quinta-feira, 27 de outubro de 2005

vou fazer assim: primeiro o que veio depois e depois o que veio antes.



T E L E V I S I O N
Sesc Pompéia
25/10/2005

Uma onda de reuniões de bandas históricas do proto-punk começou a rolar nos últimos tempos, e o melhor: o Brasil tem sido praia obrigatória onde todas elas vieram ancorar. Antes eu lamentava, cheio de nostalgia pelo que não vivi, porque nunca mais iria poder ver à minha frente nenhuma daquelas bandas que fizeram de "Mate-me Por Favor!" um dos livros que eu mais curti ler na vida. Felizmente, esses monstros do passado resolveram ressuscitar: o MC5 reformado já veio pro Campari e matou a pau num show inesquecível; agora veio também o Television, com sua formação original; e logo mais São Paulo vai poder ver Iggy e os Stooges no Claro Que é Rock. Sequência nada má para um ano que foi um dos melhores da história deste país em termos de shows internacionais.

Nesta terceira-feira última, a formação original do quarteto americano Television aterrisou na choperia do SESC Pompéia (um lugarzim trim) para mostrar ao povo paulista o que já tinham visto os cariocas que foram ao TIM Festival: um guitar rock complexo e virtuosístico tocado com grande técnica e perícia, mas realizado por uns tiozões um tanto acabados e sem entusiasmo. Foi ótimo ver o show muito de perto, podendo prestar atenção em todos os mínimos detalhes: as veias na mão esquerda de Tom Verlaine; o setlist pregado com fita crepe no chão; a camiseta de Richard Lloyd posta ao avesso... Eu tava tão perto que poderia até ter acertado uma cusparada na cara de algum deles, se quisesse. Já pensou que história clássica pra contar pros netos? "Eu cuspi na cara do Tom Verlaine! Juro por Deus!"

"Não muita gente conhece o Television, mas eles estão em todo lugar. Estão nas guitarras desconstruídas do Sonic Youth, nas notas sincopadas e garageiras dos Strokes, nos solos improvisados do Queens of the Stone Age, na crueza de PJ Harvey...", escreveu bem o Tiago Ney na Folha de São Paulo. Pois é: eis aí mais um caso de banda que marcou mais por influência em outras bandas do que por sucesso popular. Hoje é um tanto difícil enxergar porque diabos o Television foi tacado no meio do balaio punk: parece fazer mais sentido dizer que aquilo que fazem é rock progressivo ou new wave ambiciosa. Nem chamá-los de precursores dá: já era 1977 quando foi lançado o "Marquee Moon" (leia resenha da Pitchfork), clássico primeiro disco de Verlaine e companhia, e o som ali registrado não tinha muito a ver com o dos Ramones, dos Pistols e do Clash (bandas que já estavam na ativa). Apostando num virtuosimo instrumental centrado em duelos guitarrísticos (que por vezes se estendiam em improvisos quilométricos) e nas letras poéticas e um tanto surreais de Tom Verlaine (que tem um sobrenome imponente para um pretendente a poeta...), o Television nunca teve a visceralidade e a barulheira que fizeram a fama do punk.

Sem dúvida que valeu a pena ter visto de perto essa entidade histórica do rock americano dos anos 70, mas, infelizmente, o Television deu amostras de cansaço e falta de vitalidade. Em cima do palco, todos os quatro músicos, todos já sessentões, parecem um tanto apáticos, soturnos e excessivamente sérios. Não se comunicam com o público nem entre si, e também não parecem estar se divertindo muito com a música que produzem. Tom Verlaine, magricela e altão, parece o pai de Thurston Moore ou Mark Arm, um tiozão do guitar rock que já nota a calvície tomando parte de seu crânio. Com voz débil e uma timidez imensa, Verlaine cantou baixinho e não teve coragem de berrar quando era a hora certa para isso (no "eeeeeevvvvvviillll!" de "See no Evil", por exemplo) e acabou fazendo uma performance vocal medíocre.

Já o guitarrista Richard Lloyd, disparado o melhor músico da banda, permaneceu o show inteiro com aquele cara de diarréia dele, como se estivesse ansioso pra que o show acabasse logo pra poder ir no banheiro. Parece que aquela é a fisionomia natural dele, nada a ver com desarranjos intestinais. Mas bem que parecia careta de retenção anal...
A cara de poucos amigos de Lloyd e a aparente falta total de qualquer conexão afetiva entre os membros da banda me deu uma má impressão: parecia que ali em cima do palco estavam caras que, se concordaram em voltar aos palcos e lançar disco novo ano que vem, não foi certamente por amizade ou por gosto pela convivência. Não, aquilo estava longe de ser uma BANDA DE AMIGOS. O que não impediu que a música, muito bem ensaiada e tocada com imensa competência, agradasse aos ouvidos, especialmente as guitarrinhas interpenetrantes de Verlaine e Lloyd. Destaque para o "hit" "See No Evil" (cantado junto por grande parte do povo presente), o imenso guitarrismo viajante de "Marquee Moon" (que musiquinha foda!) e a versão para "Knocking On Heavens Door" de Bob Dylan.

Mas, sério: a perícia técnica dos caras é incrível, mas o tesão de tocar e a empatia com o público eram praticamente inexistentes, o que estragou um pouco o gosto do show. O Television inteiro me pareceu um tanto antipático, humanamente falando. Quem viu o MC5 no Campari sabe: Wayne Kramer, naquela ocasião, conseguiu fascinar o público e fazer daquela noite algo de extremamente especial para quase todo mundo ali dentro pois estava extremamente empolgado e radiante em cima do palco... O Television, por sua vez, voltou um tanto triste e apático, uma pálida sombra perto do vulcão que foi o Motor City Five irradiando energia e juventude...