segunda-feira, 23 de julho de 2007

:: big bill ::

Coloco por aqui dois dos meus sonetos prediletos do William Shakespeare como um convite para que vocês corram até a Biblioteca e devorem todos os 152 outros - são de altíssimo nível do começo ao fim. Shakespeare é tão imenso, tão genial, tão insuperalvemente superior aos reles mortais, que lê-lo chega a ser desanimador para quem alimenta ambições de se tornar escritor... Ele é concorrência imbatível. É de uma grandeza insuperável. Como escrever depois desse homem? Como não se sentir como uma titica aos pés desse gigante?

É por isso que o Victor Hugo diz: "O forte, o grande, o luminoso são, sob certo ponto de vista, coisas que ferem. Ser ultrapassado nunca é agradável; sentir-se inferior é ser ofendido. (...) Dada a mediocridade humana, ele [o belo criado pelo gênio] humilha ao mesmo tempo que encanta. (...) A tempestade crê regar, mas afoga; o astro crê iluminar, mas ofusca, às vezes cega. (...) O infinito é pouco habitável. (...) É trabalhoso conviver com essas maravilhas selvagens. (...) A própria aurora nos parece às vezes imoderada; quem a olha de frente, sofre; o olho, em certos momentos, pensa muito mal do Sol. (...)

A primeira coisa que esses seres, os gênios, fazem é maltratar o eu de cada um. Exorbitantes em tudo, em pensamentos, em imagens, convicções, emoções, paixão, fé, qualquer que seja o lado do vosso eu para o qual se dirijam, eles o incomodam. A nossa inteligência, eles a ultrapassam; a nossa imaginação, ela lhes faz mal aos olhos; a nossa consciência, eles a questionam e remexem; as nossas entranhas, eles as torcem; o nosso coração, eles o partem; a nossa alma, eles a arrebatam.

(...) Colai vosso ouvido a esses colossos [os gênios], ouvi-los-eis palpitar. Temos necessidade de acreditar, de amar, de chorar, de bater no peito, de cair de joelhos, de erguer as mãos ao céu com confiança e serenidade, escutai esses poetas, eles nos ajudarão a subir para a dor sã e fecunda, eles nos farão sentir a utilidade celeste do enternecimento..."

Shakespeare humilha e nos deixa humildes; mas ao mesmo tempo exalta e nos convida a subir, subir, subir... Um pássaro nas alturas que nos faz desprezar nosso rastejante destino de répteis e nos faz querer alçar vôo como ele.

Voilà um gênio:


"When in disgrace with Fortune and men's eyes,
I all alone beweep my outcast state,
And trouble deaf heaven with my bootless cries,
And look upon myself and curse my fate,
Wishing me like no one more rich in hope,
Featur'd like him, like him with friends possess'd,
Desiring this man's art, and that man's scope,
With what I most enjoy contented least,
Yet in these thoughts myself almost despising,
Haply I think on thee, and then my state
(Like to the lark at break of day arising),
From sullen earth sings hymns at heaven's gate,
For thy sweet love remember'd such wealth brings,
That then I scorn to change my state with Kings."

(Desvalido em fortuna e aos olhos dos mortais,
Quando choro sozinho ao ver-me rejeitado
E os surdos céus perturbo em vão com altos ais
E amaldiçôo a sorte olhando meu estado,
E almejo ser alguém, bem mais esperançado,
De que tivesse o aspecto e as ricas amizades,
E com o que fruo mais o menos contentado,
Quero a arte deste, e doutro as oportunidades:
Quase que me desprezo, em coisas tais cuidando;
Mas penso em ti, e logo a minha condição,
Qual cotovia na alva a terra abandonando,
Ergue às portas do céu hinos de gratidão;
Pois traz-me tal riqueza o teu amor lembrado,
Que desdenho trocar com os reis o meu estado.)


* * * * *

"When I Consider everything that grows
Holds in perfection but a little moment.
That this huge stage presenteth naught but shows
Whereon the Stars in secret influence comment.
When I perceive that men as plants increase,
Cheered and check'd even by the selfsame sky:
Vaunt in their youthful sap, at height decrease,
And wear their brave state out of memory.
Then the conceit of this inconstant stay,
Sets you most rich in youth before my sight,
Where wasteful time debateth with decay
To change your day of youth to sullied night,
And all in war with Time for love of you
As he takes from you, I engraft you new."

(Quando observo que tudo quanto cresce
Desfruta a perfeição de um só momento,
Que neste palco imenso se obedece
A secreta influição do firmamento;
Quando percebo que ao homem, como à planta,
Esmaga o mesmo céu que lhe deu glória,
Que se ergue em seiva e, no ápice, aquebranta
E um dia enfim se apaga da memória:
Esse conceito da inconstante sina
Mais jovem faz-te ao meu olhar agora,
Quando o Tempo se alia com a Ruína
Para tornar em noite a tua aurora.
E crua guerra contra o Tempo enfrento,
Pois tudo que te toma eu te acrescento.)