quinta-feira, 30 de junho de 2005

oh, baby, i was born to lose...


"The schools don't teach you nothing you'll ever need to know. So why even go? Why even try?" BICYCLE THIEF - "Aspirations"

(é ISSO o que eu chamo de uma bela duma DIARRÉIA MENTAL.)

Agora a porra do COPO transbordou com a FÚRIA acumulada e reprimida! Oh, não, Duduzinho, seja bem comportado, um filósofo praticante da SERENIDADE e do DESAPEGO, um homem que controla seus ÍMPETOS e seus ARROUBOS! Ah, mas que vá se foder a desgraça da CONTENÇÃO, esse contínuo APERTAR do círculo do CU para impedir as merdas de saírem, pois agora vou XINGAR sim, vou DAR VAZÃO AOS MAUS SENTIMENTOS sim, vou descarregar murros pra cima do travesseiro sim! Eu FRUO HORRORES com uma boa duma CATARSE!

Então toma: agora que está no fim, já dá pra dizer seguramente que essa BOSTA dessa FACULDADE foi um lixo desde o começo! A gente tem umas ilusões tão ingênuas sobre o que significa entrar para a universidade quando está lá fora... Pensamos que estamos adentrando num local praticamente SAGRADO, o mais vasto dos DEPÓSITOS DE SABEDORIA que há neste mundo depois das bibliotecas, o REFÚGIO onde encontraremos muitos homens sábios que nos ensinarão muita coisa de útil para nossas vidas... Não, porque a Universidade é o local onde se eleva o espírito humano até os CUMES do Conhecimento mais vasto, da Sabedoria mais refulgente! Não, porque a Universidade está repleta de estudiosos com mestrados e doutorados, PROVA EVIDENTE de que se tratam de pessoas muito admiráveis, seres humanos fantásticos! Não, porque a Universidade...

Achamos que começará uma NOVA ERA: aquela das aulas dificílimas, mó alto nível, ministradas por grandes gênios, mestres de inteligência descomunal, donos dessas coisas espantosas que são os mestrados e doutorados (que só são dados mesmo para pessoas muito geniosas, como todos sabem!), e que vamos ter que nos esforçar imensamente pra conseguir acompanhar todos os raciocínios complexos e todos os textos herméticos que nos pedirão pra ler, e que ao fim do processo, como quem sai de um BANHO DE ÁGUA BENTA, estaremos renovados, muito mais inteligentes, muito mais prontos para a vida, após esse período em que ganhamos tanta sabedoria e tanta inteligência, a universidade...

Esperar por isso e receber... esse cursinho chumbrega, fubengoso, meia-boca, lazarento, morfético, tísico, leproso, capenga, enojante! Quanta chatice! Quanto PALAVRÓRIO ESTÉRIL! Quantos professores incompetentes e vagabundos que insistem em explicar o que todos já sabem ou que adoram discorrer sobre aquilo que não tem nenhuma importância! Juro que conheci um especialista em fontes serifadas que era capaz de discorrer por uma hora inteira (pouco importam que tenham sido 20 minutos, pra mim foi uma hora!) sobre as vantagens que as fontes serifadas oferecem para a leitura, razão pela qual elas devem ser preferidas sobre as fontes que não contêm serifa. Há quem diga que é informação im-pres-cin-dí-vel. Deus meu, nunca fui bom na arte de reconhecer essas... imprescindibilidades! Juro que nos fazem passar por seis meses daquela peste que é a (veja que nome pomposo) Metodologia do Trabalho Científico, onde insistem em nos enfiar goela abaixo aquela imensa FRESCURADA DE MERDA que serve pra padronizar todos os trabalhos publicados dentro da Academia. Seis malditos meses, quatro horas semanais! Teve até um que um dia que nos explicou o que é a unha e o rodo. É isso mesmo: a unha, o rodo. Juro por Deus que não invento nada.

"Essa é sua vida, e ela se acaba a cada instante...". Ai, ai.

O que a gente aprende na faculdade, principalmente, é que qualquer imbecil bitolado, mal-humorado e chato o bastante para ser todo formalzinho e burocrático consegue arranjar uma porra dum status de mestre ou doutor, o que obviamente não prova absolutamente nada sobre seu valor humano ou sobre a saúde de seu cérebro e de seu coração... Grande bosta que cês tenham esse desgraçado desse documento comprovando que são muito mais inteligentes e muito mais sábios do que os outros! Isso os dispensa de o serem verdadeiramente, já que o papel já o comprova? Isso os dá o direito de CHAFURDAR na lama duma VANGLÓRIA IMBECIL e totalmente DESCABIDA? Isso os dá o direito de serem RIDICULAMENTE INCOMPETENTES, já que o quadrozinho na parede já demonstra para o mundo quão competentes vocês são? Isso dá o direito de olhar de cima para o alunado, como se fosse indubitável o QUÃO SUPERIORES vocês todos são?...

Mas NEM FODENDO que vocês conseguiram me fazer ganhar gosto pelas coisas sem importância. E olha que TENTARAM! Ô se tentaram! Exaustivamente! Até não poder mais! Parece que a Universidade é um imenso TROTE de quatro anos em que uns palhaços disfarçados de professores tentam nos fazer crer que TODO AQUELE AMONTOADO DE TOLICES e INUTILIDADES é muito útil e muito bom! Grande merda saber que as fontes serifadas facilitam a leitura! Grande bosta saber abrir e fechar o diafragma! Grande cocô saber que as regras da ABNT sobre citações exigem que se faça sei lá que porra! Grande vômito esse monte de formalidades que vocês nos enfiam goela abaixo para que façamos o jornalismo mais mecânico, mais pouco criativo desse mundo! Grande putrefata estupidez essa de querer que sigamos as regras, os modelos, as ordens, o que já foi jeito, o que está consagrado pela tradição!
Grandes professores esses que só desejam ensinar os alunos a continuarem a fazer do jornalismo a coisa mais chata da terra! Por mil caralhos, quem SUPORTA ler uma porra dum jornal? Quer coisa mais ENFADONHA, mais FRIA, mais MORTA, mais ESCROTAMENTE fedente à cemitério? Sei lá o que estou fazendo no curso de jornalismo! Sei lá o que estou fazendo nesse mundo! Nunca gostei de ler jornal em toda a minha vida! Nunca dei a mínima! Ah, não, o jornalismo fede, fede, fede... Tudo que eu queria era a liberdade para escrever, a página em branco frente a mim para que eu pudesse brincar de deus, a caneta em mãos para escrever meu próprio destino... E é dentro do jornalismo que nos deixam escrever o que queremos, não é? Êita ingenuidade. Não sou uma porra dum jornalista e nunca vou ser! Mesmo que me forme! Se for pra ser alguma coisa, digo que sou escritor, que sou vagabundo, que sou mendigo, que sou quase um cadáver, que sou aquele que vive dentro do sonho do rock and roll... Se for pra ser alguma coisa, prefiro ser palhaço de circo, profissão muito mais nobre... pelo menos DISSEMINA A ALEGRIA, coisa que o jornalismo e os professores de jornalismo nunca fizeram! E, ah, meus amigos, eu nem precisaria dizer isso, mas direi: viver sem alegria não vale a pena!

E querem nos enfiar no molde... Querem por tudo nesse mundo nos tornar chatos e burocráticos! Querem um jornalismo sem um pingo de emotividade, sem um grão de poesia, sem nada de CONTAMINAÇÃO PESSOAL, um jornalisminho que dá lá suas informaçõezinhas para que as pessoas tenham assuntos chatos para suas conversas chatas em suas vidas chatas! Ler jornal diariamente já fez de alguém uma pessoa melhor, mais sábia, mais amorosa, mais capaz de viver a vida alegremente? Grande merda, o jornal! Vou começar a limpar a bunda com o jornal! Se bem que não é lá muito boa idéia, pensando bem: seria usar um papel higiênico já cheio de merda! Merda letrada!

Ah, não, caros professores, vocês não fizeram muito por mim, pela minha vida, pela minha sabedoria! Não tenho nenhuma gratidão a vocês (com raríssimas exceções)! Tudo o que vocês fizeram foi me contaminar a vida com suas chatices, suas incompetências, suas vaidades tolas, suas "especialidades" bitoladas! Mais vale o conhecimento do que a informação. Mais vale a sabedoria ao acúmulo de detalhezinhos sobre pormenores tolos. Não, eu quero a poesia, quero a arte, quero o êxtase dionisíaco do criador, quero guitarras distorcidas, páginas sangrentas, quero o abismo e o vulcão! O mundinho de vocês é muito seguro, muito higiênico, muito certinho, imensamente chato, chato, chato...

Há quem imagine o inferno cheio de fornos crematórios, de gente assada viva nas fogueiras, de condenados sendo torturados com tridentes e arpões e cozinhados em chapa quente. Eu não. Eu imagino o inferno lotado de salas-de-aulas, um imenso e fumegante labirinto delas, e nunca se pode sair da sala-de-aula, e dentro delas sempre há um professor com mais de 60 anos de idade, aquele insuportável fedor de mofo, de formol e de naftalina pairando no ar, e ele não pára de falar e falar e falar sobre coisas que não me interessam. E também imagino Deus, como se não bastassem de desgraças, olhando tudo de cima de uma nuvemzinha sobre o labirinto das salas de aula, e dizendo "isto não está certo!", "vamos, comporte-se!", "disciplina, meu jovem!", "assim você vai parar no inferno!", tudo ao som de harpas ou (o que é ainda pior) de Bee Gees. Inferno.

A maior tentação é a desistência. Mas não SUCUMBI. Não por estar gostando, claro; mais por inércia. Fui deixando ir, deixando estar. Quando tamos no primeiro ano, dizemos a nós mesmos: ano que vem melhora. Quando tamos no segundo... ano que vem melhora. Aí, no terceiro, percebendo que tudo continua a mesma bostinha, dizemos: ah, já passei por bastante, dá pra aguentar mais um pouco, já está acabando. Assim vamos, suportando. "Só a esperança, em toda vida, disfarça a pena de viver, mais nada...", dizia o poeta. Acho melhor inverter: "Só a esperança, em toda vida, CRIA a bosta da pena de viver, mais nada". À glória do sponvillianismo.

O importante é não levar o troço tão a sério. É uma doença mental, a seriedade. Tem as psicoses, as neuroses, as esquizofrenias, as depressões, os sado-masoquismos, e tem também as seriedades. Palavra de doente. Pelo menos essa faculdade me ensinou a levar tudo um pouco menos a sério. Eu, que costumava ser tão bom aluno, um garoto muito direito e muito comprometido, tão bem comportado durante as aulas, que nunca era recriminado por conversar demais (isso certamente não!), sempre com notas bastante altas, enfim me permiti andar pelo mau caminho, por assim dizer. Claro que a ausência de papi e mami nos permite tomar certas liberdades que não teríamos coragem de tomar na presença deles. É uma das vantagens de conquistar a independência: você pode faltar às aulas como se fosse um doente terminal e não há ninguém pra te encher o saco e pra te recriminar por estes "atos irresponsáveis". Quantas vezes nesses anos o Dilema do Despertador não me fez escolher a cama ao invés do mundo! Todos conhecem esse dilema: quando o despertador apita no meio da madrugada (e sete da manhã é sempre madrugada), a gente se coloca na encruzilhada: devo me levantar e ir enfrentar a porra do mundo ou fico aqui deitado no meu mundinho? Fiz muitos acordos com o despertador durante esses anos: caro despertador, só vou dormir mais dez minutinhos! (e aí a gente acorda às onze da manhã dizendo ooooooooops! Foi sem querer querendo!)... caro despertador, durmo hoje, amanhã me levanto! (e às vezes a gente dorme hoje, dorme amanhã, e se desculpa dizendo que não há mesmo muita vantagem em acordar...).

Desde muito cedo deixei de levar essa faculdade a sério. Desde muito cedo percebi que não estava aprendendo nada de fundamental nas aulas e que eu era sempre tomado por aquela maldita sensação de PERDA DE TEMPO ali dentro. Comecei a faltar nas aulas direto, comecei a não fazer nenhuma das lições de casa (surpreendido por descobrir que elas ainda existiam...), fui seguindo em frente no maior relaxo e no maior desleixo. Não me envergonho disso. Finalmente consegui ser um dos piores alunos da minha classe. Eu, que nunca tinha ficado de recuperação em toda minha vida escolar, comecei a manchar bonitamente meu histórico escolar com cincos e seis e faltas a beça. Nos dizem a vida inteira que devemos nos sacrificar, nos resignar, suportar as situações que são desagradáveis, aguentar firme tudo é desprazeiroso, tudo em nome do futuro. Às vezes isso enche o saco. FODA-SE O FUTURO. Que se exploda o futuro. Por que temos que viver nossa vida inteira nos prometendo lindos futuros e suportando um presente de merda? Somente a esperança, em toda vida... Às vezes me parece que, pior que a esperança, só mesmo a bomba atômica e a peste bubônica.

E também não tem jeito: a gente só aprende o que quer. Num sou nenhum ás da pedagogia, mas pra mim é indubitável que o conhecimento só se sedimenta em alguém quando aprendemos o que desejamos aprender. E as aulas, quase sempre, são uma sessão de tortura onde se derruba sobre nós uma série de conteúdos que pouco nos interessam: não vemos no quê aquela porcariada toda poderia ajudar em nossa vida. Isso que nos ensinam, nos faz mais felizes? Mais lúcidos? Mais inteligentes? Por mim, só me fazem mais irado. Isso não quer dizer, claro, que esses três últimos anos da minha vida tenham sido totalmente desperdiçados e que eu não tenha feito nenhum desenvolvimento intelectual nesse período. Muito pelo contrário. Talvez nenhum outro período da minha vida foi ou terá sido tão dedicado ao desenvolvimento intelectual, mas a UNESP não tem nada a ver com isso! Andei pelo meu próprio caminho, busquei meus próprios mestres.

E também não tem jeito: os melhores professores estão na biblioteca. Os maiores homens da humanidade estão guardados ali, preservados da morte, aguardando o ressuscitamento. Poucos homens vivos chegam aos pés deles, os grandes mortos de outrora. Sou necrófilo fanático. Quase sempre me pergunto: será que não valeria mais a pena ouvir o que o Aristóteles ou o Spinoza tem a me dizer ao invés de prestar atenção nesses nossos professorezinhos? Não quero cometer o crime de generalizar e tacá-los todos na mesma lama, mas sinto que nenhum deles chega aos pés dos grandes homens do passado. Por mim, um professor já terá feito o bastante se conseguir instigar o alunado a ler; se fizer com que se levante a vontade de ir dar assalto à sabedoria humana acumulada no passado; se apontar outros homens mais sábios que ele que podem nos ensinar mais do que ele mesmo, o professor. O professor é bom quando é o intermediário numa apresentação entre mim e um morto grandioso: caro Descartes, esse aqui é o Eduardo; Eduardo, esse aqui é Descartes. A coisa aí foi bem feita.

"As escolas não ensinam nada que você precisa saber. Então pra quê ir? Pra que tentar?", canta Bob Forrest num de seus momentos niilistas. Adoro cantar junto. Não se trata de fazer apologia à ignorância. Muito pelo contrário. Trata-se de requisitar por um ensino um tanto menos inútil, um pouco mais conectado com nossos desejos, que nos servisse de algo para melhorar nossas vidas. O problema é que não se ensina a sabedoria nas escolas. Eles nos passam informações, nos preparam para o mercado de trabalho, nos afogam nas especificidades da profissão, fabricam diplomas na linha de montagem... E eu no fundo, pra ser franco, estou cagando pro mercado de trabalho, cagando inclusive pro jornalismo, cagando pras informações especializadas. Tô em busca da sabedoria. Tô em busca da VIDA FODONA. Mas isso não se ensina nessa escola, isso não se encontra por aqui. Então pra que serve ela?

Ah, eles nos querem enfiar cu adentro, sem vaselina, toda essa porcariada, toda essa chatice, toda essa inutilidade, todo esse amontoado de lixo! E depois vem nos reprovar, nos condenar, nos BOMBAR, pois não nos mostramos interessados! Isso tudo tem que ser uma piada! Ah, mundo! Ah, mundo...

terça-feira, 28 de junho de 2005

poeminha trim.

“Ah, Love, could you and I with Fate conspire,
to grasp this sorry scheme of things entire,
would we not shatter it to bits, and then
remould it nearer to the Heart’s desire?”

(omar khayyam)


(Ó Amor, se pudéssemos tu e eu conspirar com o Destino para abarcar inteiramente essa estrutura miserável das coisas, não a despedaçaríamos, para depois reformulá-la mais de acordo com os desejos do Coração?)


sexta-feira, 24 de junho de 2005

atualizei...


...o meu ensaio filosófico sobre a FELICIDADE, encontrável logo abaixo, depois do Trail of Dead. Por enquanto ainda tô na fase de descrever as idéias ranzinzas, tenebrosas e niilistóides de um senhor alemão do séc. 18 chamado Schopenhauer. E estou no começo da tentativa de refutação das teses dele com argumentos nietzschianos. Tô partindo da escuridão mais total para tentar chegar à luz, por assim dizer. É ainda um trabalho em progresso. Eu acho que ainda hão de vir umas duas ou três partes para completar a OBRA, para chegar ao CUME, ou seja, ao sponvillianismo. Se alguém se interessar em se aprofundar no assunto, recomendo principalmente três livrinhos: "O Mundo Como Vontade e Representação", de Arthur Schopenhauer (para encarar de frente a noite mais negra!), a coletânea do Nietzsche n"Os Pensadores" (pra começar a ver a luz!) e o "Tratado do Desespero e da Beatitude" do André Comte-Sponville (que, pra mim, é a consumação do brilho, so to speak).

E, por mil diabos, falem alguma coisa!!!

Alguém tá lendo essa porcaria?!

Podem xingar à vontade, se quiserem... Seria muito melhor do que o silêncio. Tá muito "cabeça"? muito chato? não é assunto que interesse? é tudo "muito triste"? vocês preferem textos de AUTO-AJUDA mais no estilo COMO SER FELIZ EM 51 LIÇÕES? preferem blogs que falem "hoje acordei e escovei os dentes com aquela nova marca que anuncia no Jornal Nacional, comi chucrutes com manteiga que estavam uma delícia, dei ração para o meu lindo cachorrinho Bilu-bilu e depois comecei a me sentir entristecido"? gostariam que eu fosse para o inferno com o meu blog idiota e meus textos enormes, escrotos e ilegíveis?...

Sério: dá uma sensação tão ruim de TRABALHO EM VÃO quando ninguém comenta os textos...

Ui.

sábado, 18 de junho de 2005

resenha fresca saindo.

...TRAIL OF DEAD
"Worlds Apart"
(interscope records, 2005, importado ou MP3)

Toda uma série de rótulos espertinhos podem ser empilhados pra tentar descrever o som desses texanos malucos do ...Trail Of Dead: "um Sonic Youth endemoniado". "Um My Bloody Valentine mais machão". "O Nirvana do emo". "O The Who ressuscitado nos anos pós-grunge". "O que o Mogwai seria se tivesse colhões". "Glenn Branca para leigos". "Slint rebelado contra a sonolência". E vai embora... Mas o duro é que eles, no fundo, não se encaixam direito em nenhum estilo preciso dentro do universo vasto demais do chamado "rock alternativo". E mais: são ambiciosos e "climáticos" demais (PROG, pois não!) para serem hardcore-punk. Não tem suficiente sentimentalismo e letras românticas pra serem EMO de verdade. A barulheira que fazem não é pesada e metida a malvada o bastante para ser METAU (apesar do jeitão de death metal da capa do disco novo). São "difíceis" demais pra cair no novo-rock mainstream de Strokes e Franz Ferdinand. E a violência é demasiada para os ouvidos indie sensíveis demais, acostumados ao Belle & Sebastian e ao Iron & Wine com seus murmúrios e sussuros... O Trail of Dead paira então num vácuo conceitual: nenhum rótulo se prega neles com perfeição, nenhum é capaz de esgotar o som da banda. O mercado, por sua vez, não sabe ao certo o que fazer com eles: apesar de estarem lançando seu segundo álbum por uma grande gravadora (Interscope), ainda estão relegados ao status de banda cult de baixa vendagem.

No passado, os caras chegaram a fazer certa fama pela trilha de guitarras, baixos, baterias, cabos e microfones que mataram sem piedade, todos deixados aos frangalhos nos palcos deste nosso mundo que tiveram a honra de presenciar alguns dos pandemônios deadianos LIVE. Até mesmo remotos municípios caipiras desse nosso Brasil tiveram a honra de receberem shows do TOD (e, segundo relato de um certo são-carlense, foram fodidamente bons). A imprensa mundial concordou em dizer que as performances ao vivo dos garotos estavam entre as mais explosivas já vistas e não faltaram várias comparações feitas entre o Trail of Dead ao vivo com os shows da fase mais enérgica do The Who, aqueles que sempre acabavam com o esmigalhamento dos instrumentos de Pete Townshend, Keith Moon e John Entwhistle num delírio destrutivo que depois muita gente se pôs a imitar... Em estúdio, a banda parece nunca quer conseguido capturar toda a energia dionisíaca que (dizem...) emanava dos palcos, mas cravaram pelo menos um clássico álbum na história da década 00 com o disco anterior, Source Tags and Codes. Enfim, o Trail of Dead, no pós-Nirvana, foi uma das poucas bandas raivosas, malditas, explosivas e catárticas (as outras sendo, talvez, o At The Drive-In e Queens of the Stone Age), que conseguiu preencher a sede de violência da juventude com GUITARRISMOS CATACLÍSMICOS e vocais de rasgar as cordas vocais. E mais: pra delícia dos indies, ficava claro que uma banda com um nome desse tamanho não estava lá muito fim de ser extremamente popular.

Esse Worlds Apart (Interscope Records, importado, 2005), quarto álbum da banda, chega com a difícil missão de tentar atingir altura semelhante a de seu predecessor, o celebrado épico indie-emo-punk-pinkfloydesco (!) Source Tags and Codes, um dos grandes lançamentos de 2002. Numa primeira ouvida, o fracasso parece evidente. Source Tags... era um disco mais excitante, mais enérgico, mais urgente, mais coeso. Tão fudido de bom que promete ficar definitivamente como a obra-prima insuperável da banda. Mas a comparação com o passado não serve apenas para empalidecer a atual fase do Trail of Dead: Worlds Apart mostra sim que a banda está explorando novos horizontes sônicos e indo muito além dos sonic-youthianismos ortodoxos que preenchiam os 2 primeiros discos. O certo é que a banda não estagnou na fórmula VAMOS XEROCAR O SONIC YOUTH E TACAR MAIS SANGUE E MEMBROS DECEPADOS POR CIMA e ousou trilhar novas estradas. Os garotos que copiavam os ídolos se tornaram definitivamente uma banda única que, após ter comido e reprocessado centenas de bandas de guitar rock barulhento, vomita um som que não é paga-pau ou plagiador de nenhuma delas. . . QUERO LER TUDO!

sábado, 11 de junho de 2005

filosofando a felicidade.

A FELICIDADE, SONHO IMPOSSÍVEL?



I. SCHOPENHAUER: o pêndulo da vida oscila entre o sofrimento e o tédio

Ó mundo de efemeridade, ó mundo de fluidez, onde tudo se escorre e vaza por entre os dedos como água corrente... É realmente muito triste que nada dure, que toda alegria seja fugaz, que todo entusiasmo seja evanescente, que todo prazer seja apenas momentâneo... “Todo contentamento dos mortais é mortal”, diz Montaigne, e não há mesmo nada a fazer. Xingar o rio é pior. E, aliás, nenhum xingamento, nenhum pedido, nenhuma prece, tem o poder de parar o fluxo. Tentar parar a correnteza é inútil, impraticável, perda tola de energia... O que nos resta é nos deixarmos descer, desapegados, rio abaixo. “Tudo flui”, constata Heráclito. “Flua também!”, poderíamos acrescentar como conselho.

Eu ando a me recomendar o seguinte:

Não se alegre demais com as suas alegrias, não se entristeça demais com as suas tristezas: elas não vão durar.

Tudo isso, absolutamente tudo isso, é certamente provisório.

E o que cumpre perguntar é: nesse mundo de impermanência, é possível a felicidade? Ou é ela, a felicidade, apenas mais uma das mentiras que o homem inventou para se consolar, apenas uma utopia irrealizável, apenas algo eternamente sonhado e nunca alcançado? Enfim, é possível realmente conquistar alguma satisfação durável, alguma alegria permanente, dentro desse mundo em que nada parece ser durável, nada parece ser permanente?

Schopenhaueur, conhecido como um dos mais pessimistas dos filósofos da história do pensamento, tinha realmente idéias bastante sombrias sobre a vida humana e as possibilidades de alcançar a felicidade. Seria um tanto exagerado dizer que, na visão de Schopenhauer, a felicidade é absolutamente impossível. Ele concebe sim um certo estado mental “iluminado”, liberto de toda vontade e de toda a individualidade, que seria a única possibilidade para que o homem escapasse dum gélido e horroso mundo de sofrimento e tédio. Mas até mesmo esse estado “iluminado” que Schopenhauer descreve (e que é bastante semelhante às “iluminações” descritas pelos sábios orientais budistas, taoístas e hindus...) não é durável, não é PERPETUÁVEL.

O famoso PÊNDULO DE SCHOPENHAUER é realmente uma das idéias mais melancólicas que um filósofo já pôde pensar. E assusta tanto mais por parecer tão verdadeira, tão plausível... O desejo, diz Schopenhaeur, é sempre expressão de uma necessidade, de uma falta, de uma ausência. Só desejo o que não tenho, o que não sou, o que perdi, o que ainda me está prometido, o que não está presente. A força selvagem do desejo berra no interior de todo ser humano, exigindo satisfação, e é o sofrimento aquilo que advêm quando existe um intervalo muito grande entre o desejo e sua satisfação. Todo mundo sabe que desejar sem gozar é sofrer. As crianças muito pequenas servem para provar uma verdade sobre o desejo: elas só choram tanto pois não suportam o intervalo entre o desejo e a satisfação; reclamam, aos berros, esperneando, gratificação imediata para todos os seus anseios. O processo de amadurecimento, no fundo, consiste basicamente em aprender a suportar um intervalo cada vez maior entre o desejo e sua satisfação; consiste em começar a aceitar o fato de que alguns desejos podem demorar para serem satisfeitos devido a uma série de obstáculos, restrições, dificuldades; e até mesmo aceitar que alguns desejos são irrealizáveis e devem ser abandonados... Freud não dizia outra coisa quando dizia que amadurecer significa substituir o “princípio de prazer” pelo “princípio de realidade”.

O problema então é o seguinte: nosso desejo sempre exige uma satisfação que não demore muito (pois essa demora é sentida como sofrimento, como mal-estar), e muitas vezes essa satisfação não é facilmente alcançável ou chega a ser mesmo impossível. Muita gente não chega nunca a perceber que a maior causa da nossa infelicidade é a nossa insistência em desejar coisas impossíveis. Quando o desejo voa alto demais, não há mesmo nada na realidade que possa vir satisfazer esse desejo... E continuamos a desejar que o mundo seja perfeito, que exista um Deus bom, generoso e justo lá em cima, que a vida seja uma linda escada de diamantes, plena de alegrias, que conduz ao Paraíso, que as pessoas sejam todas amorosas e cheias de virtude, que a vida tenha um sentido... e depois nos surpreendemos por nos sentirmos decepcionados...

A solução (e é essa a mais importante das lições que dão os filósofos estóicos) é justamente MODERAR O DESEJO. A felicidade nunca será alcançada, dizem os estóicos, se continuarmos a permitir que nossa vontade se dirija a objetos utópicos, irreais, inexistentes. Nossas ambições desmesuradas, nossa cobiça desenfreada, nossas esperanças muito idealistas, sempre causam infelicidade: elas são desejos que não encontram nunca no real algo que os satisfaça. A sabedoria estaria então num TRABALHO SOBRE A VONTADE que a tornasse ADAPTADA À REALIDADE. É preciso aprender a querer menos, a querer melhor, a querer o possível, o realizável, o alcançável. É preciso querer somente o que o desejo pode agarrar. “Queres pouco, terás muito... queres nada, terás tudo...”, diz o poema de Fernando Pessoa. É aquele papo: aprenda a querer o que você já tem, e então terá o que quer.

Na tenebrosa visão de Schopenhauer, o desejo é como que a semente de todo o sofrimento (e nesse ponto, como em muitos outros, ele se aproxima muito do budismo). Nâo há nenhum sofrimento que não seja frustração de um desejo ou demora na satisfação de um desejo. Somos infelizes pois a vida não é como desejamos que seja. Simples assim. Se conseguíssemos desejar que a vida fosse exatamente como é, se conseguíssemos deixar de querer que ela seja algo de diferente, algo de aperfeiçoado, algo de melhor, não estaríamos enfim reconciliados com ela?

Mas, dirão alguns, pretendendo refutar o sombrio alemão, que nem todo desejo é impossível de satisfazer, e que é inegável a existência do prazer quando conquistamos o objeto dos nossos desejos. Sem dúvida que é assim. Schopenhauer não nega. Negar a existência do prazer seria ridículo de um filósofo dessa categoria. O problema, claro, é que o prazer não dura. Todo desejo satisfeito nos causa um pequeno momento de prazer, o rápido fulgor subjetivo da alegria, um pequeno brilho na escuridão do sofrimento, mas logo ele, o prazer, destrói o desejo que o precedeu, e então o que sobra?... O tédio, o aborrecimento, o enfado. O prazer é o carrasco do desejo. E morto um desejo, assassinado pelo prazer, corre a nos dominar um novo desejo, e assim segue a vida, nessa “constante marcha adiante do desejo”, como diz Hobbes. O prazer é como um aliviante balde d’água que se despeja sobre o fogo do desejo. E, apagado o fogo, infelizmente, não é o repouso que se encontra: das cinzas renasce, como Fênix, um novo desejo. E saímos então, mundo afora, à caça de numerosos baldes d’água para apagar fogos que se sucedem numa fila sem fim, bombeiros no incêndio do desejo...

Quando a satisfação demora, sofremos. Quando a satisfação é conquistada, ela não dura. E, acabado o gozo fugaz da satisfação, chega o tédio, volta um novo desejo, e o carrossel prossegue. Saímos como loucos, mundo afora, em busca daquilo que desejamos, e quando conquistamos os objetos dos nossos desejos e gozamos esse efêmero prazer, percebemos que isso não adiantou de nada, que a felicidade continua ausente, que estamos ainda sendo impelidos para o ausente, para o distante, insaciados... Ouçamos o alemão num trecho que sintetiza muito bem seu pensamento:

“Todo querer procede de uma necessidade, isto é, de uma privação, isto é, de um sofrimento. A satisfação põe-lhe um fim; mas, para cada desejo que é satisfeito, dez pelo menos são contrariados; além disso, o desejo é demorado, e as suas exigências tendem para o infinito; a satisfação é curta, parcimoniosamente medida. Mas este contentamento supremo é apenas aparente: o desejo satisfeito cede lugar em breve a um novo desejo; o primeiro é uma decepção ainda não reconhecida. A satisfação de nenhum desejo pode conseguir contentamento durável e inalterável. É como a esmola que se lança a um mendigo: ela salva-lhe hoje a vida para prolongar a sua miséria até amanhã. – Enquanto a nossa consciência está preenchida pela nossa vontade, enquanto estamos subjugados pelo impulso do desejo, pelas esperanças e pelos temores contínuos que ele faz nascer, enquanto somos súditos do querer, não existe para nós nem felicidade duradoura, nem repouso.” (O Mundo Como Vontade e Representação, pg. 206)

O desejo, mesmo quando satisfeito, é problemático. A satisfação é sempre efêmera, escoa por entre os dedos, esvai-se como fumaça... E o que se segue é o tédio, sempre curado com as mais estúpidas das distrações e dos passatempos. E novos desejos sempre renascem dentro do nosso coração, nos impelindo sempre adiante nesse labirinto de privação, necessidade, dor e tédio que é a vida humana... Conclusão de Schopenhauer, naquela frase que Sponville depois vai considerar como “a mais triste da história da filosofia”: “...a vida oscila, como um pêndulo, da direita para a esquerda, do sofrimento para o aborrecimento” (O Mundo Como Vontade e Representação, pg. 327). E o prazer é somente um rápido pit-stop entre esses dois pólos do pêndulo da vida. È isso a vida humana: algumas esparsas ilhas de alegria em meio a um oceano de dor. Estamos perdidos: a felicidade é impossível. Ou ao menos é o que nos induz a crer esse tenebroso sistema de Schopenhauer.

E que não se creia que os ricos sejam mais felizes que os pobres. O dinheiro, esse coringa do desejo, certamente faz com que os ricos possam alcançar mais facilmente os objetos de seus desejos, mas isso está muito distante da tal da felicidade. Ao contrário do que pensa o senso-comum, conseguir o que se deseja não é alcançar a felicidade, diz Schopenhauer, mas sim cair no pântano do tédio. E, para se safar do tédio, os ricos não cessam nunca de inventar novos desejos: a cada ano, querem mais um zero na conta bancária, mais um carro na garagem, mais uma casa no litoral, mais uma caneta de diamantes, mais um balde de gelo de ouro... Os ricos, mesmo que um tanto mais imunes ao sofrimento dos desejos insatisfeitos, sofrem mais com o tédio, com a monotonia de uma vida aborrecida, que é preciso gastar em distrações mil. Já os pobres sofrem com a necessidade, com a inacessibilidade do almejado, a perpétua ausência do desejado. E, claro, também são capazes – e muito! – de se aborrecerem. Os ricos não detêm o monopólio do tédio: é ele um mal universal muito bem distribuído. A infelicidade (ao menos nisso há justiça!), está muito bem dividida entre todas as classes sociais, diz Schopenhauer, “e vêem-se pelo menos tantos rostos risonhos entre os pobres como entre os ricos”. Isso porque “no homem, nem a alegria nem o humor triste são determinados por circunstâncias exteriores, como a riqueza ou a situação no mundo” (pg. 332). Ricos e pobres podem até ter maneiras diferentes de serem infelizes, diz o simpático filósofo, mas infelizes o são, ambos, de maneira semelhantemente patética.

“...se a necessidade e o sofrimento nos concedem mais cedo uma trégua, o aborrecimento chega: é preciso, a todo custo é preciso qualquer distração. Aquilo que constitui a ocupação de qualquer ser vivo, o que o mantêm em movimento, é o desejo de viver. Pois bem, uma vez assegurada esta existência, não sabemos que fazer dela, nem em que a empregar! Então intervém a segunda mola que nos põe em movimento, o desejo de nos livrarmos do fardo da existência, de o tornar insensível, de ‘matar o tempo’, o que quer dizer fugir do aborrecimento. Deste modo vemos a maior parte das pessoas que estão ao abrigo das necessidades e das preocupações, uma vez desembaraçadas de todos os outros fardos, acabarem por ser uma carga para elas mesmas, dizerem a cada hora que passa: “tanto ganho!” – a cada hora, isto é, a cada redução dessa vida que elas tanto empenho têm em prolongar, visto que, até aí, consagraram todas as suas forças a esta obra.” (O Mundo Como Vontade e Representação, pg. 328)

Eis então a vida descrita em toda a sua miséria: já que “...nenhuma satisfação, nenhum contentamento pode durar...” (326), “...a perpetuidade dos sofrimentos é a própria essência da vida...” (298), diz o melancólico alemão. “Para a maioria, a vida é apenas um combate perpétuo pela própria existência, com a certeza de serem finalmente vencidos” (328). Disso tudo Schopenhauer tira a “convicção de que, por natureza, a vida não admite nenhuma felicidade verdadeira, que é essencialmente um sofrimento em aspectos diversos, um estado de infelicidade radical...” (339). O próprio Freud, que em muitos aspectos é um pensador tipicamente schopenhaueriano, declarou em seu O Mal-Estar na Civilização que a felicidade é impossível: “Não entrou no plano da ‘Criação’ que o homem ia ser feliz. O que se chama de felicidade, no sentido mais estrito, é o resultado da satisfação momentânea de necessidades que atingiram uma alta tensão, sendo somente possível, por sua própria natureza, como fenômeno episódico...”. Noite total. E ainda há o que adicionar a esse quadro tenebroso. Schopenhauer, como se sua doutrina ainda não estivesse suficientemente sombria, ainda acrescenta apontamentos (deliciosamente rabugentos!) tais como:

“Na verdade, custa a crer a que ponto é insignificante, vazia de sentido, aos olhos do espectador estranho, a que ponto é estúpida e irrefletida, para o próprio ator, a existência que a maior parte dos homens leva: uma espera tola, sofrimentos estúpidos, uma marcha titubeante através das quatro idades da vida, até esse termo, a morte, na companhia de uma procissão de idéias triviais. Eis os homens: relógios; uma vez montados, funcionam sem saber por quê.” (O Mundo como Vontade e Representação, pg. 338)

“A vida de cada um de nós, se a abarcarmos no seu conjunto com um só olhar, se apenas considerarmos os traços marcantes, é uma verdadeira tragédia; mas quando é preciso, passo a passo, esgotá-la em pormenor, ela toma a aparência de uma comédia. (...) Dir-se-á que a fatalidade quer, na nossa existência, completar a tortura com o escárnio: ela coloca-lhe todas as dores da tragédia, mas, para não nos deixar ao menos a dignidade da personagem trágica, reduz-nos, nos pormenores da vida, ao papel de bobo.” (O Mundo como Vontade e Representação, pg. 338)

“...viver, regra geral, é esgotar uma série de grandes e pequenas infelicidades; cada um, aliás, esconde o melhor que pode as suas, porque sabe bem que, deixando-as ver, raramente provocaria a simpatia ou a piedade, mas quase sempre a satisfação: não ficam as pessoas todas contentes por verem os males que evitaram? Mas, no fundo, talvez não encontrássemos um homem, no fim da sua vida, e ao mesmo tempo refletido e sincero, que desejasse recomeçá-la, e não preferisse antes um absoluto nada. No fundo e em resumo, o que existe no monólogo universalmente célebre de Hamlet? Isto: o nosso estado é tão infeliz que um absoluto não-ser seria muito preferível.” (O Mundo como Vontade e Representação, pg. 340)


II. SCHOPENHAUER: se desejo é dor, matemos o desejo! E Nietzsche se levanta: "nããããão!"


Não há então salvação no reino do desejo. Quanto mais desejo há, mais sofrimento há de advir. Ecoando a mensagem de Buda, Schopenhauer diz que tudo é dor, que toda dor provêm do desejo, e que o único meio de libertação é o aniquilamento completo do desejo, o nada da vontade: o que o budismo chama de Nirvana e o que Schopenhauer vai chamar pelo nome apavorante de Negação da Vontade de Viver, que se caracterizaria pela “supressão espontânea e total, a negação do querer, o verdadeiro nada de toda vontade”. Segundo Schopenhauer, “esse estado único em que o desejo se detém e se cala, em que se encontra o único contentamento que não se arrisca a passar, esse único estado que liberta de tudo... eis o que chamamos o bem absoluto... eis onde vemos o remédio radical e único para a doença, enquanto que todos os outros bens são puros paliativos, simples calmantes.” (380)

Já dá pra começar a suspeitar aonde isso vai dar: num ascetismo budista-cristão que, no fundo, é extremamente niilista. Aquele que prega a auto-mortificação, a indiferença a todas as coisas mundanas, a recusa de todos os prazeres, o abraço a todos os males... Já que o desejo é a raiz de todos os demônios, é preciso tomar medidas drásticas para aniquilá-lo, e eis Schopenhauer a nos aconselhar uma vida de pobreza voluntária, de jejum, de castidade, de completa resignação ao sofrimento, como fizeram os grandes “santos” e “místicos orientais” que tanto empenho devemos colocar em imitar... A revolta contra o instinto. A tentativa de homicídio contra o desejo.

Nietzsche, em muitos aspectos um discípulo direto de Schopenhauer, se revoltou contra essa doutrina de seu mestre, que considerava tão nojentamente próxima da cristã. E acusou todos - os budistas, os cristãos, os estóicos, os schopenhauerianos - de niilistas. Pois, de fato, o que significa ser um niilista? Significa dizer, basicamente, que essa vida não presta, que o mundo é um lugar terrível, que seria preferível nunca ter nascido, e que a vontade de viver, esse núcleo de todo ser vivo, merece ser negada. E o que o cristianismo diz senão que esse mundo é um terrível vale de lágrimas que é preciso suportar com resignação? E o que diz o budismo senão que “tudo é dor” e é que preciso auto-aniquilar toda a vontade, inclusive a vontade de viver? E que diz Schopenhauer senão exatamente a mesma coisa?

Nietzsche, como se sabe, vai procurar outro caminho, que não é o da resignação, que não é o do esmigalhamento da vontade, que não é o Nirvana, mas sim o oposto: o fortalecimento da vontade de viver e da vontade de poder, uma negação vigorosa da resignação, um sim! convicto dado ao instinto, uma afirmação dionisíaca da vida borbulhante, sofrida sim, trágica muitas vezes, mas mesmo assim digna de ser vivida, digna de ser afirmada, digna de ser amada... Schopenhauer é verdadeiramente um dos filósofos mais niilistas que conheço. Mesmo Marcel Conche, esse campeão do niilismo, tem uma mensagem um pouco mais positiva sobre a vida humana do que Schopenhauer. Mas nada prova que o niilismo esteja errado. Por enquanto, Schopenhauer ainda espera ser refutado. Nietzsche tentou.

De fato, a crítica de Nietzsche parece proceder. Quando uma pessoa faz tantos esforços no sentido de negar, reprimir, matar seu desejo, não se torna muito parecida com um MORTO? Não se torna apática, indiferente, vegetal? Não acaba por destroçar seu psiquismo à base de tanta repressão do instinto? Não se torna uma mente doentia, dopada, anestesiada, mutilada por tudo que foi reprimido e mantido no cárcere da mente? Enfim, essas pessoas que Schopenhauer, o budismo e o cristianismos nos convidam a imitar - o santo cristão, o anacoreta mendicante, o religioso auto-mortificante... – são realmente dignas de serem imitadas? Não são pessoas totalmente sem vida, niilistas do pior tipo, covardes que negaram a vida por medo do sofrimento? “Não é sadio desejar?”, pergunta a personagem da Julie Delpy no filme “Antes do Pôr-do-Sol”. “A incapacidade de desejar não é sintoma de depressão?”

Nietzsche via na revolta contra o instinto um sintoma de decadência e de niilismi, um terrível auto-mutilamento, uma neurose psíquica, enfim, um ATENTADO CONTRA A VIDA. “Buscar a a razão a todo preço, a vida clara, fria, prudente, consciente, despojada de instintos e em conflito com eles, foi somente uma enfermidade, uma nova enfermidade, e de maneira alguma um retorno à virtude, à saúde, à felicidade. Ver-se obrigado a combater os instintos é a fórmula da decadência, enquanto que na vida ascendente felicidade e instinto são idênticos.”, diz ele no “Crepúsculo dos Ídolos” (O Problema de Sócrates, #11) Ou seja: “atacar a paixão é atacar a raiz da vida”.

Enfim, Schopenhauer não será somente um melancólico e taciturno senhor alemão que, incapaz de viver os prazeres da vida, se entrega a fazer uma deplorável apologia do masoquismo e do suicídio lento e gradual? Não será ele somente um neurótico, um maníaco-depressivo, que cometeu o crime de generalizar a sua condição particular e fazer da condição humana em geral algo de tão insípido e de tão sofrido? Que cada um consulte sua experiência para checar se a vida tem sido assim tão cruel e tão infeliz quanto Schopenhauer a pinta. Não, não acho que tudo seja tão terrível assim. Pode ser que não sejamos exatamente felizes, exultantes, beatíficos, vivendo nas nuvens, abrigados numa casa de prazer constante e imortal, mas também não somos personagens de uma peça trágica onde tudo é dor, tédio e desejo de morrer...

Mas ainda é preciso refutar Schopenhauer com mais força. Se pintamos sua doutrina com uma tinta tão negra, foi só para que, na sequência, as cores mais amenas sejam mais fáceis de se ver. O excesso de escuridão fará com que a luz - e já estou começando a enxergá-la.... - brilhe com mais força. Já que esse tipo de “sabedoria”, de “santidade”, sugerida por Schopenhauer não nos convêm, pois nos torna assemelhados a bichos dopados e apáticos, pois não passa de um suicídio disfarçado, tomado gota a gota, é preciso encontrar uma outra sabedoria, um outro modo de vida, uma outra concepção da existência e do desejo... E ela é:

(CONTINUA...)

terça-feira, 7 de junho de 2005

Fugazi na Dying Days.

rock is dead o caralho!

Uma das mais fuderosamente cool das bandas de surf-rock dessa dimensão espaço-temporal onde agora estamos, the dead fucking rocks, está no estúdio pra gravar seu primeiro full-lenght. O Falcon, ex-compatriota na hoje finada república Buçalouca, aquela que ficava lá perto da República Palestina (oh, sim, lá no Oriente Médio...), foi lá ver como andam as gravações e os negócios da banda. E relata esse momento histórico nessa matéria/entrevista com o power trio são-carlense surf as fuck tão venturoso quanto Dick Dale... Ai ai.

* * *

- The Dead Rocks, finalmente, em estúdio -
O CD vai se chamar The International Brasilian Surfs
e começou a ser gravado no último dia 8 em São Paulo

por FÁBIO DE RIGGI

O tão esperado primeiro álbum da banda são-carlense de surf music The Dead Rocks já está sendo gravado. O álbum foi gravado entre os dias 8 e 10 de maio no estúdio Submarino, em São Paulo, e vai se chamar The International Brazilian Surfs.

O CD deve conter 19 faixas, com músicas próprias e versões de clássicos brasileiros que vão desde o samba de Cartola até a viola caipira de Helena Meireles.

O estúdio Submarino é do Clayton Martin, atual baterista da Detetives, que tocou na Os Ostras e já produziu bandas como os Autoramas, Thee Butchers Orchestra, Bionica, Gasolines e a própria Detetives.

Composto pelo trio Marky Wildstone (bateria), Frank Funk (contra-baixo) e Johny Crash (guitarra), the Dead Rocks conversaram comigo sobre o CD, o Gordo da MTV, Europa e, claro, surf music.

FABIO – Começa pelo CD.

THE DEAD ROCKS – Não tem selo definido ainda, o que tem é proposta, por exemplo da Trattore, que é quem já está distribuindo o Bifidus Ativus, outra banda do Marky que lançou o álbum Marcinha no ano passado.

O que a gente pretende é acabar o disco e ter ele pronto para oferecer para algumas gravadoras. Vamos tocar em Goiânia dia 22, no Bananada Festival, e tem uma gravadora legal lá, a Monstro discos, a gente pretende oferecer para eles e para alguns outros selos e ver o que acontece.

F – Como vai ser o álbum?

TDR – São umas 12 músicas próprias e umas sete versões, de samba, de música erudita, caipira... Na verdade a surf music tem sempre esse ponto de ter um lado irônico, de pegar uma música, uma canção popular e reviver ela em outra roupagem.

Tem o exemplo da banda Ventures que fazia discos temáticos, só com temas de televisão, de natal, etc...É esse espírito da surf music, fazer versões instrumentais, quando a música tem vocal, você tira e a guitarra faz a linha do vocal.

F – Quando fica pronto?

TDR – No começo de maio a gente grava, final de maio está pronto. Acho que para o final de julho dá para soltar o CD.

INÍCIO DA BANDA:

TDR – A gente se conhece a mais ou menos 15 anos. Então não dá para saber direito quando começou, mas foi difícil, principalmente porque é tradicional você ter um vocalista, que é quem faz a aproximação com o público.

Quer dizer, você ir num bar para tocar instrumental a noite inteira causa um choque primeiramente cultural, o pessoal pergunta, “mas cadê o vocalista?” Então até a pessoa ver que não precisa do vocalista, que é a guitarra quem faz a voz principal, vai um tempo.

Mas ao mesmo tempo a gente já passou em cidades em que, no primeiro momento soou estranho, mas depois de um ano, a gente voltou e já tinha bandas de surf music lá. Por exemplo em Bauru, Taquaritinga. Isso é legal, além da pessoa curtir, ainda montou uma banda e está colocando o estilo pra frente.

NOVOS EQUIPAMENTOS E INFLUÊNCIAS:

TDR – O Frank já usa laptop acompanhado de um teclado midi, onde ele controla os efeitos de voz, e agora a gente vai estrear uma bateria midi para soltar outros sons eletrônicos.
Existe uma influência muito grande da Man or Astroman?, que também usa vários elementos eletrônicos, e ao mesmo tempo todos os integrantes da banda sempre tiveram muito contato com musica eletrônica, todo mundo toca desde pequeno e cada um tem uma formação diferente.
Mas desde que começou essa popularização da música eletrônica a gente sempre procurou aprender com isso, diferentemente de muitas bandas de rock que se opõem, que acham que são coisas totalmente diferentes, a música eletrônica e o rock.

A gente já acha que existe um diálogo entre as duas e que isso tem que ser aproveitado. Porque hoje em dia a música eletrônica está em tudo, na tevê, no rádio... E não tem porque não usar mais um meio pra se expressar. Sem abandonar guitarra, bateria, mas acrescentando essas coisas também.

GORDO A GOGÔ:

FABIO – Como foi tocar no programa do Gordo?

TDR – A gente tocou lá em Dezembro do ano passado. Recebemos um convite de uma pessoa que trabalha lá e veio para São Carlos, assistiu a um show nosso, gostou e falou “olha, me manda um material que dá pra encaixar vocês”, e acabou rolando.

Talvez a gente volte no segundo semestre deste ano. E o bom é que o programa do Gordo abre outras portas. A gente fez três músicas e o mais importante é que fomos muito bem recebidos. Além disso, deu para notar a repercussão, principalmente por meio do nosso site: a gente tinha 4oo visitas por mês e foi pra mil, 1200 visitas.

CAMPEONATOS DE SURF:

TDR – É a segunda vez que a gente toca no Campeonato Mineiro de Surf, que é um encontro nacional de bandas de surf music.

Não é um campeonato do esporte surf, até porque Minas só tem morro.

A gente faz parte de uma associação de bandas de surf music que chama Reverb Brasil (http://www.reverb-brasil.org/), que está com 22 bandas atualmente, espalhadas pelo Brasil, que fazem o mesmo estilo, então a gente se comunica e uma vez por ano rola o evento onde a gente encontra parte das bandas.

São quatro dias de festival com umas 4 bandas por dia. A gente tocou lá no ano passado e tocou esse ano também, como banda convidada. E dá um retorno super legal porque você pode tocar surf music num lugar onde todo mundo toca e curte surf music e ao mesmo tempo dá para comparar o teu trabalho com o de outras bandas para ver o nível que você está.

Além disso, Belo Horizonte é o berço da surf music no Brasil. Dick Dale, que é o pai do estilo, esteve lá, tocou com a galera... Então tem toda uma mística aí.

É um estilo que funciona muito bem nesse sentido. Se totalizar, a Reverb Central que lista as bandas de surf no mundo tem umas 1000 bandas. É muito pouco se comparar com bandas de rock, por exemplo.

E tem muito subgêneros no rock, surf não, é sempre surf.

TURNÊ EUROPA:
TDR – A gente está com uma agente de shows na França, onde eu estive em 2003. Produzi alguns shows com ela e ela vai ser nossa agente de shows lá. E desde que eu fui lá, mostrei as coisas da Dead Rocks e ela falou, “olha, aqui tem mercado pra isso aí, dá pra rolar e tal”. Então a gente está dependendo muito mais de nós mesmos que de lá. A gente está esperando o CD ficar pronto pra poder ir pra lá, uma coisa puxa a outra.

Por isso desde janeiro que estamos muito preocupados com o CD, que, por mais que a gente tenha um estúdio, a dificuldade é conseguir ficar junto, porque muitas vezes a gente se encontra pra tocar e depois cada um vai para um canto, o Frank mora em São Paulo...

Mas acabou rolando, a gente encontrou o Clayton, que era o baterista dos Ostras, num show aqui em São Carlos, tem um estúdio lá em São Paulo que já gravou várias bandas que achamos legal e dá para fazer no esquema que a gente quer. Aqui também daria, mas exigiria muito mais produção, lá não, está tudo pronto, é sentar e gravar.

SHOWS:

TDR – Dia 22 de maio vamos tocar no Bananada Festival, em Goiânia, que é considerado, senão o maior, um dos 3 maiores festivais de rock do país. Vai tocar Autoramas, Júpiter Maçã, bem legal.

FILOSOFIA DA BANDA:

F – E que história é essa de que o rock morreu?

TDR – (risos)... Na verdade, isso faz parte da filosofia da banda, não existe uma resposta satisfatória. A gente nem acredita muito que o rock está morto, mas a essência dele acabou, entendeu? Hoje em dia você vê na televisão Detonautas, Skank, e isso é rock, Charlie Brow Jr. é rock. Então as coisas já não são mais como antigamente.

E ao mesmo tempo tem a parada do surfista, que quando você está surfando você fala rock is dead, que é a pedra onde você pode cair e morrer. Existe essa conotação.

E tem a conotação da própria banda: rock is dead, é a gente, nós somos os caras e não tem pra ninguém. E mais um milhão de respostas. Isso é discutido entre nós há muito tempo.

Mas surgiu a partir da cena de rock da nossa cidade, que é péssima. Faz 15, 20 anos que a gente está aqui e as bandas só tocam aquele rock anos 70... Todos os mortos.

O rock é dos mortos.