terça-feira, 26 de abril de 2005


LOUIS-FERDINAND CÉLINE
"Viagem ao Fim da Noite" e "Morte a Crédito"

Não posso deixar passar a ocasião sem dizer algumas palavras sobre Céline, agora que ainda tô intoxicado deliciosamente com a ingestão desses dois livros profundamente marcantes... 1.000 páginas de Céline engolidas na sequência, que perigo! Certamente essa não é uma dieta que qualquer psicólogo recomendaria para a manutenção da sanidade psíquica de qualquer cérebro que seja, mas quem disse que quero ser mentalmente são!?... Céline, Céline... o que dizer sobre esse homem? É ele, com certeza, uma das figuras mais polêmicas e controversas da história da literatura, um autor capaz de evocar uma onda de violenta revolta e repulsa nos seus detratores, mas que ao mesmo tempo é tido como um mestre, um modelo, um grande inspirador para uma série de grandes escritores contemporãneos... Não só Henry Miller, tido como seu mais fiel discípulo, mas também William Burroughs, Philip Roth, Milan Kundera e Kurt Vonnegut, só pra citar alguns, se manifestaram como continuadores ou admiradores da obra célineana.

Mas a gente ouve uns horrores tão grandes sobre Céline, umas injúrias tão numerosas, uns ódios tão grotescos... Não são poucos que se levantam para acusá-lo de ser um homem terrível, responsável por algumas das páginas literárias mais repletas duma misantropia das mais radicais que já se viu, capaz de cobrir o mundo inteiro com a lava de um ódio do mais feroz... Muitos o acusam de ser um niilista do pior tipo, que só sabe reclamar, blasfemar e destacar tudo o que a existência humana tem de feio, de sujo, de idiota, de trágico, de absurdo, de irracional, de sem-sentido, sem nunca conseguir ver "o lado positivo das coisas"... E, claro, sempre tacam pedras sobre o homem porque ele deu inúmeras provas de "falta de caráter" e de imoralismo ao publicar panfletos anti-semitas e ao contribuir com governos fascistas... Enfim, Céline é o protótipo do escritor maldito que "nasce para escandalizar" e que divide radicalmente as opiniões. O problema é que tanto de horrível se diz sobre ele que muita gente resolve condenar sua obra antes de lê-la só por causa dessa extrema má reputação de que goza Céline... É uma pena. Tudo bem que o gênio literário não desculpa nenhum crime, mas digo a vocês que decidir-se a ignorar uma obra tão vigorosa, tão intensa, tão brilhante como a de Céline só por que DIZEM certas coisas de mal sobre ele, é perder uma oportunidade de entrar em contato com alguns dos livros mais fortes e mais tocantes que a literatura já produziu, até onde eu posso julgar... Da mesma maneira, não acho que seria uma boa idéia se decidir a não ler uma linha sequer de Knut Hamsun ou de Heidegger só porque eles tinham fama de direitistas e nazistóides.

Henry Miller, conta o prefácio de "Viagem ao Fim da Noite", chegou mesmo a dizer que "o mundo podia muito bem fechar os olhos para os 'erros' de certos homens que tanto contribuíram para nossa cultura". Não acho que devemos chegar a tanto: fechar os olhos não! Melhor sim abri-los por inteiro, pra ver melhor o homem completo: o Céline repugnante, nazista, raivoso até a doença, certamente não deve ser ignorado nem muito menos louvado, mas que também possa aparecer o Céline grande autor, revolucionário do estilo, voz libertária, emblema de coragem na arte da expressão... QUERO LER TUDO!