sexta-feira, 14 de agosto de 2009

:: blasfêmias de um filósofo mirim ::


AMAR A DEUS É QUE DEVERIA SER PECADO
- Pensamentinhos sobre a vida depois de Deus... -

“...o convívio aprimora e eleva; espontaneamente, sem dissimulação, o homem torna-se outro no convívio, muito diverso do que é só para si. O amor faz milagres, principalmente o amor sexual. Homem e mulher se completam mutuamente e assim se une o gênero humano para representar o homem perfeito. (...) No amor o homem expressa a insuficiência da sua individualidade, postula a existência do outro como uma necessidade do coração, inclui o outro na sua própria essência, só declara a sua vida unida ao outro pelo amor como uma vida verdadeiramente humana... Defeituoso, incompleto, débil, carente é o indivíduo; mas forte, perfeito, satisfeito, sem carência, auto-suficiente, infinito é o amor... Como o amor, atua também a amizade, pelo menos quando é verdadeira e sincera, quando é religião, como o era dentre os antigos. Os amigos se completam; a amizade é uma ponte para a virtude..." --- FEUERBACH, A Essência do Cristianismo

Não sou destes que vê como uma catástrofe sombria e terrível a "morte de Deus". É bom que Deus morra num coração que antes o abraçou - decerto dói, como dói perder qualquer paixão, mas está aí uma pré-condição para se chegar à libertação que torna possível um amor maior (pois real).

O amor a Deus é uma forma tosca e doentia de amor: ama-se, na carência e no medo, no tremor e no temor, um mero construto imaginário. É um legítimo amor platônico: ama-se não a um ser objetivo, lá fora, pulsante e vivo, mas uma idéia que forja a fantasia de um ser pobre e angustiado...

Amar a Deus é triste pois Ele jamais corresponde. Ele jamais responde, jamais dialoga, jamais beija ou abraça, jamais oferece um carinho ou um ninho... Digamos com simplicidade: amar a Deus é triste pois Deus não existe. Ah, amiguinhos, não sabem vocês o quanto é mais gostoso amar o que existe?

Pois de Deus não sinto mais a menor falta. Sinto como se meu trabalho de luto estivesse consumado. Sinto-me liberto de correntes que me prendiam, de cataratas que me cegavam... E se perder Deus for o mesmo que deixar de ser servo e escravo? E se for a mais frutífera das audácias da lucidez, isso de derrubá-Lo? E se a vida, quando O tiramos do caminho, fica mais bela e mais sábia?

É entre os frutos da terra que vou buscar o que me sacie. Das nuvens, até hoje, só vi caírem raios e tempestades - e os rainhos de Sol e borboletas pra mim não tem pra nada de "presente divino"... Nenhum bem jamais me foi feito pelas regiões etéreas. A mim parece que tudo não passa de ar, que impassivelmente existe, indiferente a mim e a tudo. E sou desses que não se ajoelha (que hábito mais anti-higiênico!) e que nada pede dos céus. Sou desses que jamais (JAMAIS!) reza. Por maior que seja a angústia, por mais intenso que seja o medo, por mais perdido que eu me sinta, jamais faço uma prece. Nunca bato na porta de um Deus que sei que não me responderia. Não tenho mais nem a mínima esperança de ver meu apelo respondido. Então nem apelo.

Procuro buscar consolo nas coisas que existem, o que creio que me torna, por incrível que pareça, uma pessoa bem original e diferente. Porque, me parece, a essência do que chamamos “normalidade” é procurar consolo no inexistente. E toda fantasia é uma espécie de fuga. Todo salto para o ideal tem algo de anátema e de vômito que se lança à face inocente do real. Sonhar com o melhor, muitas vezes, significa condenar e amaldiçoar o que existe. Sem dúvida: há coisas que existem e são abomináveis, e não são poucas, e certamente convêm desejar substituí-las por coisas melhores! Os exemplos são velhos, não é segredo pra ninguém: a fome, a guerra, a humilhação, a opressão, o genocídio, o fascismo, a ditadura... Mas buscar consolo para os males reais no inexistente, no ópio da fantasia, no entorpecimento do ideal, é justamente o que impede uma luta concreta, ousada e efetiva contra os males da terra!

Abandonar Deus, pois, ao contrário do que pensam alguns beatos angustiados, apavorados e doloridos, não significa de modo algum abandonar a felicidade e a luta; trata-se, muito mais, de abandonar a cegueira, a ilusão, a superstição, a escravidão mental e corporal, a indignidade que é viver a crer em contos-de-fada! Abrindo-se, depois dos delírios, a uma vida real que carrega em si o amor como possibilidade, e uma a ser agarrada com a fé de que é o que mais vale sobre esta Terra por Deus abandonada.

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“...no cristianismo foi o amor maculado pela fé, não foi concebido livre, verdadeiramente. Um amor limitado pela fé é um amor ilegítimo. O amor não conhece outra lei a não ser a si mesmo; ele é divino por si mesmo; ele não necessita da sacralidade da fé; ele só pode ser fundamentado por si mesmo. O amor atado à fé é um amor estreito, falso, contraditório no conceito do amor, i.é, a si mesmo; um amor pseudo-sagrado, pois ele oculta em si o ódio da fé; ele só é bom enquanto a fé não for atingida.” (...) “...o amor só é idêntico à razão, mas não à fé; pois como a razão, é o amor de natureza mais livre, mais universal, mas a fé de natureza mais estreita, mais limitada. Somente onde existe a razão impera o amor geral; a razão não é ela mesma nada mais que o amor universal. Foi a fé que descobriu o inferno, não o amor, não a razão. Para o amor é o inferno um horror, para a razão um absurdo.” (...)“O amor ao ser humano não pode ser derivado, ele deve ser primitivo. Só então torna-se o amor um poder verdadeiro, sagrado, seguro. Se a essência do homem é a mais elevada essência do homem, então também praticamente deve ser a mais elevada e primeira lei o amor do homem pelo homem.” --- FEUERBACH, A Essência do Cristianismo

Não gosto dos que, depois de terem inventado Deus, inventaram a lorota subsequente de que o amor teria sido uma invenção Dele! A religião, esta invenção humana que postula que ela mesma não foi inventada pela humanidade, mas nos foi dada como graça e dádiva divinas, quer conspurcar com seus dedinhos também ele, o amor, que é tão óbvia e explicitamente um FRUTO DA CARNE! Não aceito nem acredito que Deus tenha inventado o amor. Isso simplesmente pois Deus não inventou nada! Direi uma bobagem: o inventor, para inventar, precisa primeiro existir. E essa primeira coisa, bem... nem ela Deus conseguiu fazer. Pobrezinho!
Estaríamos passando por menos sufocos, padecendo de menores martírios, se essa missão Ele tivesse cumprido? Decerto que sim, e nem o ateu convicto que sou teimaria em negá-lo. Sim, estaríamos passando muito melhor se Deus existisse, tenho certeza! Mas choraremos eternamente o luto daquilo que nunca viveu? Ou trataremos de tentar agir como Ele agiria se existisse, ou seja, amorosamente?

O amor é uma demanda por um bem real, enquanto que a religião é uma súplica sempre vã por bens imaginários e inexistentes (implorar por uma alma imortal é um ótimo exemplo do que significa desejar o impossível). O amor que se pede a outra criatura, pode-se recebê-lo; mas de Deus tudo que nos chega são silêncios e indiferenças, adiamentos e vagas promessas (que nos faz não Ele, o Eternamente Silente, mas os seus supostos "porta-vozes na Terra". O amor, sendo um fruto da terra, sendo um filho do coração, sendo uma flor do jardim terrestre, pode perfumar os ares e alegrar os campos; mas Deus, sempre tão longínquo e escondente, permanece o interlocutor de uma súplica nunca respondida, como um gênio da lâmpada que se recusa a realizar desejos, por mais que milhões de sedentos aladins lhe implorem...

É bom amar pois o amor pode nos curar, e nos cura, de fato, quando vem; já Deus é um remédio falso que não impede as chagas de prosseguirem sangrando, não impede a inquietude e o medo de continuarem nos atormentando, não impede a tortura da esperança e os pavores do inferno de nos assombrarem o sono! Amar é melhor pois o amor é real, enquanto que Deus não passa de névoa, fantasma e alucinação.

O amor, pois, nada tem a ver com Deus, e amar a Deus não é amar: é dirigir libido prum construto imaginário da fantasia desejante. E convenhamos: dirigir “amor” para uma criatura de fábula e de conto-de-fada é um despedício pecaminoso da energia que poderia ser depositada – e fazendo tamanhos bens! – nos corações das outras criaturas humanas.

Amar a Deus é que deveria ser pecado!

Pois amar a Deus é um crime, se aquele que O faz esquece-se de amar as criaturas humanas e fica preso no seu solipsismozinho delirante. Ficar disparando amor para as nuvens não difere muito de tacar amor na privada e dar descarga. Amor é pra gente distribuir aqui na Terra, onde dele mais se necessita! Deus, se existir, já possui o suficiente. Se não existir, o que é decerto o mais provável, então não deveríamos sacrificar nosso melhor em nome de nada.

A morte de Deus, pois, não é a morte do amor. Pois Deus jamais amou ninguém. E Deus não é o inventor nem a condição do amor. São engraçados, estes religiosos que pretendem deter o "monopólio do coração", como se soubessem amar melhor que os ateus, quando vencem unicamente no quesito "delírio & fantasiação"! Ora: superar a paixão platônica por Deus, que nos encerra num delirante e cego mundo de fantasmas, é condição para que emerja o amor real, o amor entre humanos: duas solidões que se tocam, que trocam, que se alegram e se iluminam...