domingo, 4 de setembro de 2005



RETALHOS DE CANÇÕES
& CACOS DE MELANCOLIA.

(egotripa choramingas e sentimental em lá menor)


"É de lágrima que faço mar pra navegar..."

Se eu fosse procurar por razões pra chorar, eu certamente as encontraria (já que nunca estiveram em falta), mas nem tenho precisado delas, as razões... Choro pois acho bonito estar triste, eis tudo. Pois meus olhos vermelhos, refletidos no espelho, me parecem mais poéticos, mais etéreos, mais humanos do que meus olhos secos. Choro pra sentir algo de intenso, de dilacerante, algo que me livre dessa horrorosa monotonia sentimental do cotidiano. Choro pois chorar não é algo de trivial, e, deus meu, como estou cansado com tudo o que é trivial! Acho que seria preferível que a vida fosse muito mais terrível do que é, muito mais trágica e sangrenta, cheia de gritos de pavor e calafrios de chacoalhar o esqueleto... mas que fosse um tantinho menos banal! Choro pois tenho vontade e não preciso mais de porquês. Se há o sentimento, que seja. Se estou triste, que esteja. Sem pedir explicações, deixo-me sofrer, curto minha dor, me delicio com o aconchegante manto da melancolia que me abriga como um abraço amigo...

"I want a good life, with a nose for things
A fresh wind and bright sky, to enjoy my suffering
A hole without a key, if i break my tongue
Speaking of tomorrow, how will it ever come?"

Quanto à felicidade estabelecida, doméstica ou não, claro que não posso. Juro que não posso. Ever tried, ever failed... Sempre preenchido por um vazio que não se esvazia... Sempre incomodado por uma insatisfação que não se satisfaz... Sempre sonhando que a vida seja o que nunca poderá ser... Sou bom na arte de me sentir desconfortável, então não posso nunca parar no mesmo lugar. O chão do presente é como uma chapa quente e tenho então que me tacar na piscina do futuro. Como refresco. A vida é algo que eu visto como se fosse um sapato apertado demais e que não posso retirar. Má metáfora: não são somente os meus pés que... Ah se fosse! Como seria bem melhor!

"I'm good at being uncomfortable,
so I can't stop changing all the time..."

Meu relações públicas veio recentemente me recomendar que eu escrevesse somente textos cheios de alegria e clarões, plenos de sabedoria e compreensão, doando as soluções para os labirintos da vida e para as questões humanas irrespondíveis! Deveria escrever textos edificantes! Mas não posso. Nisso tem muito de mania, de parcialidade. Tem muito desse gosto suspeito que tenho de me fingir de coitadinho pra tentar seduzir um pouco de compaixão, um pouco de amor... Tem muito de infantilidade, provavelmente de neurose... Mas quanto à felicidade estabelecida... Meus olhos, contaminados como estão, não acham muito o que dizer sobre a felicidade dos homens, sobre a lindeza das vidas que vivemos, sobre o tamanho descomunal dos êxtases de nossos amores, sobre o imenso sucesso de nossas justas sociedades... O que vejo não é lá muito de empolgar. Tudo bem, olhinho querido, veja mesmo o mundo através do vidro fosco da tua melancolia!... Escreva mesmo suas palavrinhas repletas de auto-piedade!... Dê mesmo vazão aos seus impulsos choramingas!...

Vou mesmo reclamar, praguejar, chorar. Vou passar pelo mundo choramingando e depois vou descer e ficar bem quietinho, pra sempre. Descer vamos todos nós, o que muda é o que fazemos antes de descer. É o que penso.

"For the self assured I have no cure, I only wish I was..."

E a gente fica sempre a se perguntar onde foi que errou, por que é que sempre algo esteve errado, em que ponto do caminho o trem se desencaminhou... O erro foi ter visto que o céu está vazio, esvaziado de Deus, indiferente a todas as preces, a todos os desejos, a todos os sonhos? Ou então não deveria nunca ter me lembrado continuamente da minha destinação cemitéria, da minha condição de alimento, da minha brutal precariedade? Não ter nunca sabido quem sou, terá sido esse o problema? Ter feito a maldita pergunta "quem sou eu" e receber como resposta somente seu eco sem resposta? Ter sempre sido uma peça que não se encaixa no quebra-cabeças? Ou nunca ter sabido abrir as portas para o mundo, para os outros, para a vida? Ou nunca ter admitido a sede, não permitindo então que ninguém viesse curá-la? É que meus problemas são só meus e não corro a ninguém por ajuda. E nem ninguém corre a mim para me ajudar. Estamos quites.

"Everybody got someone to run to,
when they're tired and scared,
Me I run to no one.

Everybody got a dream they believe in,
but let me tell ya something,
Me I believe in nothing."

E essa bosta de vida não parece ir a lugar nenhum. Somos bichos que tem fome, que comem, que trabalham pra comer e que acabam por ser comidos. Com os pés presos numa rocha gigante que roda, roda e roda e acaba sempre chegando ao mesmo lugar, ou seja, lugar nenhum. E Deus, se existir, é um canalha. E odeio todos os niilistas e todos os niilismos (principalmente por me seduzirem tanto)... E estou nesse mundo não sei pra quê. Por que foi mesmo que nasci? Que é mesmo que eu devo fazer com essa vida? O que é mesmo que tudo isso quer dizer? E por que, por causa de que crime que cometi, de que pecado que perpetrei, de que indignidade ou vício secreto que possuo, por quê, por mil diabos, por quê não há ninguém na minha vida? Oh, yes, it is fucking lonely, sooooooo fucking lonely...

"Why is there no one in my life?
Why is there no room to see wide?"

Vejam os classificados sentimentais na Capricho deste mês. Tive que pagar (o que não fazemos nos momentos de aperto!) para que me anunciassem o seguinte:

PROCURA-SE FAXINEIRA
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Estou à procura de uma moça de limpeza, dotada de muita paciência e muito gosto pela ordem e pela harmonia. Não pode ter claustrofobias, pois é em lugar bem fechado que será convidada a trabalhar. Também não deve temer fantasmagorias, aparições sombrias, odores sepulcrais: há tempos que a morte tem pisado com seus pés esses ambientes que agora será preciso limpar. Deve lavar com uma enxurrada sagrada de enxofre e sabão carbólico todos os vermes, todas as bactérias, todas as formigas, todos os abutres... Deve tirar as aranhas de suas teias e os morcegos de suas quinas de armário. Deve se esforçar por abrir as pesadas janelas de aço para que a luz finalmente entre após tanta escuridão... Pede-se que seus detergentes e sabões não contenham uma só gota de água benta e que nenhum crucifixo seja visto pendendo de seu pescoço (pois se trata de limpar, não de voltar a sujar!). É preferível que tenha um grande senso de humor para que possa alegrar seu senhor (pessoa muito melancólica, pobrezinho!), com muitas palhaçadas divertidas e jovialidades criançonas. É possível que ganhe permissão para mudar a decoração dos ambientes espalhando bexigas coloridas pelos dormitórios, pintando as paredes com cores luminosas, espargindo perfumes adocicados pelos ares... tudo para acabar com esse maldito ar sombrio de velório. O salário é modesto, pois o senhor, coitado, não tem muito a dar. A moradia é miudinha mas bastante confortável, num canto aconchegante e quente bem no meio do caminho entre o córtex e o hipotálamo do senhor...

Procuro uma faxineira para a minha alma!

"E sei que sou uma bagunça que ninguém quer arrumar..."

* * * over. * * *

versos amputados dos corpos de...
- los hermanos. "é de lágrima".
- wilco. "ashes of american flags".
- fiona apple. "extraordinary machine".
- delgados. "pull the wires from the wall".
- bicycle thief. "rainin".
- john frusciante. "time tonight".
- fiona apple. "paper bag".
... um verso roubado em rimbaud, "uma temporada no inferno".
... e a pintura no início é basquiat.