sexta-feira, 24 de dezembro de 2004

< MISSA DE BATISMO Pt. 2. EM DEFESA DOS BLOGS! >

Me sinto como se tivesse que me defender pelo crime de ter feito nascer essa múmia.

Primeiro os advogados de acusação: por que diabos mais um blog? O mundo já não está suficientemente contaminado com estas pestes? Precisa mesmo de mais um sujeitinho desprezível falando coisas sobre seu cotidiano desprezível e fingindo que tudo é grandioso e heróico? Mais um narcisinho exibindo o pau no palco do mundo para o mundo olhar e admirar? Mais um travesti fingindo-se de importante só por que tem sua morada na Internet? E, além do mais, que diferença vai fazer? São tantos os blogs no mundo, tanta a quantidade de informação, tanta a concorrência... como você espera fazer-se ouvir no meio dessa zona?

E minha modesta defesa contra essas acusações tão pouco gentis: sei bem que o mundo já tem um número de blogs alto o suficiente, que a maioria deles só tem tolices, que eles costumam ser uma ferramenta de exibicionismo narcísico, mas nem tudo é podridão no mundo dos blogs, e há alguns de que eu gosto bastante. No fundo, sou um grande entusiasta da Revolução Blóguica e incentivo ainda mais sua disseminação. Um pouco de história talvez sirva pra elucidar porquê acho tão legal o lance dos blogs:

Um blog, originalmente, era para ser um diário virtual - ao menos era assim que o bichinho começou a ser descrito quando começou a dar suas engatinhadas. Com o tempo, transformou-se em algo muito mais vasto, como se sabe: a tecnologia do blog revolucionou com a força dum furacão todo o mundo cibernético e transformou-se em epidemia descontrolada, deixando pra trás seu objetivo original de ser simplesmente uma ferramenta para publicação de “diários”. Isso porque permitiu que um número muito maior de pessoas pudesse se pronunciar na Internet ao tornar supérfluo o conhecimento de HTML e de webdesign.

Na antiga Internet de 1998/1999, me lembro bem, não havia nenhum serviço que se assemelhasse aos publicadores de blogs, e quem tinha seus desejos ardentes de colocar uma página no ar - era o meu caso - tinha necessariamente que botar os miolos pra funcionar e aprender HTML se não quisesse desembolsar uma graninha pra contratar pessoal competente. Óbvio que o HTML não é uma linguagem de programação tão fuderosamente complexa como um C+ ou um Pascal, mas mesmo assim exigia lá um conhecimento mediano sobre computação e sobre a lógica das linguagens que os humanos podem utilizar para se comunicar com as máquinas e fazê-las obedecer às suas ordens. Não foi fácil, naqueles tempos, ler os livrinhos de HTML que vinham encartados na revista .... e que guiavam o leigo em direção ao reino sagrado dos conhecimentos cibernéticos. Naquele tempo, eram também poucos os programas de interface agradável que possibilitam, hoje, criar páginas sem necessidade de códigos. Tempos de dureza: faziam-se páginas com o Bloco de Notas do Windows, cheios com aqueles hórridos “img src” e aqueles “table border”... Mas eu consegui, após algum esforço, criar a muito célebre, antológica, imortal, eternamente escrita na História da Internet brasileira.... DISEASE Home Page! Como assim, vocês não se lembram!?

Hoje sou incapaz de encontrar qualquer pessoa nesse mundo que se lembra que existiu um dia uma DISEASE HP; foi somente uma das inúmeras páginas de MP3 que surgiram quando o formato começou a virar moda e que oferecia, em servidor próprio, uma meia centena de músicas baixáveis, inclusive os clássicos da Sheryl Crow (eu curtia bragarai “If It Makes You Happy” e “All I Wanna Do”), da Joan Osbourne (“What If God Was One Of Us” me parecia muito profunda) e dos Crash Test Dummies (lembram de “Mmm Mmm Mmm”, clássico mor dessa one hit band?). Pô, era 1998! Eu tinha só uns 14!

Aí, depois de uns seis meses no ar, subitamente a foice cruel do servidor ceifou todas as minhas MP3s por considerar que eu estava cometendo um crime digital e fomentando a pirataria... e lá se foi para o caixão minha querida primeira página internética. Fiquei com tanta raiva que tive vontades de virar um hacker, um bandido digital, um mau-feitor dos zeros e uns. Ah se não iria destruir impiedosamente todos os grandes e maus da Internet com a minha espada cibernética! Assinei o zine Barata Elétrica, instalei o Linux Slackware 3.5 no computador, baixei mail-bombers e programas invasores, tentei aprender programação e jurei desprezo eterno a Bill Gates! Depois de me achar muito subversivo, me peguei a pensar que na verdade era mesmo muito NERD. Larguei mão. Mas esses conhecimentos todos depois me possibilitaram fazer a Watchtower e, logo, não foram totalmente em vão.

A Revolução dos Blogs mudou tudo: tornou acessível a todos a publicação de páginas na Internet, coisa antes muito restrita àqueles capazes de programar via HTML. Foi uma imensa ferramenta democratizante. Muito mais gente ganhou o direito de se expressar na Internet e acabou-se a Aristocracia dos Sabedores de HTML. Dizem os detratores que, apesar de ser verdade que muita gente ganhou uma maior liberdade de expressão com o advento dos blogs, o que expressavam, na maior parte dos casos, era bobagem, inutilidade, insignificância. Mas são os males da democracia, ora! Se fôssemos criar uma lei que só iria permitir que se expressassem nos blogs os “inteligentes”, os “sábios”, os “autorizados”, cabô a democracia. E, aliás, quem é que iria decidir quem é que pode falar e quem não pode? Quem iria julgar o que é relevante e o que não é? É repugnante pensar na possibilidade da criação de um órgão estatal que seria responsável por soltar os alvarás de permissão de blogs e que procederia a testes de inteligência e competência textual antes de conceder a certa pessoa um espaço na Internet... Prefiro o caos das expressões ao filtro ordenador da censura. Prefiro essa zona babélica de vozes das “pessoas normais” do que uma mensagem única caindo dogmaticamente de uma empresa multinacional.

Hoje já se sabe que os blogs que foram surgindo aos borbotões não se viram na obrigação de ser “diários”, e a palavra “blog” hoje já perdeu o sentido limitado de “diário digital” para se tornar quase que um sinônimo de “página pessoal” - com a condição de ser publicada com a tecnologia blóguica, esse sintoma da cultura do fast-food... A quantidade de blogs que existem hoje faz suspeitar de uma epidemia de proporções elefânticas. Não tenho as estatísticas, mas dá pra notar, só navegando, que blog é febre. Todo mundo parece estar a fim de construir sua morada no mundo da Internet, e ao notar que os tijolos tão baratos, que os pedreiros trabalham escravamente, e que nem é preciso ter muita coisa de útil com que decorar os interiores, procedem à construção. Deu nisso: explosão demográfica.