segunda-feira, 15 de agosto de 2005

are you ready to testify?
i'll give you a testimonial!


THE MC5!


Foi foda. Muito melhor do que eu esperava. Talvez o melhor show que eu já vi. Uma aula de rrrrrock, ministrada por caras que são tipo uns p.h.Ds no assunto. Foi raw power. Foi gabba gabba hey. Foi yeah yeah yeah. Foi kick out the jams, motherfuckers. Foi um delicioso banho de eletricidade que me colocou no meio dum tremor de terra de uma hora e meia. Tirou meu esqueleto do lugar. Me fez perder uns 30% da audição em cada orelha. E eu não me importo.

Cês sabem: essas reuniões de clássicas bandas antigonas (já rolaram voltas triunfais ou nem tanto de gente como Doors, Black Sabbath, The Who, Sex Pistols, Pixies...) acabam muitas vezes por ser campanhas mercenárias que os membros aceitam fazer meio a contragosto (já que muitas vezes os membros estão brigados e mal se suportam) e que acabam muitas vezes por soar como uma xerox apagada e triste da coisa real. Alguém poderia chegar o supor que fosse esse o caso do MC5: será que eles também tão afim de viver sugando o passado como vampiros do tempo? O MC5 não fará parte daquele time de bandas já ressecadas e sem vigor que resolve voltar aos palcos para uma vergonhosa turnê caça-níqueis? Será que agora o MC5 não passa de uma banda dinossaura de velhinhos cansados, sem fôlego e sem um miligrama de rock correndo nas veias?

Depois do show fuderoso de bom que fechou o Campari Rock 2005, fiquei com a certeza de que o Motor City Five, entidade histórica, resolveu fazer uma reunião digna de aplausos. Se o MC5 é um dinossauro, é tipo um T Rex enorme e assustador que causa terremotos com seus passos e seus rugidos, um monstro de dimensões épicas que ataca seus inimigos não com garras e dentes mas com violentos jatos de eletricidade bruta e barulho bom...

O MC5 sempre foi uma banda meio OUTSIDER. Quando os Cinco de Motor City penetraram na cena cultural do fim dos anos 60, vinham com uma proposta que divergia bastante daquela de seus contemporâneos. Numa época submersa no hippismo e no paz e amor, com a psicodelia brigando com o R&B da Motown pelas paradas, o MC5 chegou chutando o balde com um rock and roll muito mais barulhento, encardido e explosivo do que era moda naquele tempo. E mais: com a ajuda de John Sinclair, fundaram o movimento White Panthers, transformaram seus shows em exortações à revolução dos costumes e, claro, arranjaram tantos problemas com o poder que foram rapidamente destruídos... John Sinclair foi preso, a banda foi chutada da gravadora Elektra e só duraria três álbuns.

"Eles se denominaram Panteras Brancas porque seus modelos de comportamento musical e político eram músicos e políticos negros e radicais. Era a anarquia à moda do Meio-Oeste. Pôr tudo abaixo, tirar o governo das nossas vidas, fumar um monte de droga, fazer um monte de sexo e fazer um monte de barulho", explica Danny Fields (em: "Mate-me Por Favor"). Já o guitarrista Wayne Kramer explica porque a banda durou tão pouco: "As coisas começaram a desandar pro MC5 por motivos maiores do que simplesmente o lance da gravadora. Sempre que você adota uma atitude política, especialmente quando você começa a lançar uma retórica política violenta, você gera uma reação violenta dos poderes estabelecidos. Houve uma atitude predominante entre pais, professores, policiais e promotores públicos na área de Detroit: 'Quando alguém vai fazer alguma coisa com relação ao MC5? Não podemos permitir que eles digam o que estão dizendo!' Em nossos shows a gente estava dizendo pras pessoas fumarem baseado, queimarem seus sutiãs, treparem nas ruas - não era só uma questão de: 'Bem, eles são um pouco selvagens demais pra indústria do disco', o que nós éramos, mas ia além disso. Paz e amor funcionavam no reino dos negócios da música, mas quando você ia além disso, pra revolução... ficava maus."

Ao mesmo tempo proto-punk, proto-metal e proto-grunge, o MC5 marcou a história do pop mais por sua influência do que por seu sucesso popular - como fizeram também seus contemporâneos do Velvet Underground e dos New York Dolls. Fracassaram na tentativa de vender milhões de discos, mas também nunca tentaram. Queriam mesmo estar correndo por fora. John Sinclair, cabeça do movimento, empresário do grupo no começo da carreira, disse a frase lapidar: "Eu ficaria ofendido se eles dissessem que eu NÃO era uma ameaça para a sociedade deles. Eu estava determinado a sê-lo..." (em: "Mate-me Por Favor"). O MC5 quis revolucionar o rock e o mundo a golpes de porrete. O MC5 quis colidir de frente com toda a crosta de puritanismo de seu tempo. E, claro, o MC5, com seu primeiro disco, cravou na história um dos melhores álbuns ao vivo de todos os tempos.

"Kick Out The Jams", o disco, tem concentrado tanto poder elétrico bruto que convida qualquer um a esperar uma grande performance ao vivo de uma banda que costumava entrosar tão bem com o público e fazer tudo com tamanha garra. E assim foi. A primeira edição do Campari Rock, organizado por André Barcinski e Lúcio Ribeiro, além de gerar um belo panorama do melhor rock que se faz hoje no Brasil (grandes shows deram Forgotten Boys, Autoramas, Mercenárias, Los Piratas, entre outros), presenteou São Paulo com uma apresentação antológica do novo MC5. Da formação original, após a morte de Rob Tyner e Fred Sonic Smith, sobraram Wayne Kramer, Dennis Thompson e Michael Davis, agora complementados por um guitarrista convidado e pelo vocal de Mark Arm.

Desde o começo do show dos Forgotten Boys, eu já comecei a tentar abrir caminho em meio à massa humana pra ver muito de perto a atração principal da noite. Durante o intervalo - aliás aporrinhantemente longo... - entre o Forgotten e o MC5, a Fábrica Lapa bombou de verdade e viramos sardinhas espremidas numa lata minúscula e fervente. A liberdade de movimentos era quase nula. Os filetes de suor rolavam pela minha cara. O longo tempo de espera tornou o povo impaciente ao mesmo tempo que fez com que a energia fosse poupada, aguardando pela explosão. Quando "Ramblin' Rose" saiu dos alto-falantes, começando o show de 2005 da mesma maneira que aquele clássico de 1968 registrado em Kick Out The Jams, a bomba relógio do público bateu no zero e foi pelos ares. Foi um esporro do caralho.

Acho que em nenhum outro show que fui vi uma galera tão alucinada, especialmente nas primeiras músicas: dizer que houve uma grande roda de pogo é dizer pouco; foi muito mais um pogaço coletivo monstruoso, gigantesco, totalmente fora de controle. A gente nadava numa piscina de pessoas, era lançado a metros de distância pela fúria da maré humana... E minhas pernas já cansadas depois de tanto tempo de pé foram ainda mais massacradas... meus dois pés pisoteados tantas vezes que eu suspeitei que voltaria pra casa com vários dedos fraturados. A situação tava tão trash nas primeiras fileiras que eu não estava vendo o show de verdade: só ouvia uma música fodidamente boa me envolvendo e uma louca confusão e pancadaria ao meu redor. Fui me esgueirando mais pra trás em busca da companhia dos mais mansos.

Wayne Kramer tocava sua guitarra cheio de entusiasmo e juventude, parecendo muito mais saudável e inteirão do que seria de se esperar num cara famoso por um certo comportamento auto-destrutivo, abuso no consumo de drogas e alguns anos passados na prisão. Foi a estrela da noite. Cheio de alegria e gratidão, Wayne parecia em estado beatífico frente a um público que respondia de maneira muito mais positiva do que o mais otimista dos músicos poderia ter esperado.

Já Mark Arm, vocalista de pelo menos 3 bandas foda (o Mudhoney, o Monkeywrench e o Green River), um dos caras mais importantes para a renovação infligida ao rock no começo dos 90 direto de Seattle para o mundo, enciclopédia ambulante de rock independente, parecia contente por estar cantando numa banda que adora. Dava pra ver que ele estava dividindo o palco com caras de quem é fã e que o influenciaram bastante.

E o público foi o que mais me surpreendeu. Porque pra mim o MC5 era uma banda mó cult, conhecida por poucos e não muito capaz, trinta e cinco anos depois de seu auge, de gerar massivos entusiasmos. Eu imaginava que grande parte do público assistente iria ao show mais por curiosidade do que por paixão. Mas o ambiente tava tão bom, o público tão animado, a empolgação tão difundida, que o MC5 se contagiou, mandou bem pra caralho e precisou até dar dois BIS. A galera simplesmente não deixava a banda ir embora e pedia mais e mais e mais. O fim do show, quando tocaram "I Want You Right Now" por uns dez minutos, foi um daqueles momentos pra guardar na memória pra sempre. Mark Arm foi pro meio da galera com microfone e tudo, flutuou por cima da massa por um tempão, enquanto a banda seguia a barulheira lá em cima, e enfim voltou ao palco para um final apoteótico.

E agora eu entendo perfeitamente porque, naquele velho disco de 1968, um dos lemas que o MC5 gritava para seu público era: "This is the high society! This is the high society!"...