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:: O ESTRANHO EM MIM ::
(DAS FREMDE IN MIR), de Emily Atef, Alemanha, 2008, 99 min.
A ilusão que temos, depois de tantos comerciais de fraldas, de leite Ninho ou de margarina, é que uma mãe sempre entra em estado de êxtase com o nascimento de seu primogênito. Diz a ideologia oficial que todas as mães, invariável e universalmente, sentem por seus bebês nada além de amor incondicional; a eles se dedicam com devoção integral; derramam sobre eles avalanches de carinhos e mimos hiperbólicos...
Sim: já vimos essa cena mil vezes em contos-de-fada, novelas globais ou comédias bobânticas americanas - o quarto do bebê arrumado com todo esmero, decorado com papel de parede fofo, contendo um berço imperial e brinquedos mil, tudo para receber de modo hospitaleiro o novo príncipe. Quando ele vem, explodem no céu os fogos de artifício, abrem-se sorrisos de orelha à orelha, e não há como conter a explosão das alegrias e das excitações no coração da mãe, levada ao paroxismo da felicidade... É, dizem-nos eles, o momento de maior glória dessa instituição social que nos dizem existir, apesar da maioria de nós nunca tê-la conhecido: a Família Feliz.
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Presente no Brasil para a 32ª Mostra de Cinema de São Paulo, a jovem diretora, antes da sessão, comentou que em quase todos os países em que esteve seu filme foi tratado como se metesse a ferida num assunto tabu: a depressão pós-natal. A protagonista Rebecca, interpretada brilhantemente por Susanne Wolff, é o extremo oposto da mamãe feliz-da-vida com a chegada de seu filhote.
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Não se trata somente de uma obra retratando uma rara patologia psíquica, ou um mero relato de uma mulher passando por alguma disfunção hormonal passageira. Trata-se de um problema social mais vasto, recoberto pelo silêncio do tabu. “Somente na Alemanha, 80 mil casos de depressão pós-parto são reportados todos os anos”, comenta a diretora. “Ainda assim, sabemos pouquíssimo sobre essa condição, da qual raramente se fala.”
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Numa das cenas mais doces e tocantes dos últimos anos, o filme termina arrancando lágrimas até dos mais insensíveis com uma irresistível “volta por cima”. Mais do que o retrato de uma mãe passando pela complexa aventura de se tornar mãe, O Estranho Em Mim é um tocante relato de como um coração congelado descobre o caminho de volta para casa e reaprende a amar.
NOTA: 9.5
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