domingo, 21 de agosto de 2005



JOSEPH HELLER - "ARDIL 22"
[CATCH 22] (1961)

Um "herói de guerra", na lógica do poder que envia os jovens para se assassinarem mutuamente nos campos de batalha, é aquele que se agarra com fervor ao seu patriotismo e à sua "coragem" e, metralhadora em mãos, faz tudo ao seu alcance para meter bala e bomba nos "inimigos"... Mas um verdadeiro herói de guerra não poderia ser algo diferente? Não será a circunstância de guerra tão excepcional que possa fazer com que uma aparente covardia seja verdadeira coragem? Que a recusa em lutar seja mais virtuosa que o obedecimento às sugestões assassinas do poder?

Yossarian, o herói do romance satírico de Joseph Heller sobre a 2a Guerra Mundial, é heróico não porque vai à guerra e volta banhado gloriosamente no sangue dos inimigos mortos, mas simplesmente pois insiste, por todos os meios possíveis, em RECUSAR a batalha. Não quer ganhar a guerra pois sabe que uma guerra não pode ser ganha. Se há guerra, só há perdedores. "Por toda parte onde olhava, a loucura era completa e a sua atitude era a única coisa que um jovem cavalheiro de sensibilidade poderia fazer para manter um senso de perspectiva em meio a tanta insanidade" (24), diz o narrador, que irá nos colocar frente a uma série de atos divertidos e no fundo muito heróicos de seu protagonista. Yossarian, do começo ao fim do livro, vai se pôr a realizar toda uma série dehappenings, de protestos públicos, de travessuras espertinhas, que vão deixar muito claro para seus colegas de exército e seus chefes o quão odiável lhe parece a guerra.

Exemplos: na véspera de um ataque, ele arma um esquema para colocar sabão no purê de batatas que serviria de janta para o esquadrão, causando uma "misteriosa epidemia de diarréia" que causa o cancelamento da missão. Voltando de uma batalha com o uniforme empapado com sangue de um companheiro, vai TOTALMENTE NU receber a MEDALHA DE HONRA que a chefia quer lhe entregar, decidido a nunca mais voltar a vestir um uniforme. Sempre que possível, fabrica uma doença imaginária e a interpreta com os dotes de ator que a circunstância exigiu que desenvolvesse e se manda para o hospital. A situação é tão desgraçante lá fora que estar enfiado num leito hospitalar é imensamente preferível a voltar para a batalha ("fora do hospital ainda não estava acontecendo nada de divertido", confessa a certo ponto). E, claro, o principal item da CAMPANHA DE INSUBORDINAÇÃO de Yossarian é a sua recusa em voar em mais missões de vôo.

Tudo bem que "Ardil 22" não é exatamente uma obra de arte realista que vai procurar fotografar com objetividade científica um certo momento histórico, como também não eram realistas o "M.A.S.H." de Altman ou o "Doutor Fantástico" de Kubrick, obras que se parecem bastante com a de Heller (que, aliás, foi adaptada para o cinema por Mike Nichols em 1970). As descrições dos coronéis e capitães do alto comando do exército americano são sempre extremamente caricatas. Heller despeja sobre esses personagens todo o seu ódio e seu desprezo, criando criaturas totalmente desprezíveis, gananciosas, estúpidas, egoístas, pretensiosas e imorais. Nesses momentos, cai num certo maniqueísmo simplista: o comando do Exército inteiro, salvo talvez o capelão, é como que composto exclusivamente por LIXO HUMANO, e só há gente que presta entre alguns soldados rasos. Ainda que tenha esses defeitos tão comuns na "literatura de protesto", "Ardil 22" acaba por ser um livro satírico muito esperto e frequentemente engraçado que sugere um outro modelo para o "herói de guerra" e que espalha um cáustico veneno contra todo tipo de poder assassino. Trim.