sexta-feira, 26 de maio de 2006



SO YOU WANNA BE A ROCK AND ROLL STAR?
ou
GOODBYE TO THE AIR GUITAR DAYS
"Dreams of escape keep me awake
But I'm never gonna get out and make it away
Cause i'm a stone dead tripper dying in a phantasy."

JESUS AND MARY CHAIN, "Blues From a Gun"

Não gosto muito de falar sobre os meus sonhos - porque existem poucas coisas no mundo mais ridículas do que eles... Ainda tenho muita vergonha na cara, então nem vou começar a falar sobre os meus sonhos de amor, eu que lá minhas tendências platônicas, porque é tudo risível demais. Às vezes eu sinto que não importa o quanto eu leia de filósofos pessimistas que dizem que a vida não presta mesmo e que não se deve esperar muito dela, e não importa que eu tente me tornar "refinado" e racional, porque a verdade é que eu tenho uma novela mexicana inteira dentro da minha cabeça... Se algum dia eu estiver precisando de emprego, eu sei que eu posso tranqüilamente me mudar pro México e colocar a minha máquina de fazer sonhos pra funcionar e ser um roteirista muito bom dessas novelas muito ruins. Porque eu bem conheço - por ter tantas vezes imaginado... - esses "enredos" onde as almas são mesmo gêmeas, fazem e cumprem promessas de amor eterno e o final é sempre feliz... Sonhos em geral são uma coisa pra lá de idiota. Os meus principalmente, mas os de vocês eu não conheço. Talvez porque 'cês também devem ter um pouco de vergonha de falar sobre isso. Mas hoje quero falar um pouco dos meus sonhos – pelo menos pra vocês darem um pouco de risada. :)

É o maior sonho da minha vida, o mais recorrente, o mais insistente, o mais obsessivo... o ROCK STARDOM! Sim, eu fui o tipo de adolescente anti-social e maníaco-depressivo que se fecha em seu quarto e fica tocando guitarras imaginárias com o som no talo, gritando junto com toda a força (usando como “microfone” qualquer coisa: escovas de cabelo, cabos de vassoura, luminárias...), pulando sozinho como um retardado, pogando com fantasmas, e imaginando as multidões em delírio. E as entrevistas... E os discos de platina...

Os únicos esportes que eu pratiquei na minha juventude de rapazinho sedentário e parasita foram mesmo o air guitar, o headbanging e a cantoria de chuveiro. E uma das únicas coisas de que eu gostava nessa vida maldita era mesmo todo o Sonho do Rock and Roll. Não era algo que tinha só a ver com a música: era um estilo de vida, era algo que tinha uma importância existencial... Eu só pensava em comprar discos e mais discos, revistas e mais revistas, biografias e mais biografias, e ficar só cozinhando sonhos na minha cabecinha besta... Até hoje tenho minhas gavetas e prateleiras entulhadas com dúzias de edições da Bizz, da Rock Press, da Rock Brigade (claro que eu já fui METAU!!!); sem falar dos livros, que no começo foram quase todos os "de rock": as bios de Kurt Cobain (Mais Pesado Que O Céu), Ian Curtis (Carícias Distantes), Bob Dylan (a do Howard Sounes), Neil Young (a do Neil Rogan), e o velho Alta Fidelidade do Hornby, e o destruidor Mate-me Por Favor, e o livro de entrevistas do Bill Flanagan, e vários outros...

Eu não sei o que teria sido de mim sem o rock and roll. Houve um tempo em que ele era a única coisa que fazia qualquer sentido. Fazia mais sentido que comer. Curiosidade biográfica: lembro que passei quase que todos os dias dos meus três anos do colegial em jejum a manhã toda - porque eu achava que não valia a pena desperdiçar minha mesada com salgados e refris no recreio quando a loja de discos estava tão recheada de discos que eu queria ter. E eu ainda queria os importados... Pra conseguir comprar o Dust, do Screaming Trees (38 pilas... mas muito bem gastas!) ou a discografia quase inteira do Teenage... quanta greve de fome! Quanto martírio! :)

O rock and roll era também o único futuro que não parecia ridículo. Não sei vocês, mas eu quando mais jovem ficava imaginando meus futuros possíveis e às vezes ficava apavorado... Porque, fora o futuro rock and roll, todos os outros futuros pareciam escrotos. Aquele percurso tradicional que mandam a gente seguir parecia tão babaca: entrar na faculdade, depois se formar, depois casar e constituir família, e depois trampar num trampo chato, e só pra poder comprar um monte de quinquilharias inúteis, pra depois morrer a morte daqueles que vão se apagando devagar... Sei lá. Não atraía. Parecia fazer muito mais sentido montar uma banda, gritar suas tripas fora, fazer um pouco da boa e velha zona rock and roll e morrer com 20 e poucos anos, de preferência de overdose ou suicídio, pra virar mito. Ser assassinado também parecia uma boa idéia. Morrer de velho parecia uma coisa tão idiota... Até hoje parece. Casamento, trabalho assalariado, missa aos domingos, shopping center, MPB e morte aos 85... a idéia de um futuro desses me fazia vomitar. Faz ainda, mas hoje já sou mais conformado. Sou quase um adulto. Se eu num tomar cuidado, em mais cinco anos vou estar curtindo Caetano Veloso e a novela das 8 e vou estar "respeitando" as opiniões do papa.

E me deixem fazer uma confissão besta: eu acho que eu só entrei na faculdade de jornalismo, além da velha razão: “gostar de escrever”, por causa das ótimas memórias que tinha de ficar devorando minhas revistas de rock juventude afora. Foi com 17 anos de idade que eu tive que escolher uma profissão, e com 17 anos de idade eu estava meio que cego pra qualquer outra coisa que não fosse o rock and roll... Nunca tinha me interessado de verdade por jornalismo - num tava nem aí pra Veja, pra Época, pra SuperInteressante, pra qualquer revista; nunca tinha comprado de livre e espontânea vontade a Folha ou o Estadão ou qualquer outro jornal. Eu simplesmente não me interessava. Entrei na faculdade de jornalismo só porque não existia faculdade de rock and roll, pois tudo o que sempre quis era viver de rock and roll, de algum jeito, mesmo que fosse de crítico, mesmo que fosse de roadie. E o meu ideal de vida era (e continua sendo, na verdade) esse de viajar o mundo fazendo um som, expressando meu coraçãozinho, vivendo perpetuamente envolto em som e distorção. Uma vida intensa não vale mais do que uma vida longa? "It's better to burn out than to fade away"... É a única profissão que eu gostaria de ter - porque não é uma profissão. E quando se torna uma, eis a hora de abandoná-la...

Claro que tudo o que eu mais queria era ser como todos aqueles rock stars que eu adorava, todo bobalhão. Quando eu comecei a fazer minhas aulas de guitarra, uns 6 anos atrás, aquilo foi ao mesmo tempo algo de extremamente excitante e algo que só me decepcionava. Quem já tentou aprender a tocar algum instrumento deve conhecer o tormento que é o começo, quando a gente num consegue tocar porra nenhuma direito... E aí eu ouvia os discos do Hendrix e tinha vontade de jogar tudo pro alto e desistir. Era simplesmente impossível. Eu nunca, nem se estudasse mil anos, chegaria a tocar daquele jeito. Simplesmente não tinha nascido com o dom. E vocês sabem como são os professores de guitarra... eles querem que a gente tenha como modelo o Steve Vai, o Joe Satriani e o Yngwie Malmsteen e isso só serve pra fazer com a gente se sinta ridiculamente fracassado. Hoje quero mais é que se danem, todos esses virtuoses que tocam músicas com solos gigantescos e nem um pingo de sentimento. Ter descoberto o punk rock, e o Nirvana, e o Sleater-Kinney, foi realmente algo que mudou minha vida. Desencanei de tentar ser um virtuose - é uma bobagem. Importa muito mais a paixão que você coloca na coisa do que qualquer técnica desse mundo. Vamos dizer coisas à la Bangs: se eu tivesse que escolher entre levar "Blitzkrieg Bop" ou a discografia completa do Dream Theather pruma ilha deserta, iria preferir esses maravilhosos e viscerais 2 minutos de Ramones do que 400 horas de solos de 15 minutos do D.T....

Com o tempo eu percebi como é pouco saudável ter ídolos e heróis e querer ser igual a eles. Faz muito mal. Eu nunca fiz tratamento psicológico (apesar de várias vezes ter achado que precisava e muito), mas se eu tivesse que tentar explicar para um psicólogo porque eu sou como sou, eu teria que frisar muito forte todo esse lance do sonho do rock and roll e as consequências que ele teve pra mim. Porque quando eu tento descobrir porque tenho essa tendência a ter uma auto-estima ferradamente baixa, porque tenho o costume de me xingar toda hora de verme desprezível e inútil, porque às vezes fico com vontade de socar a minha própria cara até moer todos os meus ossos, eu fico com a impressão de que, de certo modo, é tudo culpa dos sonhos...

Quando você se compara com certos rock stars ultra-cools, verdadeiros mitos vivos, não tem jeito de não se sentir pouco - quase NADA - perante eles. Talvez por isso eu odiava tanto a minha vida e queria tanto morrer durante toda a minha adolescência: porque não era nada parecido com os meus heróis. Meus modelos estavam altos demais. E eu não era nada otimista em relação ao futuro. Dizia pra mim mesmo que eu nunca teria a voz do Mark Lanegan, nunca cantaria como o Jeff Buckley, nunca tocaria como o Hendrix, nunca escreveria letras como as do Dylan, nunca saberia berrar com tanta paixão e tanta raiva quanto o Kurt Cobain, nunca seria uma pessoa que as multidões iriam adorar... Eu simplesmente não tinha chance.

Esses caras tinham o talento, tinham o estilo, tinham a coragem, acreditavam em si mesmos o bastante para subir num palco frente a 50.000 pessoas e fazer o que faziam. Quando é que eu conseguiria fazer alguma coisa frente a 50.000 pessoas? Eu iria surtar de tanto nervosismo e tanto cagaço... Ia estar tremendo tanto que a minha guitarra iria ficar parecendo estar sendo segurada por alguém com Síndrome de Parkinson. Já fico todo envergonhado e com as orelhas vermelhas tocando na frente de CINCO pessoas, imaginem num estádio lotado... Não, eu simplesmente não tinha razão para acreditar no meu sonho.

E continuei acreditando - porque é irresistível. Sonhar faz mal e condena a realidade a ser uma pálida sombra completamente insatisfatória e nojenta... Mas como suportar essa realidade pálida e nojenta sem, de vez em quando, fugir para o mundo do sonhos e buscar refúgio nas felicidades imaginárias? Tudo o que eu mais queria era ser um rock star, e sonhava de olhos abertos por séculos e séculos, e aí o que acontecia, é claro, é que a realidade chegava dando coice. Sonhar é uma merda. Porque é sempre preciso acordar. E eu sei que eu sempre acordava dizendo pra mim mesmo, ecoando Fernando Pessoa:

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


Por tudo isso é que eu tô me esforçando por me livrar de todos os ídolos, todos os heróis e todos os sonhos. Porque parece que até hoje vivi minha vida inteira querendo ser outra pessoa, não conseguindo nunca me sentir bem na minha própria pele, e eu sei que pra concertar isso eu tenho que, antes de mais nada, parar de me comparar com esses ídolos e esses heróis. Eles só servem para que eu me sinta um loser. Tenho que me perdoar por ser somente eu, só esse pouco que sou, e tentar ficar de boa com isso.

E sonhar faz mal não só pra mim: faz mal pra todo mundo que está ao meu redor. Hoje eu tenho certeza de que aquela sensação de que no mundo só tem filho-da-puta e que as pessoas em geral são uma merda só surge mesmo por causa dos sonhos que nós constantemente alimentamos de pessoas melhores, mais perfeitas, que ligassem mais pra nós, que fossem nos salvar a vida... Sei que a minha vida se torna sempre algo de extremamente insuportável quando deixo meus sonhos voarem alto demais, e todas as pessoas reais se tornam meio insatisfatórias quando comparadas com as pessoas sonhadas...

Sou só eu e isso é tudo o que eu posso ser.

Peço perdão a todos por ser somente o que sou, e não a Pessoa dos Sonhos de ninguém, e vou tentar perdoar a todos por serem aquilo que são e não o que eu desejaria que fossem...

Tô dizendo tudo isso pra quê, mesmo? Pra desabafar, claro, e pra tentar fazer com que vocês me conheçam melhor, e pra parar de me esconder (“gosto de quem fala como quem se despe”, diz o meu grande mestre, e é talvez a minha frase predileta EVER...)... Mas a verdade é que eu só comecei a escrever esse post imenso (duvido q alguém tenha chegado até aqui...) pra comunicar que eu finalmente tomei coragem pra colocar aqui algumas fracassadas tentativas minhas de fazer música.

Sim, agora existe oficialmente DIRTY LITTLE MUMMIE, banda de um homem só, e ela já está lançando seu EP de estréia, disponível para download gratuito aqui mesmo. Ó, me senti importante dizendo isso! O lance é que eu já brinco faz tempo de fazer música trancado no quarto, mas eu sou tão crítico comigo mesmo e sempre acho o resultado tão abominável que nunca quis mostrar isso pra ninguém. Até hoje também num fiz muitos esforços pra formar uma banda porque eu acreditava que qualquer banda com a minha presença seria uma banda ruim. Mudei um pouco de idéia quando nossa bandinha de porão começou a fazer um barulho em Bauru... Foi uma pena que ela não tenha realmente deslanchado... a nossa versão de "Reptilia" dos Strokes tava ficando melhor que a original! :P

Não tenham expectativas. É tudo uma tosqueira só. Gravei esses trocinhos com um microfoninho de computador de 10 reais, um programa freeware de gravação, um violão tão estraçalhado que deve valer uns 15 chicletes na loja de usados e usando como "aliados" minha voz escrota e minha completa falta de talento. A gravação é tão ruim que parece algo dos anos 40. E não, eu não sei cantar, desafino direto, sou todo tímido (às vezes devo parecer um viadinho, sei lá), às vezes subo o volume da voz num esquema muito sem-noção (como em "That Thing You Do") e às vezes erro os acordes e saio do tom. Um desastre quase completo.

Ok, estou exagerando um pouco a minha ruindade. É só pra vocês não esperarem demais...

Estou colocando pra download também uma composição própria, a única que eu tenho coragem de mostrar. "Wishing For The Worse" é um power pop meigo de 3 acordes com letrinha meio besta, uma legítima silly love song. Tenho certeza que vocês vão odiar. Não manjo porcaria nenhuma de composição, então tenho que ficar mesmo só nesses 3-chords-wonders. Caso meu inglês não seja bom o suficiente pra que vocês entendam o que eu tô cantando, mando a letra aí embaixo. Perdi totalmente a vergonha na cara e deixei intactos alguns versos altamente ridículos, como aquele que diz "como manteiga no fogo meu coração derreteu", uma das coisas mais abomináveis que eu já pude escrever. Parece algo que a Carly Simon ou a Carole King escreveriam. (Caraca, hoje eu tô MESMO revelando meus podres... Sim, eu conheço Carly Simon e Carole King!) Me perdoem desde já pela péssima poesia. É que eu precisava porque precisava de um "melt" no final daquele verso e eu realmente achei que "like ice cream on fire my heart just melt" era pior. É incrível como coisas ruins sempre podem ser pioradas. Bom, mas se o Lennon começou escrevendo "I Wanna Hold Your Hand", aquele pequena babaquice adorável que parece composta por uma criança de 6 anos de idade, então eu também tenho o direito de cometer minhas ruindades...

E se alguém, depois de ter ouvido essas pequenas catástrofes, ainda for louco o bastante para me querer como companheiro de banda ou saiba de alguém que queira, me dêem um toque que estou à procura. Qualquer coisa tá bom. Topo banda de punk, de grunge, de britpop, de rock alternativo, de "rock moderno", de classic rock. Ainda tenho sonho de montar um Nirvana Cover qualquer dia - acho que ia ser uma boa terapia pra mim berrar fora meus demônios à la Cobain...

(usem "SALVAR DESTINO COMO..." senão num funfa)

Ai que medo de vocês odiarem tudo!

Se vcs odiarem tudo, façam um favorzinho, vai: fiquem quietos. Eu quero continuar acreditando que eu tenho alguma chance. Esse é uma esperança que eu não quero perder - até porque é uma das últimas...