quarta-feira, 28 de novembro de 2007

:: amargo desabafo ::

PROTÈGE-MOI DE MES DÉSIRS!

"hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito
exijo respeito, não sou mais um sonhador
chego a mudar de calçada ao encontrar uma flor
e dou risada do grande amor..."

CHICO BUARQUE

O Millôr tem aquela frase clássica: "Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem!" Mais profunda do que parece, essa bem-humorada pílula de meditação concentrada (ó!) têm aparecido volta e meia na minha mente, como se fosse uma daquelas grandes verdades universais dignas de virar provérbio... É uma frase adoravelmente agridoce, meio no estilo Woody Allen de unir melancolia e bom-humor (outra frase prediletíssima minha é dele: "Como eu seria feliz se eu fosse feliz!"...).

Enxergo por trás da pérola do Tio Millôr todo um mundo: ela faz alusão à doçura e ao encanto dos começos e das auroras, enquanto já aponta para o costumeiro amargor dos fins e dos outonos... E indica bem a oscilação entre ilusão e desencanto que é a constante de tantos relacionamentos humanos, especialmente os amorosos, e especialmente se você teve a má sorte de nascer com um temperamento de sonhador...

É a história de quase todas as paixões: depois que o Fulano cai sob o feitiço da Donzela, começa a imaginar nela mil perfeições; injeta nela, com a seringa fantástica da fantasia, mil qualidades inexistentes; desenha sobre a cabeça da moça, com pincéis invisíveis, mil auréolas e brilhos boreais... Até que, com o tempo, vá desvelando a pessoa real por trás da idealização e caia estatelado no chão com o tamanho da sua frustração... Sim, de fato, como são apaixonantes as pessoas que não conhecemos muito bem!

História da minha vida. E foi chorando sobre as ruínas dos meus sonhos destruídos que eu fui descobrindo o quanto a gente se entorpece, se engana, se auto-alucina... Mais uma vez eu tenho que admitir pra mim mesmo que fui tapeado por mim mesmo e que não, não estava amando uma pessoa, mas um sonho - o sonho do que ela poderia ser pra mim, o sonho do que bem que ela poderia me fazer, o sonho de todas as feridas que poderia ajudar a cicatrizar e todos os buracos que ajudaria a preencher, o sonho, sempre ele, e sempre sonhado tão em vão, de ser feito feliz...
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Protège-moi des mes désirs!


E como é que ensino esse coração maldito, que mais parece uma insuportável criança pidona, daquelas que passeia com a mãe no supermercado puxando a saia e exigindo que mil guloseimas caiam para dentro do carrinho, a simplesmente parar de querer? Preciso ser protegido do que desejo: pois desejo tanto, mas taaanto, algo tão grande e colossal, algo tão satisfatório e preenchente, que a realidade é sempre pouco perto do que eu queria. Queria a felicidade perfeita, o grande amor correspondido, uma meia-dúzia de amizades de concórdia perfeita... É próprio do amor exigir o impossível. E é próprio da solidão, depois, se acabar de chorar ao descobrir que o impossível não foi entregue.

A lição mais simples que a vida me ensinou: esperanças não são nada de bom. Esperanças só servem para fazer você chorar lágrimas aos baldes quando elas morrem a morte súbita que a realidade, cedo ou tarde, sempre impõe. Não quero mais esperar nada de nada nem de ninguém. (Como se eu conseguisse...). E tenho descoberto que quanto menos eu espero, menos me decepciono. Que quanto menos espero, melhor eu vivo. Que a esperança só gera temor, ansiedade e, cedo ou tarde, frustração. Que viver bem é aceitar tudo o que vem. Que é bem melhor quanto mais me esforço por conhecer de verdade as pessoas ao invés de ficar registrando aqui na minha cadernetinha mental de humanos presentes no meu mundo uma descrição de como eu adoraria que elas fossem. Que viver sem idealizações, com os pés firmes no chão, mesmo que ele seja gelado, sem esperar da vida uma gentileza que essa vaca-mocréia não tem pra oferecer, é bem melhor. Que é preciso endurecer - pero sin perder la ternura jamás! etc. etc. etc.

Porque a gente sempre espera por uma Felicidade linda e perfeita que nunca vem... Me sinto quase com vontade de tirar a triste conclusão de que essa babaquice chamada Felicidade é mais uma daquelas criações da imaginação humana, como Papai Noel, o continente náufrago de Atlântida e o Papai-do-Céu que os adultos chamam de Deus.

A felicidade foi só um sonho que a gente teve. Hora de acordar.

Eu me demito do trabalho de ser feliz! Sou muito incompetente nele.

E me demito dessa coisa cansativa e chata que é sentir.

Estou dando férias para o meu coração.

Vou dar a ele um sonífero e deixá-lo hibernando através de toda uma era glacial!

Quero ter só uma pedra no meu peito!

Exijo respeito por não ser mais um ingênuo sonhador!

Até vou mudar de calçada sempre que avistar uma flor...

E vou dar risadas boas dessa lorota monumental do "grande amor"...
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( " m e n t i r a . . . " )