we like planets that go "boom!"
Posto aí embaixo um textículo APAVORANTE do titio Koestler, no qual ele se põe a mostrar, numa argumentação bastante plausível, por que é que a raça humana, essa lindeza, is going bye bye. Tudo bem que foi escrito nos anos 70, em plena Guerra Fria, época de pesadas nóias que faziam temer uma hecatombe nuclear, com a possibilidade sempre palpável de que os EUA ou a União Soviética apertassem o botão da Máquina do Apocalipse, mandando todas as formas de vida sobre a face da Terra de volta para o nada... Não foram poucos os artistas que, naqueles tempos em que se temia que a Guerra Fria esquentasse muito além do recomendável, soltaram gemidos de pavor frente às perspectivas sombrias para a humanidade no tempo da bomba de hidrogênio. Só pensar no “Doutor Fantástico” de Stanley Kubrick, na “A Hard-Rain’s A–Gonna Fall” do Bob Dylan ou nos escritos meio apocalípticos do Norberto Bobbio... Mas não acho que seja somente uma doentia paranóia causada pelo espírito dos tempos. O grande Koestler – que, além de seus excelentes trabalhos literários (destaque supremo para “O Zero e o Infinito” e “Cruzada sem Cruz”), também era um puta dum filósofo e dum estudioso de ciência e política - também se levantou para manifestar uma opinião bastante pessimista sobre o futuro da humanidade nesse seu excelente livro que é o “Jano”. A humanidade, muito provavelmente, não vai durar mais muito tempo, diz K., e mesmo que se saiba bem que não vamos fazer muita falta para o Universo, que conosco ou sem nosco vai seguir fazendo o que sempre fez, sei lá pra quê, não deixa de ser angustiante pensar que a história humana está prestes a ser tragada pelo nada... Ah, vaidade das vaidades, foi tudo em vão!... Tudo em vão!
* * * * * * * *
“Se me pedissem para mencionar a data mais importante da história e da pré-história da raça humana, eu responderia sem a mínima hesitação: o dia 6 de agosto de 1945. A razão é simples. Desde o alvorecer da consciência até o dia 6 de agosto de 1945, o homem precisou conviver com a perspectiva de sua morte como indivíduo. A partir do dia em que a primeira bomba atômica sobrepujou o brilho do Sol em Hiroshima, a humanidade como um todo deve conviver com a perspectiva de sua extinção como espécie.
Aprendemos a aceitar a efemeridade da existência pessoal, ao mesmo tempo em que tínhamos como certa a potencial imortalidade da raça humana. Essa crença deixou de ser válida. Precisamos rever nossos axiomas. (...) A partir do instante em que abriu a caixa nuclear de Pandora, nossa espécie tem vivido com os dias contados... Em nenhuma época anterior tribo ou nação alguma possuiu o instrumental necessário para tornar este planeta inadequado para a vida.
(...) Infelizmente, uma invenção, uma vez realizada, não pode ser desinventada. A arma nuclear veio para ficar; integrou-se na condição humana. O homem terá que viver com ela permanentemente: não apenas durante a próxima crise de confrontação e a seguinte, não apenas durante a próxima década ou o próximo século, mas para sempre, isto é, por todo o tempo em que a humanidade sobreviver. Mas tudo leva a crer que isso não será por muito tempo.
Duas razões principais alicerçam esta conclusão. A primeira delas é a técnica: à medida que os instrumentos da guerra nuclear se tornam mais potentes e mais fáceis de construir, torna-se inevitável sua disseminação tanto entre as nações jovens e imaturas como entre as nações antigas e arrogantes, ficando impraticável o controle global de sua produção. Num futuro previsível, essas armas serão fabricadas e estocadas em grandes quantidades, pelo mundo inteiro, por nações de todas as cores e ideologias, e a possibilidade de que a centelha que inicia a reação em cadeia será ateada cedo ou tarde, deliberada ou acidentalmente, aumentará na mesma proporção, até se aproximar, a longo prazo, da certeza. Pode-se comparar tal situação a uma aglomeração de jovens delinquentes presos numa sala repleta de material inflamável, aos quais se dá uma caixa de fósforos - com a piedosa recomendação de não brincarem com fogo.
A segunda razão principal que aponta para uma curta probabilidade de vida para o Homo Sapiens na era pós-Hiroshima é o elemento paranóico revelado pelos registros de seu passado. Um observador imparcial, vindo de um planeta mais evoluído, que pudesse abranger de um só relance a história humana desde a caverna de Cro-Magnon até Auschwitz, certamente chegaria à conclusão de que a nossa raça, embora seja admirável sob alguns aspectos, é sob a maioria dos aspectos um produto biológico muito deteriorado. Além disso, as consequências de sua enfermidade mental sobrepujam em muito suas realizações culturais, se consideradas as oportunidades criadas pela prolongada existência. O som mais persistente que ecoa ao longo da história do homem é o rufar dos tambores de guerra. Guerras tribais, guerras religiosas, guerras civis, guerras dinásticas, guerras nacionais, guerras revolucionárias, guerras coloniais, guerras de conquista e de libertação, guerras para prevenir e para terminar todas as guerras seguem-se umas às outras numa cadeia de repetição compulsiva a perder-se nas brumas do passado, persistindo fundadas razões para crer que essa cadeia se estenderá para o futuro. Durante os primeiros 20 anos da era pós-Hiroshima (1946-1966), o Pentágono registrou quarenta guerras combatidas com armas convencionais. E pelo menos em duas ocasiões - Berlim em 1950 e Cuba em 1962 - chegamos à iminência de uma guerra nuclear. Se deixarmos à parte o confronto de piedosos pensamentos, devemos supor que os focos de potenciais conflitos continuarão a se acumular pelo globo terrestre, como regiões de alta pressão num mapa meteorológico. E a única salvaguarda precária contra a escalada de conflitos locais para guerras totais e retaliações mútuas dependerá sempre, por sua própria natureza, do autocontrole ou temeridade de falíveis homens-chaves e regimes fanáticos. A roleta russa é um jogo que não pode ser tentado durante muito tempo.
O mais impressivo indício da patologia de nossa espécie manifesta-se no contraste entre suas incomparáveis proezas tecnológicas e sua também incomparável incompetência em resolver os problemas sociais....” (15-17)
* * * * * * *
“...o Homo sapiens não é um ser razoável - pois se o fosse, jamais teria transformado sua história em tamanho descalabro sanguinolento. Aliás, não há o mínimo indício de que o homem tenha iniciado o processo de se tornar razoável.” (19)
* * * * * * *
“O Homo sapiens é praticamente o único ser do reino animal carente de salvaguardas instintivas contra a matança de seres da mesma espécie, isto é, de membros de sua própria espécie. A Lei das Selvas só conhece um único motivo legítimo para matar: a necessidade de alimentação. E isto apenas sob a condição de que o predador e a presa pertençam a espécies diferentes. No seio da mesma espécie, a competição e o conflito entre indivíduos ou grupos resolvem-se por simbólicas posturas de ameaça ou por cerimoniosos duelos que terminam com a fuga ou gesto de rendição de um dos oponentes, raramente provocando ferimentos mortais. As forças inibidoras - tabus instintivos - contra a morte ou ferimentos graves causados a seres da mesma espécie são tão fortes na maioria dos animais - inclusive nos primatas - como os instintos de fome, sexo, medo. O homem é o único (afora alguns controvertidos fenômenos observados entre ratos e formigas) a praticar a matança de seres de sua espécie, em escala individual e coletiva, de maneira espontânea e organizada, por motivos que variam desde os ciúmes sexuais até sofismas de doutrinas metafísicas. O permanente estado de guerra entre coirmãos é uma características básica da índole humana.” (21)
* * * * * *
“Os contínuos desastres registrados na história humana originam-se principalmente da excessiva capacidade e ânsia do homem para identificar-se com uma tribo, nação, igreja ou causa, esposando o seu credo com muito entusiasmo mas sem o mínimo senso crítico... o problema de nossa espécie não é um excesso de agressividade, mas uma excessiva capacidade para devotamente fanático. (...) As guerras não são feitas para obter ganhos pessoais, mas por lealdade e devotamento ao rei, ao país ou à causa. Em todas as culturas, incluindo a nossa, os homicídios cometidos por razões pessoais constituem uma raridade estatística.” (28)
* * * * *
“...tanto a glória como a patologia da condição humana derivam de nossos poderes de autotranscendência, capazes igualmente de nos transformarem em artistas, santos ou assassinos, mas preferentemente em assassinos. Apenas uma pequena minoria é capaz de canalizar os ímpetos autotranscendentes para ideais criativos. Para a esmagadora maioria, ao longo de toda a história, a única realização de sua necessidade de entregra, de seus anelos de comunhão, tem sido a identificação com um clã, uma tribo, nação, igreja, ou partido, a submissão a seus líderes, a veneração de seus símbolos, a aceitação pueril e não crítica de seu sistema de crenças emocionalmente saturado.” (106)