sábado, 8 de setembro de 2007

ó que primor:


MEU PEQUENO INVENTÁRIO DE NOSTALGIAS
(parte IV)

- falemos sobre música! -


HISTÓRIA DOS MEUS PRIMÓRDIOS MUSICAIS>>>> A verdade é que todo mundo já usou o próprio ouvido como privada por muito tempo - e tem gente que continua fazendo isso a vida toda, mesmo que não saiba (ou não se importe...). A não ser que você seja o filho dum maestro ou músico ultra-ortodoxo, que te tocou Mozart e Beethoven desde o berço, que borrifou notas musicais na sua chupeta, que te mandou para as aulas de piano desde criancinha, que te dava chineladas se você ousasse preferir algum hit pop ao Schubert ou ao Debussy, você provavelmente teve os tímpanos devidamente bombardeados com muita porcaria. Eu? Eu já ouvi um monte de merda nessa vida. E ainda hoje sou bem mais meu Ramones de três acordes tosquérrimos, meu Kinks, meu Beatles, meu Sleater-Kinney, do que uma ópera do Wagner ou aqueles trecos do dodecafonismo, atonalismo e o caralho a quatro – não desce!

Mas já que é tempo de rememorâncias, deixa eu ver se me lembro... As estações de rádio prediletas do meu pai, aquelas que sempre rolavam no carro a caminho da escola, do mercado ou da locadora, eram a Antena 1 (lembro até o número certinho no dial: 94,7) e a Alfa FM. Eram estações que tocavam música pop americana, daquele naipe: meio de elevador, meio de motel, altamente piegas e sentimentalóide - a coisa mais uncool do planeta. Tive aí minha pré-escola musical: ouvindo toneladas de Elton John, Bee Gees, Roy Orbison, Air Supply, Simply Red, Al Green, Barry Manilow, Art Garfunkel, Carly Simon, Carole King, Johnny Rivers (cara que quase causou uma gravíssima noite de insônia uns dias atrás, num papo muito maluco que tive...) - entre outros heróis da pieguice pop classuda made in America.
Foi só com o tempo eu aprendi a arte do desprezo cruel contra essas pobres rádios e suas programações chumbregas - que comecei a chamar de “lixo romântico americanóide”, “soft-rock meloso” (e melado), “música de tiozão careta”, quem sabe até, mais recentemente, de “alienação capitalista enlatada para a classe média pequeno-burguesa” (óia!) - isso pra ficar só nas apreciações estéticas que não envolvem palavras de baixo calão. Mas confesso que de vez em quando, hoje em dia, só pelo bem da nostalgia, dou uma paradinha nessas estações só para ver se sinto chegar até os meus ouvidos, vindo direto do túnel do tempo, algum hit que o Eduardinho de 6, 8, 10 anos, ouvia dentro do carro paterno...

Mas esses longos anos de infância ouvindo aqueles charmes todos deixaram suas sequelas, boas e más. As más são poucas, como um asco irreprimível quando ouço “Stayin' Alive” ou “Owner Of a Lonely Heart”, músicas que me deixaram com preconceitos invencíveis contra os Bee Gees e o Yes. Mas as boas nostalgias são muitas: gosto de Elton John até hoje, ainda mais quando me lembro de certas cenas crássicas do Quase Famosos. Tenho simpatias confessas com certos hits irresistíveis do Roy Orbison (“You Got It” sempre foi de-mais!). Eu achava a Mariah Carey, além de gatíssima, sen-sa-cio-nal cantando Jackson 5, ao vivo, quando era ainda mocinha, no Acústico MTV dela. Achava a voz da Carole King uma doçura pra lá de agradável (ela é praticamente é mãe musical da Casey Dienel!) E lembro de muitos refrões que ficavam grudados na cabeça, mesmo que eu, na época, não tivesse idéia de quem eram os artistas que cantavam aquelas grudentas pestes românticas. Quando descobri, anos mais tarde, o grande Bill Withers (e o cara é foda mesmo!), me lembrei de tê-lo ouvido muito na infância, especialmente as clássicas “Ain't No Sunshine When She's Gone” (adoro até hoje!) e “Lovely Day” (uma das performances vocais mais impressionantes da história do soul – parece que o cara tem uns 6 pulmões dentro do peito!). A mesma coisa aconteceu com outra delícia perfeita que a Antena 1 tocava até cansar e que hoje eu continuo achando trimmassa: “I'm So Tired Of Being Alone”, do Al Green (que, não sei porquê, sempre achei ter um nome “de ET”). E quer saber? Eu não discordava da opinião paterna de que nunca tinha nascido cantor como Elton John. Ouvia aquilo tudo com muito respeito. Com um aluno aprendendo o que era “música de verdade”...

Já minha mãe era de um gosto musical de que eu desconfiava mais, desde cedo. Não parecia lá coisa de muito bom gosto não... Ela ouvia umas esquisitices orientais super paradonas, que ela dizia ser coisa boa “pra meditação e e relaxamento”, e que tinham nomes estranhos como Kitaro e Enya. Era dose. Ela também achava o Kenny G o má-xi-mo com aquele saxofone tão “tocante” e assoprado com tanto “sentimento” (se ela soubesse inglês, diria admirada: “mas que feeling!”). Nos momentos em que ela queria música um pouco mais “agitada”, era super a favor de ouvirmos estrelas da MPB na época: além do Ivan Lins e do Guilherme Arantes, que eram “unanimidade nacional”, ela também idolatrava o Djavan (que eu achava um cara meio pornográfico, exigindo que a mocinha decidisse logo se ia dar ou não - “mais fácil aprender japonês em braile do que você...”) e aquele negão-que-tinha-a-voz-mais-incrível-do-mundo, o Emílio Santiago. O gosto dos dois só combinava em poucos pontos (Roberto Carlos dazantiga, por exemplo), mas não rolavam muitas brigas por causa do rádio não. Minha mãe costumava deixar a escolha nas mãos do meu pai, com a condição do volume ser deixado bem baixo – ela parecia não ver graça alguma em música alta e temer pelo rompimento dos tímpanos se o volume passasse de um décimo do máximo. E nunca soube cantar direito, a minha mãe - o karaokê veicular, pois, sempre ficava a cargo do pai, que (thank god!) até que não mandava muito mal não...

Sem falar que outras influências, essas muitos menos honrosas, entraram também no caldeirão das primeiras experiências sônicas que eu tive. Por exemplo: música de empregada doméstica. A coisa é que eu ficava bastante tempo na presença e na companhia da empregada da vez lá em casa, já que a minha mãe sempre trabalhou fora, e acabava ouvindo de segunda mão aquilo que saía do radinho da criatura. Sertanojo nunca rolou de verdade, apesar de eu saber até hoje certos refrões do Leandro e Leonardo e do Chitãozinho e Xororó (sem falar da deliciosa “Maria Chiquinha”, melhor coisa da história de Sandy e Júnior). Meus infortunados ouvidos recebiam mesmo os dejetos da Gazeta FM, a pagodeira mais adorada de São Paulo – e seja dito para o meu vexame que lembro até hoje de algumas canções clássicas do Raça Negro, do Molejo, do Katinguelê, do Exaltasamba e do Só Para Contrariar. Naquelas priscas eras, não era lá muito difícil encontrar o pequeno Dudu tocando um air-pandeiro e cantarolando “Lua váááá, iluminar os pensamentos dela, fala pra ela que sem ela eu não vivo, viver sem ela é meu pior castigo...”. Não culpo as pobres criaturas por terem “me contaminado” com essa lixaiada toda – gostei da minha fase de “plebeu musical”, ouvindo aquilo que alegrava as multidões simples e pacatas desse Brasil, e na época não tinha a mínima vontade de ser “original” em termos de gosto musical, querendo ouvir o que só um seleto grupo de elite conhecia... Não tinha pego o vírus indie ainda.

Depois tive uma fase, no ginásio, de entrar na onda dos poperôs da Jovem Pan, o famoso tutz-tutz-tutz, que o povinho da escola adorava pôr naquelas horrorosas festinhas que faziam nas garagens das casas ou, no caso dos mais bem afortunados, em buffets infantis antenados com o gosto dos "mocinhos". Minha timidez, desde então, não me deixava ficar alucinando na pista de dança como os outros, me acabando junto àquele bate-estaca dos infernos, numa salinha toda cheia de luzes coloridas, piscas-piscas e fumaça artificial cheirosa, mas eu fui na onda do povo e tive uma vergonhosa passagem pelo tecno-pop prêiboi horrendo que tanto sucesso fazia naquela época...

Quanto ao meu caso de amor com o rock and roll, minha noiva mais querida, mais fiel e menos traidora, com quem vou permanecer casado até que o túmulo me engula, digo que não tomei muitas aulas com ninguém sobre o assunto. Não tive nenhum tio hippie que viveu os loucos anos 60 chapado de ácido para me apresentar uns vinis do Hendrix, da Janis, do Airplane e dos Doors. Não tive um irmão mais velho bombando um Sex Pistols ou Nirvana no quarto vizinho pra me ensinar como manifestar rebeldias através dos vômitos do aparelho de som. Fui sozinho descobrindo o som que eu curtia, tendo como principal regra de conduta isso: não posso gostar de nada que os meus pais gostassem! De preferência, tenho que gostar daquilo que os deixe escandalizados... Meu pai até que, de vez em quando, ouvia um som mais rock and roll: tinha um Greatest Hits do Queen que ele adorava (eu mais ou menos...), era fascinado pelo Led IV (mais eu não me conformava com o número de vezes que ele ouvia “Stairway To Heaven” quando “Black Dog” era tão mais legal!), me iniciou nos Beatles com aquela coleta dupla azulzinha (de 1967 a 1970) que ele rolava direto, cantando junto quase todas, e que começava já matadora com a sequência “Strawberry Fields Forever”, “Penny Lane” e “Sgt. Peppers”.

Mas se for para falar de verdade sobre os meus primórdios musicais, tenho que citar pelo menos 4 coisas importantes e que merecem, pois, capítulos só delas:

(to be continued...)