terça-feira, 27 de março de 2007

"...eternamente não correspondido pela vida..."


"...com a agonia misógina de Nick Cave, o classicismo de pele doce do Jesus and Mary Chain e o olhar eternamente não correspondido dos Smiths, aconteceu a volta do romantismo em toda sua pureza e privacidade. O pop havia voltado a ser o que sempre tinha sido: o pessoal como o domínio em que o sentido da vida é resolvido. O romantismo - o sonho do amor redentor que será o Paraíso na Terra, resolverá todos os conflitos e acabará com o isolamento - tomou o lugar da religião como o ópio do povo no século XX.

Apesar disso, é o sonho que continua a nos tocar mais fundo. Talvez a superstição do amor seja nossa última reserva de espiritualidade para enfrentar os "especialistas da alma", que buscam reformar os relacionamentos de acordo com suas noções medonhas de "negociação", "apoio", "parceria".

Sempre volto aos Stones quando penso nos Smiths, não só por causa da afetação, mas principalmente pela maneira como cada banda ilumina sua era para nós. Para os Stones, a satisfação era a meta: tudo estaria BEM se deixássemos de lado as inibições que nos mantinham para trás e para baixo. A revolução significava sexo bom no amanhã.

Mas os Stones eram o produto de tempos expansivos, e os Smiths, o produto de tempos contraídos e assediados. Com os Smiths era uma questão não de desejo, mas de anseio - o anseio de pertencer a alguém ou de estar do lado de alguém, de pertencer a algum lugar. O sonho de que duas "meias-pessoas" podem formar uma inteira, se encaixar como "Hand In Glove", mão na luva. Os Stones e sua época tinham a ver com sair de casa; os Smiths e a nossa época são sinônimo do anseio angustiado por um lar.

Esses sentimentos - saudade de um lugar de onde você não via a hora de sair (Manchester) e nostalgia por um tempo que nunca foi bom (adolescência) - foram as razões por que a música dos Smiths refletia os dilemas dos anos 80 como nenhuma outra. É um sinal dos tempos que o pop-como-reinvenção-pessoal seja algo que encontra cada vez menos eco nos leitores da imprensa musical. Que o vencedor da eleição, a figura com que mais haja identificação seja Morrissey, capaz apenas de se imaginar eternamente não correspondido pela vida..."

< SIMON REYNOLDS, Beijar O Céu, ed. Conrad, pg. 57-58 >

Devorei esse livrinho delicioso em dois dias - engolindo tudo sem nem mastigar direito, tamanha a fome... Vovó já me dizia: "32 mastigadas antes de mandar goela abaixo! Tem que contar!" Eu desobedecia sempre. Coisa mais besta ficar contando dentadas...

Adoro esses livros que a gente trata como se fosse um sorvete no verão escaldante ou um oásis no deserto. Agora já não sei mais se o Lester Bangs é mesmo meu crítico de rock predileto; talvez só fosse assim por pura ignorância do monte de caras foda que têm por aí e que a gente só tá tendo oportunidade de conhecer agora, com essa maravilhosa coleçãozinha da Conrad.

O Simon Reynolds escreveu umas páginas completamente brilhantes e geniais sobre os Smiths, o Joy Division, o Radiohead, o Van Morrison, o Syd Barrett, entre outros - um lance mais intelectualizado e sentimental do que o Bangs, mas algo que vai mais fundo na alma dos artistas investigados. As páginas sobre o Morrisey, como mostra o trechinho aí em cima, são prova de que a crítica de rock pode ser uma obra-de-arte. Lindo demais. E olha que eu nem sou muito fã dos Smiths, apesar de achar o The Queen Is Dead um baita dum disco, achar "How Soon Is Now" um música duca ("I'm human and I need to be loved... just like everybody else does...") e curtir uma ou outra música da carreira solo do Morissa.

Agora vou ter que voltar às chatices filosóficas e às leituras difíceis... Acho que eu devia ter entrado na Faculdade de Rock: ler as obras completas de Simon Reynolds em vez de ficar na companhia desses chatos de galocha tipo o Hegel... Cuidado com a DP, Eduardinho! Fica mesmo lendo seus livrinhos de rock e deixando a filosofia pra depois! Vamos ver onde é que vc vai parar!

=)


(Tenho novidades mil pra contar. Post QUERIDO DIÁRIO enorme vindo, logo logo.)