segunda-feira, 12 de setembro de 2005
O AGENTE DA ESTAÇÃO
(The Station Agent, EUA, 2002, 88min)
Escrito e dirigido por Tom McCarthy
Dizer que esse é o melhor “filme de anão” que já tive o prazer de assistir seria um tanto ridículo. Eles não existem em quantidade tão numerosa, eles os filmes de anão, para que valha a pena conceder a qualquer um deles a “glória” de ser o melhor da categoria... seria o mesmo que eleger o “melhor filme sobre crianças com poliomielite” ou “o melhor filme sobre viagens de barco à Oceania”! Além do mais, o rótulo não é muito adequado: antes de mais nada, esse é um filme sobre a amizade mais do que sobre uma deficiência física, sobre relacionamentos humanos mais do que sobre calamidades fisiológicas.
Em seu começinho, "O Agente da Estação" parece que vai se concentrar em ser um retrato realista e frequentemente hilário das desventuras de um anão americano em seu dia-a-dia não muito agradável de viver... O ator anão Peter Dinklage (de A Natureza Quase Humana, de Michel Gondry), em ótima atuação, nos faz sentir na pele o desânimo e a melancolia que o pequeno Fin é obrigado a suportar por ter sido desgraçadamente “presenteado” pela Loteria do Nascimento com sua miudeza perpétua... andando pelas ruas, é inevitável que caiam sobre ele as brincadeirinhas maldosas, os gracejos e zoações, os comentários sarcásticos... apesar do aparente caráter inofensivo e inocente dessas zoeiras (tipo “Ei, onde tá a Branca de Neve?” ou “Você é o Soneca ou o Zangado?”...), a gente vê que são bem capazes de ferir as paredes internas de seu coração... nos supermercados e lojas de conveniência, ele sempre sente os olhares atentos castigando com a análise da criatura estranha... as crianças, pensando encontrar um amigo para as brincadeiras, fogem correndo ao ouvirem a voz grossa e máscula que sai de uma garganta que imaginavam infantil... há inclusive aqueles que resolvem tirar fotos da insólita figura como se fosse algum exótico animal que resolveu fazer uma aparição para o entretenimento dos “normais”... “O Agente da Estação” começa sendo um retrato dos infortúnios de um anão através do círculo de torturas de seu cotidiano, onde os chicotes que o torturam são o desdém do mundo, as risadinhas que ferem, a falta de reconhecimento de uma igualdade...
Após a morte de um amigo seu, Fin, nosso anão protagonista, herda um pequeno imóvel em uma cidade distante, para onde se muda em busca de um recanto solitário. Uma vida inteira sendo tratado como um ser inferior, não exatamente humano, um tanto anormal e deformado, parecem ter criado dentro dele uma certa aversão à humanidade... Fin se mostra sempre muito arredio, anti-social, monossilábico. Anda pelo mundo cabisbaixo e triste, com a auto-estima em frangalhos, como se estivesse convencido de ninguém no mundo é capaz de amar um anão, esse palhaço involuntário, essa vítima de uma piada do destino, esse homem-feito encarcerado num corpo de criança para a diversão do mundo...
Fin recusa o mais que pode o contato humano, os bate-papos, as “baladas”, muito provavelmente pois em toda a sua vida não retirou dos homens nada de muito agradável: nada além de desprezo, risadinhas e estranhezas. Para quem sempre foi utilizado pelo mundo como pretexto para a gargalhada, que bem haveria em continuar freqüentando os homens? Pois Fin se enrola em seu casulo e se defende contra o mundo: responde às perguntas que lhe fazem com uma pressa e uma economia de palavras que deixam claro o quão penoso é pra ele o relacionamento interpessoal; enxota para longe de si os homens como se fossem pulgas ou pernilongos que ele desejaria ver distantes; procura a vida de eremita... Mas ao mesmo tempo dá pra notar que a compacta solidão que ele traz no peito o impele a desejar um contato...
A salvação para ele virá de dois amigos que ele encontrará em sua nova cidade natal, Joe (Bobby Cannavale) e Olívia (Patricia Clarkson), cada um mergulhado em seus próprios problemas - um pai doente no primeiro caso, um casamento difícil e um filho falecido no segundo. Esses dois servirão como uma espécie de redenção para o pequeno grande homem. A alguns pode soar como uma tática baixa e simplória de resolver um enredo com otimismo baixo: o anãozito solitário e massacrado por preconceitos encontra enfim refúgio junto a certas pessoas capazes de amá-lo apesar de sua aparência e seus defeitos... Mas não se trata aqui de otimismo bestalhão e mentiroso, que faria com que tudo começasse a ocorrer com a mais perfeita das perfeições entre eles... Na relação entre esses amigos, há sim choques, conflitos, momentos de mau-humor e uns quebra-paus tristes de ver. Mas nada disso é capaz de matar neles a sensação de que eles estão melhores juntos que separados, que vivem melhor quando se amparam mutuamente do que no cada-um-por-si, que a vida é um pouco menos difícil, grave e tediosa quando eles têm uns aos outros. No fim a amizade vence os impulsos anti-sociais de cada um, o humor vence a gravidade, o prazer da presença vence o desejo de refúgio no isolamento...
Não, “O Agente da Estação” não é nenhuma obra-prima, nenhuma obra-de-arte grandiosa, nenhum filme com uma mensagem moral original ou visionária... O diretor iniciante Tom McCarthy, aliás, faz tudo com economia e discrição, até com uma certa timidez, como se tivesse medo de que seu filme ficasse grande demais, barulhento demais. Como se sentisse que estaria traindo seu personagem principal se fizesse um filme maior e então tentasse realizar um cinema-anão para retratar a vida anã... Diferente de certos diretores mais "aparecidos", McCarthy parece querer se esconder o máximo possível: a câmera não faz em nenhum momento alguma peripécia mirabolante e o filme não tem nenhum efeito especial ou de lente. É como se tudo fosse feito para que esquecéssemos que há um cameraman e um diretor. O que importa, afinal, são os personagens, suas vidas, seus sentimentos; a forma de narrar e os exibicionismos de câmera parecem importar pouco. Eis um filme simplérrimo, sem firulas, sem ornamentos, completamente despojado, pequeno e humilde. Nada aqui é estrondoso ou espetacular. Nem mesmo o título parece atraente o bastante para que as pessoas se sintam impelidas a aluga-lo nas locadoras...
No fundo, ele nos conquista por ter personagens tão simpáticos, interpretados com uma naturalidade tão real, muito mais do que por qualquer “virtuosidade” na filmagem, na edição ou na montagem. “Cinema de personagens”, se quiserem, que lembra o trabalho de certos diretores que sempre se ocuparam em registrar a vida cotidiana como ela é (Mike Leigh é o maior dos mestres que me vêem à mente nesse estilo de cinema). “O Agente da Estação” conquista sendo assim como é: simples em sua mensagem, mas não menos verdadeiro por isso (e porque a verdade precisaria ser complicada?); pontuado de silêncios, como são grande parte dos relacionamentos humanos (e por que não retratá-los como são, ao invés de como gostaríamos que fossem?); resignado à pequenez da vida cotidiana, não tentando nunca engrandecer e espetacularizar... Por detrás da aparente pequenez e minimalismo da técnica de “O Agente da Estação”, quem souber olhar direito vai achar uma abundância de grandeza humana...
“Filme de anão” esse de TomMcCarthy? Que nada: filme de gigante que se finge de anão.
Postado por Unknown às 22:37
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