sexta-feira, 16 de março de 2007


:: DIVAGAÇÕES EGOTRÍPTICAS SOBRE OS
LOS HERMANOS ::


"...que lágrimas perderam aqueles que conseguiram!"
(FERNANDO PESSOA)


Vocês sabem: virou uma espécie de religião. Hoje em dia, quem vai a um show dos Los Hermanos percebe na hora: o grau de devoção e fanatismo do público atinge certos ápices inigualáveis por qualquer outra banda nacional. O Culto Hermânico têm seguidores para quem o hermanismo é bem mais importante do que o cristianismo. Pode parecer exagero ou sensacionalismo, mas eu, que estive presente em 3 shows dos caras, posso testemunhar que o frisson do público atinge uns cúmulos tais que a coisa chega merecer o apelido de beatlemania brasileira. Em muitas músicas os vocais do Camelo e do Amarante, como antigamente acontecia com os de Lennon e Macca, ficam totalmente soterrados pelo coro de vozes, pelos gritos histéricos das fãs (inclusive os obscenos: "Amarante gostooooooso!") e pela barulheira dos assobios. Já tá virando até um certo clichê dizer isso, mas parece a mais pura verdade: os Los Hermanos estão virando a nova Legião Urbana, a banda mais cultuada desta geração e desta década, a que mais muda vidas e a que mais torna seus admiradores verdadeiros seguidores fiéis... Mais um tempo, e eles serão a principal trilha-sonora tocada nas rodinhas de violão e luais de beira-de-praia (o que pode fazer com que se tornem um pouquinho mais odiados do que já são pelos detratores, que não são poucos). Vendo pelo aspecto sociológico/fashion da coisa (cuma?), dá até pra dizer que eles chegaram até a criar moda ao fazer da barba um fetiche (Amarante: "Não gosto de ficar sem barba: me sinto pelado!"). =)

A comparação com a Legião Urbana, apesar de não ter muito sentido musicalmente falando, tem lá sua razão de ser. Eu confesso, sem nem me ruborizar, que lá no comecinho da minha adolescência, quando Renato Russo já tinha vestido o paletó de madeira, eu virei (e que baita clichê...) um fã de Legião Urbana. Fã de verdade, daqueles chatões, que sabia cantar "Faroeste Caboclo" inteirinha, de cabo a rabo; que achava "Eduardo e Mônica" uma "gracinha" e uma das músicas mais divertidas de todos os tempos; e que acreditava até, antes de conhecer Ramones, Nirvana e Sex Pistols, que "Geração Coca-Cola" e "Que País É Esse?" eram as músicas mais selvagemente punk do mundo e que "Teatro dos Vampiros" era a canção mais triste que um homo sapiens já havia escrito. Até hoje tenho nas prateleiras os CDs originais Dois, Que País É Este, As Quatro Estações, Música Para Acampamentos (duplo), A Tempestade e Uma Outra Estação - e Mp3s de quase todos os outros.

Musicalmente, Legião e Los Hermanos não tem muito a ver: a Legião era uma espécie de Smiths nacional, que imitava as bandas inglesas de pós-punk e rock oitentista, pescando um pouco de Echo, de Cure e de Jesus & Mary Chain, enquanto vejo os Hermanos como algo muito mais próximo de uma espécie de misto entre Weezer, Chico Buarque e Radiohead. Mas o que une as duas bandas, acho eu, e que justifica as comparações, é o tipo de encantamento que elas geram sobre o público e os fãs: essas são bandas daquelas que mudam vidas, que transformam os fãs em verdadeiros seguidores que vivem com seus ídolos frequentemente em mente e vendo surgir os versos queridos constantemente na cabeça e no coração. São mais que meros fenômenos pop ou sucessos de vendas - são bandas idolatradas que viram parte integrante e fundamental da vida de seus fãs. Fãs chatos, na maioria das vezes... :P

E eu acho que estaria achando todo esse bafáfá e todo esse oba-oba um saco, todo esse delírio coletivo, essa loucura de massa, esse fanatismo aparentemente tão exagerado - se eu não tivesse, eu também, caído apaixonado pelos discos dos Hermanos, se eu não tivesse furado todos eles de tanto ouvir e se eu não considerasse essa, hoje em dia, a minha banda nacional mais querida em todos os tempos. Sim, eu estaria amaldiçoando toda essa histeria... se eu não estivesse também entre os histéricos...


Como quase todo mundo que acha que tem bom gosto, eu não dei lá muita bola para essa bandeca aí que apareceu fazendo estragos nas paradas com "Anna Júlia", no longínquo ano de 1999. Eu ainda era um adolescente, daqueles que tinha crescido ouvindo só barulheira e que nunca iria admitir que gostava de qualquer coisa que não fosse punk, grunge, hard rock nem metau. E "Anna Julia", quando surgiu, com aquele clipinho que emulava os bailinhos de formatura dos anos 70, era algo que soava tão comportadinho, fofinho, inofensivo e comercial que quase todo roqueiro de verdade cuspiu em cima e meio que virou a cara: "isso não tem nada a ver com rock and roll! e foi feito só pra vender!"

Hoje acho que "Anna Julia" foi para a carreira dos Hermanos aquilo que foi "I Wanna Hold Your Hand" para a dos Beatles: o primeiro hit, de letra bobinha mas de melodia irresistível, que se transformou num fenômeno massivo, mas que nem dava pistas sobre o que o futuro reservava. Julgando por "I Wanna Hold Your Hand", os Beatles poderiam ser só somente uma bandinha medíocre que acertou uma vez, mas que não teria talento suficiente para mais do que isso... Alguém imaginava que aquela bandeca seria capaz de compor, anos depois, Revolver, Sgpt. Peppers, Abbey Road...?

No caso dos Hermanos, foi quase a mesma coisa: o primeiro hit, se bem que adorável, não prenunciava o futuro brilhante que a banda ainda iria construir. E eu até hoje tenho certas suspeitas de que possa ter sido uma espécie de golpe: os Hermanos parindo de propósito um hit pop, feito para explodir mesmo, chamar a atenção e mostrar ao mundo que eles existiam... Depois relegaram o rebento ao esquecimento, disseram que "Anna Júlia" não tinha muito a ver com o som do disco de estréia (e não tinha mesmo...), pararam de tocar o hit nos shows e tentaram, a duras penas, ganhar o respeito de muita gente que, de cara, tinha pegado preconceitos.

A gente provavelmente não admitia isso, mas o nosso desgosto por "Anna Júlia" nem era tanto porque a música era ruim de verdade, porque não era e não é. Era mais porque aquela desgraçada daquela melodia invadia nossas mentes e ficava ali, loucamente, num loop eterno - musiquinha desgraçadamente grudenta. A letra, lida num papel, parecia algo de uma ingenuidade que era fácil desprezar: certos versos pareciam saídos do caderno de algum aluno ginasial escrevendo versos para uma namorada imaginária. E as pessoas caretas, que curtiam Ivan Lins, Guilherme Arantes, Flávio Venturini e Bee Gees, não achariam problemas em gostar daquilo. Mais uma razão para que eu não gostasse. Mas era, no fundo, um hit de nascença, algo tão bom quanto os clássicos mais pegajosos da Jovem Guarda – e uma daquelas músicas que só encheu porque tocou demais.

E, estranho, depois de darem às paradas um musiquinha completamente pop, os tais dos Hermanos saíram por aí dizendo que tocavam hardcore, apesar das letras românticas, que eram muito influenciados por Weezer e emo clássico, que eram rapazes cultos que liam Garcia Márquez e tinham ídolos na bossa nova... Muita gente não engoliu a história e nem foi conferir se era verdade. Eu, por exemplo, que nem quis saber de ir ouvir o primeiro disco dos caras na época do lançamento. "Primavera", a segunda música de trabalho, toda bonitinha também, só sedimentou mais ainda a impressão de que de rock and roll os tais dos Hermanos não tinham nada e que o lance deles era só popices, fofurices e demais viadices.

Depois, quando o tal do Camelo se meteu a falar mal dos Ramones no programa do João Gordo na MTV, eu dei razão ao gorducho por expulsá-los aos sopapos e palavrões, em pleno ar. Foi mesmo meio sem noção ousar cometer uma heresia desse tipo: falar mal de Ramones pro João Gordo é como ir num Congresso Comunista pra meter o pau em Karl Marx ou invadir uma missa, subir no altar e começar a dizer que Jesus Cristo é uma farsa... Isso não se faz. Não dei nada pros Los Hermanos. Achava o nome da banda completamente bobo; achava que a coisa não tinha originalidade alguma, apesar de os caras terem provado que conseguiam criar boas melodias e que tinham um bom vocalista; pra mim, era nada mais do que uma one-hit-band medíocre, que rapidinho seria esquecida...

E aí veio o Bloco. O disco que calou a boca de quase todos nós que um dia ousamos dizer que o Los Hermanos eram uma bandinha qualquer, prometida ao esquecimento. Se o Los Hermanos 1 era um disco de emocore acelerado, turbinado por metais endoidecidos, que caía muitas vezes próximo dum skacore ou do hardcore agressivo, o Bloco do Eu Sozinho expandiu os horizontes sônicos da banda para muito longe: conviviam no mesmo álbum o indie-rock à la Weezer, saturado de teclados ("Fingi Na Hora Rir", "Casa Pré-Fabricada”), as primeiras guinadas no domínio da MPB e da bossa-nova ("Veja Bem Meu Bem", que depois a Maria Rita iria regravar), sonoridades mais melancólicas e arrastadas, que já prenunciam o "clima" do 4 ("Adeus Você", "Sentimental"), sem falar nos resquícios do passado hardcore ("Tão Sozinho"). As letras simplórias e despretensiosas do álbum de estréia (quem teria coragem de chamar Amarante ou Camelo de poetas de verdade só pelas palavras desse 1o disco?), agora ganharam muito: tornaram-se mais arrojadas, mais variadas, mais saborosas, mais ambiciosas, como prova "Cadê Teu Suin?", do Camelo, ou "Retrato Pra Iaiá", do Amarante - duas letras originalíssimas.

E, na sequência, veio o Ventura, um dos melhores discos da história da música brasileira, adicionando alguns clássicos absolutos ao repertório hermânico (“O Vencedor”, “Cara Estranho”, “Último Romance”, entre outras), e na sequência o mais experimental 4, que representou uma quase radical mudança de sonoridade, e tivemos que admitir: os caras são bons mesmo. Apesar de terem se afastado um pouco da grande mídia, se recusando a pegar atalhos fáceis para o sucesso, os Hermanos conseguiram conciliar uma imensa aprovação popular com os elogios igualmente intensos da crítica. Caso raro. E, como tudo que faz muito sucesso, levantaram-se alguns detratores, colocando apelidinhos sarcásticos (LOSERmanos...) e se recusando a reconhecer o inegável valor dos discos.

Tenho pra mim a opinião que nenhuma outra banda na história do rock nacional jamais contou com uma dupla de compositores de talento tamanho dividindo a "liderança". Quase toda grande banda nacional tem UM único líder que carrega tudo nas costas (Renato Russo, Cazuza, Chico Science, Fred 04, Herbert Vianna, Catatau...), um monte de compositores de pouco talento (caso dos Titãs) ou nenhum compositor de talento (quase todas as outras). Agora dois gênios na mesma banda é algo quase inédito na história do rock nacional (talvez os Mutantes, mas sei lá... acho que o Sérgio Dias é que carregava a banda nas costas e era o verdadeiro "cabeça" do negócio...). Amarante e Camelo, se eu sou profeta de confiança, logo serão considerados o Lennon & McCartney do rock nacional: cada um deles tem suas características pessoais inconfundíveis, mas as semelhanças e a sincronia entre os dois impede que o Los Hermanos soe como algo heterogêneo. Uma dupla tão bem afinada quanto Marx e Engels, Bonnie e Clyde, Batman e Robin!

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Marcelo Camelo conseguiu unir influências meio discrepantes e formar algo que faz todo o sentido do mundo: ao mesmo tempo que ele tem um jeitão de cara indie e sua velha admiração pelo rock alternativo e pelo bom emocore das antigas, tem também seu lado mais comportado de compositor buarquista, que curte um banquinho e uns sussurros bossanovísticos. Foi assim que conseguiu conciliar seu desejo de ser o Rivers Cuomo tupiniquim com sua ambição de ser uma espécie de continuador do legado de Chico Buarque e Dorival Caimmi. Tudo isso já valeu ao Los Hermanos, numa Bizz recente, o rótulo muito engraçado e feliz de eMoPB. E que ninguém se atreva a lhe dizer do que é feito o samba: pro Camelo, se faz samba com guitarras, sim senhor, e dançável a dois, sem neura...

O Camelo, dizem alguns, é o próprio Cara Estranho da música: aquele que parece não se encontrar lugar no corpo em que Deus lhe encarnou, que não sabe nem pra onde ir se alguém não aponta a direção, que deixa o ódio se esconder. É aquele que se sentia perdedor ("eu que já nem sou assim muito de ganhar...") mas que foi descobrindo, aos poucos, que os tais dos vencedores não são lá tão admiráveis ou dignos de inveja. O personagem do Vencedor, que ele observa de longe, quase com piedade, não tem "gosto de viver" nem a "glória de chorar". Pra que ficar se fazendo de forte desse jeito se é pra viver assim, carrancudo e sem gosto? Perder não é ser menor na vida. E é de lágrima que ele faz mar pra navegar... Como dizia o Pessoa (“que lágrimas perderam aqueles que conseguiram!”), o Marcelo também insiste que não há nada de errado em derrubar umas lágrimas, por vezes estar perdido e ser fraco e carente de vez em quando. It's not a problem.

A melancolia, nele, parece um pouco mais pungente do que no Amarante, especialmente em certas músicas do 4, onde parece que um pouco da juventude dele se foi e que um certo “cansaço” começou a tomar conta. "2 Barcos", "É De Lágrima" e "Pois É" têm uma tristeza meio arrastada, agoniante, angustiante, beirando os lamentos de um Thom Yorke, algo que eu não me lembro de ter ouvido no rock nacional em nenhuma outra época. Camelo tem seus momentos de pessimismo ("pode ser que a maré não vire, pode ser do vento vir contra o cais..."), seus lamentos sobre a solidão ("sobre estar só, eu sei..."), suas brigas com a felicidade ("como se ela recolhesse a mão pra não me alcançar..."), seu cansaço pelos amores sofridos (“achando que sofrer é amar demais...”), seus reconhecimentos de fracassos ("pois é, não deu..."), o desejo de se abandonar à um merecido descanso ("e o coração já quer descansar...")... etc. Cara estranho, perdedor, peixe fora d'água? Talvez.

Mas é só porque não dá mesmo pra se sentir totalmente em casa nesse planeta: "o mundo inteiro é hostil" e Marcelo, no fundo, só está atrás de um amor ("a gente só queria um amor...") e de uma boa dose de sossego ("paz, eu quero paz..."). Paz no espírito e na consciência: só quer levar a vida devagar pra não faltar amor. E oferece uma mão pra quem quer que queira (“procure-me em qualquer confusão”) - como também faz Amarante ("me diz onde é o sufoco que eu te mostro alguém a fim de te acompanhar..."). Ele sabe que vida é passageira e a nossa estrela vai cair... Então recomenda, claro, é mais uma vez tudo sobre o amor: "procure dividir-se em alguém!"

Camelo também aquele que se cansou de se esconder, de se proteger, de se calar. Cansou de viver entre pessoas todas emprisionadas em suas celas de prisão, em suas máscaras, em seus fingimentos... "Abra a janela agora, deixa que o Sol te veja... Abre as cortinas pra mim, que eu não me escondo de ninguém..." Agora vive querendo manter abertos os portões da alma. Olha você: diz que não vive a esconder o coração? Mas sozinho não tem graça, ele sabe bem - e tudo, no fundo, é sobre o amor. "Abra os teus armários, eu estou a lhe esperar..." É o cara da poesia simples, que concentra em versos pequenos e palavras esparsas uma imensa qualidade de sentido, como faz todo bom poeta, contrastando um pouco com o beletrismo do Amarante, que é um poeta mais "palavroso". O Camelo prefere confessar na lata seus sentimentos como são, mesmo que soe sentimentalóide e piegas, ao invés de se esconder detrás de palavras inusitadas. Ele se sente sozinho e precisando de carinho, diz isso sem enrolação - por que se esconderia detrás de metáforas e complicações? Os cínicos podem dar risada de uma franqueza assim tão desarmada, mas ele num tá nem aí: "pode rir agora... o fio da maldade se enrola!"

Quer estar em par com Deus, e não está nem aí se a gente acha isso pieguice, religiosidade antiquada ou uma ética bobalhona. Diz o que quer dizer, sem se importar muito se os cínicos vão rir, se vai virar objeto de piada, se o seu romantismo vai ser considerado ingênuo... "Pode rir agora...", canta ele, e é como se ressuscitasse Renato Russo, que berrava o mesmíssimo verso em "Angra dos Reis". "Pode rir agora, que o fio da maldade se enrola..." No fundo ele faz o melhor de que é capaz só pra viver em paz - e sabe que, no fim, assim calado, vai ser coroado rei de si.

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Já o Amarante, apesar de igualmente sentimental ("quem é mais sentimental que eu?"), me parece ter menos gosto pelo drama e mais controle sobre sua melancolia. As poesias do cara costumam ser mais lúdicas, mais brincalhonas, com versos bem arrojados. Tanto que às vezes o cara solta uns versos um tanto incompreensíveis e pretensiosos (alguém sabe me explicar, por exemplo, o que diabos quer dizer "dei-te pra ancorar doces deletérios"?!?). Muitas vezes, as palavras estão ali mais pela sonoridade agradável ou cômica do que pelo sentido que comunicam: simplesmente porque são palavras engraçadas, divertidas, bizarras, gostosas de pronunciar e ouvir. Mas na maior parte do tempo suas palavras se ajuntam dum jeito ótimo e soam muito bem. Às vezes gosto de imaginar Amarante, num dia de tédio, brincando de passar o olho pelo dicionário, aleatoriamente, só pra pescar termos saborosos que depois entrarão em suas letras. Imagino ele marcando com algum sinal certos verbetes, em meio a risinhos divertidos: imbróglio, engodo, quiproquó, birra, cisma, amuleto, chulé, sacola, deletério, pá furada, chá de habu...

O Amarante me parece ser um cara com o olhar mais aberto para a poesia do cotidiano, para as pequenas insignificâncias do dia a dia que, quando se tem alma de poeta, se enchem de magia. Ler jornal na fila do pão pode ser algo cheio de encanto, para quem sabe olhar bem e descobrir ali, detrás daquelas folhas, um homem apaixonado, que encontrou seu amor quando desistiu de procurar ("Último Romance"). Ele é o cara mais desencanado do Hermanos, capaz de curtir com mais leveza o cotidiano, deixar a vida vir do jeito que vier ("deixa ser como será, eu vou sem me preocupar..."), e deixar o coração sentir o que quiser, sem se perder "no abismo que é pensar em sentir"...

Ele é outro cara em busca de um amor difícil de conquistar, um amor que faz errar e faz pecar (""se eu peco é na vontade de ter um amor de verdade..."), que traz melancolia e amargor ("o amargo é querer-te pra mim..."), que é uma aventura a que é preciso se atirar ("e assim em ti eu me atirei..."), que crê nas reconciliações depois das brigas e dos choros ("ver renascido amor, bento de lágrimas..."), que conhece bem a solidão e os dias em que, "aflito e só", fica a observar os pássaros e matutar sobre a vida. Mas não reclama, porque sabe dos bons frutos dessa solidão e que existe um amor libertador: "Os dias que me vejo só / São dias que me encontro mais / E mesmo assim eu sei tão bem / Existe alguém pra me libertar...". É o cara que está sempre lá, oferecendo uma mão e uma ajuda: seja em tempos de sufoco, seja em tempos de sossego, ele está lá a fim de te acompanhar...

"O Velho e o Moço", que musicalmente pode até nem ser das mais impressionantes canções dos Hermanos, é uma das poesias mais bem compostas de Amarante. É uma letra que imagina um pouco como seria estar dentro da navinha mágica de De Volta Pro Futuro - e se eu voltasse pra mudar o que fiz, se pergunta Amarante, "quem agora eu seria"? É uma música sobre o tempo e a mutabilidade constante - sobre como uma decisão no passado determina todo nosso futuro, e como tudo seria diferente se estivéssemos escolhido o que não escolhemos.

"O que eu sou é também o que eu escolhi ser", filosofa ele, sem sinal de revolta contra a vida: "aceito a condição". Que condição? Talvez a própria condição humana. Ele conhece a imprevisibilidade do futuro, e gosta que seja assim: dispensa a previsão. Até porque tentar prever só serviu pr'ele se enganar. Se o futuro já estivesse escrito e se a gente pudesse saber o que vai rolar, se as coisas se desenrolassem exatamente de acordo com nossas previsões, que graça teria viver esse jogo de cartas marcadas, de vitória ou derrota predeterminada? Que graça jogar um jogo que já sabemos se vamos ganhar ou perder? Se desse pra saber, antes de fazer algo, se esse algo daria errado, onde estaria a aventura de viver? É bom não saber o que o amanhã reserva, nem quem é que nos tornaremos; saber que as previsões quase sempre dão errado e que não tem problema: "deixa estar"... As pessoas que cada um de nós seremos no futuro: eis mais um mistério. Nós conhecemos quem somos hoje, conhecemos quem fomos nos tempos ido, mas como saber quem é que seremos? "Eu sei que vou voltar / Mas eu quem será?"

Amarante sabe do tamanho pequenucho de cada vida dentro do tempo... só muitos milênios depois de estarmos mortos é que a água do mar, de tanto bater na rocha, vai desintegrá-la. "Posso ouvir a onda bater, mas o estrago que faz a vida é curta pra ver..." E essa vidinha em que nascemos, pra onde vai e de onde veio... sei lá! E o passado é tão misterioso quanto, principalmente aquele que passou antes da gente nascer: "as vidas atrás são parte de nós?"

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Eu teria muita coisa ainda a dizer, mas ficam aí, meio jogadas, essas digressões, ficam aí esses versos espalhados ao vento, como um mero convite para se jogar no universo da banda... Mas são palavras demais, quando o que importa de verdade é ir lá e ouvir os discos, deixando-se penetrar pelo encanto hermânico: quatro discos inesgotáveis e viciantes, que vão revelando novos charmes a cada audição e que fazem dos Hermanos, pra mim e pra milhares de outros, a maior, melhor e mais querida banda brasileira que existe.

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LOS HERMANOS em 22 PREDILETAS, metíveis num CD-R

01. fingi na hora rir (4:12)
02. o vento (3:37)
03. cara estranho (3:27)
04. ultimo romance (4:27)
05. casa pré-fabricada (2:57)
06. deixa estar (3:33)
07. além do que se vê.wma (3:52)
08. condicional.wma (3:28)
09. do sétimo andar.wma (3:49)
10. o vencedor.wma (3:22)
11. conversa de botas batidas.wma (4:02)
12. samba a dois.wma (3:19)
13. paquetá.wma (3:00)
14. o velho e o moço.wma (4:05)
15. retrato pra iaiá.wma (3:59)
16. todo carnaval tem seu fim.wma (4:26)
17. um par.wma (2:59)
18. tá bom.wma (2:20)
19. pois é.wma (3:24)
20. adeus você.wma (2:58)
21. primeiro andar.wma (4:18)
22. dois barcos.wma (4:40)


Playlist length: 1 hour 20 minutes 14 seconds


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(PARÊNTESES) - Olha só: tive alguns sérios problemas e desentendimentos depois de ter publicado esse texto por aqui, que chegou a ser acusado de ser um plágio e conter altas apropriações criminosas do trabalho alheio (estão até ameaçando me processar... no kidding!)... então acho que convêm abrir um parênteses e fazer alguns créditos, agradecimentos e esclarecimentos para ver se acalmo as fúrias de uns e outros e me "defendo" contra os horrores que andam dizendo sobre mim aqui na minha caixa de e-mails...

O lance é o seguinte: quando eu me sento para escrever qualquer texto pr’esse bloguinho, sobre o que quer que seja (cinema, música, literatura, filosofia...), gosto de fazer a coisa bem-feita: faço uma pesquisa prévia detalhada sobre o assunto, leio o máximo número possível de outros textos e resenhas escritas sobre a coisa, tento aprender o máximo que posso com outras pessoas e outras opiniões, tentando reunir “munição”, por assim dizer, pra escrever algo bacana. Quando quero falar sobre um filme ou um disco, num me sinto autorizado a me meter a sair dando opiniões sem antes dar uma passeada por aí e ver o que outros pensam sobre a mesma coisa (no quê o Rotten Tomatoes e o Meta Critic, sem falar no bom e velho Google, são ótimas pedidas). Sempre achei que eu podia enriquecer muito a minha percepção das coisas entrando em contato com outras percepções, perspectivas e visões...

Não escondo de ninguém que eu vou assim meio que “peneirando”, no imenso oceano de informação que há por aí (ainda mais nesses tempos de internet), alguns pontos-de-vista interessantes, idéias brilhantes, “sacadas” geniais e percepções criativas que vou encontrando por aí e começo a "colecionar"... As coisas que escrevo quase nunca são troços que surgem em mim “do nada”, que são produtos “puros” do meu espírito e da minha cabeça, até porque, como diz a famosa frase do John Donne, “nenhum homem é uma ilha” e toda pessoa está rodeada por influências, atrações, repulsões, projeções, identificações e o escambau – we’re all related. Então é claro que, muitas vezes, o resultado que sai por escrito é uma espécie de síntese daquilo que eu aprendo com os outros, que os outros me fazem pensar, sentir, matutar, perceber e assim por diante. E é claro que eu me sinto no direito de utilizar as coisas que eu aprendi com os outros como algo que vá servir pro meu texto e pra minha visão, sem que isso seja considerado um roubo, um plágio ou um ato de um mau-caráter comprovado.

Acho que foi o Newton quem disse que só se tornou grande porque estava “de pé sobre o ombro de gigantes”, manifestando assim, nessa imagem poética tão bacana, sua dívida para com seus mestres do passado. O Oasis, que depois entitularia um de seus discos justamente como “Standing On The Shoulder Of Giants”, só fez o mesmo, reconhecendo sempre a influência inegável dos Beatles e do rock sessentista no som dos caras. E o que eu acho é que, se você tem um espírito aberto, disponível e sem preconceitos, consegue aprender algo com qualquer pessoa, inclusive com pessoas sem cultura ou erudição algumas, mas que tem experiência de vida para dar e vender.


Eu, que sempre me considerei e continuo a me considerar, sem vergonha, um “eterno aprendiz”, como diz a canção, acho que não há nenhum problema em subir nos ombros de gigantes, de anões e de pessoas de altura mediana para aprender a olhar mais longe, olhar mais de cima, olhar de um jeito mais profundo e mais vasto... Portanto não nego, claro, que leio muito material por aí antes de escrever algo por aqui e que me aproveito dessas leituras para escrever minhas coisas - às vezes, talvez, de um modo um pouco irresponsável, sem dar o devido crédito às pessoas com quem aprendi as coisas. Vou tomar mais cuidado, prometo!

Para escrever bem sobre o Nevermind, por exemplo, tive que suar muito (não que tenha sido duro: a gente sempre lê com muito prazer e gosto sobre nossos ídolos mais queridos!). Devorei toneladas de material: li aquela excelente biografia do Charles Cross (Mais Pesado Que o Céu), li a biografia nacional do Marcelo Orozco (Fragmentos de uma Auto-Biografia), o livro português de citações cobainianas Odeio-me E Quero Morrer, o Barulho do André Barcinski, sem falar de matérias velhas da Rock Press, da Bizz e da SPIN (da época em que o disco foi eleito o álbum da década em todas elas), além de incontáveis outras resenhas, artigos e entrevistas que encontrei na Internet... Eu não seria capaz de escrever aquele texto “sozinho”, claro, e me senti, quando terminei, como se fosse sim algo totalmente meu, pessoal, subjetivo e com a minha cara, mas como se aquilo fosse TAMBÉM um trabalho de síntese de idéias e sentimentos de muita gente. Posso ter dito certas frases que o Charles Cross ou o Orozco disseram quase igual em seus livros, mas nem por isso acho que eu mereceria ser processado por algo parecido com “plágio” ou apropriação indevida de idéias alheias, até porque tudo o que eu leio acaba se tornando parte de mim e, depois de digerido e “reprocessado”, sempre aparece pelo menos um pouco transformado e “filtrado” pela minha percepção pessoal das coisas.

Pra parir um bom texto, eu só conheço esse jeito: me alimentar das idéias e impressões dos outros, ver se elas estão de acordo com as minhas, selecionar o que há de mais legal, mais interessante e mais relevante por aí, e tentar assim fazer o melhor texto que eu puder fazer, mesmo que ele pareça, no fim, tecido por várias mãos e contendo idéias de muita gente. Todo esse material vai pro meu liquidificador mental, fica ali fermentando e sendo digerido, até que acaba virando meu texto, que certamente está em dívida para com tudo o que eu li, e que às vezes acaba contendo idéias que se encontram em outros lugares e outros escritos, mas ao qual eu também, é claro, sempre tento imprimir a minha marca pessoal, a minha própria perspectiva, o meu jeito de sentir as coisas. Eu faria um trabalho muito mais pobre se me proibisse de ler outras coisas que foram escritas sobre o assunto para o bem de ser “completamente original”, coisa que eu não consigo nem quero ser. E acho que é dever de qualquer jornalista, ao invés de se julgar o “sabichão” e pensar que pode se sentar para escrever sem consultar nada, sem se basear em quem manja e sem ler ninguém, é dever dele ser humilde e sentar para estudar, ralar a alma e aprender com os outros...

Mas eu quero deixar muito claro que eu não tenho nenhuma pretensão de ser um cara 100% original, de só ter “idéias próprias” que ninguém mais têm, nem a pretensão de sempre escrever coisas que ninguém jamais escreveu nem pensou nem sentiu. Também não me vejo, na verdade, como o “dono” de grande parte das frases, idéias, pensamentos, expressões e sensações que acabo por expressar - até porque, muitas vezes, eu sinto ser mais o “veículo” delas do que o criador.

Quanto à esse texto sobre os Los Hermanos aí embaixo, que andou me dando esses dissabores e me fez receber acusações de ser um “plágio” (inclusive com a ameaça de que ia ser processado! Deus meu...), acho que é a mesma história. Como é natural de todo fã, eu devorei um montão de textos que existem por aí sobre os Los Hermanos, em blogs, zines, revistas e jornais, alimentando minha curiosidade por saber mais sobre a banda e querendo me inteirar também, é claro, sobre o que o povo por aí sente, pensa e matuta sobre os Hermanos. É claro que joguei toneladas de material dentro do tal do liquidificar mental para conseguir escrever esse texto, e é claro que, quem for investigar meu texto com uma lupa, vai acabar notando que aqui e acolá existem certas coisas no meu texto que já apareceram em outros lugares, outros textos e outros papos. Não escondo de ninguém que fui pescar muita coisa em outros lagos e rios que não o meu cérebro.

Por exemplo: tirei o rótulo de eMoPB, que eu achei muito engraçado e feliz quando li, de uma resenha de show publicada na Bizz um tempo atrás; fiquei com a vontade de discutir sobre as relações entre Legião e Los Hermanos, vejam só, por causa de um “papo de balada” no Studio SP, quando a galera estava discutindo, meio de sacanagem, se daqui um tempo a gente veria rodinhas de violão recheados com canções dos Los Hermanos, quando antigamente era tradição ser sempre Legião e Raul; a lembrança da briga João Gordo e Los Hermanos saiu dum texto do meu amigo Falcon no TSC TSC TSC; tirei muitas idéias e também certas expressões inteiras dos ótimos textos que o Abonico R. Smith escreveu pra revista eletrônica Bacana (como por exemplo a frase “não tomar atalhos fáceis para a fama”, que se encontra naquele que eu considero o melhor texto já escrito sobre os Los Hermanos); li uma pá de entrevistas, como a longa conversa informal com os caras da banda publicada na Gafieiras, e também a maior partes das resenhas de disco que eu pude achar (como as do Gordurama sobre o Ventura e o 4) e de artigos sobre os Hermanos (como esse do Maroldi, do Julio, do Mario Marques, da Poppy Corn, da Gafieiras...); muitas das impressões que eu acabei tendo sobre letras e versos nasceram lendo comunidades no Orkut e observando a vox populi comentar sobre essas coisas, fazer suas apostas e arriscar suas interpretações; outras surgiram em papos informais, por MSN ou pessoalmente, enquanto eu discutia Los Hermanos com amigos e amigas e ia sacando uma ou outra coisa sobre um ou outro verso; e o “estilo” que eu escolhi para certas partes desse texto, espalhando versos hermânicos por todo lado e tentando fazer uma espécie de “quadro impressionista” do mundo poético da banda, distinguindo entre as características do Camelo e do Amarante, foi bastante influenciado por um texto, que eu adorei e que recomendo a leitura, escrito por uma amiga minha uns tempos atrás e publicado no blog dela.

Portanto é claro que eu estou em dívida com todo esse material e com inúmeras pessoas, a quem eu devo gratidão, admiração, agradecimentos e tudo mais. Mas, pôxa vida, pessoas cricas, isso aqui é só um bloguizinho minúsculo frequentado por meia dúzia de amigos e conhecidos meus! Eu não vou ficar aqui fazendo notas de rodapé para os meus textos, indicando de onde tirei cada minúsculo detalhe, e acabar fazendo esse lance parecer com aquelas teses de doutorado chatérrimas que têm umas 500 citações...Tenho mais o que fazer! E, aliás, isso aqui é um espaço pessoal pra mim me expressar livremente, sem essas burrocracias todas, sem essa seriedade boba, essas formalidade de escritório...

Não tô na universidade nem na imprensa, tô na porra do meu blog! E só escrevi isso aí em cima pra prestar miha homenagem a uma banda que eu amo, para compartilhar coisas legais sobre os Hermanos, para fazer um convite para que mais gente se lance no “universo” dos caras. Não é pra ser levado assim tão a sério, pelamordedeus! As coisas legais que eu vou ouvindo por aí, que eu vou incorporando à mim, eu meio que vou “passando pra frente”, exatamente como a gente faz quando ouve uma coisa legal de uma pessoa e depois diz essa coisa legal pra outra, sem ficar encanando de “citar as fontes originais” ou qualquer encanação parecida. As coisas que eu ouço e leio por aí eu uso nos meus textos mesmo; quando me lembro cito a fonte; quando não, digo que não é coisa minha com um “dizem por aí” ou “dizem alguns”, essas coisas. Blog é pra ser um lance desencanado, sem muitas regras e neuras, pra pessoa ficar livre pra dizer o que quiser – não tem todo o lance formal que seria preciso para uma publicação “oficial”! MAS QUE SACO!

Quanto às acusações de plágio, o que eu posso dizer é que a minha consciência tá completamente tranquila e que obviamente NÃO vou apagar esse texto daqui, o que seria dar razão para acusações que eu acho, senão injustas, pelo menos exageradas. Acho completo exagero e falta de respeito pelo meu trampo colocar o “rótulo” fácil de “plágio” num texto desses, que eu suei tanto pra fazer, só porque procurei ouvir dezenas de vozes antes de escrevê-lo - texto que eu sinto, aliás, que tem, no fundo, como tudo o que eu procuro escrever, a minha voz e o meu jeito. A minha voz: pessoal, subjetiva, inconfundível, totalmente minha.

Ser acusado de ser um cafajestezinho qualquer, que não tem um pingo de ética, que não tem um mililitro de originalidade e que sai surrupiando coisas por aí é algo que eu sinto, claro, como uma acusação injusta e exagerada, uma visão das coisas totalmente distorcida e superficial, sem falar que é uma grande falta de consideração por todo o empenho e todo o trampo que eu tenho pra fazer isso aqui.

Eu amo essa porra de blog. Dedico minha vida pra fazer disso um lance legal, perco horas e horas, dias e dias, tentando criar textos legais, pesquisando e lendo para fazer algo decente, tentando sempre aprender e me desenvolver, pra estar sempre evoluindo, então não acho nada legal que cuspam sobre isso, que não saibam reconhecer nem um 1% do valor daquilo que eu faço e que me reduzam ao status de puro LIXO humano. Poderia dar risada dessas acusações todas se elas viessem de alguém que não me conhece bem, mas vindo de quem vêm isso só me deixa perplexo - porque a pessoa sabe muito bem que eu não sou nenhuma dessas coisas que me acusa de ser. E acho, claro, que nunca fiz nada pra merecer ser tratado com tanta grosseria.

Tô completamente disposto a admitir qualquer erro que eu tenha cometido, qualquer frase que tenha usado de outros sem citar fonte, mas também acho que é o cúmulo da falta de consideração e de sensibilidade ser considerado como um ser humano que é puro cocô só porque peguei emprestado, aqui e acolá, idéias e frases que eu curti e que ficaram dentro de mim, estampadas...

Mas, como ninguém consegue ser juiz imparcial em causa própria, deixo aí, pra quem quiser, todos esses links dos textos que li para que vocês julguem, se quiserem perder tempo com essa polêmica boba, se o meu texto representa um plágio ou não... Se for plágio, deve ser plágio de uns 15 textos diferentes e eu mereço a prisão perpétua! =)

Qto às fotos que ilustram a matéria, também andaram chiando que eu peguei emprestado sem pedir autorização, o que é bem verdade – e eu peço desculpas por esse deslize. É verdade que eu nunca fui de encanar muito com esse lance de ficar dando créditos para os fotógrafos quando posto imagens aqui, até porque esse bloguito é tão pequenucho e tão pouco frequentado que eu nunca imaginei que fosse dar qualquer tipo de problema. Até porque nunca mexi nas fotos, nunca fiz qualquer montagem nem usei nada pra difamar, zoar ou sacanear ninguém. Em mais de dois anos de blog, nunca recebi uma reclamação sequer. Só coloco fotos aí pro blog ficar mais charmoso e agradável aos olhos – tipo um batom e uma maquiagem. E quando eu tô navegando na internet e dou de cara com uma imagem que eu curto, salvo na minha HD e, de vez em quando, uso aqui no blog sem nem lembrar mais de onde a desgraçada saiu. Também acho que eu tenho mais o que fazer do que perder meu tempo indo atrás do nome do fotógrafo, pedir autorização e ficar detalhando de onde tirei a coisa – o que só seria necessário numa publicação oficial, e não num blog (ninguém, absolutamente NINGUÉM, fica creditando imagens em blog, mas que cacete!). E, claro, eu pensei, no caso de uma foto em particular que deu treta, que entre amigos num tinha todas essas frescuradas de ter que pedir permissão, preenchendo formulários, essas burocracias chatas de gente grande, e que amigos se emprestam e compartilham as coisas sem nem pensar sobre isso, sem nem levar isso a sério, por pura camaradagem... Mas eu estava enganado. Enfim. Como isso deu altos problemas, e como tem gente que dá a maior importância do mundo a essas ninharias (e isso num mundo onde 2 bilhões de pessoas estão passando fome!), aí vão os créditos (antes tarde do que nunca): a 1ª foto, lá em cima, foi retirada de um blog de fãs, a 2a (que parece um desenho animado) saiu do Mary_Lost, as duas últimas, do Camelo e do Amarante, peguei emprestado do site oficial da banda; e as capinhas dos discos, creio eu, são de domínio público. Se esses créditos não forem o suficiente, peço que os incomodados me dêem um toque que eu apago essas imagens do blog, sem nenhum problema, apesar de sinceramente considerar isso uma baita frescurada - é fazer tempestade em copo d’água! (agora tô com medo... vão me acusar de plágio também por usar essa frase-feita? Vão me botar na cadeia toda vez que digo um clichê ou uma sentença que alguma outra pessoa já disse antes?).

Quanto ao texto em si, acho que, se alguns pontos-de-vista que eu expressei aí são semelhantes ou quase idênticos aos pontos de vista expressos por outros, deve ser mais porque nós sentimos as mesmas sensações e percebemos as mesmas coisas ao ouvir certo verso ou certa música, porque nosso gosto e nosso amor pela banda é semelhante e de intensidade parecida, porque nossas percepções estão em sintonia... Não entendo direito porque tem gente que quer entrar em guerra por algo que, na verdade, só expressa afinidades.

Engraçado que um texto que, pra mim, deveria servir como algo para expressar uma afinididade de gosto, uma comunhão de sentimentos, que era pra ser quase uma homenagem, acabou sendo sentido como um “roubo”... A coisa é absurda. É como se a pessoa me dissesse: “ei, eu também sinto isso quando ouço tal música, você não tem o direito de sentir também!” ou “Ei, eu já escrevi que me sinto assim ouvindo tal verso, e você não tem o direito de escrever que sente a mesma coisa!” É como se eu não pudesse citar um verso dos Hermanos porque a pessoa já citou no texto dela, quando é óbvio que o único dono da porra do verso é o compositor e que todo mundo tem direito de citá-los o quanto quiser! É como se eu não pudesse dizer que sinto na pele a melancolia, o cansaço e a aflição do Camelo nas músicas do 4 porque a outra pessoas já “sentiu antes” - quando é óbvio que 99% das pessoas que ouvem “Dois Barcos” ou “Pois É” também reconhecem essa melancolia, esse cansaço e essa aflição...

O que eu acho, sinceramente, uma atitude muito possessiva e muito infantil, até porque o legal mesmo de estar entre fãs não é ficar nessa guerrinha boba, tentando ver quem é o fã número 1 ou quem é o “dono” das idéias e dos sentimentos mais legais e originais sobre a banda... esse “espírito de competição” acaba contaminando algo que não deveria ser assim. Quem curte a mesma banda, acho eu, não devia ficar guerreando e trocando farpas em brigas bobas e com essa birrinhas de criança (“eu sou mais fã que você! Eu escrevi um texto sobre eles antes que você! Eu gosto mais deles que você! Brrrrr!”). O lance legal entre fãs da mesma banda, e entre amigos que curtem a mesma banda, é criar uma espécie de irmandade, de fraternidade, de turma reunida em torno do interesse comum, do amor comum... Pra quê tanta grosseria, tanta hostilidade? Oh, good people, TRY A LITTLE TENDERNESS, for Christ’s sake!

Eu, pelo menos, fico muito feliz quando encontro alguém capaz de se empolgar pela mesma música que eu, que é fã da mesma banda que eu idolatro, que se sente tão contente ou comovido ouvindo-a quanto eu me sinto, que consegue entender o porquê da minha paixão... Gosto de compartilhar esse gosto com outras pessoas, e, aliás, estou sempre tentando fazer meus amigos gostarem das mesmas bandas que eu (“ouve Wilco, cara! Sleater-Kinney é do caralho!”), como se fosse ser até mais difícil de gostar de um amigo que desprezasse as bandas que eu amo. O problema é que tem gente que trata banda como um brinquedo que quer levar pra casa, trancar num cofre e não deixar ninguém mais ver nem brincar! =) Conheço alguns indies que deixariam instantaneamente de gostar de uma banda que hoje amam se ela começasse a fazer sucesso – não sabem dividi-la com as outras crianças...

E, quanto aos meus textos, acho que eu me sentiria muito lisonjeado e muito honrado se alguma pessoa gostasse deles tanto a ponto de se sentir influenciada. Acho que sentiria como um elogio à mim e ao meu trabalho, um elogio à minha percepção e à minha sensibilidade, se alguém demonstrasse, por essa via, que gostou tanto do que escrevi que sentiu vontade de escrever algo parecido. Eu, muitas vezes, quando gosto muito de um texto, digo para mim mesmo: “queria muito ter escrito isso!” E, se eu me pôr a escrever algo sobre o mesmo assunto que já foi tratado em alguns textos que eu admiro, é natural que essa influência se faça sentir. Só sei que ando me sentindo como se certas pessoas estivessem tão furiosas comigo que estão a ponto de ver um “crime imperdoável” no que era pra ser quase uma “homenagem”. Ando me sentindo num daqueles tribunais kafkianos que parecem um pesadelo: se eu pisar numa formiga, tenho medo de que a pessoa vá chamar a polícia para me prender por assassinato! :D

* * * * *
Isso tudo me fez matutar sobre certas coisas que vou lançar aí numa pequena digressão...

Pode ser que soe pedante pra caralho, e muito “liçãozinha de moral”, mas o que eu acho é o seguinte: acho que nos faria muito bem, para todos nós, em geral, que vivemos sendo bombardeados por essa ideologia capitalista individualista, possessiva, consumista e o escambau, não deixar essa noção tão destrutiva de “propriedade privada” deixar contaminar tudo, até mesmo nossas sensações, sentimentos e impressões. A idéia de propriedade privada e exclusiva está dominando tudo, até as coisas “abstratas”, até os “sentimentos”... Certas pessoas agem como se quisessem patentear sentimentos e garantir posse exclusiva de algo que não se pode possuir: sentem uma certa coisa ouvindo uma certa banda, e querem ir lá e comprarem uma espécie de direito de monopólio que vai dizer ao mundo que elas foram as primeiras a sentir aquilo e que ninguém mais tem, a partir do dia da patente, o direito de sentir o mesmo... E se expressar sentimentos parecidos, a pessoa pode ser até processada!

E o que eu acho é que o “ espírito da música”, sempre, desde os primórdios, desde os hippies e Woodstock, desde os Beatles e a beatlemania, desde o blues e o folk de antigamente, passando por todas as cenas e estilos, nunca foi esse de separar e de dividir, mas sempre foi o espírito de unir, compartilhar, juntar... O espírito do rock and roll sempre teve a ver com celebrar a vida e a alegria em conjunto, celebrar a união de pessoas sentindo as mesmas coisas ao ouvirem a mesma batida e o mesmo refrão, celebrar a nossa semelhança e a nossa igualdade... Agir querendo monopolizar sentimentos, querendo ser o único fã de uma certa banda, querendo ser a única pessoa “autorizada” a falar sobre ela, a “dona” inconstestável da foto, do autógrafo ou do texto, é entender tudo errado o que a música significa. O lance de curtir música nunca teve nada a ver com individualismo sentimental, com curtir o lance sozinho - muito pelo contrário. O bagulho foi feito pra gente CURTIR JUNTO, mas que porra!!!

Porque a música sempre foi algo que uniu os espíritos, que fez as massas pularem todas juntas nos shows, dançarem todas juntas nas pistas, cantarem em coro nos estádios, numa harmonia impensável em qualquer outro domínio social, sendo afetadas de um jeito coletivo e massivo por aquelas notas, por aqueles solos, por aquelas vozes, por aquela energia...

O grande barato de ir em shows, como é o grande barato de ir num jogo de futebol e ficar no meio da torcida do seu time amado, é sentir, na hora do hit ou do gol, que milhares e milhares de corações entram em sintonia e sentem o mesmo – e isso faz uma das forças mais poderosas que eu conheço no Universo. A solidão se desfaz e você está ali, mergulhado num oceano de gente que sente o que você sente, que vibra como você vibra, que chora como você chora – e é só por isso que pagamos fortunas para ir em shows: para nos amontoarmos ali com outras pessoas, sentindo a magia de um único sentimento multiplicado em milhões de corações que estão debaixo do mesmo teto, dividindo o mesmo espaço...

A única coisa que eu pergunto, pois, é essa: se eu sinto o que você sente ouvindo uma música ou um verso, se amo uma banda tanto quanto você ama, se expresso sentimentos por ela que você também sente, por que me condenar como um “imitador”, um mau-caráter ou um plagiador, quando tudo o que aconteceu foi que nossos corações estavam batendo em uníssono?

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Falei demais, eu sei, mas tava precisando desabafar...

O que eu acho, na verdade, é que certas pessoas por aí precisam muito tomar umas Maracujinas.


Eu inclusive! :)

(FIM DO PARÊNTESES)