realmente não quero gastar meus 20 anos correndo por aí a ponto de não poder curtir meus amigos, família e vida cotidiana. Não vejo o sentido. A celebridade não chega nem perto de ser tão preciosa pra mim quanto estes três itens que citei. Pode soar sentimentalóide, mas é verdade!

E: Não posso resistir: vou fazer a famosa pergunta da Ilha! Quais são os 5 discos, 5 filmes e 5 livros que você levaria para uma ilha deserta para passar na companhia deles o resto da tua vida?

DISCOS:
1. Beatles—Revolver
2. Bob Dylan—Live at Albert Hall ’65
3. Joni Mitchell—Blue
4. Debussy String Quartet
5. Thelonious Monk- Monk’s Time

FILMES
1. Five Easy Pieces (Vi pela primeira vez outro dia, e acho que nunca vou conseguir me cansar dele! Parece simples no começo, mas é repleto de complexidade na essência!)
2. Harold and Maude, de Hal Ashby
3. qualquer dos curtas-metragens mudos do Buster Keaton (para serem assistidos ouvindo o disco do Thelonious Monk!)
4. Annie Hall – Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, de Woody Allen
5. My Fair Lady, de George Cukor

LIVROS
1. Beneath the Wheel do Herman Hesse
2. A Insustentável Leveza do Ser do Milan Kundera
3. I Capture the Castle do Dodie Smith
4. O Tambor do Gunther Grass
5. Chez Panisse Cooking da Alice Walters (Eu sei que parece doidice, mas eu adoro ler sobre comida quase tanto quanto curto comê-la! Esse livro de receitas é clássico.)


E: Algumas vezes eu suspeito que vocês artistas possam ficar bravos com os entrevistadores quando eles não perguntam aquilo que vocês gostariam de responder... Então vou propor um pequeno jogo bobo: faça uma questão a si mesma e a responda!

CASEY:

questão: Quando você se sente mais inspirada e feliz por estar viva?
resposta: Nos primeiros momentos da manhã ao nascer do Sol – a luz me faz desejar estar de pé e cantando. É luminosidade inadulterada – nova e um tanto insegura de si mesma, mas que se espalha sobre tudo até você sinta como se estivesse vendo o mundo pela primeira vez. Isso me faz cair apaixonada mais uma vez [It makes me fall in love all over again].


: D

quinta-feira, 14 de junho de 2007

::: egotrip sobre tudo que houve no rio :::


e desse engodo eu vi luzir
de longe o teu farol
minha ilha perdida é aí,
o meu pôr-do-sol


Foi minha primeira vez viajando pelo Rio de Janeiro de verdade. Foram 4 dias intensos, marcantes, exaustivos, fascinantes, angustiantes, confusos, gratificantes, mas sem dúvida alguma bem-vividos - e é isso que importa. Dias que eu espremi até arrancar deles todo o suco que tinham, mesmo que fosse amargo - e quem sabe é esse o sentido do velho carpe diem? Sinto que voltei da viagem com a minha vida maior - maior de experiências, de quilometragem, de lições aprendidas, de mundo desvendado. Vida maior, só não sei se melhor... Na bagagem, além das roupas sujas, das fotinhas junto à paisagem e dos souvenirs bobos, trouxe um monte de "material" novo para incorporar ao meu ser, tanto material que eu ainda estou trabalhando para colocar isso nas minhas prateleiras internas e fazer disso tudo algo meu... Não sei se estão me entendendo ou eu tô parecendo um interno de hospício falando sobre ninguém sabe o quê, mas hoje vai ter que ser assim - um post largadão, meio psicodélico, fluxo de consciência total. Se não entenderem direito, azar - e dane-se. Até porque eu também, ultimamente, mal me entendo. Eu sou uma coisa esquisitíssima, um daqueles mistérios indecifráveis, que eu fico olhando olhando olhando e desisto de tentar compreender. Deixa pra lá...

Foi uma viagem repleta de noites mal-dormidas, de agradáveis passeios pela cidade dita maravilhosa, de um monte de sentimentos intensos e conflitantes, de enormes ansiedades e esperanças, de insônias longas e de sonhos desagradáveis, de premonições ora sombrias ora otimistas, e depois de pequenas desilusões e de algumas alegrias médias (e não, não sou nada bom em conquistar alegrias grandes...). Não dá pra dizer se gostei ou não gostei - se na vida as coisas fossem simples assim, como escolher entre o sim e o não, o preto e o branco, a dor ou o prazer!... Foi tudo isso misturado, enrolado, liquidificado, formando uma gosma colorida e nojenta, feito aquelas tortas de gelatina...

Voltei pra Sampa quase sem voz, com a garganta meio inflamada, a coluna doendo um bocado da longa viagem, os ouvidos meio doloridos, uma vontade de dormir um sono profundo dumas 15 horas seguidas , o coração meio inquieto e querendo descansar... Muitas vezes nestes dias a luzinha vermelha de emergência se acendeu no meu peito dizendo: excesso de uso! perigo de sobrecarga! dê um descanso, amigo, pra esse teu pobre músculo pulsante!... Talvez por isso as lágrimas, durante (escondidas) e depois (
liberadas): puro descarrego de tensão. Nada a ver com tristeza, certo? Talvez um pouco.

Mas, tudo somado, acho que voltei até bastante satisfeito com esse rolêzão de 4 dias que fiz, nesse feriadão de Corpus Christi, pelo Rio de Janeiro - que conheci de verdade pela primeira vez... Já tinha dado um pulo rápido na cidade uns anos atrás, pro primeiro TIM Festival (o do White Stripes, Rapture e Super Furry Animals), que foi FODA foda foda, mas naquela ocasião tinha sido um bate-volta frenético que não me deixou tempo livre algum para explorar direito nossa famosa ex-capital nacional... Dessa vez tivemos tempo o bastante para passear decentemente pela Cidade Maravilhosa... O pretexto eram os shows de despedida dos Los Hermanos, mas fui também pra fazer turismo pela cidade, pela oportunidade de viajar com pessoas novas, conhecer amigos virtuais, reencontrar uma pessoa muito especial pra mim, e, claro, me despedir, ao menos por hora, dos 4 barbudos geniosos que entram de férias, em 2007, já levando o troféu de banda nacional mais amada - por mim e por mais uma multidão de gente...

Acabamos fazendo todas as coisinhas clichê que fazem os turistas de primeira viagem sem nenhuma originalidade (como ir passear no bondinho do Pão de Açúcar, andar nas areias de Ipanema [lembrando a toda hora da melodia imortal de Tom e Vinícius...], ficar olhando a paisagem de cima do morro do Arpoador, babar com o luxo e o charme de Copabacana, que está a todo vapor se preparando pro Pan...), essas coisas. Mas também demos altos giros por vários cantos da cidade: Lapa, Centro, Glória, Flamengo, Botafogo... conheci tudo - de passagem, claro, mas conheci. Só o Corcovado que não subimos - mas eu que não sou lá muito fã de Jesus Cristo, que considero um rockstar muito superestimado, nem dou muita bola pra isso... Se fosse a estátua de Kurt Cobain, aí sim eu ficaria todo ansioso pra subir lá e ficar montado nos braços da estátua do cara, mas o Jotacê, francamente, acho fácil deixar pra lá...

Minhas paranóias não se confirmaram: não vi morros assustadores lotados de bandidos com AR-15s e traficantes vivendo vida de sultões. Não me senti ameaçado nem por trombadinhas nem por balas perdidas. Só vi gambé uma vez, segurando uma metralhadora de meter medo, parecia filme com o Stallone, mas eu com minha cara de menino branco da classe média sou, ainda bem, sempre deixado em paz pelos Agentes do Estado. Não vi nada de realmente chocante em termos de desigualdade social nem achei que vigora por lá uma luta de classes às beiras de uma explosão. Não achei o Rio nada perigoso. Tudo bem que, como faz todo turista, nós não ficamos procurando ver as coisas feias do Rio de Janeiro, que devem ser muitas - todo turista tem um olhar naturalmente kitsch... Mas achei a cidade sussíssima. Moraria lá fácil.

Acho que as pessoas tinham me inculcado muitos medos exagerados - tanto que quase fiquei com vontade de comprar um colete à prova de balas antes de embarcar para o que parecia, segundo o relato de alguns, um cenário de guerra, tipo o Vietnã brasileiro... Fui pro Rio meio que com medo de estar indo para uma cidade às beiras de uma guerra civil, com o crime organizado nos morros constituindo quase um Estado paralelo, já preparado para passar de carro à frente da temida Linha Vermelha fazendo figuinhas e segurando o rosário, torcendo pros meus pais não chorarem muito no meu funeral... Mas no fim foi tudo super tranquilo.

O trânsito lá tem particularidades interessantes e é uma aventura à parte: os táxis (abundantes) são todos amarelinhos, como em Nova York, mó charme; os motoristas de busão são todos uns maníacos barbeiros, que vão entrando sem dar seta, e que deveriam ter todos a carta cancelada; os pedestres são todos descuidados e atravessam a rua na maior preguiça, sem ligar muito se estão parando o trânsito; e carioca pára o carro em tudo quanto é lugar proibido, principalmente em cima das calçadas ou mesmo no meio da porra da rua... Dirigir no Rio é uma aventura. Em São Paulo não passa de um stress.

Tentamos entrar no Teatro Municipal pra assistir um balé (!) de cinco pilas, meio que por falta de algo melhor pra fazer, mas fui barrado na porta por um guardinha carioca muito folgado, que me tratou como se eu fosse um mendigo que queria entrar na Casa Branca - e isso só porque eu estava de bermuda e chinelos havaina. Demos risadas histéricas no cinema do Centro Cultural da Caixa, numa mostra de curtas-metragens feitos por crianças da periferia, especialmente a cena em que uma mãe sentada num sofá flutuante (uma mãe!) é despejada numa cascata - poucas vezes na vida gargalhei tanto dentro de um cinema. Passeamos e tiramos um monte de fotos no Jardim Botânico e depois sacaneamos um pouco com a excursão no carrinho de golfe. Conheci um monte de botequinhos na Lapa, daqueles ultra-ruidosos, que só deixam as pessoas conversarem aos berros. Dividi o quarto de hotel, o café da manhã, a bolacha Cream Cracker, a pizza brotinho, o celular e muitos momentos agradáveis com uma amiga novinha em folha - que exagerou nas tequilas, é verdade, mas tá certo. Fui conhecer um dos meus melhores amigos virtuais, o poeta Marcos (esse cara tem talento!). E rolaram duas ocasiões para reencontros com uma grande amiga (que eu tanto tentei transformar em algo mais e não consegui) - uma das coisas que, pelo menos pra mim, era a mais importante da viagem pro Rio...

Quanto aos Los Hermanos, confesso que tô com uma certa preguiça de ficar falando sobre os shows, descrevendo tudo em minúcias, registrando os fatos: me contento em possuir o presente que foi ter estado lá, ter vivido esses momentos, ter presenciado essa despedida muito digna que eles nos deram... Mas será que foi despedida mesmo? Agora passei a duvidar que os Hermanos irão realmente encerrar as atividades e pendurar as chuteiras, porque é quase inimaginável que os caras não irão sentir saudades imensas de um público tão fiel e devoto, de uma energia tão positiva, daquelas salvas de palmas e daqueles gritos empolgados, todas essas coisas que devem levar os caras, ali em cima do palco, para o Céu... imagino que logo logo eles vão ficar tããão carentes!... e nas noites solitárias, quando a sombra do anonimato começar a escurecer os dias de Amarante e Camelo, quando o mosquito da solidão for zumbir perto das orelhas deles, eu tenho a suspeita de que eles vão se lembrar de como era ser o alvo de tanto fanatismo e devoção e vão querer correr de volta para recolher mais um pouco do amor das multidões... Quero só ver, amigos, quando o amor começar a faltar...

Mas não vou escrever uma resenha "objetiva" sobre os shows, até porque pra mim, dessa vez, ficou muito claro o quanto é impossível dizer o que foi o show "lá fora" - eu, aqui, só poderia descrever como o show foi "filtrado" por mim, como foi o show "aqui dentro". Só estou repetindo aquela velha história filosófico-cabeça de que é impossível saber objetivamente o que as coisas são e que você só tem acesso à tua própria experiência subjetiva e pessoal... Às vezes você não está num bom dia, acordou com a pá virada, tá ranzinza de tanto mau-humor, não se sente bem-disposto, e isso vai te fazer experimentar a música dum jeito negativo a ponto de você dizer que "não gostou", sendo que outras vezes, mesmo com música medíocre, você está tão de bem com a vida e com uma capacidade de curtição tão fácil, que gosta mesmo do que não é lá tão gostável... E nesses shows em particular eu estava com o coração e a mente muito ocupados com os meus sentimentos, angústias, medos, desejos, premonições, indecisões e inseguranças para ter qualquer chance de dizer objetivamente o que aconteceu "lá fora". Eu estava muito ocupado afogado no meu próprio mundo interior - mas deixei a música me envolver, me levar, entrar para compor a trilha sonora do meu caos...

O Camelo, em ambos os shows, num dos únicos momentos em que falou com o povo, disse uma frase meio que adulando o público, uma coisa que eu acho meio baixa para um artista dessa grandeza, que não precisa ficar apelando pra essas coisas para arrancar aplausos de gente já tão generosa em termos de demonstrações de afeto... Mas é algo que pra ele deve soar sincero: disse que nenhuma outra banda do mundo tem um público desses, tão empolgado e tão amável. E talvez seja verdade. E é realmente incrível ver um público que vibra tão em uníssono, que canta as músicas num coro tão massivo, que se entrega à banda com um amor tão incondicional... Eu não tive a oportunidade de ver um show da Legião Urbana, mas eu tenho quase certeza de que dificilmente chegava ao nível de ligação emocional que ocorre entre os fãs dos Los Hermanos e a banda. Mas já escrevi 2 longos textos pagando-pau para a banda, analisando as razões que eles possam ter tido para encerrar a carreira, tentando descrever a importância deles pra minha vida, e não vou ficar aqui batendo na mesma tecla e só reciclando elogios...

No total, foram 5 shows dos Hermanos assistidos (1 em Bauru, 2 em São Paulo e 2 no Rio de Janeiro), o que faz deles a banda que eu mais vezes vi ao vivo, façanha que dificilmente será superada por qualquer outra banda por aí. Gostei mais do show de sexta do que de sábado, mas isso, talvez, por razões totalmente subjetivas, já que algumas coisas me entristeceram e me deixaram bem pra baixo no show de sábado, a ponto de eu não conseguir curtir muito esse último show - mas acho que prefiro não comentar por aqui sobre isso e guardar pra mim essas coisas... Chorei só um pouco, em "Dois Barcos", no início do show de sábado, sozinho lá no fundão, com o rosto apoiado sobre a grade da mesa de som, todo confuso comigo mesmo e com o que eu tinha decidido fazer antes, muito mais ocupado pensando na vida do que atentando para o show. As lagriminhas caíram um pouco depois de eu ter ouvido o verso que bateu nos ouvidos doendo: "e agora o amanhã... cadê?"

E o que eu achei incrível de constatar, mais uma vez, é a capacidade de penetração dos versos do Camelo e Amarante, que são incrivelmente invasores... direto, do nada, eles vão entrando na minha consciência, em vários momentos da minha vida cotidiana, pipocando na cabeça como aparições do além-túmulo... Os Los Hermanos não são somente sobre a música: os caras são uns magos das palavras, capazes de enterrar em nossas mentes versos inteiros que depois vão ficar a nos assombrar pela vida afora, ajuntamentos de palavras que nos perseguem como se fossem detetives particulares contratados para não nos perder o rastro... Mais do que as melodias, são as palavras desses dois grandes poetas que grudam em nossas vidas e não soltam mais... E nessa ocasião foi incrível sentir, mais do que nunca, o quanto rolava uma identificação com tantas e tantas daquelas palavras, como se muitas delas eu quisesse ter dito, como se muitas delas fossem descrições perfeitas dos meus sentimentos, como se muitos daqueles versos que os caras cantavam eu queria que tivessem saído da minha boca para os ouvidos de alguém, e alguém de muito específico, de muito próximo, de muito ali, ao meu lado... Aquelas palavras que saíam dos alto-falantes eu queria, de algum jeito, que saíssem com a minha voz, como se fossem mensagens minhas, descrições perfeitas de dúzias de sentimentos e sensações que já senti e que eu nunca saberia expressas tão bem quanto Amarante e Camelo deixaram expresso... como se eles pudessem dizer por mim o que meu silêncio me impedia de extravasar... "Me diz onde é o sufoco que eu te mostro alguém a fim de te acompanhar" era o que eu gostaria de dizer estendendo minha mão e meu ombro e meu colo numa oferta de ajuda... "Pois é, não deu, deixa assim como está, sereno..." era o que a minha melancolia recitava pra mim mesmo, tentando me consolar de mais um desencanto... "Ele não sabe ser melhor, viu?" era o meu pedido de desculpas por ter sido tão pouco, por ter errado tanto, por nunca ter conseguido ser o que se esperava de mim (e o que era?). "E no final, assim calado, eu sei, que vou ser coroado rei de mim..." era o otimismo falando mais alto, me garantindo que eu podia ir do meu jeito, sem me importar em ser como outro alguém, e que acabaria rei da minha própria vida, dono do meu próprio leme... "É só teu coração que não te deixa amar, você precisa reagir, não se entregar assim, como quem nada quer..." era o conselho que eu gostaria de dar a quem estava ali do meu lado, tão perto, tão junto de mim, tocável com as mãos, e ainda assim tão distante, oceans apart... E "hoje sei o mal que faz dar amor a quem não ama, dar amor a quem só traz ódio e desilusão" era o perfeito desabafo em palavras para aqueles tantos momentos em que a paixão em mim se tornava ódio, porque às vezes dá raiva, às vezes a vontade é mandar tomar no cu, às vezes a gentileza vai parar nas cucuias e vira fel do mais amargo... E "deixa ser como será" era o mantra que eu me recitava para conseguir me resignar ao que é, ao que foi, ao que vai ser... e "você vai estar com um cara, um alguém sem carinho, será sempre um espinho..." era o meu pedido de não me jogue fora e não me desperdice, era a minha ameaça velada de que no futuro rolaria arrependimento por tudo que não tinha sido... e "se eu fosse o primeiro a voltar e mudar o que fiz, quem agora eu seria?" era o dilema existencial vivo de quem não sabe que pessoa seria se tivesse escolhido diferente no passado, se tivesse pegado outra estrada, outro caminho na encruzilhada... e "eu cansei da nossa fuga, já não vejo motivo pr'um amor de tantas rugas não ter o seu lugar" foi um verso que entendi pela primeira vez ali, de verdade, notando que eu também tinha um amor cheio de rugas e varizes e começos de apodrecimento e cheio de covardias e fugas e que sabe-se-lá-por-quê não consegui fazer com que tivesse seu lugar... e "ah se eu aguento ouvir outro não, quem sabe um talvez, ou um sim, eu mereço enfim..." era o meu velho medo dos nãos falando, a velha paralisia tomando conta, a minha memória traumatizada de tantas antigas rejeições me dizendo: não, não aguento mais nãos, nem sei mais pedir, nem sei mais querer... e "clareia minha vida, amor" era a súplica de quem espera ver luzir um farol nesse quarto escuro chamado solidão, a esperança de quem vive sem fósforos nos bolsos, sem isqueiro ao alcance das mãos... e, naquela confusão em que eu estava, numa espécie de mudança de estação do coração, nada batia mais forte do que a indecisão de saber que "alguma coisa a gente tem que amar, mas o quê... não sei mais...", sendo que eu sentia que realmente não, não sabia mais... e, enfim, "eu que já não sou assim muito de ganhar" era como a frase da minha vida, a síntese de tudo, boa pedida para um epitáfio, descrevendo o que foi a nuvem da minha pessoa vagando pelo céu antes de se dispersar com o vento... não, ele nunca foi muito de ganhar...

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aí eu volto pra São Paulo e não há sono de 12 horas seguidas, refeições reforçadas ou período de molho dentro de casa que me livre dessa melancolia que tomou conta. acho que eu tenho súbitos blecautes no fornecimento de energia elétrica dentro do meu corpo e às vezes, de repente, rola um apagão e fico assim, sem energia (olha lá quem vem, sem gosto de viver...). O paraíso é mesmo, como diz a Casey, um lugar que a gente só consegue visitar, isso quando consegue, mas que nunca dá pra lá se mudar - apesar de eu não poder dizer que tenha realmente visitado. Não ultimamente. Aliás, for the record, esse foi o 22º Dia dos Namorados que NÃO comemoro - e o duro é que nesses últimos anos não consigo mais não me importar... Valentine's Day gets me kind of gloomy. :( Antes era fácil desprezar a data como uma mera ocasião inventada pelo comerciantes e pelos capitalistas para faturarem um troco maior com o aumento do consumismo dos pombinhos - mas ultimamente eu invejo quem tem alguém a quem presentear nessa data que antes eu achava tão estúpida. Tô carente feito um emo. Tô odiando esse texto que acabei de escrever e sei que vou me sentir mal assim que publicá-lo, só imaginando o quanto as pessoas vão achá-lo uma merda. Tô cansado de mim mesmo e com um pouco de nojo da minha vida. Se pudesse me vomitava fora.

Sobre estar só... eu sei! Ah como sei... :/

quarta-feira, 6 de junho de 2007

:: botas batidas ::

Semaninha de férias pr'esse bloguito. Tô me mandando pro Rio pra presenciar o funeral dos Los Hermanos - e não garanto que vou ser forte a ponto de não chorar (perdão pela frase ultra emo!) "Pois é, não deu..." vai ser um verso difícil de ouvir sem sentir um aperto no coração... Nos falamos semana que vem, folks! =)