sábado, 29 de outubro de 2005



T I M Festival - Sampa
com Mundo Livre S/A - M.I.A. - Arcade Fire - Kings Of Leon - The Strokes
Arena Skol Anhembi
23 de Outubro de 2005


Um show de rock de grande porte, como foi o TIM Festival paulistano que bombou o Arena Skol (24 mil putos!), sempre comporta para os espectadores uma boa dose de desconforto e aporrinhações. Shit happens. Eu tava com medo (ui) de que as más sensações q tive q aguentar durante essas 7 ou 8 horas de festival (o cansaço, o calor, a fome, o aperto, a falta de ar, a dor nas pernas...) fossem ser tão mais numerosas do que as good vibes que a experiência acabaria no prejú. Mas não: os Strokes vieram para salvar a noite, o festival, o rock and roll e todas as nossas almas. Confesso: foi o único show que eu achei realmente foda. Mas bota foda nisso. Quando as últimas notas de "Reptilia" foram morrer no silêncio e os cinco Strokes saíram do palco depois do bis, eu pensei comigo: não sou mais um ser-humano, sou um amontoado de carne moída, com duas pernas que não me sustentam o corpo, com uma camiseta totalmente encharcada de suor, fedendo mais que queijo podre, com a coluna em frangalhos e morrendo de fome. E quer saber? I feel all right!

Não que tenha sido uma experiência toda feita de alegria e clarões. Tem sempre um monte de pés-no-saco em shows grandes. Por exemplo, tem o FATOR AMASSO: a MUVUCA, em quase todo show que bomba, não permite que a gente se mexa demais sem trombar com alguém, o que não é necessariamente uma má coisa (depende com quem se tromba, com que intenções e que consequências...). Afinal, um show não é lugar apropriado pra quem tem uma personalidade "não-me-toques!". O foda é que nesse dia preciso, no lugar preciso onde eu tava, o lance era muito mais trash do que um simples "amasso": era algo como ESMAGAMENTO. Dava pra se sentir dentro de uma cela superlotada de alguma penitenciária brasileira. Ou dentro do busão mais entupido de gente na hora do rush paulistano. Ou num daqueles pesadelos em que as paredes... you get the idea.

Tem também o DILEMA DA BREJA: quem quer ver a banda de perto não pode sair pra ir comprar bebida pois corre o risco de não conseguir voltar pra beira do palco. Mesmo que consiga ir comprar uma pá de brejas e ainda retornar até o lugar antigo, através de vários contorcionismos corporais e chegas-pra-lá mau-educados, ainda vai sofrer com o DILEMA DO MIJO. Quem bebe muito necessariamente faz inchar sua bexiga urinária, o que mais cedo ou mais tarde vai exigir que se tome uma atitude - ou se vai ao banheiro, com o risco de ter que ver o show lá de longe, ou se fecha o esfíncter com toda a força desse mundo e se assiste ao show inteiro com a terrível dor da retenção. Pode-se, claro, não beber nada (e a carteira agradece), mas aí ocorre outra coisa terrível: a sobriedade. O delicioso delírio alcóolico, que sempre faz com que a música penetre em nossos seres com muito mais fluidez e muito menos barreiras, não está lá para lubrificar as orelhas e o cérebro. Estar sóbrio é muito triste. É indubitavelmente uma das coisas mais tristes da vida.

E tem mais: a aglomeração humana faz a temperatura se erguer ao nosso redor de maneira incrível. Mesmo na noite fria e garoenta de São Paulo, o calor no meio do povo era o mesmo de uma sauna a vapor superlotada; eu rezava para que começasse a chover, gear, nevar... Barrado pela multidão de cabeças, o ar também tinha dificuldades em chegar às narinas. Não foram poucos os que acabaram por desmaiar. A música, portanto, teria que ser boa demais pra fazer a experiência toda valer a pena. E não era exatamente isso que estava acontecendo.

O Mundo Livre S/A fez o lance deles. Um tanto previsível, não muito empolgante. O que me preocupa é essa mania que Fred 04 começou a ter nos últimos tempos de fazer músicas-discurso; se os discursos fossem um pouco melhorzinhos, com umas rimas ou um tanto de musicalidade, tudo bem, mas me parecem cada vez mais como um amontoado de clichês esquerdistas. A ironia barata que ele usa para satirizar o consumismo naquela música nova ("Sol") me pareceu constrangedora. Em certos momentos, um show do Mundo Livre pára de ser música e passa a ser comício. E é uma banda sem energia em cima do palco. Definitivamente funciona melhor em disco.

A M.I.A., sinceramente, foi algo que eu assisti cuspindo xingamentos mentais e olhares de desprezo. Não sei se é porque sou um puto preconceituoso e só consigo gostar de "arte burguesa", mas esse tipo de música proletária me deixa com um pouco de nojo. Não entendo como pode tanta gente da crítica entendida falar bem desse negócio horrendo. Pra mim é puro funk carioca vulgarzérrimo e acerebral, que pode até servir como música para dança, mas que não se sustenta como música para os ouvidos: é um som totalmente sem melodia, sem harmonia, sem groove, sem nenhum talento vocal ou instrumental, onde tudo acaba se reduzindo às batidas eletrônicas quase POPERÔ e aquele rap tosco de atitude sexista. Pode até ser que as letras da mina digam algo que preste, o que eu não tô muito interessado em descobrir no futuro recente, mas nenhuma letra genial salvaria aquela música de ser ruim, ruim, ruim... Pra mim a M.I.A., me perdoem os fãs (que existem! juro que sim!), num passa de um odiável e simplório PANCADÃO com GEMIDINHOS. Eu vi uma pá de dedos médios se levantando na platéia e mirando a pequena rapper azulada no palco. E até dei razão...

O Arcade Fire também se mostrou um tanto decepcionante, o que talvez só tenha acontecido porque fui ao show com expectativas muito altas. Claro que a entrada da banda foi um considerável melhoramento em relação à atração anterior, o que não quer dizer muita coisa: até a Avril Lavigne seria um melhoramento depois da M.I.A. (e eu até curto a Avril Lavigne, sério mesmo). E claro que não há dúvida de que o Arcade Fire é uma das bandas mais promissoras que surgiram nos últimos anos e que "Funeral" é um baita dum discaço (um dos 25 melhores desta meia-década, com certeza). O que tenho a objetar é: a desgraça do som estava BAIXÉRRIMO, o que acabou por estragar tudo. Mancada da organização do TIM. Minha opinião é que show tem que ter um som ensurdecedor: se o máximo que o ouvido humano pode suportar são 90 decibéis, os organizadores tem a OBRIGAÇÃO de derramar sobre nós pelo menos uns 270! Não vou a shows para ter meus tímpanos respeitados. Quero sentir meus ouvidos pulsando e se tencionando até às beiras da explosão! Quero que o meu corpo inteiro esteja totalmente vibrando com o terremoto sonoro! E durante o show do Arcade Fire tudo estava tão lá em baixo que eu ouvia muito mais a voz do povo cantando do que a do vocalista. O violino, então, tava quase inaudível. O show dos canadenses só poderia realmente funcionar se eu me sentisse totalmente ENVOLTO EM SOM, capaz de ser hipnotizado pela música. Além do mais, a música do Arcade Fire, um tanto intimista e introspectiva, não combina tão bem com um showzão-estádio, nem muito menos seguindo a tecneira rasteira da M.I.A. Um show dos caras ficaria melhor num clubezinho pequeno e meio sombrio, com uns sofás e uns puffs espalhados pelo chão, umas luzes vermelhas de laboratório fotográfico e uns castiçais de vela iluminando, uns incensos queimando, todo mundo ouvindo de olhos fechados... Know what I mean?

Aí veio o Kings of Leon. Não sei se são as minhas pernas sedentárias que são fracotas demais, talvez porque nunca fui lá muito amigo dos exercícios físicos, ou se é algo que ocorre com quase todo mundo, mas eu simplesmente num me aguento em pé por um festival inteiro. Lembro que no TIM de 2003 o show dos White Stripes foi um tanto "estragado" pra mim por causa da imensa dor que eu tinha que suportar só pra permanecer de pé - e acabei curtindo bem mais o Super Furry Animals e o The Rapture. Algo parecido aconteceu neste TIM: quando o Kings of Leon estava no palco, minhas pernas já estavam mais cansadas do que as dum maratonista olímpico, e talvez isso tenha me levado a gostar tão pouco da performance da banda. Não me empolgou nada. Eu torcia para que aquela porcariada acabasse logo, que aquele vocalista de voz enjoada e cara de mau parasse de sujar o ar com sua cantoria, e que viessem logo os Strokes. No fundo, não consigo ver como se pode falar bem de uma bandinha tão meia-boca quando o KoL: dessa nova geração rocker surgida nesta década - e que inclui Strokes, White Stripes, Franz Ferdinand, Libertines, Black Rebel, Hot Hot Heat, Art Brut, Arcade Fire, Radio 4... - o Kings of Leon me parece ser de longe a mais medíocre e a que menos merece o hype. Um show apagado, sem diversão, sem tesão, de uma banda que, por mim, merece cair rapidinho no esquecimento.

Depois desse monte de rabugices e reclamações, pode ficar parecendo que odiei essa maldita noite. Mas não. Ainda teve Strokes. E isso merece mais palavras.

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THE S T R O K E S.



"even tough it was only one night
it was FUCKING STRANGE!"


Os Strokes têm essa capacidade incrível: são uma banda mó retrô e ao mesmo tempo conseguem chegar a um som que soa fresco e novo. De certa maneira, a música deles "só" revisita grandes bandas do passado num xerox por vezes descarado. Mais do que com o Velvet Underground, os Strokes sempre me pareceram mais conectados com aquelas ótimas, divertidas e pouco ambiciosas bandas de punk e new wave dos anos 70: os Buzzcocks, os Undertones, o Wire, os Stooges, os New York Dolls, o Television, os Heartbreakers de Johnny Thunders. Até dá pra notar um pouco de influência dos rockinhos anos 60, principalmente daquela geração de bandas garageiras que entraram na clássica caixinha da Nuggets (Seeds, Electric Prunes, Sonics, 13th Floor Elevators, Amboy Dukes, entre outras). O vocal de Julian Casablancas, uma mistura de Lou Reed jovemzinho, Jim Morrison e Iggy Pop, sempre foi a alma e o diferencial da banda. Eu costumava achar que a voz do cara devia certamente passar por algum filtro de distorção para que pudesse soar tão god damn cool, mas parece que ele canta naturalmente daquele jeitinho sujo sem precisar de auxílio de efeitos artificiais. Confesso: eu adoro a voz desse puto.

Eu tinha até me esquecido do quanto eu cheguei a amar louca e incondicionalmente os Strokes anos atrás: quando "Is This It?" começou a ganhar uma fama enorme na Internet, num dos primeiros casos de NETHYPE MONSTRO da história do Pop, o tamanho da minha empolgação era imenso. Não só meu, como de grande parte da imprensa inglesa, NME à frente dela. Um crítico chegou até mesmo a comentar que os Strokes receberam uma quantidade de publicidade em 2001 pra fazer Osama Bin Laden invejoso. E dessa vez eu achava que sim, do believe the hype! Todo o falatório antes de lançarem o álbum propriamente dito, cujo lançamento seria atrasado por certos contratempos: a capa original, em primeiro lugar, foi considerada demasiado pornô em alguns países do mundo e teve que ser substuída por outra mais inofensiva; a música "New York City Cops", por sua vez, foi considerada inadequada para lançamento por conter o refrão "policiais de Nova York não são muito espertos!", algo não muito apropriado a virar hit popular nos tempos pós-11 de Setembro. Nos EUA, o disco saiu com a capa não-pornô e com o B-side "When It Started" no lugar de "NYC Cops"; no resto do mundo, saiu como a banda quis que saísse.

Se me perguntassem, em 2001, quais eram as 5 melhores bandas de todos os tempos, os Strokes estariam na lista - e os Beatles não. O "Is This It" era disco de cabeceira: ouvi até não poder mais, até saber cantar junto todas as músicas, até enjoar. Eu adorava berrar junto com o refrão de "NYC Cops" ou "Take It Or Leave It", brincar de gago no "g-g-g-g-g-g-gooooo" em "The Modern Age", balançar a cabeça ao som das guitarrinhas deliciosas de "Someday" ou "Soma"... "Is This It" era um dos meus discos prediletos naqueles momentos em que eu queria me fingir de rock star trancado dentro do quarto, pulando em cima da cama, segurando a guitarra invisível e agradecendo às multidões imaginárias! Ó doces delírios! O "Superunknow" do Soundgarden também era foda, mas eu nunca conseguia fazer minha cantoria parecer com a Chris Cornell; com o "Nevermind" eu não tinha o gás suficiente para berrar - em "Stay Away", por exemplo, o berralheiro era muito mais prolongado do que eu poderia acompanhar; com o Jeff Buckley era covardia: tentar acompanhar o cara no final de "Grace" era competir com um cara inalcansável...

Depois meio que me esqueci que gostei tanto dos caras. Os Strokes estavam um tanto relegados às sombras, no quintal da minha mente, depois da semi-decepção que foi o "Room on Fire". Não acho um disco mau, longe disso; é totalmente curtível. E tem "Reptilia", que é uma das músicas mais foda do mundo. O problema é que falta nele um pouco de ousadia e de originalidade. O segundo disco dos Strokes não surpreendeu nada; eles fizeram exatamente o que se esperava que fizessem, o que acabou tornando "Room On Fire" um disco um tanto previsível, como uma cópia do primeiro, que falhou em causar tanto impacto quanto a novidade em 2001. "NYC's finest have all but given birth to an identical twin", escreveu a Pitchfork. Até mesmo os Strokes parecem curtir mais o disco de estréia: tanto que o tocaram INTEIRAÇO, de cabo a rabo (mas não na ordem do álbum), enquanto que de "Room On Fire" só tocaram umas 5.

O show dos caras veio para fazê-los subir de novo para o pódio das minhas bandas prediletas. Eu que sempre sou meio PÓLIPO nos shows, ficando plantadão no chão e somente arriscando uns movimentos com a cabeça e umas batidinhas com os pés, finalmente saí voando nas asas sônicas de Julian Casablancas e companhia. Eu pulei e berrei nessa porra desse show como se tivesse endemoniado, como se essa fosse minha última noite na Terra, como se não existisse nenhum futuro... Esqueci completamente que as minhas pernas estavam fodidas de cansaço e simplesmente me entreguei à ridícula histeria de um fã endoidecido. Os detratores podem xingar o som dos Strokes de ser "pouco original", de ser "paga-pau do passado", ou dizer que eles não têm muita "presença de palco", já que mal se movimentam, e que o baixista parece pregado no chão por raízes, e que as músicas são todas muito parecidas, e que o hype é maior do que eles merecem, e que são uns playboyzinhos, e que as roupas do Julian fazem com que ele pareça um LORDE... no fundo eu só vou responder: I KNOW IT'S ONLY ROCK AND ROLL, BUT I LIKE IT. I FUCKING LOVE IT!

O Strokes é uma banda humilde. Não é culpa deles se a mídia inteira acabou os erguendo ao status de Salvadores do Rock. Não vejo neles nenhum sinal visível de messianismo ou de cuzãozice rock-star. Esses cinco moleques de Nova York só querem mesmo continuar fazendo esses seus rockinhos deliciosos e tornando nossas vidas mais divertidas e mais cheias de ritmo e excitação. Pra que existe a música pop, afinal? Certas músicas são tão boas que, durante aqueles três ou quatro minutos, nada no mundo existe além delas: nenhuma preocupação, nenhum medo, nenhuma esperança, nenhuma nostalgia, nenhum futuro, nenhum passado; nosso ser inteiro mergulha naquele som e a vida subitamente, pelo menos por esses instantes, passa a ser deliciosa, alegre, justificada, prazer puro. Mesmo que não faça sentido. Mesmo que seja finita. Mesmo que seja absurda. Mesmo que tudo tenha que acabar... A música pop talvez sirva principalmente para isso: para a celebração do momento. E os Strokes fizeram isso por mim: me fizeram "sair do tempo" e sentir a vida pulsando no presente, quando ela sempre pulsa, pra todos nós, em outros tempos, no tempo dos sonhos, no tempo das memórias, no tempo do tédio... a vida pulsando num presente todo feito de alegria, de despreocupação, de momento, de refrões e riffs e batidas fodidos. Saí purificado.

Valeu, caras. Valeu mesmo.