quinta-feira, 24 de março de 2005

< 5 mó afudê do mina-rock, ó >

da série: discos que eu recomendo
tema de hoje: rock and roll com vocais femininos

the kills. "keep your mean side". 2003. rough trade records. Joguem uma clone da PJ Harvey de 20 e poucos anos numa garagem suburbana, junto com um cara só, que brinca de ser guitarrista, baterista e backing vocal (provavelmente não ao mesmo tempo), e recomende: "act sexy as hell or die trying!" O resultado é um blues-punk esfarrapado e tosqueira que soa como um White Stripes perdido nas madrugadas de uma cidade decadente ou um "Dry" (o 1º da PJ) mais visceral e mais basicão. Não chega a ser punkadaria pra pogar, mas os fios de alta tensão do blues se mantêm sempre queimando. "Cat Claw", blues imundo de bom, faz borbulhar qualquer libido e é tão sexy que faz o Kills merecer o rótulo de rock pornô. E o nome da vocalista, simples assim, é W. "Eu queria uma mulher com W maiúsculo...", cantava Fred 04 numa clássica canção. Tem uma aqui no The Kills...


sahara hotnights. "jennie bomb". 2001. jet set records. hard-rock treme-estádio espetaculoso feito por essa banda sueca 100% feminina. É fenomenal como elas não venderam ainda umas 10 milhões de cópias tendo gravado música tão contagiante. Dá pra notar que elas prestam suas homenagens às mulheres fera do roquenrou de outrora - Joan Jett, Chrissie Hynde, as Runaways... -, mas acabam soando mais como uma versão fêmea dos Hellacopters (aliás compatriotas delas...) ou como um Darkness um tanto menos escrachado. Ou como um AC/DC de calcinhas.



bellrays. "grand fury". 2001. vital gesture records. "Pra ter uma idéia do que os Bellrays são", diz a AMG, "imagine que a Tina Turner abandonou o Ike em 1972 para chefiar o MC5, ou mentalize Aretha Franklin junto com um bêbado-demais-pra-cantar Iggy Pop nos Stooges, lá em 1969". A vocalista Lisa Kekaula (vai cantá assim na puta que o pariu, mina!...) é uma negona cabeluda com uma voz abençoada que parece um mix de Aretha Franklin, Otis Redding, Nina Simone e Brody Dalle. A banda californiana, lá atrás, faz uma barulheira punk dos infernos pra servir de background para todo o soul da mina. É tipo um MC5 com vocais do James Brown se ele fosse mulher. Tipo o Stooges fazendo uma jam com a Aretha Franklin num dia em que ela acordou nervosa. É muito foda.



saves the day. "in reverie". 2003. dreamworks records. Quarteto americano que faz um punk-pop sensível, de bonitos vocais meio tímidos, e com belas e grudentas melodias. Um discaço enxuto de meia hora que lembra o Weezer, o Walt Mink e outras bandas que não temem misturar guitarras distorcidas e pesadas com vocais melódicos bragarai. Esse é um daqueles discos maravilhosos que mantêm sempre o nível no alto, sem musiquinhas chumbregas colocadas no meio do pacote só pra preencher espaço. Num tem uma música ruim.



detroit cobras. "mink, rat or rabbit". 1998. Sympathy For The Record Industry. Da abundante cena garageira de Detroit (terra dos White Stripes, dos Von Bondies, dos Come Ons, e, claro, do MC5) saiu essa banda cover de clássicos/standards do soul, rhythm and blues e rock and roll dos anos 50 e 60, um primor. Hitões e tesouros escondidos são todos visitados pela máquina recriadora dos Cobras, que embala essas velhas delícias numa roupagem mais modernosa e salpicada por umas guitarronas vigorosas. Faz ferver qualquer festa.

sexta-feira, 11 de março de 2005

< resenha fresca aê, ó...>

"BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS"
de Michel Gondry (EUA, 2004)


"A nova contribuição Gondry/Kaufman, esse Brilho Eterno De Uma Mente Sem Lembranças, me pareceu um filme bem melhor realizado que o anterior e bom o bastante para estar destinado ao status de clássico. Mesclando comédia romântica (sem exagero no açúcar) e ficção científica leve, a obra parte da seguinte idéia tipicamente kaufmaniana: e se alguém inventasse uma máquina de amnésia que nos possibilitasse apagar da memória certas lembranças desagradáveis? Tudo bem que a própria mente humana já possui recursos semelhantes, empurrando lá pro inconsciente à base de repressão aquilo com o que não simpatizamos. Mas esses conteúdos que nós tentamos expulsar da mente sempre voltam pra nos atormentar nos sonhos e nas neuroses. Um dispositivo tecnológico que possibilitasse um aniquilamento completo das memórias seria algo mais desejável. No mundo imaginado por Kaufman, há uma empresa (a Lacuna) que oferece esse serviço divino a todos os desgraçados que tanto aspiram ao sagrado esquecimento.

E lá se vai Joel Barish (Jim Carrey), coração partido após treta com a namorada Clementine (Kate Winslet), e contrata a empresa para que possa passar pela "lavagem cerebral" (pela qual já passou a mocinha antes) que o restituirá a tranquilidade e fechará as cicatrizes. Solução conveniente para os relacionamentos fracassados: a mútua amnésia. O espectador nunca tem certeza se o serviço oferecido pela Lacuna funciona de verdade ou se a empresa é uma perigosa enganação. Somam pontos à desconfiança que cresce no espectador o fato de que os três funcionários da Lacuna Corporation (interpretados por Elijah Wood, Kirsten Dunst e Mark Ruffalo) são insistentemente descritos como negligentes, irresponsáveis e doidões. A própria idéia de se submeter à operação é duvidosa, pois se sabe da natureza perigosa da mesma ("Há algum risco de dano cerebral?", pergunta Joel ao médico, só pra receber a pouco convidativa resposta: "Bem, tecnicamente falando, a operação É dano cerebral..."). Um suspensinho básico é criado e sempre ficamos a nos perguntar: "será que essa negada vai ferrar com a mente do pobre Joel?"

Grande parte do filme se passará dentro da mente de Joel durante sua "cirurgia" de extração das memórias (Brilho Eterno é um dos filmes mais "intra-mentais" que eu conheço). A narração da história de amor e de ódio entre Joel e Clementine vai ser feita através das memórias que são revisitadas com o intuito de serem apagadas pela tecnologia da Lacuna. Kaufman imaginou o processo da seguinte maneira: não se trata de uma operação em que a pessoa esteja totalmente nocauteada, adormecida e inconsciente. Muito pelo contrário: Joel está consciente de todas as memórias no momento em que elas estão sendo destruídas, e vai sendo conduzido de lembrança em lembrança para assistir ao assassinato. É como se a mente de Joel fosse uma HD de computador, e a tecnologia da Lacuna fizesse um search em busca da palavra-chave "Clementine" nessa HD, para então ir entrando de diretório em diretório para apagar o "vírus"." DÊXÔLÊTUDOAÊ, PÔ!

sexta-feira, 4 de março de 2005

< deus com cara de paisagem >

um texto bão.

SANTO NOME EM VÃO
de Tales Alvarenga

(eu li AQUI, mas parece q saiu na VEJA em alguma edição de janêro)

"Segundo um ditado de vovó, pessoas inteligentes não discutem política, ideologia e religião. Estou começando a concordar com ela. Poucas vezes se teve a oportunidade de ouvir tanta teologia vulgar como a que banhou a mídia depois do tsunami que fez 160.000 mortos em cidades e vilarejos do Oceano Índico. O tom geral dos sábios que se manifestaram é mais ou menos o seguinte: se Deus existe e se é bom, como permite tragédias desse tipo? Resposta dada por eles próprios à indagação: Deus tem sempre alguma razão para agir, mas seus desígnios são insondáveis. Pode alguém que não seja totalmente mentecapto contentar-se com uma tolice dessas?

As pessoas religiosas se acostumaram a receber, geração após geração, por milhares de anos, uma doutrinação incansável e supersticiosa que as torna mentalmente aptas a acreditar que Deus (o Deus de qualquer religião) se interessa por todos os detalhes ínfimos de sua vida e está sempre pronto a interferir quando situações mais graves a perturbam. Se Deus (qualquer Deus) existe ou não existe, isso é uma questão que cada um deve resolver consigo próprio. O certo é que, se existir, Deus não interfere. Nunca.

Se interferisse, de acordo com os próprios códigos morais que estão na base de todas as religiões, crianças e jovens não morreriam a granel nos países mais pobres, vítimas de diarréia e de doenças transmissíveis que seriam debeladas com o empenho de um bocejo dos países ricos. Terroristas virariam estátuas de sal antes de deflagrar a bomba que matará inocentes. O assassinato sistemático, o comércio de drogas e armas, a exploração dos mais fracos – nada disso gozaria de tanta vitalidade se Deus interferisse. Para não sofrer demais com as calamidades, o mundo costuma passar ao lado sem vê-las. Não pode fazer isso num caso como o do tsunami. Mas muitos tsunamis de natureza diferente ocorrem no mundo todos os dias.

Tudo isso acontece desde o início dos tempos e Deus (qualquer um deles) fica lá de cima contemplando a cena com cara de paisagem. Vez por outra, um humano desesperado consegue arrancar um suposto milagre da divindade. E o folclore dessas exceções alimenta o fio inquebrantável da fé, que atravessa os séculos. Eu diria, amigos, que vocês não devem reclamar de Deus nas tragédias porque ele nada tem a ver com isso. Também não devem agradecer a ele graças alcançadas, como encontrar o camafeu que ganhei da titia ou ajudar o Betinho a passar no vestibular.

É impressionante como as pessoas incomodam Deus e todos aqueles santos que se sentam nas nuvens com os mais triviais pedidos. Se ele existir, acredito que qualquer encomenda que lhe façam, grande ou pequena, tem exatamente a mesma importância para ele. Nenhuma. Não porque, em teoria, a divindade se desinteresse. E sim porque, na prática, se Deus existe, seria incoerente da parte dele fazer discriminação contra ou a favor de suas criaturas. Não acredito em milagres. Se fossem possíveis, as crianças conseguiriam transformar o mundo numa infinita Disney World e os marmanjos criariam um país em que todas as mulheres se chamariam Carolina Dieckmann. Noventa milhões de Carolinas Dieckmann se locomovendo pelas calçadas brasileiras. Oh, meu Deus!"