THE LIFE PURSUIT
(fragmentos de auto-biografia)
(gravura de Samuel Casal)
Muitas vezes me espanta notar como muita gente que é obviamente infeliz insiste em permanecer no inferno, com um medo enorme de arriscar algo novo: outra estrada, outro caminho, outro estilo de vida, outras pessoas, outros ares – qualquer coisa NOVA. De onde vem esse verdadeiro pavor da mudança que faz com que muita gente estrague a própria vida, preferindo viver na mais completa monotonia e numa infelicidade que dura 6 décadas? A pessoa prefere percorrer a mesma estradinha lamacenta e sem graça de sempre, tropeçando sempre nas mesmas pedras e vendo correr sempre o mesmo esgoto, respirando o mesmo cheiro podre e remoendo a mesma insatisfação de sempre, ao invés de se lançar na aventura de pegar uma estrada desconhecida – que pode, é claro, ser também igualmente lamacenta e sem graça, mas que pode também, quem sabe (“what would we be without wishful thinking?”, canta o Jeff Tweedy...), ser bem melhor do que a antiga. Muita gente, mesmo que estejam miseravelmente infelizes, permanecem na mesma, como que empacados, em ponto morto, ao invés de se mexerem, se revolucionarem e mudarem de rota...
O grande problema com as mudanças, claro, é o velho medo que quase todo mundo sente, num determinado grau (mas que é sempre mais intenso pra quem já está mau): putz, mas e se eu mudar pra pior? E se eu tomar uma decisão que vai me levar ainda mais pra baixo, me derrubar ainda mais? E se eu mudar e descobrir que estou ainda pior do que estava? E se eu me entregar a um amor e descobrir que era mais feliz sozinho? Se mudar de emprego e descobrir que preferia o antigo? Se mudar de turma e sentir saudade da galera do passado? E se eu mudar para uma nova vida e descobrir que gostava mais da velha? E se eu me tornar outra pessoa e descobrir que gostava mais de quem eu era do que daquilo que me tornei?
E muitos, talvez por causa desse medo de piorar, perdem a chance de melhorar. Permanecem fazendo o que sempre fizeram, vivendo a vida que sempre viveram, os dias marchando como soldadinhos uniformizados, uns iguais aos outros... Permanecem infelizes, mas de uma infelicidade que já conhecem, uma infelicidade a que já estão acostumados, uma infelicidade que preferem continuar vivendo. Confortably numb. E isso até que o hábito os transforme em mortos-vivos, apáticos e sem energia, que vão vivendo por mera inércia... Sinceramente, acho os seres humanos em geral criaturas deprimentemente covardes. Eu inclusive.
Esses dias mesmo tive que enfrentar, meio que de repente, uma dessas encruzilhadas da vida que exigem uma decisão rápida: ou mudar de vida ou permanecer na mesma. A idéia de mudar de casa eu já tinha faz um tempo, mas uma nova oportunidade apareceu repentinamente e eu fui perguntado, à queima-roupa: quer ou não quer? Responde agora ou perde a chance! Não tinha nem como pedir um diazinho pra pensar. Era tudo ou nada. Fico feliz por ter dito sim, mesmo sem saber o que diabos o futuro me reserva.
Vocês sabem: São Paulo é uma cidade louca e caótica, semeadora de paranóias, repleta de crimes e bizarrices, uma megalópole doidíssima, que tem tudo de melhor e tudo do pior; então não é nada fácil estar confiante sobre onde morar por aqui. Ainda mais considerando que a minha opção era me mudar pr'uma república que eu tinha acabado de conhecer, que tinha uma certa fama de ser meio “porra louca” e de abrigar umas festas de arromba... E, ainda mais, tinha que decidir se me mudava ou não sem nem conhecer nenhuma das pessoas com quem eu iria conviver.
Sempre rola aquele friozinho na barriga, uma angústia enorme, um medo vago de qualquer coisa que não dá pra definir.... Já passei por essa situação antes, claro, mas é sempre meio difícil. Esse já é meu sexto ano morando fora da casa da família, então já posso até dizer que sou uma espécie de veterano na arte de morar sozinho e encarar casas novas com caras novas. Quando me mudei de casa e de cidade, aos 17 anos de idade, indo parar numa república onde não conhecia ninguém e distante 400km dos meus pais, tive que enfrentar um medo de uma enormidade indescritível. Mas enfrentei. E o prazer de enfrentar medos enormes é também enorme! O prazer de uma enorme vitória... Nossos medos só são maus quando nos paralisam. Mas quando, pelo contrário, nós conseguimos agir, apesar deles, contra eles, pisando em cima deles, eles servem como obstáculos que nós pulamos e vencemos com muito gosto. A coisa mais importante é fazer justamente aquilo que mais tememos. É o único modo de crescer. Coragem não é ausência de medo, mas a capacidade de enfrentá-lo e derrotá-lo...
Talvez por isso essa última semana tenha sido tão boa pra mim, tão excitante, tão cheia de esperanças alegres... o sabor doce das novidades! A sensação de começar uma nova fase da minha vida, que traz boas promessas (que espero que se cumpram!), tomando conta de mim e me deixando, no fundo, num estado de espírito ótimo.
Claro que não tenho a mínima idéia do que vai acontecer daqui pra frente: não sei se vou me adaptar nesse novo lar, se vou curtir as pessoas com quem eu vou morar, se aqui vou conseguir encontrar um canto bacana pra viver ou se terei que procurar ainda por mais um tempo... Minhas primeiras impressões foram boas; curti o ambiente trash da Cicerolândia e simpatizei com grande parte das pessoas que estou conhecendo por aqui. Mas a verdade é que, se não der certo, nem estou tão encanado: é só mudar de novo. Com o tempo, fui me tornando uma espécie de menino cigano (essa é a 4ª república e o 5º quarto diferente que estou encarando durante essa minha vida universitária...). Vou pulando de lugar em lugar, em busca de um lar de verdade que nunca encontro, mas que não desanimo de procurar.
Aliás, já desisti do sonho de encontrar um lar em um lugar; só espero encontrá-lo numa pessoa. Mas em que lugar ela estaria?
Mas a verdade é que eu sinto uma grande satisfação, uma grande alegria, por ter tido a coragem pra me lançar nessa “aventura”, por ter conseguido tomar uma decisão rápida e sem volta, por ter tido a ousadia de, mais uma vez, me jogar de cabeça no desconhecido. Dou minha cara pra bater mesmo – que se dane. Como fiz quando me mandei de casa, indo morar sozinho aos 17. Como fiz quando não resisti e declarei paixão pr'uma menina que já tinha namorado. Como pretendo fazer sempre, daqui pra frente, porque a vida foi feito pra isso mesmo: pra se tacar de cabeça no escuro! =)
Não quero ser dessas pessoas que se deixa levar pela vida sem nunca tomar o volante em suas próprias mãos. Se estou infeliz, eu quero ter a ousadia de ir lá e fazer alguma porra, qualquer que seja, pra sair do inferno. Organizar uma fuga. Dinamitar as cercas que me trancam na dor. Mudar de vida, mudar de ares, mudar de pessoas. Por isso eu tenho certeza absoluta que, apesar dos meus dias de melancolia, que não são poucos, apesar das minhas eventuais deprês, apesar da vontade eventual de simplesmente morrer e ir descansar, eu não sou pessoa de me abandonar à infelicidade, de desistir de tentar melhorar, de admitir derrota e ficar deitado na cama chorando: tô sempre me debatendo pra melhorar de estado. Choro, sofro, grito, mas me levanto e vou à luta. E acho que isso está dando seus frutos. A Fioninha, soul sister, diz tudo de um jeito perfeito - e mais uma vez eu sinto como se um verso dela dissesse exatamente o que eu sinto: sou bom em me sentir desconfortável, então não posso parar de me transformar o tempo todo. E acho isso uma ótima coisa, que faz com que a minha vida seja uma espécie de camaleão, sempre mudando de cor – o que me dá a esperança de, daqui a alguns anos, poder olhar pra trás e ser dominado por uma nostalgia toda colorida... =)
* * * * * *
... M E M O R A B I L I A ...
O lugar onde eu estava morando tinha aporrinhações pra dar e vender. Na pensãozinha da Juceta não tava mais dando gosto viver – não só por viver esmagado num quartinho que mais parece uma lata de sardinha e que tinha a peculiaridade extravagante de ser triangular (!!!); não só pelo inominável martírio que é ter como vizinho um buffet infantil que rolava música da pior qualidade em grande parte das noites, inclusive cometendo altos crimes pedagógicos ao contaminar a criançada com funk carioca e pop poperô de centésima categoria; não só pela impossibilidade de fazer barulhos, tocar instrumentos e ouvir música alto por causa da proximidade entre os quartos e a ausência de paredes de verdade (!!!); mas também, e principalmente, porque lá tudo ali era muito certinho, muito bem-regrado, muito controlado... Tudo o que eu NÃO queria quando, deixando Bauru depois de 4 anos ininterruptos vivendo sempre em república, desembarquei em Sampa querendo continuar num esquema parecido. A pensão tinha lá suas vantagens: cinco minutos a pé e eu já estava dentro do câmpus da USP, o que me poupava muito tempo e muito stress no trânsito caótico de Sampa; uma boa dose de privacidade, já que a coisa aqui sempre foi mais “cada um na sua”; um ambiente comunitário razoavelmente legal, mas que ficava longe de caracterizar o lugar como uma república de verdade... Mas...
Vou levar algumas memórias trimmassa das coisas que vivi na pensão da Juceta (Jussara é o nome da dona do bagulho, donde o carinhoso apelido... :P) – e sem dúvida memórias boas em quantidade muito maior do que memórias más. Não era a moradia ideal e nem se comparava à querida Buçalouca bauruense, mas foi lá que eu acabei me fixando por quase todo o ano de 2006 - e acho que foi bem melhor assim do que se eu tivesse continuado em Santo André, viajando todos os dias até o câmpus, perdendo umas 3 horas do meu dia dentro dum carro e provavelmente me tornando um stressado que em poucos meses viraria um clone do personagem de Michael Douglas em Um Dia de Fúria. E realmente não havia nenhuma boa razão pr'eu morar em Santo André: tenho poucos amigos por lá, poucos lugares que gosto de frequentar, pouco gosto pela cidade... Permanecer em Sampa, nas proximidades da USP, podendo alcançar com muito mais rapidez os cinemas, os bares e os demais lugares legais, era muito mais esquema. A casa da Juceta podia não ser nenhuma maravilha, mas eu não estava sofrendo – estava razoavelmente satisfeito por morar ali, pelas pessoas que conheci, por algumas boas amizades que fiz, pelas risadas que deu pra rir, pelo companheirismo que chegou a rolar e por poder continuar morando sozinho, longe da família, o que eu mais queria.
Quanto às memórias marcantes que levo da pensão, são poucas e boas. Essa “parte” da minha vidinha boba também tem seus “greatest hits”, as cenas que mais grudaram na memória e que eu vou carregar comigo com muito gosto; o problema é que narrar essas coisas me parece um pouco inútil. Porque o valor dessas coisas é um tanto incomunicável – só pra mim, que as vivi, e para as pessoas que estavam lá vivendo comigo, é que elas têm um sentido e um peso; pra quem lê sobre elas, podem parecer totalmente insignificantes. E acho que é assim com grande parte das nossas memórias: para nós, pequenos detalhes minúsculos e bobos são lembrados de um jeito empolgado e com uma alegria que nos leva à beira das lágrimas, quando para os outros nós parecemos lunáticos por ver qualquer graça em coisas que “são” insossas e bestas...
Mas tem certos “causos” que eu nunca vou me esquecer... como aquela cena engraçadíssima, uma das mais engraçadas que eu tenho na memória: o Gervásio, louco de raiva, descendo as escadas pisando forte, revoltadíssimo porque estava sendo impedido de estudar seus troços de mestrando em Economia por causa da Fábrica da Alegria e arrumando jeitos de sabotar a desgraça do buffet... Ligou pra polícia, o que era o mais óbvio a fazer, mas que era completamente inútil (a polícia de São Paulo tem coisas mais importantes a fazer com tanto traficante, assassino e genocida por aí do que pedir prum buffet infantil abaixar o volume, certo?). Depois resolveu usar a criatividade de que foi tão bem dotado pelos deuses e achou que uma boa idéia era fuçar na cozinha e ver se achava algo pra TACAR no prédio odiado. Nunca vou me esquecer daquela cena digna de um filme surrealista ou de um sonho psicodélico: as CEBOLAS VOANDO na noite do Jardim Rizzo, lançadas com intenções mortíferas, e indo chocar-se contra a coitada da Fábrica da Alegria. A raiva era tanta que ele exagerava na força e a cebolinha ia embora, feito um OVNI, passava pelo buffet e ia parar lá na avenida, com o risco de atingir a cabeça de algum azarado transeunte que tivesse o infortúnio de estar andando por ali na hora errada... Eu ficava imaginado a cena: o cara olhando pra cima e vendo uma cebola a cair do céu, misteriosamente, em sua direção, mais ou menos como no Magnólia caem os sapos do céu, e gritando louco de pavor para os deuses: “ai, caraca, é o Apocalipse, estão chovendo cebolas!”
Também me lembro de um dos poucos dias em que nós, o pessoal da pensão, saímos juntos de galera e fomos ao Jardim Elétrico, um muquifo tosco na Eiras Garcia onde rolava uma roda de samba e muitos manos e mulatas bons no requebro, o que obviamente me deixou muito envergonhado para sequer tentar dançar – naquela ocasião, as duas capixabas que vieram passar uns meses estavam por aqui, uma delas gatíssima (mas nós só conversamos, infelizmente)... Tiramos várias fotinhas que se perderam pelo mundo. Recusei terminantemente pagar o mico de sambar. E eu, pelo menos, lembro que bebi pra cacete. A Srta F, na saída, foi vítima de uma agressão sexual pelo guardinha (procês verem o nível da bodega), que, se eu me lembro bem, forçou-a a colocar a mão em seu “troço” (por fora da calça, pelo menos isso). Lembro de como ela se sentiu ofendidíssima e puta da vida (com toda razão) – foi uma das únicas vezes que eu quase cheguei ao ponto de assistir a uma menina bonitona de 20 e poucos anos partir pra cima e esmurrar um tiozão baixinho duns 60... Tragicômico e inesquecível.
Também vou me lembrar de trocentos momentos compartilhados com o Alexandre, o único amigo de verdade que construí por cá: dois vagais que trocaram o dia pela noite e iam dormir todos os dias lá pelas 3 ou 4 da matina e que gastavam suas madrugadas a chapar na varanda com brejas, cigarros e ervas medicinais (capische?!) e a conversar sobre de tudo um pouco: Henry Miller e Nietzsche, Fugazi e Sleater-Kinney, a cena straight-edge de Sampa e o vegetarianismo, kung-fu e natação, post-rock e violão, entre milhões de outras coisas...
* * * * *
Fiz minha mudança para a minha nova casa no começo dessa semana. É uma república única constituída por dois sobradinhos, um colado no outro, nas redondezas da USP, pertão mesmo: é uma música do Arcade Fire pra sair pelo P1 até chegar em casa, comprovei hoje (o que me permite continuar bandejando todos os dias, almoço e janta, aquele rango firmeza lá da Química...). Tudo sussa na mudança: lotei o carro com todos os meus trecos, até que ele ficasse tão entupido que eu mal cabia lá dentro, e zarpei pra nova goma, que fica mais no início da Vital Brasil e mais perto de tudo: mais perto da Rebouças, da Paulista, da Marginal Pinheiros, de Santo André, da Vila Madalena, de tudo... bem melhor do que morar lá naquele fim-de-mundo, no fim da Corifeu, onde eu tava. Esvaziei meu quarto na Juceta e, quando olhei o bichinho sem nada, quase me xinguei: pelamordedeus, Eduardo, como é que vc conseguiu morar por um ano numa CELA dessas, nessa vida de sardinha? Demorei demais pra vazar...
Agora tenho um quarto grande e espaçoso, nos fundos da casa, com um banheirinho do lado, com chuveiro funcionando e muitas baratas passeando. Finalmente tenho PAREDES (uau! PAREDES!!!) me separando do quarto vizinho, o que me permite fazer um pouco mais de barulho e gritar um pouco mais alto ao violão. Agora tenho também telefone em casa (UAU! TELEFONE!). Se bem que vocês podem se assustar bastante se, ligando para cá, um espanhol maluco atender assim: “Cicerolââândia, el país de las gambiarras, buenas noches!” Vocês vão pensar que erraram de número e a ligação caiu no hospício.
Sempre tenho uma certa timidez e um certo embaraço com desconhecidos – demoro um tempinho pra me soltar, pra ficar mais leve, pra “mostrar minha verdadeira cara”, mas nem fico me reprovando mais por isso: é o meu jeito e só; nada de errado com isso. Então acho que nesses primeiros dias na nova casa o lance é mesmo ficar meio que na minha, na moita, falando só amenidades com o povo, só sendo simpático e discreto, pra ir sacando qualé a da casa, conhecendo de longe uma ou outra coisa sobre as pessoas que moram aqui, ir me familiarizando com tudo, para só depois começar a me integrar de verdade e conhecer de verdade as pessoas... Acho que é bastante natural que eu sinta, nesses primeiros dias, como uma espécie de intruso, que não está na própria casa, mas na casa DELES, se embrenhando no meio deles...Mas isso passa. Logo já vou estar me sentindo em casa, tenho certeza.
Claro que é meio difícil, no começo, essa sensação de solidão que bate quando você chega para morar num lugar e ninguém te conhece: todo mundo fica ainda meio desconfiado, com o pé atrás, como se não soubesse se vale a pena te conhecer e criar laços ou não... E é duro chegar num lugar onde as pessoas já estão meio enturmadas, onde já fazem coisas juntas, saem pra balada juntas, tem todo um ritual cotidiano de coisas que fazem juntas, toda uma experiência passada em comum, e ter que arranjar um jeito pra entrar no grupo... Esse começo é meio difícil, claro: é uma experiência solitária. Mas estou já bem acostumado às experiências solitárias e acho isso não me derruba nem incomoda tanto.
Bauru inteira foi uma experiência solitária. A pensão da Juceta, também, em muitos momentos, foi uma experiência solitária. O curso de filosofia, apesar dos bons amigos e amigas que eu fiz, não deixa de ser uma experiência solitária. E também o amor, que deveria ser o antídoto para a solidão, acaba também por ser uma experiência tão dolorosamente solitária, talvez mais do que qualquer outra. Pelo menos foi assim durante minha última paixão: eu amando sozinho, sonhando sozinho, desejando intensamente sozinho, dizendo eu te amo sozinho (e do lado de lá ressoando sempre o “eu não, eu não, eu não...”, como punhaladas no meu peito...), me empolgando e me apaixonando sozinho, enquanto que ela, do lado de lá, não retornava nenhum eco, nenhuma retribuição, nenhum calor... Ah, solidão... Sei lá: talvez a vida seja, no fundo, uma grande experiência solitária. “We live as we dream: alone...”. Mas que se dane. Estou na luta pra tornar minha vida melhor, pra diminuir (se não dá pra extinguir) a minha solidão, pra criar laços, compartilhar vida, espalhar meu amor por aí. Descobri que não preciso matar por sufocamento todo esse amor que tenho dentro de mim só porque uma pessoa nesse mundo não quis receber, me deu um EJECT e me disse basicamente um “sai da minha vida!” - posso tentar dar essa amor pra outras pessoas, um monte delas, e tenho certeza que ele pode fazer muito bem, voando por aí, sendo injetado em outros corações, curando as feridas de outros ou ajudando a encher quem se sente vazio... Tenho certeza, agora, que posso encontrar alguma outra menina que vá querer esse meu amor e que vai ser muito muito feliz com ele. É como diz o Black Rebel, em outro daqueles versos que sempre retorna à minha jukebox cerebral: “spread your love like a fever!”
Acho também que quem não aceita os riscos e não sabe se jogar na aventura da vida passa por esse mundo sem brilhar... Como diz o clichê, que só virou clichê por ser muito verdadeiro, quem não arrisca não petisca – nem brilha. E eu quero que eu cruze o céu feito estrela cadente e que deixe, pelo menos, um risco de luz, mesmo que seja de um segundo, nessa imensa escuridão do universo! Acho que, se a gente está aqui por alguma razão, deve ser pra isso: pra se aventurar, pra tentar se pôr em chamas, pra fazer da vida uma obra de arte, pra sofrer e pra chorar, pra rir e pra gargalhar, pra se foder e se reerguer, pra brilhar e depois se apagar, pra compartilhar e pra amar - isso sobretudo... “Procure dividir-se em alguém”, canta o Camelo, e acho que é isso aí: a vida é somar, dividir e multiplicar, e que se amontoem no inferno aqueles que só querem subtrair e guardar! Perde tudo aquele que sempre quer guardar... “A vida só se dá pra quem se deu...”, canta o poeta – e é uma das minhas frases prediletas, em todos os tempos. E é só isso que eu quero: me entregar à vida pra ver se ela se entrega a mim. Acho que sim.
“E francamente eu já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer...”
(fragmentos de auto-biografia)
(gravura de Samuel Casal)
“A vida só se dá pra quem se deu.”
(vinicius)
“I'm good at being uncomfortable
So I can't stop changin' all the time.”
(fiona)
(vinicius)
“I'm good at being uncomfortable
So I can't stop changin' all the time.”
(fiona)
Muitas vezes me espanta notar como muita gente que é obviamente infeliz insiste em permanecer no inferno, com um medo enorme de arriscar algo novo: outra estrada, outro caminho, outro estilo de vida, outras pessoas, outros ares – qualquer coisa NOVA. De onde vem esse verdadeiro pavor da mudança que faz com que muita gente estrague a própria vida, preferindo viver na mais completa monotonia e numa infelicidade que dura 6 décadas? A pessoa prefere percorrer a mesma estradinha lamacenta e sem graça de sempre, tropeçando sempre nas mesmas pedras e vendo correr sempre o mesmo esgoto, respirando o mesmo cheiro podre e remoendo a mesma insatisfação de sempre, ao invés de se lançar na aventura de pegar uma estrada desconhecida – que pode, é claro, ser também igualmente lamacenta e sem graça, mas que pode também, quem sabe (“what would we be without wishful thinking?”, canta o Jeff Tweedy...), ser bem melhor do que a antiga. Muita gente, mesmo que estejam miseravelmente infelizes, permanecem na mesma, como que empacados, em ponto morto, ao invés de se mexerem, se revolucionarem e mudarem de rota...
O grande problema com as mudanças, claro, é o velho medo que quase todo mundo sente, num determinado grau (mas que é sempre mais intenso pra quem já está mau): putz, mas e se eu mudar pra pior? E se eu tomar uma decisão que vai me levar ainda mais pra baixo, me derrubar ainda mais? E se eu mudar e descobrir que estou ainda pior do que estava? E se eu me entregar a um amor e descobrir que era mais feliz sozinho? Se mudar de emprego e descobrir que preferia o antigo? Se mudar de turma e sentir saudade da galera do passado? E se eu mudar para uma nova vida e descobrir que gostava mais da velha? E se eu me tornar outra pessoa e descobrir que gostava mais de quem eu era do que daquilo que me tornei?
E muitos, talvez por causa desse medo de piorar, perdem a chance de melhorar. Permanecem fazendo o que sempre fizeram, vivendo a vida que sempre viveram, os dias marchando como soldadinhos uniformizados, uns iguais aos outros... Permanecem infelizes, mas de uma infelicidade que já conhecem, uma infelicidade a que já estão acostumados, uma infelicidade que preferem continuar vivendo. Confortably numb. E isso até que o hábito os transforme em mortos-vivos, apáticos e sem energia, que vão vivendo por mera inércia... Sinceramente, acho os seres humanos em geral criaturas deprimentemente covardes. Eu inclusive.
Esses dias mesmo tive que enfrentar, meio que de repente, uma dessas encruzilhadas da vida que exigem uma decisão rápida: ou mudar de vida ou permanecer na mesma. A idéia de mudar de casa eu já tinha faz um tempo, mas uma nova oportunidade apareceu repentinamente e eu fui perguntado, à queima-roupa: quer ou não quer? Responde agora ou perde a chance! Não tinha nem como pedir um diazinho pra pensar. Era tudo ou nada. Fico feliz por ter dito sim, mesmo sem saber o que diabos o futuro me reserva.
Vocês sabem: São Paulo é uma cidade louca e caótica, semeadora de paranóias, repleta de crimes e bizarrices, uma megalópole doidíssima, que tem tudo de melhor e tudo do pior; então não é nada fácil estar confiante sobre onde morar por aqui. Ainda mais considerando que a minha opção era me mudar pr'uma república que eu tinha acabado de conhecer, que tinha uma certa fama de ser meio “porra louca” e de abrigar umas festas de arromba... E, ainda mais, tinha que decidir se me mudava ou não sem nem conhecer nenhuma das pessoas com quem eu iria conviver.
Sempre rola aquele friozinho na barriga, uma angústia enorme, um medo vago de qualquer coisa que não dá pra definir.... Já passei por essa situação antes, claro, mas é sempre meio difícil. Esse já é meu sexto ano morando fora da casa da família, então já posso até dizer que sou uma espécie de veterano na arte de morar sozinho e encarar casas novas com caras novas. Quando me mudei de casa e de cidade, aos 17 anos de idade, indo parar numa república onde não conhecia ninguém e distante 400km dos meus pais, tive que enfrentar um medo de uma enormidade indescritível. Mas enfrentei. E o prazer de enfrentar medos enormes é também enorme! O prazer de uma enorme vitória... Nossos medos só são maus quando nos paralisam. Mas quando, pelo contrário, nós conseguimos agir, apesar deles, contra eles, pisando em cima deles, eles servem como obstáculos que nós pulamos e vencemos com muito gosto. A coisa mais importante é fazer justamente aquilo que mais tememos. É o único modo de crescer. Coragem não é ausência de medo, mas a capacidade de enfrentá-lo e derrotá-lo...
Talvez por isso essa última semana tenha sido tão boa pra mim, tão excitante, tão cheia de esperanças alegres... o sabor doce das novidades! A sensação de começar uma nova fase da minha vida, que traz boas promessas (que espero que se cumpram!), tomando conta de mim e me deixando, no fundo, num estado de espírito ótimo.
Claro que não tenho a mínima idéia do que vai acontecer daqui pra frente: não sei se vou me adaptar nesse novo lar, se vou curtir as pessoas com quem eu vou morar, se aqui vou conseguir encontrar um canto bacana pra viver ou se terei que procurar ainda por mais um tempo... Minhas primeiras impressões foram boas; curti o ambiente trash da Cicerolândia e simpatizei com grande parte das pessoas que estou conhecendo por aqui. Mas a verdade é que, se não der certo, nem estou tão encanado: é só mudar de novo. Com o tempo, fui me tornando uma espécie de menino cigano (essa é a 4ª república e o 5º quarto diferente que estou encarando durante essa minha vida universitária...). Vou pulando de lugar em lugar, em busca de um lar de verdade que nunca encontro, mas que não desanimo de procurar.
Aliás, já desisti do sonho de encontrar um lar em um lugar; só espero encontrá-lo numa pessoa. Mas em que lugar ela estaria?
Mas a verdade é que eu sinto uma grande satisfação, uma grande alegria, por ter tido a coragem pra me lançar nessa “aventura”, por ter conseguido tomar uma decisão rápida e sem volta, por ter tido a ousadia de, mais uma vez, me jogar de cabeça no desconhecido. Dou minha cara pra bater mesmo – que se dane. Como fiz quando me mandei de casa, indo morar sozinho aos 17. Como fiz quando não resisti e declarei paixão pr'uma menina que já tinha namorado. Como pretendo fazer sempre, daqui pra frente, porque a vida foi feito pra isso mesmo: pra se tacar de cabeça no escuro! =)
Não quero ser dessas pessoas que se deixa levar pela vida sem nunca tomar o volante em suas próprias mãos. Se estou infeliz, eu quero ter a ousadia de ir lá e fazer alguma porra, qualquer que seja, pra sair do inferno. Organizar uma fuga. Dinamitar as cercas que me trancam na dor. Mudar de vida, mudar de ares, mudar de pessoas. Por isso eu tenho certeza absoluta que, apesar dos meus dias de melancolia, que não são poucos, apesar das minhas eventuais deprês, apesar da vontade eventual de simplesmente morrer e ir descansar, eu não sou pessoa de me abandonar à infelicidade, de desistir de tentar melhorar, de admitir derrota e ficar deitado na cama chorando: tô sempre me debatendo pra melhorar de estado. Choro, sofro, grito, mas me levanto e vou à luta. E acho que isso está dando seus frutos. A Fioninha, soul sister, diz tudo de um jeito perfeito - e mais uma vez eu sinto como se um verso dela dissesse exatamente o que eu sinto: sou bom em me sentir desconfortável, então não posso parar de me transformar o tempo todo. E acho isso uma ótima coisa, que faz com que a minha vida seja uma espécie de camaleão, sempre mudando de cor – o que me dá a esperança de, daqui a alguns anos, poder olhar pra trás e ser dominado por uma nostalgia toda colorida... =)
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... M E M O R A B I L I A ...
O lugar onde eu estava morando tinha aporrinhações pra dar e vender. Na pensãozinha da Juceta não tava mais dando gosto viver – não só por viver esmagado num quartinho que mais parece uma lata de sardinha e que tinha a peculiaridade extravagante de ser triangular (!!!); não só pelo inominável martírio que é ter como vizinho um buffet infantil que rolava música da pior qualidade em grande parte das noites, inclusive cometendo altos crimes pedagógicos ao contaminar a criançada com funk carioca e pop poperô de centésima categoria; não só pela impossibilidade de fazer barulhos, tocar instrumentos e ouvir música alto por causa da proximidade entre os quartos e a ausência de paredes de verdade (!!!); mas também, e principalmente, porque lá tudo ali era muito certinho, muito bem-regrado, muito controlado... Tudo o que eu NÃO queria quando, deixando Bauru depois de 4 anos ininterruptos vivendo sempre em república, desembarquei em Sampa querendo continuar num esquema parecido. A pensão tinha lá suas vantagens: cinco minutos a pé e eu já estava dentro do câmpus da USP, o que me poupava muito tempo e muito stress no trânsito caótico de Sampa; uma boa dose de privacidade, já que a coisa aqui sempre foi mais “cada um na sua”; um ambiente comunitário razoavelmente legal, mas que ficava longe de caracterizar o lugar como uma república de verdade... Mas...
Vou levar algumas memórias trimmassa das coisas que vivi na pensão da Juceta (Jussara é o nome da dona do bagulho, donde o carinhoso apelido... :P) – e sem dúvida memórias boas em quantidade muito maior do que memórias más. Não era a moradia ideal e nem se comparava à querida Buçalouca bauruense, mas foi lá que eu acabei me fixando por quase todo o ano de 2006 - e acho que foi bem melhor assim do que se eu tivesse continuado em Santo André, viajando todos os dias até o câmpus, perdendo umas 3 horas do meu dia dentro dum carro e provavelmente me tornando um stressado que em poucos meses viraria um clone do personagem de Michael Douglas em Um Dia de Fúria. E realmente não havia nenhuma boa razão pr'eu morar em Santo André: tenho poucos amigos por lá, poucos lugares que gosto de frequentar, pouco gosto pela cidade... Permanecer em Sampa, nas proximidades da USP, podendo alcançar com muito mais rapidez os cinemas, os bares e os demais lugares legais, era muito mais esquema. A casa da Juceta podia não ser nenhuma maravilha, mas eu não estava sofrendo – estava razoavelmente satisfeito por morar ali, pelas pessoas que conheci, por algumas boas amizades que fiz, pelas risadas que deu pra rir, pelo companheirismo que chegou a rolar e por poder continuar morando sozinho, longe da família, o que eu mais queria.
Quanto às memórias marcantes que levo da pensão, são poucas e boas. Essa “parte” da minha vidinha boba também tem seus “greatest hits”, as cenas que mais grudaram na memória e que eu vou carregar comigo com muito gosto; o problema é que narrar essas coisas me parece um pouco inútil. Porque o valor dessas coisas é um tanto incomunicável – só pra mim, que as vivi, e para as pessoas que estavam lá vivendo comigo, é que elas têm um sentido e um peso; pra quem lê sobre elas, podem parecer totalmente insignificantes. E acho que é assim com grande parte das nossas memórias: para nós, pequenos detalhes minúsculos e bobos são lembrados de um jeito empolgado e com uma alegria que nos leva à beira das lágrimas, quando para os outros nós parecemos lunáticos por ver qualquer graça em coisas que “são” insossas e bestas...
Mas tem certos “causos” que eu nunca vou me esquecer... como aquela cena engraçadíssima, uma das mais engraçadas que eu tenho na memória: o Gervásio, louco de raiva, descendo as escadas pisando forte, revoltadíssimo porque estava sendo impedido de estudar seus troços de mestrando em Economia por causa da Fábrica da Alegria e arrumando jeitos de sabotar a desgraça do buffet... Ligou pra polícia, o que era o mais óbvio a fazer, mas que era completamente inútil (a polícia de São Paulo tem coisas mais importantes a fazer com tanto traficante, assassino e genocida por aí do que pedir prum buffet infantil abaixar o volume, certo?). Depois resolveu usar a criatividade de que foi tão bem dotado pelos deuses e achou que uma boa idéia era fuçar na cozinha e ver se achava algo pra TACAR no prédio odiado. Nunca vou me esquecer daquela cena digna de um filme surrealista ou de um sonho psicodélico: as CEBOLAS VOANDO na noite do Jardim Rizzo, lançadas com intenções mortíferas, e indo chocar-se contra a coitada da Fábrica da Alegria. A raiva era tanta que ele exagerava na força e a cebolinha ia embora, feito um OVNI, passava pelo buffet e ia parar lá na avenida, com o risco de atingir a cabeça de algum azarado transeunte que tivesse o infortúnio de estar andando por ali na hora errada... Eu ficava imaginado a cena: o cara olhando pra cima e vendo uma cebola a cair do céu, misteriosamente, em sua direção, mais ou menos como no Magnólia caem os sapos do céu, e gritando louco de pavor para os deuses: “ai, caraca, é o Apocalipse, estão chovendo cebolas!”
Também me lembro de um dos poucos dias em que nós, o pessoal da pensão, saímos juntos de galera e fomos ao Jardim Elétrico, um muquifo tosco na Eiras Garcia onde rolava uma roda de samba e muitos manos e mulatas bons no requebro, o que obviamente me deixou muito envergonhado para sequer tentar dançar – naquela ocasião, as duas capixabas que vieram passar uns meses estavam por aqui, uma delas gatíssima (mas nós só conversamos, infelizmente)... Tiramos várias fotinhas que se perderam pelo mundo. Recusei terminantemente pagar o mico de sambar. E eu, pelo menos, lembro que bebi pra cacete. A Srta F, na saída, foi vítima de uma agressão sexual pelo guardinha (procês verem o nível da bodega), que, se eu me lembro bem, forçou-a a colocar a mão em seu “troço” (por fora da calça, pelo menos isso). Lembro de como ela se sentiu ofendidíssima e puta da vida (com toda razão) – foi uma das únicas vezes que eu quase cheguei ao ponto de assistir a uma menina bonitona de 20 e poucos anos partir pra cima e esmurrar um tiozão baixinho duns 60... Tragicômico e inesquecível.
Também vou me lembrar de trocentos momentos compartilhados com o Alexandre, o único amigo de verdade que construí por cá: dois vagais que trocaram o dia pela noite e iam dormir todos os dias lá pelas 3 ou 4 da matina e que gastavam suas madrugadas a chapar na varanda com brejas, cigarros e ervas medicinais (capische?!) e a conversar sobre de tudo um pouco: Henry Miller e Nietzsche, Fugazi e Sleater-Kinney, a cena straight-edge de Sampa e o vegetarianismo, kung-fu e natação, post-rock e violão, entre milhões de outras coisas...
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Fiz minha mudança para a minha nova casa no começo dessa semana. É uma república única constituída por dois sobradinhos, um colado no outro, nas redondezas da USP, pertão mesmo: é uma música do Arcade Fire pra sair pelo P1 até chegar em casa, comprovei hoje (o que me permite continuar bandejando todos os dias, almoço e janta, aquele rango firmeza lá da Química...). Tudo sussa na mudança: lotei o carro com todos os meus trecos, até que ele ficasse tão entupido que eu mal cabia lá dentro, e zarpei pra nova goma, que fica mais no início da Vital Brasil e mais perto de tudo: mais perto da Rebouças, da Paulista, da Marginal Pinheiros, de Santo André, da Vila Madalena, de tudo... bem melhor do que morar lá naquele fim-de-mundo, no fim da Corifeu, onde eu tava. Esvaziei meu quarto na Juceta e, quando olhei o bichinho sem nada, quase me xinguei: pelamordedeus, Eduardo, como é que vc conseguiu morar por um ano numa CELA dessas, nessa vida de sardinha? Demorei demais pra vazar...
Agora tenho um quarto grande e espaçoso, nos fundos da casa, com um banheirinho do lado, com chuveiro funcionando e muitas baratas passeando. Finalmente tenho PAREDES (uau! PAREDES!!!) me separando do quarto vizinho, o que me permite fazer um pouco mais de barulho e gritar um pouco mais alto ao violão. Agora tenho também telefone em casa (UAU! TELEFONE!). Se bem que vocês podem se assustar bastante se, ligando para cá, um espanhol maluco atender assim: “Cicerolââândia, el país de las gambiarras, buenas noches!” Vocês vão pensar que erraram de número e a ligação caiu no hospício.
Sempre tenho uma certa timidez e um certo embaraço com desconhecidos – demoro um tempinho pra me soltar, pra ficar mais leve, pra “mostrar minha verdadeira cara”, mas nem fico me reprovando mais por isso: é o meu jeito e só; nada de errado com isso. Então acho que nesses primeiros dias na nova casa o lance é mesmo ficar meio que na minha, na moita, falando só amenidades com o povo, só sendo simpático e discreto, pra ir sacando qualé a da casa, conhecendo de longe uma ou outra coisa sobre as pessoas que moram aqui, ir me familiarizando com tudo, para só depois começar a me integrar de verdade e conhecer de verdade as pessoas... Acho que é bastante natural que eu sinta, nesses primeiros dias, como uma espécie de intruso, que não está na própria casa, mas na casa DELES, se embrenhando no meio deles...Mas isso passa. Logo já vou estar me sentindo em casa, tenho certeza.
Claro que é meio difícil, no começo, essa sensação de solidão que bate quando você chega para morar num lugar e ninguém te conhece: todo mundo fica ainda meio desconfiado, com o pé atrás, como se não soubesse se vale a pena te conhecer e criar laços ou não... E é duro chegar num lugar onde as pessoas já estão meio enturmadas, onde já fazem coisas juntas, saem pra balada juntas, tem todo um ritual cotidiano de coisas que fazem juntas, toda uma experiência passada em comum, e ter que arranjar um jeito pra entrar no grupo... Esse começo é meio difícil, claro: é uma experiência solitária. Mas estou já bem acostumado às experiências solitárias e acho isso não me derruba nem incomoda tanto.
Bauru inteira foi uma experiência solitária. A pensão da Juceta, também, em muitos momentos, foi uma experiência solitária. O curso de filosofia, apesar dos bons amigos e amigas que eu fiz, não deixa de ser uma experiência solitária. E também o amor, que deveria ser o antídoto para a solidão, acaba também por ser uma experiência tão dolorosamente solitária, talvez mais do que qualquer outra. Pelo menos foi assim durante minha última paixão: eu amando sozinho, sonhando sozinho, desejando intensamente sozinho, dizendo eu te amo sozinho (e do lado de lá ressoando sempre o “eu não, eu não, eu não...”, como punhaladas no meu peito...), me empolgando e me apaixonando sozinho, enquanto que ela, do lado de lá, não retornava nenhum eco, nenhuma retribuição, nenhum calor... Ah, solidão... Sei lá: talvez a vida seja, no fundo, uma grande experiência solitária. “We live as we dream: alone...”. Mas que se dane. Estou na luta pra tornar minha vida melhor, pra diminuir (se não dá pra extinguir) a minha solidão, pra criar laços, compartilhar vida, espalhar meu amor por aí. Descobri que não preciso matar por sufocamento todo esse amor que tenho dentro de mim só porque uma pessoa nesse mundo não quis receber, me deu um EJECT e me disse basicamente um “sai da minha vida!” - posso tentar dar essa amor pra outras pessoas, um monte delas, e tenho certeza que ele pode fazer muito bem, voando por aí, sendo injetado em outros corações, curando as feridas de outros ou ajudando a encher quem se sente vazio... Tenho certeza, agora, que posso encontrar alguma outra menina que vá querer esse meu amor e que vai ser muito muito feliz com ele. É como diz o Black Rebel, em outro daqueles versos que sempre retorna à minha jukebox cerebral: “spread your love like a fever!”
Acho também que quem não aceita os riscos e não sabe se jogar na aventura da vida passa por esse mundo sem brilhar... Como diz o clichê, que só virou clichê por ser muito verdadeiro, quem não arrisca não petisca – nem brilha. E eu quero que eu cruze o céu feito estrela cadente e que deixe, pelo menos, um risco de luz, mesmo que seja de um segundo, nessa imensa escuridão do universo! Acho que, se a gente está aqui por alguma razão, deve ser pra isso: pra se aventurar, pra tentar se pôr em chamas, pra fazer da vida uma obra de arte, pra sofrer e pra chorar, pra rir e pra gargalhar, pra se foder e se reerguer, pra brilhar e depois se apagar, pra compartilhar e pra amar - isso sobretudo... “Procure dividir-se em alguém”, canta o Camelo, e acho que é isso aí: a vida é somar, dividir e multiplicar, e que se amontoem no inferno aqueles que só querem subtrair e guardar! Perde tudo aquele que sempre quer guardar... “A vida só se dá pra quem se deu...”, canta o poeta – e é uma das minhas frases prediletas, em todos os tempos. E é só isso que eu quero: me entregar à vida pra ver se ela se entrega a mim. Acho que sim.
“E francamente eu já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer...”
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