sábado, 28 de junho de 2008

:: life is a stream ::

:: my blueberry life ::

"oh, please let me wake up one day
and find myself found."

kathryn williams, "toocan"


a frente-fria que anuncia a chegada do inverno me derrubou um pouco - tosse seca, garganta irritada, preguicite aguda, maré montante de melancolia.... - e espero poder me reerguer logo. me sentindo um pinguim da antártida. acordo nas madrugadas com uma sensação de afogamento, quase como se tivesse afundando na piscina de pus da minha garganta. tusso, tusso, tusso como quem quer expulsar um demônio. xarope e pastilhas. muito beatles e futurama na cama. praticamente de férias. perspectivas não muito promissoras. ainda bem que o povo da banda é tudo gente trabalhadeira, que não vai parar de trampar em julho, de modo que meus domingões continuarão sendo o ponto alto das minhas semanas tão bestas com róquenroul mais bebedeira com os amigos. meus pais fizeram terrorismo dizendo que novas leis de trânsito ultra-rigorosas tornam o dirigir embriagado um delito seríssimo. perda de carteira, multa pesada, até cadeia. preocupante pois é algo que faço com certa frequência. a temeridade da juventude inconsequente. atitude indigna de um filósofo. é que tomar uns pileques é uma das coisas na vida que eu mais gosto de fazer. empecilho das gripes é não poder ficar de porre. empecilho das leis de trânsito também. "agora só dois bombomzinhos de licor, se você for pro bafômetro, dá 20 anos de prisão!". não deve ser fato, é mais material de pesadelo de mãe. acho q a noite de uma mãe às vezes deve se transformar num blockbuster catastrofista. elas tem uma capacidade de imaginar desgraças que espanta. prepare-se sempre para o pior, parece ser o lema. é só ler na bula do xarope a listinha de possíveis efeitos colaterais do coiso e ela já está me vendo, com os olhos da imaginação, padecendo com tontura, vômitos, taquicardia, febre estratosférica, arrasado por convulsões. e os telefonemas pra saber se eu não morri. se desse para contar, qual seria o resultado deste problema matemático: o que uma mãe faz mais, ama mais ou se preocupa mais? se preocupa mais. mas se preocupa por amar, claro. pena que ser causa de preocupação é ser causa de sofrimento, e eu preferiria, sonho bom, ser causa só de alegria. pena que. ninguém gosta de ser protagonista do pesadelo alheio. espero que eu não esteja aparecendo no pesadelo de nenhum de vocês. "was i in your dreams?".

"if you could be a dream
then i could have you every night.
in the morning you'd be gone,
no big deal, i'd be alright.
cause you're the reocurring kind."

(lindezas do bright eyes, um dos meus poetas da música prediletos)

(QUE TOCA EM SAMPA EM JULHO. massa!)

* * * *

QUERIDO DIÁRIO - nos últimos tempos o que aconteceu de digno de nota foi: roubei uma garrafa de vinho argentino (infelizmente vazia) que foi abandonada pelo Wander Wildner em cima do palco, que virou um adorável souvenir punk-brega no meu porta-malas imundo. Assisti a OSESP tocando a "Sagração da Primavera" - uma beleza que agride! - , no meio da grã-finagem da Sala SP, e curti horrores. Voltei pra casa imaginando se daria para escrever uma música punk chamada "Headbanging com Stravinsky". Fui assistir uma peça do Mário Bortolotto, "Vamos Sair da Chuva Quando a Bomba Cair", junto com a Carol (que veio com trajes jurídicos - podre de chique! - e comendo o que ela chama por hábitos linguísticos imperalistas de muffin'), e foi de uma bacanidade deliciosa. Pessoa tão querida. Ganhei do Rodrigo Malmsteen uma versão crackeada do Guitar Rig, o brinquedinho mais simpático que existe para guitarristas, e ando brincando com ele direto como se fosse um presente de Natal recém-aberto e que ainda não enjoou. Cedo ou tarde, tudo enjoa. Por isso não acho a morte algo tão terrível. Sem ela ia dar um medão da vida ficar insuportável de tão enjoativa. Já pensou que ruim se nada acabasse? Sabadão tem show do Metric de graça e eu e o Marcolino tamos agitando de entrevistar a banda, só para pegar na mão da Emily Haines. Se num rolar com ela, depois a gente pega na da Malluzinha Magalhães. Um daqueles beijos de pura cortesia cavalheiresca na mão da senhorita, como se fazia naquela época em que o romantismo ainda existia e não tinha virado piada. Quem também fez show - e um bacaníssimo - foi o Milhouse, na Matinê Outs, com a casa cheia de amigos da banda. A banda tá sensacionalmente divertida. A baterista é foda e só toca em banda crásse, o Gabriel tá endiabrado na guitarra e o Titi e o Fred são dois frontmans bem diferentes, mas cada um com seu próprio carisma punk-brega. A Liga das Senhoras Católicas tem um futuro promissor, principalmente pois a coisa mais importante já aconteceu: achei uma banda com quem eu não só adoro tocar e com quem rola mó afinidade musical, mas é uma banda de amigos - e eu gosto, imensamente, de todos os 4 seres trimmassa - Bernas, Marco, Ana e Paulette - que estão comigo fazendo esse barulhinho bom. Aliás andei tentando compor umas musiquinhas em portuga para a banda, e consegui rascunhar uma ou outra, com um esforço menor do que eu imaginava, mas ainda me sinto esmagado no chão pelos gigantes Camelo, Amarante e Buarque de Holanda. Tive até um ataque passageiro de orgulho de mim mesmo ao notar que "Pequena Rockabilly" e "Casamento Havaiano" não saíram tão más. Mas depois de rápidos flashes de um glorioso futuro como rockestar, voltei logo à tradicional insatisfação comigo mesmo que é minha marca registrada (Não vou muito com a minha própria cara, eis o drama. A Aline um dia me disse: "Edu, você é a única pessoa que eu conheço que não gosta de você." Achei um elogio lindo, mas fiquei com vontade de responder: conheço outras). Quê mais? De vez em quando trombo a Ellen por aí, comprando vinis do Johnny Rivers e sendo reconhecida por estranhos no câmpus - coisa de escritora celebridade, com vários livrinhos lançados, que já tá trombando com fãs por aí. Ela cozinha uns doces gostosos e não se importa quando eu vou embora sem lavar a louça. Ah, e a Thaís andou me mandando as cartas mais lindas. Sempre me espanto com o talento com as palavras que vem impregnando cada linha que ela sabe bolar com tanta maestria. E a sensibilidade, a inteligência, o senso de humor fino, o calor... De todas as pessoas que eu conheço, a Thaís é quem escreve melhor. Quando ela ganhar o Jabuti ou o Nobel de Literatura, eu vou dizer: "já sabia!" Orgulho de ter uma amiga tão brilhante e ter cartas dela para guardar na minha caixinha de souvenirs. À moda antiga o valor sentimental é tão maior! Saudades de Bauru e das pessoas que fizeram Bauru valer a pena. Queria viajar pra lá, mas grana não há. Tô batendo todos os recordes de negatividade na conta bancária, e olha que não tenho personalidade consumista... Eu só pago aluguel, como, pago o analista e ensaio-e-bebo uma vez por semana (porque, também, sem álcool e amigos ninguém segura esse rojão). Não me sobra nem 5 conto pr'uma barra de chocolate. Necessidade pragmática de hábitos ascéticos. Não seria tão difícil assim mudar para um mosteiro e viver de pão e água. Ando assistindo muito Deadwood, ouvindo muito Kathryn Williams e lendo Susan Sontag e Paul Válery - recomendações do tio Wisnik, o futebolista.

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na uspe, o semestre quase acabou - meus trampos finais já escritos e entregues. Os 2 seminários que me propus a fazer já apresentados - um sobre o Rousseau e o outro sobre sobre Malamud. É meio terrorismo da minha parte comigo mesmo eu me inscrever para os seminários, já que a timidez quase sempre me faz fugir de falar em público. Nas horas e minutos que antecedem a Grande Exposição é bem provável que eu tenha altos ataques de taquicardia, que fique tossindo e pigarreando mais que o normal pra limpar a garganta, que minhas mãos fiquem mais úmidas do que costumam, que minhas orelhas peguem fogo, que eu esteja com sono por não ter dormido direito na noite anterior e que meus intestinos entrem em panes e façam o cagaço psicológico virar cagaço literal. Um nervosismozinho patológico que vem nas beiras de eventos assim! E vai chegando a hora da apresentação e às vezes bate um desânimo tão grande q eu quase jogo a toalha, quase invento alguma doença, quase peço pro Rodrigo ir lá e dizer que estou hospitalizado e não poderei, infelizmente, comparecer... Mas sempre vou e enfrento. E sempre gosto mais de mim mesmo por ter feito justamente o mais difícil. Adoro descobrir que funciono muitíssimo bem com adrenalina correndo nas veias. E faço seminário bem melhor do que muito nêgo tosco na filosofia. Melhor que muito professor.

(na verdade, desde criança eu sempre foi um aluno super comportadinho, que sentava no fundão mas não dava escândalo - não conversava nas aulas, não ficava com risinhos, não tacava pedacinhos de papel higiênico molhado com cuspe nos coleguinhas, não arranjava briga no recreio... exemplar! nunca nenhuma recuperação. Sempre notas entre as mais altas da turma. Mas nem um pingo de tendência ao puxa-saquismo. O tipo de aluno que, apesar de todos os 10, os professores não sabem direito quem é. Que não faz perguntas na classe, que não exibe seus conhecimentos, que num dá showzinho de exibicionismo pra ninguém. E como cansa isso: anos sem ser ninguém.)

O Rilke, naquele lindo livrinho de cartas ao poeta, que eu não parei de adorar desde que o li pela primeira vez uns 5 ou 6 anos atrás, dizia que devemos sempre preferir o difícil e assim nossas vidas não parariam nunca de se expandir e de evoluir. É uma das lições de sabedoria de vida de que eu mais gosto. Nas minhas decisões, constantantemente me pergunto isso: “o que é mais difícil?” E aí me esforço por fazer o mais difícil. Na esperança de que o difícil fique fácil. Dá um gosto fazer o difícil! Já fazer o fácil é um cu. Tem graça nenhuma. Num sei porque as pessoas são bestas a ponto de ficar fazendo o fácil. Eu amo o difícil. E amo mais ainda vencer o difícil. Acho besta ganhar de goleada. Gosto mais das vitórias sofridas, suadíssimas, no último minuto, em cima de um adversário que era favorito e era dificílimo. Tempero a vida com dificuldades. Os caminhos fáceis são para os fracos. Eu escolho de propósito a estrada com espinhos e cheia de abismos. Eu procuro problema, pois sem eles a vida é dum tédio nauseante. Pasmaceira.

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(rachel weisz. mais maravilhosa que nunca em "my blueberry nights")


o estado de inanição prossegue firme e forte no território daquele "rosado intenso que se agita quando amas além de certa medida", como diria a Hildinha. Há quem no peito crie um jardim de flores. Um palácio inteiro consagrado ao louvor de uma princesa. Um salão de festas iluminado e cheio de balões coloridos. Um refúgio utópico onde se esconder quando o mundo agride. Mas eu, hoje e por tanto tempo, tudo o que é tenho no tórax é um ferro-velho cheio de sucata de sonhos mortos e minha coleçãozinha tão feia de buracos-negros. São medonhos de ver. Quem viu se apavorou tanto que saiu correndo assustado para as matas. Ah, e esse frio que desce é triste demais com a perspectiva desanimadora de continuar sendo um pinguim na Antártida. Mais um inverno sem calor humano? Mais quanto tempo com o coração em estado de petição de miséria, como os dentes de Maria Elvira? Quantas vezes mais vou procurar consolo no colo ruim de um porre de vodka, que, ao passar, só serve para me deixar o fígado em frangalhos e o peito ainda todo esburacado? Me assusta pensar que tenho amigos mais ou menos da minha idade que já estão praticamente casados, ou que namoram há anos e anos, e que parecem ter tido a incrível sorte de encontrar um amor correspondido, e que parecem ter resolvido de um jeito tão fácil todo o Dilema Sentimental, enquanto eu só consigo ir acumulando cicatrizes, saudades, medos, mágoas, desejos, cansaços, silêncios, angústias e tormentos. Estou me tornando cada dia mais apto a escrever um longo tratado psicológico, ou um romance triste, sobre minha tão velha e familiar companheira - chamemos a coisa pelo nome: carência afetiva. Conhecimento de causa. Mais que qualquer emo.

My blueberry life.


- Elizabeth: So what's wrong with the Blueberry Pie?

- Jeremy: There's nothing wrong with the Blueberry Pie, just people make other choices. You can't blame the Blueberry Pie, it's just... no one wants it.

People make other choices.


* * * * * *

...pois é, a alegria de viver, cadê? Os franceses dizem tão bonito: la joá de vivre. E eu pensando que só na França a teria. Terra mais propícia. Em português não consigo. Sempre imagino que a felicidade está onde não estou. Como se ela mudasse de lugar justamente para não me trombar. Como se brincasse de esconde-esconde e fosse muito boa na arte de se fundir com a paisagem. Tão boa que dá até raiva. Ou eu muito ruim na arte de achar. Vai ver que é questão de antipatia pessoal: ela não vai muito com a minha cara: quando me vê vindo, muda de calçada. Quando entro no recinto, se esconde no banheiro. Quando corro até ela querendo um abraço, tem um ataque psicótico e sai correndo para as matas. Tais são minhas relações com a felicidade. E o amor é a mesma coisa.

Como se a alegria
recolhesse a mão
pra não me alcançar.


Engraçado que gosto cada dia menos dos escritores lamurientos. Sem conseguir deixar de ser um deles. Quero que se explodam. Tenho fome de beleza e sabedoria, e que não me encham o saco dizendo que a vida não presta. Tipo o Sade, o Cioran, o Burroughs, esses nojentos todos. Não quero nêgo enfiando o dedo na minha garganta pr'eu vomitar fora a vida como se ela fosse comida venenosa. Já tenho a suficiente quantidade de nojo pela vida em mim e dispenso ajuda nesse território. Não me delicio nadando na minha piscininha de náusea. Quero superar. De vez em quando consigo até gostar da vida. Bastante até. Um ou dois dias por ano eu a amo de paixão. O resto é como água, pão sem manteiga, salada sem tempero. Talvez seja culpa minha, e não da vida. Que diferença entre? Culpa minha se viver é desconfortável? Mas procuro a aventura, o êxtase, o contágio, a entrega. O quanto o medo me deixa. O pouco que acho.

Peço um desconto pelo mal-viver, por ser tão desengoçado na tarefa, por achar tanta coisa tão difícil. Tô vivendo pela primeira vez e, aliás, acabei de desembarcar no mundo. Que é um lugar esquisito. Não entendo direito pra quê serve. E eu dentro dele, pra quê? Mas vejo beleza naquilo de ser um eterno aprendiz. Vivo em perpétuo espanto de estar vivo. Que exista tudo isso que existe é algo que minha pobre cabecinha miúda não consegue conceber direito, tamanha a grandiosidade. O que não impede a melancolia. Culpa minha se Deus não existe e o amor é tão raro? Não criei o mundo, só vivo nele.

Não tenho amor à vida? Ora, é ela que não tem amor a mim...

* * * * *

"Aquilo a que se costuma chamar amor é um exílio,
com um postal de casa de vez em quando,
eis o meu pensamento para esta noite."

SAMUEL BECKETT
, "Primeiro Amor"

Não, tio Beckett, o amor não é o exílio, o exílio é o mundo.

O amor são os postais de casa, de vez em quando.

E o foda é esse "de vez em quando...".