sábado, 3 de fevereiro de 2007

da série: OS DISCOS DA MINHA VIDA


R A M O N E S


Ramones (1976), Leave Home (1977),
Rocket To Russia (1977) e Road To Ruin (1978)



Em 2001, em homenagem à morte de Joey Ramone, o jornalista e fã André Barcinski escreveu um antológico texto, que comparava os Ramones a super-heróis, contendo pérolas como essa: "Os Ramones pareciam habitar um tempo só deles. Eles tinham vocação para a eternidade. Eram como aquelas árvores gigantescas que você olha e pensa: essa coisa já estava aqui quando eu cheguei, e vai estar aqui séculos depois de eu ir embora." Eu não saberia dizer melhor.

Depois, num arroubo de empolgação, soltou os exageros típicos de um fã confesso que, por um momento, deixa de lado a objetividade jornalística e descamba para a pagação de pau mais deslavada: "Vamos deixar uma coisa bem clara: os Ramones foram a banda mais importante da história do rock, a mais transgressora, a que rompeu mais espetacularmente com a geração anterior, a que definiu novos padrões." Talvez seja exagero. Mas para os fãs de Ramones, mais numerosos no Brasil e na Argentina do que em qualquer outro canto do mundo, que exibem milhares de camisetas por aí, uniformizados como um exército, essa é a mais indiscutível verdade - e os Beatles? Os Beatles são fichinha...

Para um fã de Ramones, acho que é sempre meio difícil de enxergar esses caras como pessoas de verdade, de carne e osso, que iam ao banheiro, tinham insônia e acabaram por morrer. Não é que eles sejam de mentira - artificiais, posers, farsantes ou qualquer coisa do gênero: é que esses troços sempre pareceram personagens de histórias em quadrinho, ou uns monstrinhos adoráveis saídos de algum conto de terror, ou criaturas desenhadas para programas trash da TV. Os Ramones sempre pareceram aqueles seres mitológicos que parecem ter uma vida eterna e que ficam guardados, com o maior carinho desse mundo, no nosso baú pop cultural, aquele lotado de coisas trash e constrangedoras. No meu coração, os Ramones estão na mesma salinha da memória que o Chaves e o Chapolim, o Jiraya e o Jaspion, o Popeye e os Simpsons, o Zé do Caixão e o E.T... ótima companhia! :)

Tudo bem que eu fui conhecer os Ramones já adolescente e que talvez soe estranho eu colocá-los na companhia de ídolos de infância. Mas o negócio é que ouvir Ramones sempre me deu um prazer tão infantil que eles entraram direto na minha saudade como se tivessem sido companheiros de ginásio. Até hoje, ouço Joey cantar e não é um homem adulto o que eu ouço: é como se estivesse ali o menininho Joey, na pré-adolescência, preso dentro do quarto com seus vinis, cantando junto com os Beatles, as Ronettes ou as coletas da Motown... Joey nunca deixou de ser uma criança - provando que o punk, muito mais do que a encarnação sônica da rebeldia adolescente, podia representar uma viagem para um passado mais distante e mais feliz. E os Ramones nunca pararam de ter, para mim, o delicioso sabor de uma infância reencontrada.


Os Ramones, para nós fãs, são mais que músicos: são nossos super-heróis; são mais que algo que marcou a história do punk ou do rock: marcaram nossas malditas vidas; são mais que uns toscos que só sabiam tocar três acordes: foram os Beethovens do nosso tempo (pra citar a clássica frase do filme Rock And Roll High School - pérola da 7a arte!).

Eu nunca consegui considerar os Ramones punk no sentido Sex Pistols de ser punk. Porque virou senso-comum, muito por causa de Sid Vicious e Johnny Rotten, associar o movimento punk com selvageria e vandalismo - as pessoas de bem estão acostumadas a ouvir falar da tal da música punk e pensar em barulhos caóticos, destruições de instrumentos, ruídos ensurdecedores e garotos-problema cometendo imoralidades e nojeiras... Só que o som dos Ramones, apesar de barulhento e encardido, é o tipo de coisa que não me parece ser feita para pegar o ouvinte pelo colarinho e espancá-lo até a morte ou a destruição completa dos tímpanos. Comparado com os chiliques de Johnny Rotten e Iggy Pop, o vocal de Joey Ramone é de uma DOÇURA e de uma DELICADEZA adorável - e não vejo porque seria uma ofensa ou demérito dar adjetivos desses para um vocalista de punk. E a música dos Ramones, quando despida daquela parede de ruídos, aparece como música pop, deliciosamente grudenta e melodiosa, tão boa quanto tinha sido na fase áurea nos anos 50 e 60... e muitas vezes com umas letrinhas românticas tão ingênuas ("I Wanna Be Your Boyfriend" é o maior exemplo) que de punk mesmo não tinham nada...

Dee Dee Ramone, sim, era um cara durão: junkie com p.h.D. em heroína, michê de esquina em Nova York, encrenqueiro profissional - um punk do primeiro escalão. Só ver a letra de "53rd and 3rd", toda autobiográfica, segundo alguns, que faz referência à esquina onde Dee Dee vendia a carne (dava o rabo, pois não) para comprar junk - segundo Mate-me Por Favor!. O Johnny Ramone, também, que sempre ficava com aquela carranca na cara, com jeito de quem estava eternamente bravo com algo (provavelmente o mundo e todas as pessoas dentro dele), também tinha um jeitão de outsider e de anti-social que o tornava indubitavelmente um punk. Mas o Joey...

Joey Ramone foi um dos rock-stars mais peculiares, bizarros e excêntricos que já existiu. Ele tinha tudo para dar errado nessa "profissão": era um patinho-feio completo, de uma magreza tão extrema que beirava a anorexia, com umas perninhas finas feito palito de dente, uns cabelos compridos horríveis e uns óculos de tremendo mau-gosto - sem falar que sua personalidade tinha como principal ingrediente uma timidez enorme... Quem ousaria supor que aquela estranhíssima criatura, que mais parecia a versão masculina de Olivia Palito colocada pra atuar num filme de terror B, poderia se dar bem chefiando uma banda de punk-rock? Quem iria botar fé que aquilo lá ficaria bem em cima dum palco, frente a um monte de adolescentes rebeldes e bêbados? Mas deu certo. E como!

Pra mim Joey é o menino sensível do punk: sabia cantar bonitinho e melodioso, com uma voz propositalmente infantil, quase como se não quisesse ferir os ouvidos de ninguém. Joey tinha crescido ouvindo o rock clássico dos anos 50 e 60, tinha se apaixonado pelas melodias vocais ultra marshmallow das Ronettes e não tinha nenhum desejo de posar como um diabinho anticristo como Johnny, o Podre, ou como um lunático suicida feito Iggy Pop.

Eu acho assim: os Sex Pistols eram uma banda punk do mal de verdade, daquela perfeita para que você conseguisse infernizar seus pais e vizinhos a ponto de fazê-los chamar a polícia, já que eles ficavam sinceramente preocupados com os gostos desviantes da prole. Talvez, ouvindo "Anarchy In The Uk" ou "God Save The Queen" saindo dos alto-falantes de dentro do teu quarto, morressem de preocupação pensando que você estava indo pro mau caminho, abraçando o niilismo do no future, o vandalismo urbano ou alguma seita satânica...

Já os Ramones, por uma razão ou outra, nunca me pareceram realmente ofensivos e perigosos - nem musicalmente nem em atitude. E os caras tiravam da manga melodias tão deliciosamente grudentas, uns refrões tão enganchantes, que você corria o risco de botar aquilo pra rolar, pensando, muito ingênuo, que ia infernizar a vida dos teus pais, tias e avós, todos fãs de Bee Gees e Roberto Carlos, e depois podia se surpreender, na hora do jantar, ao vê-los cantarolando alegremente o refrão de "Rockaway Beach"...

Joey Ramone, sem mudar um á no seu jeito bizonho de ser (e é exatamente por isso que nós o amamos), conquistou nossos corações e se tornou, para muitos, a figura mais idolatrada e simbólica de toda a história do punk. Ele é o nosso Jesus Cristo, o nosso Buda, o nosso Marx. Com aquele jeito dele, todo desencanado e espontâneo, com aquela feiúra tão linda, com aquele desengonço tão adorável, Joey virou nada mais nada menos que um Mito Moderno - pena que Joseph Campbell não pôde incluí-lo no seu livro!...

Eu nem cheguei perto de chorar ou de me entristecer quando chegou a notícia de que o cara tinha morrido. E é porque eu sabia - e me perdoem o clichê... - que nossos ídolos não morrem de verdade: nós os carregamos em nossos corações e mentes, vida afora, sempre conosco, e eles ressuscitam de seus túmulos a cada play, a cada vez que um verso volta à cabeça, a cada clipe que surge na MTV, a cada conversa com amigos quando trocamos nossas preferências musicais, a cada olhadela que dirigimos aos nossos CDs na estante - permanecem entre nós, povoando nossos dias como se estivessem aqui. Mas é também porque Joey Ramone, pra mim, é algo que a morte não pode atingir: um daqueles personagens da cultura pop que nem parecem ser de carne e osso...

* * * * *

Vocês sabem: a capa do primeiro disco dos Ramones (aquela foto em que eles parecem uma gangue urbana de vândalos que a polícia provavelmente sempre parava nas blitz) mudou o mundo e criou tendências como poucas outras capas da história. Milhares de jovens, vendo aquilo, imediatamente foram atrás de jaquetas de couro meio esfarrapadas e correram atrás de tesouras para rasgarem suas calças jeans nos joelhos. E se engana redondamente quem pensa que os caras da banda tinham qualquer intenção de inaugurar uma nova moda: naquela capa eles estavam totalmente ao natural. Se as roupas estavam rasgadas e eles pareciam vira-latas que não tomavam banho há uma semana, era simplesmente porque eles eram MESMO uns vira-latas que não tomavam banho a uma semana e não tinham MESMO roupas para vestir a não ser as rasgadas e puídas...

Mas não só a capa, claro, causou estrago. Aqueles primeiros discos, saindo em 76/77, mudaram tudo, instalaram uma revolução sonora que atravessou o continente e deu frutos na Inglaterra, e daí espalhou-se para o mundo e para a história. Os Ramones fizeram primeiro e os Ramones fizeram melhor. Esses quatro primeiros álbuns, pelo menos pra mim, são os clássicos supremos da carreira da banda. Tem muita coisa boa nos discos dos anos 90 (Adios Amigos, Mondo Bizarro, Brain Drain...), uma dúzia de canções passáveis que se salvam dos anos 80, um punhado de grandes discos ao vivo... Mas nada se compara a essa sequência matadora de álbuns, revolucionários na história do rock and roll, por mais toscos e primatas que parecessem: Ramones, Leave Home, Rocket To Russia e Road To Ruin, vindo na sequência, é uma façanha de que poucas outras bandas podem se orgulhar. A influência desses discos é tão imensamente vasta que é até ridículo tentar fazer uma lista com as bandas que depois viriam a tentar emular o som consagrado pelos Ramones nesses primeiros discos. Acabaríamos com um compêndio imenso. Sim, não haveria Green Day, Offspring, Blink 182 e Simple Plan sem isso, o que até seria uma boa coisa; mas também não haveria Rancid, Sleater-Kinney, Dead Kennedys, Rezillos, Ratos de Porão e tantos outros (e o quanto a gente perderia...).

Por 4 discos, pelo menos, os Ramones foram a melhor banda de rock and roll do Universo: a mais excitante, a mais enérgica, a mais revolucionária, a mais empolgante, a que cravou mais hits no inconsciente coletivo, a que mais gerou efeitos sociológicos e comportamentais (uia só). Esqueçam esse papo de que os Ramones foram só uma banda importante para a história do movimento punk - eles foram muito mais. Eles foram os principais responsáveis por ressuscitarem, ao fim dos anos 70, toda a visceralidade, simplicidade e delícia melódica do velho rock dos anos 50 e 60 e do soul e r&b à la Motown, coisas ameaças de extinção pela ascensão do prog e do heavy metal. Os Pistols e o Clash com certeza fizeram sua parte, e o cirquinho armado por Malcolm McLaren na Inglaterra até chamou mais a atenção e marcou mais a história do que os Ramones nos EUA, mas o fato é que os Pistols foram uma banda-farsa de um disco só... os Ramones sobreviveriam até a metade dos anos 90 (depois de 4 bateiristas, 2 baixistas, 14 discos de estúdio, 5 ao vivo, 2.262 shows, 1 filme e um bilhão de camisetas...), se tornando A grande banda punk da história. Ponto final.

Depois de Road To Ruin, a coisa meio que desandou, como até o fã mais maníaco irá admitir. A tentativa de prestar homenagem ao pop dos anos 60 no End Of Century, disco produzido pelo mestre Phil Spector, soou um tanto estranha e pouco inspirada. Depois os Ramones passariam grande parte dos anos 80 produzindo discos muito parecidos uns com os outros e que, apesar de não serem ruins, eram de uma mediocridade desanimadora. Era uma extrema falta de ousadia e uma repetição eterna da mesma fórmula. Os Ramones tinham se tornado repetidores de si mesmos. Os discos desssa década (Pleasant Dreams, Halfway To Insanity, Too Tough To Die, Animal Boy...), bonzinhos como são, estão longe de serem tão vivificantes e excitantes quanto os quatro primeiros. Os detratores dos Ramones, até com certa razão, iriam começar a depredar a banda, daí em diante, por ter gravado o mesmo disco umas dez vezes - coisa que muitos também dizem do Motörhead e do AC/DC...

O fato é que os Ramones marcaram a história e se tornaram uma das histórias mais fantásticas de DEVOÇÃO fã-banda de que se têm notícia. Todo mundo sabe que os fãs de Ramones são os melhores fãs do mundo: os mais empolgados, os mais fiéis, os mais loucamente devotos, os que mais compram camisetas e adesivos e os que mais acumulam em suas mentes informações inúteis sobre a banda.

E eu acho que foi esse o grande lance dos Ramones: provar que qualquer garoto, mesmo que fosse feio, burro e tosco, poderia mudar o mundo. Você não precisava estudar em um conservatório musical por dez anos, aprendendo teoria musical erudita e sendo castigado por maestros com palmatórias ao errar um compasso ou modular fora do tempo. Não precisava compor músicas de 20 minutos de duração, com vários andamentos distintos e instrumentos excêntricos, que versavam sobre alguma comunidade viking ou sobre cavaleiros medievais. Você podia simplesmente pegar uma guitarra surrada de segunda mão, aprender dois ou três acordes básicos, criar músicas simplonas, muitas delas de um verso só, e sair fazendo barulho com garra e com emoção. O que importa é ser você mesmo, falando do que quer falar, gritando para o mundo um berro de libertação...

Essa parecia ser a mensagem dos Ramones, emergindo de Nova York em 1976, afundando em lama todo o lixo exibicionista dos progressivos e encravando-se no coração de milhares de jovens ao redor do mundo com uma explosão de rock and roll tosco, sujo e divertido como nunca antes havia sido. Esses foram os caras que vieram para nos lembrar, mais uma vez, que a porra do rock and roll devia ser engraçado, grudento, explosivo e deliciosamente infantil. E foi assim que uma das melhores bandas da história do rock nos ensinou, uma vez mais, como a vida pode ser maravilhosamente simples.

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---- RAMONES PARA LEIGOS ----

Ingredientes para fazer um CD-R com 30 músicas compretamente cráááássicas pra se cair apaixonado instantaneamente pelos Ramones:

01. rockaway beach
02. sheena is a punk rocker
03. 53rd and 3rd
04. gimme gimme shock treatment
05. i wanna be sedated
06. pinhead
07. teenage lobotomy
08. blitzkrieg bop
09. cretin hop
10. today your love, tomorrow the world
11. do you wanna dance?
12. i just wanna have something to do
13. we're a happy family
14. ramona
15. carbona not glue
16. suzy is a headbanger
17. listen to my heart
18. do you remember rock and roll radio?
19. the kkk took my baby away
20. too tough to die
21. we waint the airwaves
22. chinese rock
23. rock and roll high school
24. surfin' bird
25. strenght to endure
26. i believe in miracles
27. i don't wanna grow up
28. merry christmas (i don't wanna fight tonight)
29. pet cemetery
30. poison heart