sábado, 17 de setembro de 2005


Minha mais nova paixão literária: Erica Jong. Às vezes descrita como "um Henry Miller de saias", outras vezes reduzida ao status de mera "escritora feminista", Erica Jong me parece ser muito mais do que uma pornógrafa, uma feminista fanática ou uma "autora comercial"... "Medo de Voar" e "Salve sua Vida", os dois primeiros romances da escritora e poeta americana, foram publicados nos anos 70 e a transformaram em best-seller nos Estados Unidos. Depois disso, além de ter se tornado milionária, ela virou uma espécie de modelo/guru/ídolo para multidões de mulheres ao redor do mundo. O que não quer dizer que um homem não possa curtir esses livros: Erica Jong fala com todos nós, e sobre assuntos muito mais vastos do que aqueles tratados pelo "feminismo"; fala muito mais sobre amor, liberdade e relacionamentos humanos dos mais variados do que sobre "mecanismos sociais de opressão da mulher" ou "arrogância masculina"... Achei Erica tão engraçada quanto uma Dorothy Parker, dotada de um feminismo muito mais coerente do que aquele duma Camille Paglia, mais profunda em suas críticas à monogamia e ao casamento do que um Strindberg, tão boa quanto um Henry Miller ou uma Anais Nin na hora de descrever putaria, e muito mais gostosa de ler do que uma Virginia Woolf... Tudo isso já basta: ela já se tornou a minha escritora-mulher predileta, mais querida até do que a Hilda Hilst e a Clarice Lispector... Pois esses livros de Erica são um chamado à vida. São fósforos que tentam nos acender e botar em chamas. Ela chega sacudindo a nossa letargia, demolindo nossa apatia, nos convidando a quebrar as jaulas que nos encerram na infelicidade... Erica Jong é uma escritora libertária, antes de tudo, e que ensina a libertar-se. Uma escritora que escreve em nome da vida, e não em nome da arte, o que cada vez me parece ser a melhor coisa que um artista pode fazer. Pois é a vida o que importa, né? Não a arte...

* * * * * * coletânea de citações de Erica Jong * * * * * * * * *
(todas tiradas de "Medo de Voar" e "Salve Sua Vida")

"Bigamia é ter um marido demais. Monogamia é o mesmo."

“...escrevemos para seduzir o mundo, mas quando a coisa acontece, começamos a nos sentir como prostitutas.”

“Em algum ponto entre o banheiro e o dormitório, em algum lugar entre comer um ovo e fazer cocô, a musa desperta. Ela não costuma aparecer onde as idéias hollywoodianas banais nos levaram a contar que estivesse: em um pôr-do-sol magnífico sobre Ischia, ou na rebentação imensa de Big Sur, em um cimo de montanha em Delfos (bem entre o umbigo da terra e o lugar onde Édipo matou o papaizinho dele) – mas vem adejando, enquanto se está descascando cebolas ou comendo berinjelas ou forrando a lata de lixo com a seção literária do The New York Times. Os autores modernos mais interessantes sabem disso. Leopold Bloom frita rins, faz cocô e pensa no universo.”


“Só quando se está proibido de falar sobre o futuro é que se compreende, de repente, o quanto ele ocupa, de modo normal, nossa vida atual, o quanto a vida cotidiana é gasta, de modo geral, fazendo-se planos e procurando-se controlar o futuro. Não importa que não se tenha controle algum sobre ele. A idéia do futuro é nosso maior entretenimento, divertimento e passatempo. Basta retirá-la e resta apenas o passado – e um pára-brisa empastado de insetos mortos.”


“A vida não tem enredo. É muito mais interessante do que qualquer coisa que se possa dizer a respeito dela porque a língua, por sua própria natureza, ordena as coisas, e a vida, na verdade, não tem ordem alguma. Até os escritores que respeitam a bela anarquia da vida e procuram colocá-la, toda, em seus livros terminam fazendo com que pareça muito mais ordenada do que já foi e, afinal, não dizem a verdade. Porque nenhum autor pode dizer a verdade sobre a vida, qual seja, a de que ela é muito mais interessante do que qualquer livro. E nenhum autor pode dizer a verdade sobre as pessoas – pelo motivo de que essas são muito mais interessantes do que quaisquer personagens.”


"Crescer mulher nos Estados Unidos. Que perigo! Crescia-se com os ouvidos cheios de anúncios de cosméticos, canções de amor, conselhos de beleza nos jornais e revistas, mexericos de Hollywood, dilemas morais ao nível das novelas da TV... O que todos os anúncios e todos os slogans pareciam dar a entender era que, se você, ao menos, fosse narcisista o bastante, se, ao menos, tomasse as providências adequadas com relação a seus cheiros, cabelos, peitos, pálpebras, axilas, virilha, xoxota, cicatrizes e sua marca predileta de uísque nos bares – haveria de travar conhecimento com um homem belo, poderoso, potente e rico, que satisfaria a todos os anseios, preencheria todos os buracos, faria seu coração ter uma parada cardíaca (ou parar de uma vez), iria levá-la às nuvens, levá-la à lua (de preferência em asas diáfanas), onde viveria inteiramente satisfeita, para todo o sempre... Por baixo de tudo, ansiava-se por ser aniquilada de amor, por ser arrebatada no ar, preenchida por um cacete gigantesco derramando esperma, espuma de sabão, sedas e cetins e, está mais que claro, dinheiro."

“Muitas pessoas acreditam hoje que o cinismo requer coragem. Na verdade, o cinismo é o auge da covardia. São a inocência e a sinceridade que requerem a verdadeira coragem – embora muitas vezes sejamos magoados em consequência delas.” “Vivemos numa sociedade em que todos comumente mentem acerca de seus sentimentos – por isso existe uma imensa gratidão para quem quer que TENTE dizer a verdade. Eu suponho que seja por isso que certos autores são reverenciados como figuras de culto. Podemos desdenhar a verdade em nossas vidas diárias mas sentimo-nos aliviados e animados quando encontramos alguém TENTANDO pelo menos expressá-la num livro.”

“Eu estava enojada com todas aquelas pessoas que adotavam a bela arte do compromisso conjugal e que a defendiam com zelo religioso. Os dois Jeffreys tinham mulheres com quem não conseguiam falar; eu tinha um marido com quem não conseguia falar. E deveríamos todos continuar com aquilo, tendo nossas infidelidades ao meio-dia, nossas chupadas das cinco às sete em escritórios vazios, falando vagamente a respeito de deixar nossos cônjugues um dia. (...) Que revolução seria se todas as pessoas que levavam vidas fragmentadas, mentirosas, covardes – justificando-se com papos de realismo, compromisso, homenagem ao super-ego, civilização e seus descontentes – finalmente decidissem jogar fora suas algemas auto-impostas e viver de acordo com seus honestos sentimentos! Elas não iriam começar imediatamente a fornicar nas ruas e a se matar umas às outras promiscuamente. Não, de modo algum. Mas teriam de encarar a responsabilidade por sua própria felicidade ou infelicidade. Não poderiam mais culpar suas esposas, seus maridos, seus filhos, seus pais, seus analistas, seus chefes. E que perda isso seria! Ninguém a quem culpar! Esse era o verdadeiro motivo pelo qual meu dois Jeffreys ficavam com as esposas de que não gostavam; garantir a si mesmos que sempre teriam alguém a quem culpar. Era por isso que a maior parte das pessoas levavam uma vida que detestavam, com pessoas a quem detestavam. (...) Tome sua vida em suas próprias mãos, e o que acontece? Uma coisa terrível: ninguém a quem culpar.”


“...se você não arrisca nada, você arrisca ainda MAIS.”