quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007


Fala o mestre:

"Que a vida seja decepcionante, sempre decepcionante, no fundo é isso que ela nos ensina de mais claro. Não, por certo, que nela não haja alegrias nem prazeres. Mas não os que esperávamos, ou não da mesma forma, ou que não poderiam, quando estão presentes, dar-nos a felicidade que deles esperávamos quando não estavam presentes, quando nos faltavam. "Como eu seria feliz se...", dizemos conosco mesmos. Mas nenhum se é real... E o sucesso é amargo quase tanto quanto a derrota. (...) O amor decepciona. O trabalho decepciona. A arte decepciona. A filosofia decepciona. Pelo menos decepcionam primeiro e por muito tempo - até o dia em que os amamos pelo que são, pelo que são realmente, pelo que são apesar de tudo, e já não pelo que se tinha sonhado ou esperado deles. Trabalho do luto: trabalho da desilusão. Não se trata de acreditar; trata-se de conhecer e de amar. Um escritor que ainda acredita na literatura, que poderá ele ensinar-nos de importante sobre ela ou sobre a vida? E um filósofo, se acredita na filosofia? Um músico, se acredita na música? E como amar verdadeiramente, enquanto se acredita no amor, enquanto se faz dele uma religião, um absoluto, um sonho? Toda esperança é decepcionada sempre, mesmo quando é satisfeita; é no que a satisfação tantas vezes é melosa, como um desejo insosso assim que é saciado... Muitos, constatando que a vida não corresponde às suas esperanças, vão então acusar a vida, censurá-la absurdamente por ser o que ela é (como ela seria outra coisa?), enfim enterrar-se vivos no rancor ou no ressentimento... Prefiro o alegre amargor do amor, do sofrimento, da desilusão, do combate, vitórias e derrotas, da resistência, da lucidez, da vida em ato e em verdade. Prefiro a realidade, e a dureza da realidade. Se a vida não corresponde às nossas esperanças, não é forçosamente a vida que está errada: pode ser que sejam as nossas esperanças que nos enganam, desde o início (desde a nostalgia primeira que as alimenta), e que a vida só possa desde então nos desenganar..."

(ANDRÉ COMTE-SPONVILLE, "Bom Dia, Angústia!", livrinho maravilhoso, como tudo o que o mestre já escreveu...)